Volume 1
Capítulo 11: Separação, incertezas e descobertas
“Preciso fazer algo... me acalmar. Respire!” A poderosa magia que emanava do interior da caverna pressionava cada vez, mais e mais, o mago.
Ele olhava para a situação do grupo, tentando imaginar como evitaria que tudo acabasse logo ali. Sua visão embaçada tentava focar em algo e não padecer à escuridão. Um borrão ao longe chamou a atenção de seus olhos, mas logo se misturou à sombra projetada pelo enorme paredão que se fechou à sua frente.
“Ótimo! Estou estável!”
Uma luz fraca e azulada se fez presente momentos após a entrada se fechar. Parecia dar as boas-vindas aos mais novos aventureiros.
— Vocês estão bem? — disse Cázhor se aproximando dos guerreiros.
— O que... o que aconteceu? — Vladmyr respondia ainda zonzo.
— Parece que fomos pegos de jeito, garoto. — Ector se levantava com dificuldade.
O tom azul, agora predominante, trazia uma sensação de cansaço, deixando as pálpebras pesadas, mas lentamente o corpo se adaptava. Esses cristais mágicos eram semelhantes aos que viram na vila dos druidas, porém agiam de uma forma totalmente diferente no metabolismo.
— Isso foi bem inesperado — Eduardh se apoiava no arco enquanto levantava — mal chegamos e já estamos nesse estado.
— Foi um baque e tanto, mas parece que... — Lenna se analisava — agora estou me sentindo melhor. Acho que me acostumei.
Todos, exceto Cázhor, a olhavam com uma certa surpresa e uma leve descrença, afinal ainda se recuperavam enquanto ela, aparentemente, já não sentia quase nenhum efeito.
— Bom... não podemos ficar aqui por mais tempo, já que todos estão bem, vamos seguir — disse Ector.
— Está quente! — disse Lenna, enquanto olhava curiosamente para o pingente que Gregory havia dado.
Ao abrir o medalhão, perceberam que o pequeno papel se movia lentamente em uma direção única a todos. De fato, havia alguma ligação entre o livro de Fazhar e aquela imensa caverna, uma ressonância que sutilmente direcionava-os a um caminho específico.
Dali, só havia um caminho a se seguir. O lugar era como um labirinto, a única coisa que os guiava era esse pequeno pedaço de página. A cada passo, o caminho se estreitava, descendo mais e mais.
Ector liderava o grupo naquele momento, seguido de Eduardh que usava sua incrível habilidade de rastreamento e sobrevivência para encontrar o caminho mais seguro a seguir, se baseando na direção que aparentemente o pequeno papel reagia mais. Cázhor seguia logo atrás juntamente com Lenna e por último Vladmyr.
O grupo sabia que alguma coisa parecia errada, tinham um leve pressentimento de que estavam sendo observados, mas nesse novo cenário, não se conseguia identificar o que podia ser. Os únicos sons notados eram apenas o barulho de gotas d'água caindo do teto, pequenos insetos se movendo pelas paredes e seus próprios passos, que, em meio à lama e grandes poças d’água, ressoavam pela caverna.
Invisível aos olhos do grupo, aquilo se movimentava como se já conhecesse bem o lugar. Claramente aguardava que o grupo encontrasse o que procuravam, seguindo-os pacientemente.
“Será perigoso se me expor nessa situação. Estou claramente em desvantagem. Tenho que, de alguma forma, separá-los.” Os pensamentos rondavam a mente da figura entre as sombras. “Já está maçante segui-los por tanto tempo, ao menos, sem fazer nada”.
Após quase uma hora caminhando em um silêncio agonizante, chegaram a um abismo, restando somente um caminho. Se é que podiam considerar aquilo como opção. Um pedaço de terra e pedras, estreito, frente a um grande paredão, mal cabia uma pessoa por vez.
— É... não temos outra escolha, ou voltamos e desistimos ou descemos por ali mesmo — disse Eduardh enquanto olha frustrado o caminho.
Sem opções, seguiram cautelosamente o rastro, desviando seus olhares e evitando olhar para baixo. Cair dessa altura seria fatal. Impossível ter noção da profundidade, a melhor forma de tentar passá-lo era caminhar em fila.
Quase na metade do percurso, algo repentinamente se projetou em direção ao grupo, especificamente em Lenna. Um projétil lançado tão velozmente que, nas atuais condições de visibilidade e posição, dificultava muito a percepção e até mesmo a contrarreação. Porém, Vladmyr, dessa vez, agiu rapidamente sem hesitação, mesmo com todos os contras, conseguiu desembainhar sua espada e posicioná-la em frente à Lenna, bloqueando o ataque.
— Uau! Meus parabéns, finalmente resolveu seu complexo com os transmorfos? — Uma voz masculina sobressaia dentre as sombras.
— O quê!? — indagou Vladmyr.
— Imaginei que não se importaria em perder um membro do grupo que tanto despreza. Acho que me enganei. Ainda há um pouco de sensatez nisso aí que você chama de cérebro — continuou a voz de forma sarcástica.
Todos se concentraram na direção de onde vinha a voz. A suspeita do grupo finalmente se confirmou.
— Uma pena que ainda tenha tanto a aprender, poderia ser de alguma utilidade para nós — continuava a voz.
Tudo indicava que aquilo só queria ganhar tempo. Quando Eduardh percebeu a real intenção, já era tarde demais. O projétil lançado contra Lenna era somente uma distração. Mais abaixo, havia outro pequeno projétil preso, com uma massa estranha sem forma, de um tom levemente avermelhado e algumas partes em marrom. Tudo aconteceu tão rápido após isso, que não deu tempo de sequer pensar em alguma estratégia.
Uma pequena explosão foi provocada dessa massa estranha, fazendo com que o chão abaixo de Lenna ruísse e levantasse uma considerável cortina de fumaça. Sem tempo para reação, ela, por alguns segundos, se sentiu flutuando sem o apoio sob os pés, logo em seguida despencou em queda livre. Vladmyr rapidamente segurou-a pelo braço enquanto se equilibrava no pequeno pedaço de chão que sobrou após a explosão.
O primeiro pensamento de Eduardh foi de usar seu teleporte para alcançá-la.
— Dessa vez não! — disse a voz se materializando em sua frente.
Juntamente, um pequeno ser, algo semelhante a uma sanguessuga, foi conjurado de frente ao elfo, se prendendo em seu ombro esquerdo fortemente por alguns segundos e desfazendo-se logo em seguida. Deixando apenas uma marca circular coberta de sangue onde seus pequenos dentes penetraram. O elfo não entendia o que ele havia feito. Tal atitude só fez sentido, quando sentiu uma dor extremamente intensa ao tentar usar de sua magia, suficiente para inibi-lo da ação.
— AAAAAAH! Mas o que... o que você fez comigo?!
— Ahahah! — Aquela figura borrada gargalhava.
Da mesma forma que apareceu diante de Eduardh ele se voltou para Vladmyr. Claramente, esse ser também era usuário de magia. Tinha uma habilidade semelhante ao elfo, de teleportar-se, o que o dava uma grande vantagem. Aproveitando-se da situação vulnerável em que Vladmyr estava, lançou um golpe forte com a perna, acertando-o em cheio em suas costas, fazendo com que ele perdesse o pouco do equilíbrio que tentava manter, ao segurar Lenna. A dor do golpe, de fato, foi notada pela expressão em seu rosto, seguida de uma expressão de raiva por não conseguir evitar que isso acontecesse.
— Não fique bravinho, não era nada que você pudesse evitar. — A nova presença se gabava.
Ector olhava desacreditado ao ver que nada podia ser feito para evitar a queda.
— Ahhh... e isso, fica comigo! — disse a imagem borrada em meio a poeira gerada pela explosão, enquanto arrancava o pingente de Vladmyr e o observa cair juntamente a Lenna.
— Nãooooo! — Eduardh, em meio a dor agoniante, tentava chegar até eles, antes que fosse tarde demais.
Os dois sucumbiram à escuridão do penhasco em queda livre e a ameaça finalmente se revelou diante do desespero e da incerteza. Um homem de aproximadamente 1,85 m, cabelos curtos em tons de prata e mesclado com branco, se assemelhava ao de Eduardh. Estava coberto por uma túnica que deixava exposto somente seus pés, mãos e sua cabeça. Sua pele bem clara, quase pálida, fazia destacar ainda mais a cor de seus olhos, um tom púrpuro de dar inveja a qualquer ametista, por mais pura que fosse.
— Bom, eu aqui vos despeço. Não é minha intenção um combate direto, ainda mais nessa forma, o que eu queria, já consegui — Lançando de um sorriso malicioso, erguia a sua frente o pingente que arrancou de Vladmyr ao mesmo tempo que sumia dentre as sombras na parte mais alta da caverna.
E então o silêncio. Apenas os mesmos sons que se ouviam pouco antes de tudo acontecer. Ainda não acreditavam que isso era real.
— Vlaaaad... Senhorita Weeeins... — Os gritos de Ector e Eduardh quebravam o silêncio.
Não se teve nenhuma resposta. Isso realmente aconteceu? Era o que se perguntavam. Esse homem veio de uma forma tão repentina, simplesmente fez o que queria e se foi sem nenhuma dificuldade.
— Merda! Merda! Merda! — Ector socava a parede, fazendo sua mão sangrar com a força dos golpes.
Havia tantas coisas para se preocuparem naquele momento, não sabiam por onde começar. Lenna e Vladmyr estavam vivos? O que aquela criatura fez com Eduardh que impossibilitou de usar sua magia de teleporte? Aquele homem iria voltar? Eram vários os questionamentos que passavam em suas mentes.
Eduardh tentava confirmar se de fato sua magia de teleporte havia sido bloqueada, uma dor agonizante na região onde aquela criatura o havia mordido, veio como resposta a sua tentativa.
— Maldito! Como ele sabia? — Eduardh tentava encontrar uma resposta que fizesse sentido.
— Deixe-me ver isso! — Cázhor averiguava, em meio ao sangue, o ferimento — Isso é... um selo!
Para seu espanto não se tratava de algo simples, era antigo e pouco conhecido. Era difícil o mago se espantar com algo dessa forma, o que trouxe um mau pressentimento.
— Demônios! — Cázhor respondeu apreensivo.
— Eles... eles ainda existem? — Ector parecia não acreditar.
— Segundo os meus estudos, a última menção de aparecimento dessa raça foi há mais de duzentos anos. Sem contar que não havia nenhum registro de que se assemelhavam a um humano.
O mago sabia bem mais do que era vinculado a toda a população, mesmo assim, estava surpreso. O mais próximo de descrições que tinha era de criaturas monstruosas, algumas até mesmo deformadas, resultado talvez de um processo evolutivo forçado ou mal-acabado.
— Me recordei de alguns relatos bem duvidosos que, recentemente, começaram a surgir. Me lembro que antes de nos dirigirmos a cúpula no reino de Ancor, estávamos discutindo a necessidade ou não de uma investigação sobre.
— Que tipo de relatos? — disse Eduardh, enquanto pressionava a ferida.
— Pessoas que se aventuraram nas terras do reino de Phelgor alegaram terem visto criaturas, seres semelhantes a nós. Algo sobre portais conectados a outra realidade... algo tão absurdo, mas que chamou a atenção do Conselho Mundial.
— Nada que ajude a desfazer isso aqui?
— Bom, senhor Hardro, nas nossas atuais condições, é impossível retirar esse selo. Teríamos de voltar ao reino de Manshur e conseguir os ingredientes necessários para fazer testes. Então, recomendo evitar utilizar essa magia por enquanto. Exceto caso que queira sentir tanta dor a ponto de prejudicar sua vida — Cázhor disse de forma seca e direta. Era espantoso como ele conseguia manter o controle dada a situação.
— Hunmf... Tudo bem... — Eduardh, ainda baqueado com os efeitos da magia, se forçava a continuar
Todos tinham em mente qual era a prioridade, o livro. Mesmo assim, queriam encontrar aqueles dois quanto antes. Apesar de esconder bem, Cázhor estava inquieto, as coisas estavam fora de seu controle e isso o desagradava. Ector se sentia mal por não poder ajudar muito nessa situação, mas sabia que Vladmyr não iria desapontar.
“Uma quedinha dessas jamais seria suficiente para tirar a vida daquele moleque arrogante. Ele jamais perderia a oportunidade de se redimir de sua última batalha.” Ector torcia para que seus pensamentos se fizessem reais.
Precisavam seguir caminho. Estavam mais alerta do que nunca. Não havia mais como voltar, o acesso havia sido destruído pela explosão. Claramente, aquele homem estava atrás da mesma coisa que eles e esperou o melhor momento para agir.
— Droga... — Cázhor soltou um grande suspiro.
— O que foi dessa vez? — Ector estava impaciente.
Cázhor se lembrou que, em meio à confusão, aquele ser pegou o medalhão do guerreiro. Então agora ele tinha acesso ao mesmo método de localização que eles, além da vantagem que ele claramente tinha mais conhecimento sobre aquela caverna. O que tornava aquilo uma disputa para ver quem chegaria primeiro.
O caminho que precisavam seguir provavelmente era bem diferente da direção em que Lenna e Vladmyr estavam. Teriam de contar com a sorte. Eduardh sentia-se impotente de não poder fazer mais para salvá-los. A dor em seu ombro o lembrava a todo momento de como ficou vulnerável naquele momento.
— Como essa coisa sabia tanto sobre a gente, a ponto de antecipar nossos movimentos? — questionou Eduardh.
A falta de informação do inimigo o deixa claramente irritado. Ele precisava se concentrar, afinal era o rastreador do grupo e quanto mais rápido e preciso fosse em achar o tal livro, maiores as chances de localizar aqueles dois.
Incrivelmente o caminho descia mais e mais. Cercados por rochas pontiagudas e passagens estreitas, o ar úmido e a baixa luminosidade dos cristais, traziam uma atmosfera ainda mais pesada. As paredes tomadas por musgos e fungos indicavam a presença de algum tipo de infiltração.
— É bem provável que acima de nós, tenha alguma espécie de lago ou bolsão d’água que se formou em alguma camada mais acima da caverna — Eduardh orientava o grupo — Provavelmente a água passa por alguma fenda dentre as rochas. Então melhor tomar cuidado onde pisam, está tudo muito escorregadio.
Um pouco mais adiante, o cenário começava a mudar. As rochas davam lugar a grandes blocos de argila e terra úmida. Uma fina camada de água se formava sob os pés. Cázhor reparou que aquela grande massa de magia que sentiram no início era cada vez mais intensa. Até mesmo ele, que já havia se acostumado a lidar com essa essência, estava fadigado, como se seu corpo estivesse sobrecarregado. Ector, de tempo em tempo, dava pequenas pausas para recuperar o fôlego, mas no geral, estava suportando bem a pressão.
A determinação de Eduardh em encontrar o mais rápido possível o que veio buscar, não o permitiu perceber, ou talvez ele nem queria dar tanta importância assim, para a situação de seus companheiros. A angústia em imaginar que sua falta de reação poderia se comparar ao de Vladmyr em ajudar Lenna, o deixava cada vez mais frustrado. Estava tão concentrado em sua missão que só reparou no estado do grupo, quando chegaram a uma grande galeria subterrânea, o que o fez finalmente dar um pouco mais de atenção para algo mais, além do rastreio.
Diferente do caminho restrito que seguiram até então, a galeria possuía cinco opções de passagens, porém duas delas estavam com a entrada bloqueada.
— Aparentemente algum tremor ou ação da água sobre a terra fez com que as pedras desmoronassem, pelo estado, tudo indica que não foi recente — disse Eduardh avaliando os escombros.
Finalmente puderam descansar sem que parecesse que de fato escolheram parar.
— Estranho... nenhum sinal ou vestígios das pessoas que o druida mencionou — questionou Ector, ofegante — Já passamos em várias partes da caverna, mas não há nenhum sinal deles.
— Realmente, pelo tempo que estamos aqui e pela quantidade de pessoas que entraram antes de selarem a caverna, deveria ter alguma coisa que indicasse que passaram por aqui — disse Cázhor.
Nenhum deles soube responder. A forte corrente de magia não diminuía, até mesmo Eduardh estava com dificuldades para se concentrar em seu rastreio.
Uma estranha sensação de angústia dominou seus corações, quando se deram conta de que, um pouco mais adiante, em meio aos destroços e escombros das entradas bloqueadas, havia a resposta para a indagação de Ector. Pedaços de ossos humanos esmagados em meio a farrapos do que um dia provavelmente já foram roupas. Tudo indicava serem aventureiros e, pelo estado, já fazia muitos anos que estavam ali.
— Bom... infelizmente agora sabemos que passaram por aqui.
— Ao menos tentaram... — Cázhor olhava com uma feição de indiferença, tinha de ignorar aquela situação, ao menos por enquanto.
Após se recomporem da cena, seguiram pelo caminho indicado pelo elfo, a segunda entrada da direita para a esquerda.
Um longo corredor se estendia diante deles. Aos poucos, a lama e a argila davam lugar a pedras lisas e estruturadas. Após alguns minutos de caminhada, o fino espelho d’água deixou de existir e finalmente saíram do túnel, se deparando com uma imagem que acreditavam não ser real. Era impressionante como tudo aquilo estava escondido na caverna.
— Minha nossa! Isso é realmente... um templo? — Eduardh disse o que todos se perguntavam.
— Será que isso existiu de fato sobre a terra ou foi intencionalmente construído aqui? — Ector estava impressionado.
Esse momento de admiração durou pouco, ao perceberem que Cázhor expressava uma reação estranha.
— Meus caros, temo trazer más notícias, mas senti uma estranha alteração de magia no ambiente.
Sua reação fez com que os demais se colocassem em posição de batalha, confirmando que definitivamente não teriam um momento de paz. O que seria dessa vez? Será que aquele demônio resolveu dar as caras de novo? A tensão só aumentava a cada passo, até que finalmente o motivo de toda tensão se expôs.
— Só pode ser brincadeira! — Ector não acreditava no que via.