Magia Gênesis Brasileira

Autor(a): Rafaela R. Silva


Volume 1

Capítulo 21: Passado x Presente

Depois de todo o alvoroço, finalmente estavam preparados para dormir. Ficou acordado entre eles que, Vladmyr faria o primeiro turno e depois seu superior faria o segundo. A fogueira já estava pela metade, nada aconteceu durante o primeiro turno. O tempo passava e o silêncio se estendia. As luzes levemente amareladas do templo, pareciam oscilar hora ou outra, formando figuras estranhas nas paredes. Vladmyr observava atentamente o cenário em busca de qualquer ameaça.

— Ei! Sr. Ector!

— Alguma novidade?

— Não. Agora é seu turno — Vladmyr respondia de forma seca e breve.

— Tudo bem, garoto. Vá descansar — disse Ector enquanto assumia o posto.

Ector sentou em frente ao que restou das velhas madeiras ainda quentes, mas já sem chamas. A brasa ainda ardia e silenciosamente tentava sobreviver ao clima frio. Mesmo com as poucas horas de sono, ele se sentia revigorado, a saborosa refeição colaborou para sua recuperação. Já estava na hora de continuar. Por mais que, algumas horas a mais de descanso fossem o ideal, dada a importância da missão, seria displicente postergar ainda mais.

O silêncio permanecia, o vazio ao redor dava a impressão de que o tempo estava estagnado. Ector já ajeitava as coisas antes de convocar os demais do grupo, quando ouviu um estranho barulho vindo da cabana onde Vladmyr estava. O garoto resmungava algo enquanto dormia, provavelmente algum pesadelo. Ao se aproximar para acordá-lo, levou um susto ao ser surpreendido com Vladmyr se levantando de supetão. Estava ofegante, com a mão pressionando a cabeça próximo à têmpora.

— Me desculpe, senhor, não quis assustá-lo — com um sorriso no rosto e uma leve feição de dor, continuou — para o líder das tropas do reino de Carmim, você está se assustando fácil... ha ha ha.

Após essa frase, o rapaz sentiu uma forte tontura. Em sua mente, pipocavam flashbacks de seu passado, tudo indicava que suas memórias começavam a voltar. Ector avaliava qual era o atual estado de seu subordinado, na esperança de que ele tivesse recobrado todas suas memórias, mas como já imaginava, eram apenas fragmentos. O próprio Vladmyr confirmou que se recordou de algumas coisas, mas ainda se lembrava de pouca coisa de antes do ataque do Cérbero. O barulho chamou a atenção dos magos que, já despertados, presenciaram o acontecimento.

— Bom... se em uma noite as memórias já começaram a voltar, em questão de pouco tempo ela deve se restabelecer por completo — disse Cázhor ainda sonolento.

O grupo se ajeitava, após o ocorrido, para continuar a jornada. Com todas as coisas recolhidas, desfizeram o acampamento e apagaram o que restava de brasa na fogueira.

Lenna estava inquieta, após pegar suas roupas, já secas, se aproximou de seu mestre para saber como ele estava, depois de tudo que aconteceu, mal tiveram tempo para conversarem.

— Na última luta, o senhor mudou seu estilo de batalha e... foi incrível! Por que nunca me mostrou essa habilidade?

— Não vi necessidade para tal.

— Hunmm... — Lenna revirava os olhos decepcionada com a resposta, mesmo que já fosse o esperado.

Em suas simulações com Cázhor, apesar de ele pegar pesado com ela, nada se comparava ao que viu nas batalhas recentes, de fato, ele fazia jus ao seu alto cargo no reino de Manshur. Seus olhos brilhavam enquanto o encarava e lembrava de seus feitos, deixando Cázhor desconcertado com a cena.

A proximidade fez Lenna finalmente reparar nas marcas e cortes no rosto do mago, o que a fez mudar sua expressão rapidamente. Sustentava, agora, um semblante triste. Seu peito doía de uma forma inexplicável e as palavras saiam com dificuldade.

— Isso foi minha culpa, né? — disse ela, cabisbaixa.

— Não precisa se preocupar comigo, senhorita Weins. Concentre-se na missão! — como de costume, ele respondeu friamente.

Quando Lenna se recordava de como ele a acolheu depois de seu descontrole, a forma seca de respondê-la, já não a aborrecia mais. Mesmo que, para Cázhor nada houvesse mudado, lembrar de sua atitude a confortava.

Perder o controle em situações críticas, era o que mias preocupava Lenna e o que isso poderia causar aos que estavam ao seu redor trazia grande ansiedade a todos. Todos ali queriam entender melhor a situação e de onde veio esse poder assustador, mas teriam de esperar. Mediante a atitude que Cázhor teve, estava claro que ele já tinha ciência da condição dela e em algum momento, teriam essa conversa.

— Gostaria de ter mais tempo. Isso me intriga! — disse Cázhor claramente emburrado ao olhar para a fonte.

— Uma bela escultura — Ector dizia enquanto se aproximava do mago.

Estava claro que Cázhor gostaria de entender melhor como era o funcionamento do chafariz. Estudar tal fenômeno, para ele, era um privilégio. Aos olhos do guerreiro, era apenas uma escultura que representava uma linda mulher. A sensibilidade de Ector com a magia era mínima, sem contar que estava mais preocupado com a segurança do grupo do que desvendar esses mistérios.

— Vamos mago! Você terá que conter sua curiosidade por ora.

— Sim, eu sei... eu sei.

— Vocês dois, conseguem andar sozinhos ou querem que eu os carregue?

— Não! — Ambos responderam imediatamente.

Não havia mais como postergar. A cada minuto que se passava, aumentavam-se as chances de algo inesperado acontecer. Tinham que cumprir o objetivo quanto antes.

Ao saírem do grande saguão, um longo corredor os aguardava. Era relativamente estreito e com uma leve descida. À medida que avançavam, os cristais espalhados pelas paredes acendiam, porém, as luzes se tornavam cada vez mais fracas, já o frio, se intensificava. A tensão aumentava novamente.

Ector liderava o grupo, já que o caminho era quase linear, sem contar que, por mais que dissesse que não, o rastreador do grupo estava muito debilitado. No caminho, mais e mais câmaras vazias. Algumas salas, lembravam algo semelhante aos escritórios das sedes dos reinos, espaçosas, bem elaboradas e com banheiros luxuosos tomados pelo tempo, mas até então, nada que chamasse a atenção.

A construção mantinha-se com as mesmas premissas, paredes com grandes pedras lapidadas de um material branco, mas encardido pelo tempo. O material parecia preservar a baixa temperatura, que estranhamente caía de pouco em pouco. Nada nas salas dava alguma pista do que poderia ter ocorrido nesse local. Pouca coisa era aproveitável, aparentemente, quem estava aqui levou tudo que podia dar qualquer informação.

Repentinamente, todos, exceto Vladmyr, pararam.

— Mas o que foi? — disse o jovem guerreiro curioso.

— Veja! — Cázhor apoiava o pequeno medalhão nas mãos.

Um leve brilho se destacava do pingente que lhes foi entregue pelo mago no início da missão. Logo se deram conta de que a luz vinha do pedaço de papel que havia dentro. Os colares se moviam sozinhos, como se fossem atraídos em direção ao fundo do corredor.

— Estamos no caminho certo! — disse Eduardh.

Como apenas Vladmyr não tinha o medalhão, ficou sem entender o motivo da comoção, se questionava como chegaram a essa conclusão. Ele se aproximou de seu superior para observar melhor o objeto que estava em seu pescoço. Enquanto Vladmyr encarava a pequena peça, alguns flashbacks vieram à tona. Pequenos fragmentos de quando estavam na cúpula da sede de Ancor.

— Eu tinha um também... depois teve uma discussão e alguém conversando com um... cavalo? — As lembranças começaram a pipocar em sua cabeça.

A cada vez que ele tentava se recordar e ocorria um lapso de memória, tinha a sensação de que sua cabeça fosse explodir. As dores chegaram a um ponto que ele caiu ajoelhado no chão, sendo socorrido por Lenna, ela o olhava aflita, sem saber o que fazer.

No instante em que ouviu a voz desesperada da maga, ele se lembrou do momento em que tentava a segurar e evitar sua queda, mas que sua atitude foi em vão, ambos caíram. A memória agora estava clara em sua mente, a criatura de olhos púrpuras arrancando seu cordão e os observando cair com um sorriso de satisfação.

— Estamos procurando um... livro? — Vladmyr se forçava a restabelecer suas outras memórias.

— Vai com calma, rapaz. Se não, vai queimar os miolos de vez — disse Ector, dando um tapinha de leve no ombro do garoto, em sinal de apoio ao seu esforço.

Cázhor parecia preocupado. Restavam apenas duas poções de cura e, do jeito que Vladmyr estava, se entrassem em uma batalha ali, ele seria uma preocupação a mais.

— Estou bem! Sei do meu estado e que estamos numa missão importante. Me lembrei de algumas coisas... não se preocupem comigo. Vamos continuar — Vladmyr dizia ao se levantar com a ajuda de Lenna, ainda um pouco zonzo.

— Vocês ouviram o garoto. Vamos continuar! — disse Ector confiante.

Apesar das palavras, Lenna continuava ao lado do jovem guerreiro. Vê-la tão preocupada com ele, deixava Eduardh incomodado, mas não havia nada que pudesse fazer nesse momento, apenas desviou o olhar, respirou fundo e seguiu com o grupo.

Guiados entre um corredor e outro pela estranha atração do pequeno papel no medalhão, seguiam de forma cautelosa. Finalmente, chegaram a uma grande sala sem saída. O local estava consideravelmente bem iluminado e uma sensação estranha circulava seus corpos. Um salão, composto de cristais de várias cores, que emanavam uma luz própria. As cores se encontravam de forma tão elegante e sutil, que davam a impressão de estarem em um enorme arco-íris.

— Ainda estamos no templo? — disse Lenna deslumbrada com o que via.

O chão, assim como a estátua que viram na fonte, também era feito de mármore e, da mesma forma, estava limpo. Não havia outro caminho a se seguir ou outras salas que pudessem explorar. O pequeno papel no medalhão ainda ressoava, mas já não apontava para nenhum lado.

— É isso? Sem saída? — Ector estava extremamente desapontado.

— Deixamos passar algo, Sr. Hardro? — Cázhor, questionou na esperança de uma resposta positiva.

— É incrível, não é mesmo? — Uma voz vinha do fundo da sala, interrompendo o grupo.

— Mas, o quê? — Todos se assustaram por não perceberem que havia alguém ali.

Um homem cabelos longos e loiros, que estavam presos por um rabo de cavalo. Seus olhos azuis, quase lembravam o brilho de uma safira. Sua pele era tão pálida quanto a de Gregory. Aparentemente tinha por volta de trinta anos e praticamente a mesma altura que Eduardh. Sua expressão era de alguém que parecia estar bem despreocupado com toda aquela animosidade do grupo.

— Imaginem minha surpresa, em ver que alguém, finalmente, chegou aqui. Infelizmente, não trago boas notícias... — a nova figura continuava — Aaaah! Quase ia me esquecendo. Perdoe minha falta de educação, meu nome é Fazhar.

— Fa... — A surpresa foi tão grande que Cázhor mal conseguia falar.

O homem caminhava em direção ao centro da sala, enquanto o grupo o observava sem reação. Ainda tentavam processar o que ele havia dito. Quando aquele homem finalmente chegou no centro do salão, um deslumbrante trono também feito de cristais surgiu. Calmamente, ele se sentou, esticou os braços como se espreguiçasse após um longo cochilo.

“Bem... como posso falar isso hoje?” pensou o homem comprimindo os olhos, como se forçasse alguma memória.

— Bom... Vamos conversar?



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