Volume 3
Capítulo 113: Escolhas e Arrependimentos
Naquela noite, o salão do baile estava esplendoroso, adornado por flores raras e luzes cintilantes que refletiam o brilho das grandes janelas de vidro. Kassandra, envolta em um vestido exuberante que destacava sua beleza, aguardava a chegada de Randalf. Seus olhos vagaram pelo salão, mas algo chamou sua atenção: Leonora se esgueirava pelos corredores da universidade, tentando passar despercebida.
Com passos apressados, Kassandra a seguiu e, ao encontrá-la, cruzou os braços com um sorriso provocador.
— O que você tá fazendo aqui, Leonora? — ela perguntou, a voz carregada de desdém.
Leonora, com as mãos trêmulas, segurando uma carta, tentou manter a calma, embora soubesse que Kassandra nunca deixaria a situação ser simples.
— Eu... não quero atrapalhar. Mas eu preciso entregar esta carta a Randalf pessoalmente — respondeu, segurando firmemente o envelope nas mãos.
Kassandra soltou uma risada seca.
— Vá embora. Esse lugar não é para alguém como você, uma... doente — sibilou ela, com um olhar afiado.
— Não vou mais deixar você fazer o que quer. — Leonora respirou fundo, tentando afastar a intimidação que Kassandra sempre impunha. — Vou só entregar esta carta e ir embora — respondeu, a voz trêmula, mas firme.
Kassandra, irritada com a resposta, avançou e puxou a carta das mãos de Leonora. Leonora reagiu, tentando recuperar o envelope, mas as duas se empurraram, e, no meio da confusão, a carta caiu ao chão.
Naquele instante, Randalf surgiu no corredor e presenciou a cena. Ele se aproximou, apanhando a carta com firmeza e encarou Kassandra e Leonora, os olhos cheios de questionamentos.
— Quero a verdade, Leonora. O que tá acontecendo aqui? — pediu ele, com um tom de voz mais sério que nunca.
Leonora abaixou o olhar, sentindo o peso das palavras que não conseguia mais conter.
— Eu ia... eu vou ter que ir embora, me afastar da sua vida, Randalf — começou, lutando contra as lágrimas —, mas precisava te agradecer... por tudo que você fez por mim. Nós dois juntos... isso nunca poderia dar certo... todas as minhas razões, eu mesma as escrevi nessa carta.
Randalf rasgou a carta sem lê-la e se aproximou, tocando gentilmente nas costas de Leonora, especificamente por cima das roupas.
— Eu... — ele começou, a voz suave. — Eu nem sei o que você escreveu, mas se quiser me falar algo, fale pessoalmente.
— Você vai me trocar por ela, Randalf? — Kassandra, furiosa, interrompeu. — Ela nunca poderá tocar você! Randalf, você sabe o que ela é capaz de fazer! Ela só sabe destruir tudo o que toca — declarou, em um tom de desprezo.
Randalf voltou-se para Kassandra, com os olhos frios.
— Eu não esperava isso de você, Kassandra. Leonora nunca mereceu esse tratamento. — E sem mais palavras, ele segurou Leonora pelas mãos, com suas luvas, e a conduziu em direção ao salão de baile, deixando Kassandra sozinha e atônita, envolta em um silêncio doloroso.
Dentro do baile, os pares dançavam alegremente. A solidão de Kassandra parecia crescer a cada riso, a cada olhar trocado entre os casais. Finalmente, incapaz de suportar a sensação de abandono, saiu chorando, decidida a deixar a cidade para sempre.
O salão estava repleto de casais dançando, mas a presença de Randalf e Leonora juntos não passou despercebida. Kassandra, ao entrar no salão, sentiu o vazio ao seu redor, todos já tinham companhia, e ela, desamparada, saiu em lágrimas, decidindo que não havia mais razão para permanecer naquela cidade.
Kassandra partiu, buscando uma nova vida e um propósito longe de tudo que a lembrava do passado. Em um novo país, ela se dedicou ao balé e à patinação, onde suas habilidades foram rapidamente reconhecidas. Em pouco tempo, Kassandra brilhava nos palcos, ganhando notoriedade.
No ano seguinte, iniciava uma turnê pelos reinos, e, em uma noite gélida, realizou uma grande apresentação na capital de Frost Garden, Polaris.
Após o espetáculo, ainda eufórica, ela tentou evitar a multidão, buscando um momento de paz. Caminhando pelas ruas cobertas de neve, ela se sentou em um banco de pedra, observando a cidade cintilante ao seu redor. Enquanto soprava as mãos para se aquecer, um homem de postura imponente se aproximou e sentou-se ao seu lado.
— Não acha perigoso uma mulher estar sozinha a essa hora? — perguntou ele, com um sorriso divertido.
Kassandra ergueu o olhar e sorriu de volta.
— Talvez não pareça, mas eu sou forte — respondeu, soprando as mãos novamente, ao sentir o frio aumentar.
O homem retirou seu casaco e o colocou gentilmente sobre os ombros dela.
— Tem certeza em compartilhar o casaco? — perguntou a jovem patinadora. — Você pode congelar nesse frio.
— Não se preocupe comigo — disse o homem. — Eu também sou forte.
— Sou Kassandra, a propósito. E você, qual é o seu nome? — Ela riu, sentindo-se estranhamente confortável ao lado daquele estranho.
— Eu sei quem você é. — O homem a observou com um sorriso misterioso. — Vi sua apresentação. Meu nome é Sirius.
Sirius, 28 anos na época, era um homem com aparência mais jovem, com cabelos negros e desgrenhados e olhos castanhos. Ele vestia um longo casaco azul escuro que lhe dava um ar misterioso e imponente. Suas mãos estavam cobertas por luvas marrons, e ele usava um cinto marrom que atravessava seu peito, sugerindo que ele poderia carregar equipamentos ou armas e botas pretas.
— E o que você faz por aqui, Sirius?
— Digamos que sou um andarilho. — Ele deu de ombros, pensativo. — Antes, era um guarda real... mas falhei em meu dever. Desde então, ando por aí.
Ela arqueou as sobrancelhas e soltou uma risada.
— Ou seja, desempregado.
— Acho que é uma forma de ver a situação — respondeu ele, gargalhando e surpreso com o humor dela.
Ao longo daquela noite, Kassandra e Sirius conversaram, suas risadas aquecendo o ar gelado, até que ela se levantou, falando que já era hora de ir. Então, a patinadota puxou um ingresso do bolso do casaco.
— Um presente para você, senhor “andarilho”. Venha me ver amanhã.
Ela se levantou, devolvendo o casaco com um aceno leve, enquanto Sirius observava o ingresso em suas mãos, chamando uma carruagem para ela.
Na apresentação seguinte, Sirius estava entre os convidados VIP, e Kassandra, ao final da performance, notou-o à distância, sorrindo entre os aplausos. Ela se aproximou quando o viu a sós.
— Que surpresa, senhor andarilho! Não achei que viria. Meus amigos geralmente sempre furam quando eu os convido — brincou, rindo.
— Eles são tolos, então. — Sirius sorriu. — Sua apresentação foi magnífica. Um talento nato.
Kassandra retribuiu o sorriso, sentindo-se mais leve do que em qualquer apresentação anterior. Eles foram até o restaurante de um hotel, onde conversaram longamente. Sirius, em um momento mais sério, a observou.
— Ontem, no banco, você parecia... um pouco triste. Pendências do passado?
Ela olhou para a taça de vinho, pensativa.
— Talvez... Foi uma época em que fiz coisas ruins, buscando conquistar alguém que eu pensava que amava...
— O que quer dizer com pensava que amava?
— Sempre fui ovacionada pelos meus talentos artísticos e o meu affair sempre foi reconhecido pela sua expertise nas habilidades mágicas. Desde a época da universidade todos comentavam que éramos parceiros perfeitos e acabei internalizando isso... Pensei que eu o amava, mas não era amor, era só uma idealização, uma forma de atender as expectativas de perfeição que os outros colocavam em mim.
Sirius a ouviu em silêncio, até responder com um tom acolhedor:
— Sobre perfeição, não entendo nada. Mas de falhas, disso eu sei muito. Eu deveria proteger minha rainha e falhei. E tudo o que faço é bucar uma forma de compensar isso.
Com o passar dos dias, Kassandra e Sirius se aproximaram. Após cada apresentação, eles compartilhavam longas conversas, falavam sobre sonhos e arrependimentos.
Na última noite juntos, Sirius a acompanhou até seu quarto. Kassandra suspirou, tocando a porta, antes de se virar para ele:
— Minha turnê em Polaris acaba aqui... Talvez nunca mais nos vejamos. Enquanto a você, andarilho, me diga, quais serão seus próximos passos?
Sirius a olhou com intensidade antes de beijá-la suavemente, como se palavras fossem desnecessárias, entrando com ela no quarto. Em seguida, ele frisou:
— Sinceramente, eu não sei, mas, neste momento, tudo que quero é desfrutar da sua companhia o máximo possível. O que vier depois, só o destino poderá responder.
Mais tarde, ele levantou da cama, vestindo suas roupas e tentanto sair em silêncio, no entanto, para sua surpresa, Kassandra estava acordada e, levantando-s do meio dos lençois da cama, perguntou:
— Sirius, será que o destino ainda entrelaçarar nossos caminhos?
Ele sorriu, lançando-lhe um olhar reconfortante.
— Ficarei em Polaris por mais três meses. Se algo acontecer que nos faça reencontrarmos neste período, podemos dizer que o destino respondeu a sua pergunta.
Kassandra assentiu, observando-o sair do seu quarto.
Alguns meses se passaram, e Kassandra estava em outra apresentação quando começou a sentir tontura e náuseas, cambaleando em meio a sua apresentação. Após consulta médica, o diagnóstico estava foi confirmado: ela estava grávida.
Desesperada e sem saber o que fazer, voltou a Polaris em busca de Sirius. Ao encontrá-lo, pedira que fossem a um lugar reservado. No quarto do hotel, revelou a notícia.
— Estou grávida, Sirius.
— Grávida? — Ele ficou pálido, balançando a cabeça. — Eu... Pai? Eu não sei como posso ter um filho. Se não consegui proteger minha rainha... como posso proteger uma criança? Kassandra, eu não sei ser pai.
Kassandra segurou suas mãos, tentando acalmá-lo.
— Eu também não sei ser mãe, mas terei que aprender. Se nos mantivermos juntos, podemos aprender mais rápido, Sirius.
Após refletir, Sirius acariciou a barriga dela, prometendo não abandoná-la. Ele a pediu em casamento, e ela aceitou, com lágrimas de felicidade.
No dia seguinte, em uma cerimônia discreta e singela, Kassandra esperou no altar, vestida de noiva, mas Sirius não apareceu. Sozinha e desolada, ela voltou para o hotel, onde recebeu um telefonema de seu agente, que a confrontou com uma difícil escolha.
— Kassandra, grávida você não poderá concluir a turnê, o que resultaria na quebra de muitos contratos e na destruição da sua carreira. Infelizmente você tem apenas duas escolhas: tirar a criança e continuar a turnê ou ter a criança e abdicar de seu sonho de manter-se como patinadora profissional.
Kassandra preparou um chá amargo, decidida a interromper a gravidez. Mas, ao se ver no espelho, observou sua barriga, agora levemente arredondada. Em um impulso, jogou o chá fora, decidida a dar uma nova chance à vida que carregava.
Kassandra passou a criar Cassie sozinha, em meio as dificuldades de recomeçar a vida do zero, contudo, determinada a seguir em frente e dar uma vida melhor a sua filha, ela retornou a Meryportos, quando Cassie tinha dez anos e se candidatou a uma vaga como professora. Contudo, ao ser recebida pela reitora em sua sala, viu que era Leonora.
— Eu não sabia que você era a atual reitora... — Ainda em pé, próxima a porta, a ex-patinadora baixou os olhos, sem coragem de encará-la. — Sei que, depois de tudo o que fiz, sei que não tenho direito de lhe pedir nada, ao não ser perdão, Leonora.
Para sua surpresa, Leonora sorriu.
— Não guardo mágoas. Já passei por tanta coisa que suas “brincadeiras” foi a menor das minhas dores.
— Obrigada, Leonora. Você sempre foi melhor que eu... Realmente Randalf fez a melhor escolha. Até mais. — Kassandra se virou para sair da sala, mas Leonora a chamou.
— Não precisa ir. Contratei você, professora Kassandra.
Kassandra arregalou os olhos, surpresa.
— Mas... por quê?
— Digamos que a antiga Kassandra eu nunca aceitaria. Mas essa nova Kassandra... é a professora de que a universidade precisa.
Kassandra ia ao encontro de Leonora para abracá-la, entretanto, reucou ao lembrar da doença da nova Reitora. Leonora sorriu e a abraçou, mas nada aconteceu.
— Como é possível? E sua doença?
— Eu meio que estou parcialmente curada. Uma longa história... Outro momento eu te conto.
As duas riram e as lágrimas escorriam lentamente no rosto de Kassandra, enquanto Leonora acariciava consolava sua nova amiga.
Voltando ao presente, Kassandra terminava de contar a história. Baan estava com os olhos marejados.
— Fiquei emocionado com sua história. Agora entendo por que confia tanto na Leonora.
Kassandra se levantou e colocou um retrato dela e da filha, Cassie, no lugar de onde o havia retirado.
— Ela e o esposo me ajuduram muito... não só no emprego, mas até em me aconselhar com Cassie. Devo muito a Leonora.
Algumas lágrimas escaparam de Kassandra, e Baan a abraçou, oferecendo-lhe conforto. Ela o olhou e, impulsivamente, o beijou. Baan interrompeu, cauteloso:
— Kassandra, pode ser que eu não seja o tipo que você procura. Se se envolver comigo, é como se envolver com outro Sirius.
— Não estou procurando um marido. — Kassandra sorriu, com um olhar determinado. — Só quero viver o momento.
Baan suspirou, sorrindo.
— Assim você não me dá escolha.
Ele a beijou, um beijo cheio de paixão. Em um movimento rápido, ela o empurrou para a cadeira, e quando ele tentou se levantar, ela apoiou o pé em seu peito, mantendo-o sentado. Com um sorriso provocador, sentou-se no colo dele e sussurrou ao seu ouvido:
— Sabe qual a maior vantagem de ser uma patinadora e bailarina?
Baan a olhou, confuso, e ela aproximou os lábios.
— Elasticidade.
Ele arregalou os olhos, um misto de nervosismo e empolgação tomando conta dele, enquanto ela lançou um beijo fervoroso em sua boca.