Lana – Uma Aventura de Fantasia Medieval Brasileira

Autor(a): Breno Dornelles Lima

Revisão: Matheus Esteves


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 38: Reflexões

Quando a praia se fez visível Edmundo deixou seu trenó e liberou o lobo. O animal contente saiu em disparada pelos arredores. Pulava de um lado para o outro, curioso farejava odores e sempre que achava oportuno deixava o seu próprio espalhado pela região.

— Não vá muito longe! Se não estiver aqui quando eu voltar eu te abandono! — gritou Edmundo num tom sério para o lobo que sequer lhe deu ouvidos.

O Sagaz optou por seguir silenciosamente pela encosta. A tempestade havia dado uma trégua e ele pretendia cobrir apenas uma pequena área próxima à praia.

Enquanto caminhava, do alto da encosta pode avistar o mar, que se resumia numa longa crosta endurecida pelo frio que refletiam as pálidas nuvens no céu. Lá embaixo na praia uma grande ursa fazia buracos no gelo enquanto seu filhote observava atentamente a pescaria realizada pela mãe, do alto de uma colina um lobo solitário espiava discretamente. A vida selvagem seguia o seu curso.

Nesse momento lhe veio à mente uma inusitada questão que fora feita anteriormente, mas aquilo não deveria distraí-lo, não agora.

Decidiu seguir em frente. Caminhou muito, mas nada mudava e sequer encontrou um mísero sinal de atividade humana por menor que fosse.

Aquela vista privilegiada do alto era um convite irresistível para apreciar o mar. O oceano gelado, uma calmaria infinita que se estendia até o limite de sua visão e além. Ele sentou-se para contemplar e toda aquela paz trouxe de volta as estranhas ponderações do velho sobre o reino.

— Por mais incrível que possa parecer as palavras daquele eremita parecem fazer algum sentido. Quem pode se considerar dono disto tudo?

Edmundo refletiu ali por um bom tempo até que fosse interrompido pela companhia de Audaz que festejando o encontro pulava amistosamente em seu dono.

O homem estava insatisfeito com o resultado de sua busca, no entanto sem mais o que fazer decidiu partir.

 

***

 

A noite de volta à casa do Armeiro, Edmundo era questionado sobre sua pequena viagem durante o jantar. Estavam sentados em volta de uma pequena mesa circular o velho Arameiro, sua filha Kaia e Edmundo.

— A guerra vem do Leste e qualquer sinal, por menor que seja não pode passar desapercebido — justificava Edmundo.

— Até mesmo seguir as palavras de um velho maluco?

— Até mesmo seguir as palavras de um velho maluco — repetiu Edmundo.

— Você foi para Oeste, a guerra vem do Leste.

— De fato.

— E qual foi o resultado da investigação?

— Perdi um bom tempo procurando, mas não vi nada. Talvez o velho fosse apenas um maluco no final das contas. E você, como se saiu hoje?

— E eu perdi um bom tempo vendo várias vezes a mesma coisa, a arma que me trouxe, não queria comprometer o seu material.

— Não está sendo zeloso demais?

— Talvez, mas aquilo, estando intacto na mão do colecionador certo poderia te tornar em um nobre da noite para o dia.

— Entendo, mas peço que não se preocupe tanto com o aspecto histórico da arma.

— E por que não?

— A espada não está sendo restaurada para ornamentar a sala de algum nobre.

— Você disse que a arma pertence a uma mulher.

— Sim e ela pretende usá-la.

— É muita arma para tirar aulas, dê a ela um graveto que terá o mesmo efeito.

Nesse ponto Kaia riu discretamente do comentário do pai.

— Sabe o que é mais curioso? Se eu te dissesse o que eu sei, ou o que eu vi, você me tomaria por mentiroso — respondeu Edmundo.

— Só porque é uma mulher? — perguntou o velho enquanto Kaia lançou um olhar curioso de canto de olho sobre o pai. — Não tenho a mente tão fechada assim, a maioria delas não é dada a estas coisas, se dizem frágeis e delicadas, mas quando se nasce com um talento destes, o sexo não significa nada. Poderia até mesmo citar uma famosa esgrimista do nosso tempo.

— Sei de quem você está falando, mas não é o caso.

— Então de quem mais seria? — insistiu o Armeiro. — Fale de uma vez, pois até a minha Kaia está curiosa para saber como é essa mulher.

Ao ouvir seu nome, a garota ficou enrubescida e desviou o seu olhar de volta ao prato enquanto seu pai divertia-se com a cena.

— Não é apenas o fato de ser uma pessoa extremamente talentosa com uma espada quase milenar. Eu a vi lutar apenas uma vez contra um bando de soldados e o comandante, mas aquela garota, seu olhar era como fogo, sua fala afiada e o manejo da espada era leve e suave, como se fosse um artista com o seu pincel tingindo a tela com uma naturalidade sem igual, criando uma obra de arte ainda que imperfeita, mas que você consegue notar todo o potencial de algo grande que está por vir.

— Agora entendo e te digo que raríssimas são as vezes que podemos presenciar tão cativante performance.

— Mas não é tudo, se fosse somente isso eu me daria por satisfeito, mas superando todo esse vislumbre eu podia sentir no ar um certo perfume, era como se ela exalasse sangue fresco e sobre ela repousasse um sombrio manto da desgraça, como se todas as aquelas qualidades a levassem numa rota de autodestruição e quanto mais afiado sua espada for, mais acelerado será o processo. — A descrição de Edmundo deixou a sala em silêncio por minutos e então ele resolveu completar. — Talvez sejam apenas os ventos da guerra, acho que estou ficando mole.

O Armeiro levantou-se, repousou a mão no ombro do amigo e disse:

— O florete ficará pronto amanhã sem falta. Eu vou dormir. — Acenou para que a filha fizesse o mesmo, então deixou para trás Edmundo preso em seus próprios pensamentos.



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