Volume 3
Capítulo 128: Início da Guerra
Agora, com um homúnculo perfeito em mãos, Randalf se viu diante do próximo desafio: encontrar uma forma de transferir a alma de Leonora para o corpo artificial. Determinado a alcançar seu objetivo, ele abriu uma vaga para contratar um assistente de pesquisa, e Hazard Valorath foi o escolhido. A parceria rendeu frutos no início, e os dois formaram uma amizade enquanto trabalhavam arduamente. No entanto, três anos se passaram sem progresso significativo.
Certo dia, Randalf voltou para casa com uma expressão resoluta enquanto arrumava suas malas. Leonora, que estava na sala, não escondeu sua preocupação.
— Randalf, explica essa viagem direito. Vocês vão para onde? E fazer o quê? — Ela cruzou os braços, bloqueando a passagem pela porta.
— Não dá para explicar em detalhes, Leonora — respondeu ele, dobrando cuidadosamente algumas roupas. — Minha pesquisa está estagnada. Mas descobrimos um homem que possui um objeto capaz de fazê-la avançar. Finalmente encontramos sua localização. Preciso ir até ele.
Leonora franziu o cenho, movendo-se para interceptá-lo.
— “Um objeto”? Randalf, isso soa perigoso. Me dá mais detalhes ou não vou deixar você sair daqui.
Ele suspirou e colocou as mãos nos ombros dela, tentando tranquilizá-la.
— É uma Invoker, o Olho de Koschei. O arcano contido nela tem o poder de manipular almas. Se eu conseguir conduzir experimentos com ela, posso terminar minha pesquisa e salvar você de uma vez por todas. Por favor, confie em mim.
— Certo, e onde será esse encontro? — Ela estreitou os olhos, a desconfiança clara em seu tom.
— No Arquipélago da Água Negra — disse ele, desviando o olhar.
— O quê? — Leonora deu um passo para trás, alarmada. — Ninguém consegue chegar lá! É um local inacessível, Randalf. Isso é uma armadilha. Esse homem vai levar seu cristal e te matar. Você não vê isso?
— Existe uma forma de entrar, Leonora. Eu sei o que estou fazendo. Ele não é assim. É uma boa pessoa e está disposto a ajudar.
— Então ao menos me diga o nome dele. — Ela o fitou com seriedade. — Caso você não volte, eu preciso saber a quem procurar.
— Seu nome é... — Randalf hesitou, mas depois sorriu confiante. — Vander Reich.
A sala mergulhou em um silêncio gelado. A tensão foi quebrada pela voz de Kreik, que, surpreso, interrompeu a narrativa de Leonora.
— Meu pai?
Leonora e Seraphine trocaram olhares perplexos antes de Leonora exclamar:
— Seu pai é o Reich? Que mundo pequeno...
Seraphine, por sua vez, apenas pensou, intrigada: “Então ele é o filho do Reich... Interessante.”
Kreik coçou a nuca e sorriu de forma hesitante, pensando: “Então... no dia que pai surtou, aquele objto que ele pegou e pôs no olho era uma invoker, o Olho de Koschei”. Em seguida, ele falou: — Desculpe interromper, senhora Leonora. Só fiquei surpreso. Não imaginava que seu marido tivesse encontrado meu pai... Que bom que ele a ajudou.
Leonora assentiu com um sorriso e retomou sua narrativa. Quase um ano depois, no final de 1598, Randalf e Hazard retornaram. Apesar da conquista, Randalf havia perdido o funeral do próprio pai. Ainda assim, ele não permitiu que nada o desviasse de sua pesquisa.
Com os dados obtidos do Olho de Koschei, os experimentos avançaram rapidamente. Em poucos meses, Randalf conseguiu transmigrar a alma de ratos para novos corpos. E então, certa manhã, ele atravessou os corredores da universidade e gritou em euforia:
— Consegui! Finalizei a pesquisa!
Leonora, ao ouvir isso, correu ao seu encontro, quase pulando de alegria. Por fim, eles poderiam se tocar novamente, sem medo ou dor. No dia seguinte, Randalf e Hazard prepararam o corpo de Leonora e o homúnculo para a transferência. Mas, no momento crucial, o experimento falhou. Nada aconteceu.
Furioso, Randalf atirou uma mesa contra a parede.
— Não pode ser! Está tudo certo! Eu revisei cada cálculo, cada letra rúnica... Impossível!
Hazard tentou acalmá-lo, mas Randalf o empurrou, cego pela frustração. Leonora, que ainda estava deitada na maca, levantou-se e o repreendeu.
— Randalf! Não tem o direito de agir assim! Controle-se!
Mas ele, tomado pela raiva, continuava irredutível. Foi então que Leonora se aproximou e, ainda usando suas luvas, desferiu um tapa no rosto dele. A bofetada ecoou na sala, e Randalf recuou. Sem dizer mais nada, ele saiu batendo a porta.
— Randalf! — gritou Leonora. — Volte aqui e se desculpe agora mesmo!
— Preciso esfriar a cabeça e ver o que eu errei — ele respondeu sem olhar para trás. — Vou para a casa da minha mãe.
Horas depois, ao chegar em casa, encontrou Leonora sentada em uma cadeira, visivelmente preocupada. Randalf caminhou até ela, lentamente, e repousou a cabeça sobre o colo da esposa.
— Me desculpe, Leonora — murmurou, sua voz carregada de arrependimento. — Eu não queria te magoar. Amanhã pedirei perdão ao Hazard.
Leonora acariciou os cabelos dele com gentileza, respondendo com a mesma doçura.
— Tudo bem, meu amor. Ainda bem que você colocou a cabeça no lugar.
Ainda com o rosto no colo dela, Randalf sussurrou:
— Leonora... Se para salvar você eu tivesse que... matar alguém... você ainda me amaria?
Ela ficou em silêncio por um momento, antes de responder, firme:
— Que loucura é essa, Randalf? Não quero que ninguém morra por minha causa.
— Só responde, por favor... Você ainda me amaria? — insistiu ele, sua voz quase implorando.
Leonora ergueu o rosto dele com as mãos enluvadas, aproximando-se.
— Randalf... Mesmo se você arrancasse meu coração com as suas mãos, eu ainda assim não deixaria de te amar. — Ela sorriu levemente. — Agora vamos dormir. Esqueça esses devaneios.
Randalf fechou os olhos, sentindo-se momentaneamente em paz. No entanto, uma sombra de dúvida e obsessão ainda pairava em sua mente.
Duas semanas se passaram e a chuva castigava a cidade de Meryportos, e o som dos trovões ecoava pelas ruas escuras. Leonora estava em casa, observando pela janela a tempestade que parecia não ter fim. De repente, ouviu uma batida na porta, alta e urgente. Ao abrir, encontrou Randalf, completamente encharcado, respirando com dificuldade.
— Leonora, venha comigo! — Ele disse, segurando-a pelos braços. — Eu consegui... finalmente consegui! O experimento está pronto.
O coração de Leonora acelerou. Ela buscava há anos aquele momento, mas algo no olhar agitado de Randalf a deixou inquieta.
— Você tem certeza? Tá tudo certo desta vez? — perguntou, enquanto ele a puxava pela mão para fora de casa.
— Não há tempo a perder. Você verá com seus próprios olhos. Confie em mim!
Os dois chegaram ao topo do prédio da Universidade, onde uma vasta instalação rúnica estava montada. O lugar emanava uma aura estranha, com runas brilhando em um azul fosforescente e raios cortando o céu acima. Leonora olhou ao redor e franziu o cenho ao perceber a ausência de alguém.
— Randalf, onde está Hazard? Ele deveria estar aqui... — questionou, enquanto subia na maca preparada para ela.
— Tivemos uma discussão... — Randalf desviou o olhar, concentrado em ajustar os equipamentos. — Ele tá fora da pesquisa agora. Mas não importa. Isso é algo que só eu posso concluir.
Ele se aproximou, colocando o homúnculo em uma maca ao lado da dela. Em seguida, abriu uma gaiola estranha, de onde emanava uma luz intensa e uma voz feminina abafada, clamando por socorro.
— Randalf, o que é isso? — perguntou Leonora, tentando se levantar, mas ele a conteve.
— Apenas confie em mim, Leonora. Feche os olhos.
Embora hesitante, ela obedeceu. Porém, uma sensação de desconforto crescia dentro dela.
Randalf iniciou o encantamento. Palavras antigas ecoaram no ar, e o vento ao redor tornou-se uma tempestade negra. As runas começaram a brilhar intensamente, e faíscas dançavam no ar. No horizonte, redemoinhos de vento e raios cercavam a cidade. Na rua, Areta, passando por uma carruagem, ordenou que o cocheiro parasse.
— Isso vem da universidade... — ela murmurou, com os olhos fixos na direção da tempestade. — Preciso investigar.
Enquanto isso, no topo da universidade, Randalf notou algo estranho. Os círculos rúnicos começaram a sobrecarregar, liberando uma energia incontrolável. Ele parou de recitar os encantamentos, os olhos arregalados.
— Não... isso não pode estar acontecendo! Meus cálculos estão certos! — ele gritou, olhando ao redor desesperado. — Droga... o experimento deu errado! Se isso continuar, a cidade inteira será destruída!
Randalf agarrou um bisturi e começou a cortar seu próprio braço, desenhando inscrições rúnicas diretamente na pele. A dor era excruciante, mas ele não vacilou. Virou-se para Leonora, que ainda estava deitada na maca.
— Leonora... Queria ter envelhecido junto com você, ter tido filhos com você... mas nem sempre os acontecimentos da vida seguem nossos planos... O que posso fazer é te dar um presente final. A sua cura, como eu havia prometido, meu amor. Aproveite sua vida ao máximo e saiba que eu sempre te amei e sempre te amarei. — Ele sorriu, com lágrimas nos olhos. — Me perdoe por tudo.
Antes que ela pudesse reagir, uma explosão de luz consumiu o ambiente. A criatura dentro da gaiola gritou, e sua essência foi transferida para o corpo de Leonora. O vento cessou, e a tempestade dissipou-se lentamente.
Areta chegou ao topo do prédio logo após o término do experimento. Encontrou Leonora chorando no canto, o corpo tremendo. Ao se aproximar, viu os olhos rubros da mulher e um cristal vermelho brilhando em sua testa.
— Leonora? — perguntou, incrédula. — Por que você tá com as características de um Flamel?
Leonora ergueu a cabeça, as lágrimas escorrendo pelo rosto. Com as mãos trêmulas, entregou a Areta o cristal vermelho.
— Algo deu errado... Randalf... ele... tudo o que sobrou dele foi isso.
Areta caiu de joelhos, segurando o cristal como se fosse o bem mais precioso do mundo. Lágrimas silenciosas escorriam de seus olhos.
— Randalf... por quê? — ela murmurou, antes de erguer o olhar furioso para Leonora. — VOCÊ! Sua demônia! Randalf morreu por sua causa!
Sem aviso, Areta ergueu uma barreira rúnica retangular e a lançou contra Leonora, jogando-a com força para fora do prédio. Em seguida, caminhou até o homúnculo ainda intacto, protegendo-o com uma barreira circular. Com o homúnculo em mãos, ela lançou um último olhar de ódio para Leonora.
— Você nunca será perdoada — disse Areta, antes de desaparecer no horizonte.
Nos dias seguintes, a Universidade realizou o funeral de Randalf. Após a cerimônia, os professores discutiram sobre quem deveria assumir o cargo de reitor. Leonora era a escolha óbvia, mas Areta surgiu inesperadamente, anunciando que sairia da aposentadoria para concorrer ao cargo.
Por um voto, Leonora foi eleita. Mesmo assim, Areta foi aceita de volta como professora devido a suas contribuições passadas. No dia da posse de Leonora, enquanto caminhava pelos corredores, Areta a interceptou, encarando-a com olhos de pura fúria.
— Você venceu essa batalha, Leonora. — Ela aproximou-se, sussurrando com veneno na voz. — Mas isso está longe de terminar. Aproveite o dia de hoje... porque seu inferno está só começando, e eu vou garantir que você nunca saia dele.
Leonora nada respondeu. Apenas observou Areta se afastar, sentindo o peso das palavras gravar-se em sua alma. A guerra entre elas acabara de começar.
Leonora terminou sua narrativa, observando os rostos pensativos à sua frente. Sua voz carregava um tom firme e acusatório:
— Ainda resta alguma dúvida de que Areta está envolvida nesses incidentes com o Poeta Fantasma? — Ela fez uma pausa, os olhos rubros brilhando intensamente. — Agora me digam, vão aceitar minha proposta?
Um silêncio pesado pairou pela sala. As palavras de Leonora pareciam ecoar nos pensamentos de cada um. Foi Baan quem rompeu o silêncio, sua expressão carregada de determinação enquanto estreitava os olhos.
— Aceitamos. — Ele fez uma breve pausa, deixando o peso de suas palavras pairar antes de completar: — Mas quem vai investigar Areta sou eu!
Os membros da guilda ficaram visivelmente atônitos com a declaração de Baan. Rydia foi a primeira a reagir, levantando-se abruptamente de sua cadeira.
— Que história é essa, Baan? — Ela perguntou, o tom incisivo. — Você sabe que não pode vencê-la em um confronto direto!
Baan voltou seu olhar confiante para Rydia, sua expressão carregada de responsabilidade.
— Eu sei. Nem se todos nós nos uníssemos contra Areta, ainda assim perderíamos. — Ele respirou fundo, a voz carregada de determinação. — Mas não vou arriscar a vida de nenhum de vocês. Eu sou o líder da guilda, e é minha responsabilidade investigá-la. Se precisar de um confronto, não se preocupe. — Ele sorriu levemente. — Não sou burro. Vou apenas fugir.
Ele estendeu a mão para Leonora, que hesitou por um momento antes de apertá-la firmemente.
— Temos um acordo!
— Ótimo! Agora vão dormir. Amanhã será o dia D.
Enquanto todos saíam da sala, ainda processando os eventos da noite, Rydia se aproximou de Baan, a preocupação estampada em seu rosto.
— Ei, Baan, o que você fez foi uma loucura... — murmurou ela.
Baan deu uma risada curta, a mão pousando em suas costas em um gesto amigável.
— Você sabe que eu sou meio louco mesmo, não sabe? — Ele deu um tapinha leve em suas costas antes de continuar, agora com um tom mais sério. — Preciso que você crie uma distração para tirar Areta de sua sala enquanto procuro uma forma de acessar o laboratório escondido dela.
— O quê? — Rydia arregalou os olhos, claramente alarmada. — Como vou fazer isso? — perguntou, incrédula.
Baan lançou-lhe um sorriso malicioso, o mesmo que sempre usava quando tramava algo audacioso.
— Te vira! — respondeu ele, zombando. — O que foi? Quer que eu resolva tudo sozinho?
Rydia bufou, mas não pôde deixar de sentir uma pontada de irritação e admiração. Ele era teimoso, mas, de alguma forma, sempre encontrava um jeito. Enquanto os outros se retiravam para descansar, Rydia permaneceu pensativa, sua mente já começando a elaborar um plano para distrair Areta. Amanhã seria, de fato, o dia D.