Lana – Uma Aventura de Fantasia Medieval Brasileira

Autor(a): Breno Dornelles Lima

Revisão: Matheus Esteves


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 1: A casa do bosque

Ontem foi o último dia de sua antiga vida, hoje é o começo de uma incrível jornada. A aventura que iria mudar definitivamente o rumo de tudo. É sempre assim, sem anúncios, sem pedir licença, sem aviso algum para que possamos nos preparar, as mudanças veem e o melhor que podemos fazer é estar preparados para ela.

Lana percorria os bosques próximos a sua casa. Era tarde, um dia muito quente e o brilho do sol refletia nas folhas das copas das grandes árvores. Filetes de luz chegavam ao chão e ajudavam a jovem de vestido branco a distinguir as melhores ervas a serem colhidas. A garota selecionava diferentes tipos de flores de cores e tamanhos variados, pegava também algumas raízes e sementes quando encontrava alguma que fosse útil. Depositava tudo num cesto que no momento estava sobre um toco de árvore.

Era possível perceber pela meticulosidade na escolha que ela sabia exatamente o que fazia. De fato, não era a primeira vez que estava lá. Detinha um bom conhecimento a respeito de plantas e colher ervas, era o que ela mais havia feito nos dois últimos anos.

Em sua face um misto de serenidade e preocupação. Isto porque tentava manter a concentração, mas invariavelmente era pega por pensamentos que lhe afligia a alma e então sua expressão mudava automaticamente, franzindo a testa sem que em momento algum interrompesse a coleta.

Com seus dezessete anos, Lana se viu responsável por cuidar de sua mãe que se tornara inválida, vítima da grande praga. Esta era a doença que varria o lado oeste do continente. Com a precariedade da higiene no atual período de guerras a doença se alastrava atingindo grande parte dos habitantes do país. Se não perdessem pela guerra perderiam pela doença. Isso era praticamente um consenso.

Lana e sua mãe fugiram para os campos, para longe das grandes cidades, mas já era tarde. Helena sucumbiu a doença que não tinha cura. Nos estágios mais avançados minava toda a disposição da pessoa, que passava a maior parte do tempo em repouso. Horas dormindo durante o dia, noites febris, delírios, cansaço e falta de apetite, até que a vítima definhava entregando-se totalmente a doença. Desistir de viver era a opção de muitos.

Para Lana restou tratar de forma paliativa a enfermidade de sua mãe. Aliviar o cansaço e a fraqueza com chás e sopas. Verdade que remédio algum era eficaz, mas ela fazia o melhor que estava ao seu alcance. De negligente, Lana jamais poderia ser chamada.

Era a enfermeira de sua mãe. Estavam isoladas do restante das pessoas, se alimentavam de vegetais que ela mesma plantava numa pequena horta, e de frutas que colhia no bosque, assim como bebiam da água de um pequeno poço ou de um riacho que ficava a alguns quilômetros da casinha em que viviam.

Raramente ia a cidade, inclusive fazia muito tempo desde a sua última visita. Roupas, comidas, pessoas, tudo que fosse da cidade deveria ser evitado. Ninguém sabia ao certo como a doença se espalhava, e então o isolamento naquela época era uma pratica comum.

Enquanto colhia, as horas passavam e os pensamentos voavam. Ela voltava no tempo, tempo antes da guerra, antes da doença, na época em que moravam na cidade, quando seu pai estava presente. Era uma família completa e feliz. A guerra tudo tirou.

Restara ao menos a esperança. Seu pai estava em algum lugar na guerra e sua mãe… Nesse momento Lana olhou para o céu e percebeu que era hora de ir para casa, o cesto estava repleto, já tinha o necessário para dias, pensou.

A jovem pegou o cesto e foi em direção à casinha. Seguia em passos lentos, não estava muito longe. Sairia do bosque, passaria por um declive descampado e chegaria ao seu lar.

 

***

 

Vindo de direção oposta, utilizando uma estrada auxiliar, um pequeno contingente militar marchava. Alguns batedores à frente, notaram a pequena casinha e para lá rumaram. Eram três soldados.

Portando sabres em suas cinturas o trio avançava de forma cautelosa. Depararam com a pequena cerca que divisava a morada. Assim que a pularam, rodearam a casa. Portas e janelas fechadas. Notaram ao fundo que a pequena horta estava cuidada, assim deduziram que poderia haver pessoas por perto.

O primeiro soldado bateu na porta. Silêncio. Tentou mais uma vez e nada. Aparentemente não havia ninguém. Ele forçou a entrada. A porta estava trancada. Os soldados se entreolharam e concordaram que valia ao menos investigar. Um empurrão foi o suficiente para quebrar os trincos enferrujados que saltaram da madeira. Escuridão. De fora mal dava para ver o que havia dentro do local. O único sinal de luz adentrava pela porta recém-aberta. Três soldados entraram na casa.

Lana saía do bosque e em sua mente planejava o que iria fazer. Tomar um banho, preparar o jantar, separar algumas ervas, talvez até descansar um pouco e então cuidar de sua mãe. Ela olhou para baixo e ao longo e fitou a casa. Não havia nada de especial naquela vista, exceto pela porta que estava aberta. A porta nunca ficava aberta.

Assustada a jovem parou por um segundo, o cesto foi ao chão. As ervas se misturaram as flores, as sementes se espalharam e rolaram pela mata. A garota agora corria. Seguia o mais rápido que podia. Braços e pernas moviam rapidamente, ela mal respirava.

Enquanto apoiava um dos braços para pular sobre a cerca, Lana ouviu um grito e, então olhou para a porta.

Passando pela pequena horta Lana pegou uma faca que havia largado junto a outros utensílios. Não era muito comprida, tampouco afiada, mas foi a primeira coisa que avistara.

Segurou a lâmina com a mão direta, encostou o corpo ao lado da porta, rente à parede da casa. Tentava ouvir o que se passava lá dentro. Alguém disse algo em voz alta em um idioma do Leste.

— Vamos embora daqui, depressa!

Lana tremia de nervosismo e suava pela corrida.  Então ela respirou fundo e apertou com força o punho da faca, e tomou coragem. Iria entrar e encarar quem quer que fosse afinal sua mãe indefesa lá se encontrava.

Fechando os olhos e tomando um último fôlego, Lana avançou decidida. Foi neste momento que o primeiro soldado saía da casa. O choque jogou a garota para trás.

O homem parou e olhou surpreso para ela. Lana apontava a faca e o encarava num misto de medo e raiva enquanto se recompunha.

— Menina! — disse o soldado enquanto avançou um passo em direção de Lana, que reagiu esticando o braço simulando um ataque, lembrando-o de que ela estava armada.

O homem parou, estufou o peito, a encarou e disse:

— Me dê esta faca! O que pensa que está fazendo?

Nesse ponto os outros dois soldados saíam da casa e a jovem se distraiu por alguns instantes, e foi o suficiente para que o homem tentasse desarmá-la.

Agindo por reflexo a jovem recuou, mas não sem riscar o ar. O metal encontrou a carne, e o sangue começou a sair do antebraço direito do soldado que agora recuava tentando conter o sangramento com a outra mão.

— Saiam daqui! Não tem nada para vocês neste lugar! Saiam! — gritou Lana.

Um dos soldados tomou a frente e disse pausadamente e com um sotaque engraçado:

— Está tudo bem, nós não vamos machucar você.

Imóvel, Lana apenas observava, com o braço estendido e com a lâmina tingida de sangue apontada para eles.

Passaram alguns minutos e o impasse permanecia. O último soldado tomou a frente empurrando os amigos, sacando o sabre e gritando: — Chega desta palhaçada! Se você quer tanto lutar, então está bem, vai ser do seu jeito!

Dando um passo à frente o homem, em postura de combate, apontou o sabre contra a faca. O homem avançou mais um pouco e as duas laminas se encontraram por um breve instante. Girando o punho o sabre bateu com força contra a faca, quase desarmando a jovem que reagiu assustada dando um passo para trás.

O soldado deu um leve sorriso e um passo adiante. O sabre buscando a faca novamente. Laminas se encontraram lado a lado. O homem com um movimento de pulso novamente tentou desarmar Lana batendo a lateral do sabre contra a faca. Desta vez, porém não encontrou o alvo, a faca dera uma volta por baixo e quando subia para completar o movimento circular, Lana avançava com o corpo.

Antebraço cortado, sem forças e com muita dor, o sabre escapava da mão e o soldado gritava. Em seguida Lana traçou um golpe horizontal com a faca, mas esta sendo curta alcançou apenas o ar, enquanto o homem cambaleava para trás em cima de seus companheiros.

— O que está acontecendo aqui? — disse uma voz imponente pelas costas de Lana.

A jovem reagiu com um ataque, mas as mãos bem treinadas do homem agarraram o punho da jovem que segurava a faca. Ele começou a apertar cada vez mais forte. A garota o encarava fixamente. Olhos esverdeados, arregalados e marejados. Dor e raiva.

O homem devolveu o olhar com seriedade. Aumentou a pressão no punho da jovem, e a faca ameaçou cair.

— Se não largar, vou quebrar o seu pulso.

— Acho que a desgraçada não entende nossa língua capitão — interveio um dos soldados feridos.

— Não, elas nunca entendem. Mas sempre que você aperta. — Lana arqueou as pernas, a dor era imensa. — Elas entendem, em qualquer língua. — Com um movimento brusco ele jogou Lana com força para o chão. Encolhida ela segurava o punho dolorido, mas a faca permanecia em sua mão.

— Coloquem a menina na última carroça.

— A última, senhor? Junto com os doentes? — questionou um deles.

— Soldado você não viu os olhos dela? Não notou as olheiras, ela também está doente. — Agachada Lana apenas ouvia. Os longos cabelos ruivos escondiam a sua face.

— Este país. — pausou o homem por um instante. — Conquistamos um monte de doentes, só isso que nos oferecem.

— Quanto a casa senhor?

— Faça o de sempre soldado. Queime tudo.

— Não! — Lana saltou numa explosão de fúria.

Com o punho fraco ela foi facilmente desarmada pelo capitão que a segurou pelo pescoço.

— Agora escute! Ou você se comporta ou eu juro que queimo você junto com essa maldita casa.

Lana segurou os punhos do capitão, já com os olhos marejados e tentou falar: — A minha, a minha! — E engoliu o choro por um breve instante.

— Pelo amor de Deus! A sua o quê? — exclamou o capitão.

— Senhor. Acho que é a mãe dela que está na casa — disse um soldado enquanto enfaixava o braço.

— Ah, que ótimo! Porque não disseram logo? Tragam-na também.

— Ela está morta — respondeu outro.

Num último sopro de força Lana gritou. O capitão a soltou, ela levantou-se e saiu correndo para dentro da casa. Um soldado tentou intervir, mas o capitão o impediu segurando-o pelo ombro.

— Deixe-a, acho que ela ainda não se despediu da mãe. Maldita guerra. — Então o capitão dirigiu um olhar inquisidor para o trio.

— Não fomos nós, ela já estava morta quando chegamos. Eu juro!

— Assim que a vimos, saímos da casa imediatamente — explicou um dos soldados.

— A garota apareceu depois — acrescentou outro.

— Esperem alguns minutos, depois a levem para a carroça e queimem tudo — disse o capitão em tom sinistro ao abandonar o local.



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