Lana – Uma Aventura de Fantasia Medieval Brasileira

Autor(a): Breno Dornelles Lima

Revisão: Matheus Esteves


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 2: Confinamento

Toda semana um novo comboio chegava até a zona de contenção. Carroças vigiadas por guardas chegavam e despejavam mais e mais prisioneiros. Os homens eram direcionados para o trabalho forçado, já as mulheres e as crianças ficavam na área de confinamento, e mais adiante ficavam os doentes.

Todos tinham água, comida, e abrigo, ainda que de forma precária. Viver nessas condições pioravam conforme as semanas passavam, com mais pessoas chegando para repartir aquele estado de miséria.

Ninguém entendia ao certo o que acontecia, apenas que todo cidadão do Oeste era caçado e aprisionado. Contenção Vinte e Nove era o nome do local em questão, um entre tantos outros. Pequenas vilas transformadas apressadamente em prisão para o seu próprio povo.

Neste ambiente a tensão era constante e os dias se arrastavam. Não havia muita esperança para os adultos. As crianças alheias as complexidades da guerra brincavam como podiam durante o dia nos horários e locais permitidos.

E foi numa tarde como outra qualquer que chegava mais um comboio. Contudo, diferente das outras vezes, havia uma escolta fortificada na última carroça de prisioneiros.

As crianças que brincavam na terra perceberam a movimentação e cochichavam de trás das longas cercas de madeira.

— Veja, tem mais gente chegando! — disse uma menina que observava por uma fresta.

— Olha quantos guardas! — disse um garoto.

— Por que será que tem tantos assim? — questionou mais um ao lado.

— Só pode ser um homem perigoso que foi pego! — especulou o primeiro.

Assim o pequeno grupinho, olhando de longe através das grades que delimitavam o confinamento, assistia o desembarque dos prisioneiros. Um a um iam descendo e sendo escoltados para seus alojamentos. Ficaram observando até o ultimo. Era uma garota, estava com as pernas e os punhos acorrentados.

Ao descer, ela fez uma pausa, olhou em volta e baixou a cabeça.

Correntes, prisão, soldados. Tudo irrelevante. Sua mente ainda trabalhava nas últimas recordações de sua falecida mãe. Talvez ainda não tivesse aceito os fatos recentes e somente agora estava digerindo o ocorrido. Seja como for, em estado apático a garota não oferecia resistência alguma, mas as ordens do capitão eram claras. “Escoltem a garota para uma cela isolada.”

Os homens que participaram do episódio de sua captura sabiam bem o quão perigoso ela poderia ser, embora os demais soldados olhassem aquilo tudo como um grande exagero. De toda forma, a ordem foi cumprida e Lana foi confinada. Destino: solitária.

As crianças impressionadas olhavam a movimentação. Um soldado passou e bateu com o cabo do sabre na cerca, elas se assustaram e saíram correndo em direção ao alojamento. O homem riu satisfeito.

 

***

 

Quando chegaram a varanda do abrigo, avistaram uma menina por volta de treze anos sentada próximo da porta. Ela contava e separava algumas sementes e frutas secas que estavam sobre um pano estendido no chão. A menina de grandes olhos e expressão séria mais parecia um banqueiro contando moedas do que uma jovem adolescente. Depois de “contabilizar” guardava sua riqueza em dois pequenos sacos presos a sua cintura.

— Ei Aline! Por que não vem brincar com a gente? — questionou a pequena Maria, uma das crianças que fora expulso da cerca momentos antes.

— Daqui a pouco. Pode ser? Vocês estão apostando alguma coisa? — disse sem desviar o olhar do que fazia.

— Eu disse brincar! Você não sabe brincar sem apostar? — insistiu a garota, se agachando ao lado de Aline.

— Quem sabe outra hora.

— Poxa Aline, como você consegue guardar tudo isso? — perguntou com os olhos desejosos para as frutas secas.

A jovem levantou o rosto levemente e de baixo de uma pequena franja dois grandes olhos verdes que pareciam lindas gemas fitou a amiga e respondeu: — Eu não somente guardo como consigo mais fazendo favores para todos aqui no campo. Limpar, esfregar, cuidar de alguma criança ou doente.

— Isso tudo é chato.

— É sim. — Aline esticou a mão oferecendo uma fruta seca. — Mas no final vale a pena. E depois você acostuma.

Aline terminara de separar as frutas. As duas sentaram na varanda, balançavam as pernas comiam e conversavam.

— Sabe, hoje chegou mais gente! — disse Maria de boca cheia, saboreando a fruta oferecida.

— Toda semana chega mais gente.

— Eu sei, mas hoje foi diferente. Tinha uma moça acorrentada. Acho que devia ser perigosa.

— Sei.

— Ela foi levada para a solitária — disse Maria arregalando os olhos, tentando impressionar a amiga.

— O que ela deve ter feito?

— Não sabemos, mas bem que você poderia descobrir! Você conversa com todo mundo, até com os guardas. Não sei como você consegue falar a língua deles direitinho.

— Isso é fácil para uma nobre como eu — disse, virando o rosto e balançando seus curtos cabelos loiros que chegavam a altura do pescoço.

— Você com esse papo de novo!

— Mas é verdade! Minha mãe é uma rainha! Não era para eu estar aqui.

— Vocês tinham um castelo?

— Claro, era enorme! — gesticulava Aline tentando impressionar a amiga.

— E cavalos?

— Muitos, muitos, muitos!

— E soldados?

— Um montão!

— Onde eles estão agora?

Aline baixou o olhar, perdeu o ímpeto e disse baixinho:

— Não sei.

E assim, as duas contemplaram o entardecer em silêncio.



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