Lana – Uma Aventura de Fantasia Medieval Brasileira

Autor(a): Breno Dornelles Lima

Revisão: Matheus Esteves


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 14: Despedida

Diferente da noite anterior Lana conseguiu dormir tranquilamente. Foi um sono profundo e relaxante, sem sonhos ou pesadelos.

Era em torno da cinco da manhã quando despertou. Enfiou o rosto para fora da tenda e viu que o céu ainda estava azul escuro, olhou novamente para dentro do abrigo viu Aline dormindo tranquilamente. Ela deu um breve sorriso e resolveu enfim dar uma volta.

Assim que pisou com os pés descalços na grama molhada, sentiu um leve arrepio e foi pulando rapidamente até parar em frente das cinzas da fogueira do acampamento. Ali perto o burrinho dormia ao lado da carroça. Ela fez uma pausa e olhou em volta e não localizou o monge. Perambulando ela acabou seguindo em direção ao lago e de súbito notou que havia uma grande rocha lá na margem, deveria ter quase um metro de altura.

— Que estranho, poderia jurar que não havia reparado… — Antes que fosse ao local, ou que sequer concluísse a própria frase ela abaixou e procurou por uma pedrinha. Fechando um dos olhos ela fez uma mira e então arremessou o objeto com toda a sua força.

Inesperadamente o projétil não alcançou o alvo, antes que se chocasse uma mão rapidamente brotou da rocha e aparou a pedra. Lana aguçou a visão e então percebeu que o monge era a rocha, ele estava ali sentado e pescando o tempo todo.

Devagar ela foi caminho enquanto tentava entender como aquilo era possível. De alguma forma ela não notara a presença do homem, e somente quando seus sentidos foram desafiados que ela pode confirmar que havia sido iludida.

Assim que chegou na margem do lago ela sentou ao lado do monge sem nada dizer. Ao perceber a indiferença do homem ela colocou os pés na água gelada, gentilmente pequenas vibrações formavam ao redor e acabava ali qualquer esperança de pesca para o monge.

— Não perca o seu tempo, os peixes já haviam ido embora assim que perceberam que você acordou.

Lana olhou com ar de indiferença e disse:

— E mesmo assim você prefere fingir que pesca à conversar comigo?

— Não estava fingindo.

— Estava meditando?

— Eu estava ponderando. Você é talentosa, admiro sua percepção aguçada, o seu vigor e pelo pouco que vi sua habilidade de luta parece ser excepcional.

— Obrigada.

— O que me leva a perguntar. Quem é essa pessoa que tenho aqui na minha frente.

— Sou muito agradecida pelo que tem feito por nós monge. A verdade é que talvez não tivéssemos escapado daqueles homens sem a sua ajuda. — Lana interrompeu o discurso, por um momento era como se tivesse mudado de ideia e se arrependido do raciocínio que havia elaborado.

— Mas? — perguntou o homem encarando Lana enquanto ajeitava o óculo na face esperando pelo resto da sentença.

Relutante a garota continuou:

— O monge veio de lá, das mesmas terras que esse exército maldito.

— Entendo. Então não sou confiável?

— Não foi o que eu quis dizer.

— Foi o que pensou apesar de tudo que eu fiz até o momento.

— Eu não entendo o que você faz aqui, o que todos vocês fazem aqui.

— Agora entendi, eu faço parte um grande pacote indesejado que você gostaria de se desfazer — disse o monge.

— Se essa guerra não existisse, nada disso seria necessário.

— De uma maneira simplista, inocente até, pode ser verdade, mas é uma constatação inútil. Ponderar sobre a vida que não é vivida é perda de tempo e energia.

— Eu não estou falando de uma ilusão, eu estou falando da vida que eu tinha, que eu perdi e que eu quero recuperar!

— Hum… e como pretende recuperar essa vida?

— Pode apostar que eu não vou ficar aqui me lamentando monge, eu sei o que eu preciso fazer — disse Lana se levantando. — Eu tenho pressa!

— Pressa todos tem, menos os monges, é claro. Mas você, com todo esse talento não pode sair por aí como um animal. Você rosna alto e encara com ódio, mas na verdade é uma fera encurralada que tenta afugentar os predadores.

— O que sabe sobre mim? – questionou a ruiva evocando em sua memória todos os seus feitos bem-sucedidos até então.

— Sei que você tem êxito com animais menores, mas quando encontrar um que seja maior, mais habilidoso, ele irá te dominar. — Enquanto o monge falava a imagem mental de Lana com suas vitórias foi substituída por um único fracasso. O capitão! Ela nem mesmo sabia seu nome, o homem que a conteve com um único punho.

Naquele momento uma grande frustração tomou conta da garota.

— Olhe, eu sei me virar!  Está bem? Como eu posso diferente enquanto tento encontrar meu pai no meio dessa guerra toda?

— Se a sua demanda é alcançar alguém no meio deste tumulto eu recomendaria mais do que nunca prudência e discrição. Amanse primeiro essa fera dentro de você.

Lana respirou fundo, não queria ouvir as palavras do monge, embora elas soassem coerentes. Ela queria conduzir a conversa, não ouvir um sermão e além disso era como se toda aquela calma zombasse de sua missão.

— Escute, eu não quero parecer ingrata, mas tenho que partir.

— Você vai mesmo arrastar aquela criança com você no meio da guerra?

— Eu posso cuidar da Aline e quando encontrarmos o meu pai tudo ficará bem.

— Então vocês vão descer o rio em direção ao sul? No foco dos combates?

— Ainda não, primeiro eu preciso resolver uma coisa aqui perto.

— E quanto a sua recuperação? — questionou o monge.

Em meio à discussão, Aline despertara. Ouvia algumas vozes ao fundo e resolveu se levantar. Saiu da tenda esfregando os olhos e tentando afugentar o sono entre um bocejo e outro. De longe via Lana e o monge Daniel, mas devido a distância não sabia exatamente do que se tratava o assunto, mas pela expressão e forma que Lana gesticulava, o tom da conversa não deveria ser nada agradável.

Em passos lentos e ainda atordoada Aline cumprimentou a dupla:

— Bom dia. Por que essa discussão tão cedo?

— Aline, vamos comer logo, partiremos cedo e não devemos mais incomodar o monge.

— Nossa, tão cedo assim?

— É que o monge tem muitos assuntos a tratar — respondeu Lana.

— Se é assim…

 

***

 

Uma hora depois Lana e Aline estavam prontas para partir. Cada uma carregava uma pequena sacola de mantimentos presa às costas fornecida pelo monge. Logo as duas estavam se despedindo do religioso.

— Muito obrigada pela ajuda monge Daniel — disse Aline com um sorriso no rosto.

— Já sabe para onde vão?

— Sim! Encontremos o pai de Lana! Ele é um homem importante e poderá ajudar gente.

— Vocês sabem aonde ele se encontra? — disse o monge enquanto Lana apenas o observava em silêncio.

— Lana suspeita que ele esteja ao sul. Ninguém sabe como a guerra está naquela região, mas vamos descobrir!

— E você não está com medo?

Por um momento Lana respirou fundo e levou e levou os olhos aos céus. Sentia como se estivesse sendo confrontada.

— Não, eu e Lana formamos uma dupla e tanto, juntas ninguém pode com a gente! — respondeu a menina com um sincero e inocente sorriso no rosto.

O monge riu e pousou a mão sobre a cabeça da menina.

— Que os deuses a protejam minha pequena e cuide bem de sua amiga.

— Pode deixar! — disse Aline assentindo com a cabeça.

O monge virou-se então para Lana e disse:

— Seja prudente em sua viagem.

Por um momento a garota o encarou com seriedade, mas no instante seguinte ela cedeu e uma expressão suave tomou conta de sua face.

— Desculpe pelo meu jeito. Você cuidou dos meus ferimentos, nos deu abrigo e comida. Enfim não tenho palavras para agradecer.

— Não se preocupe com peso de suas palavras ditas mais cedo, tudo que você disse estava em seu coração e não há razão para se desculpar por isso. Eu espero que sinceramente tenha ajudado a livrá-la de uma parte do peso que carrega.

— Acho que sim.

— E lembre-se, procure praticar o meu ensinamento, é tudo que eu peço. Adeus.

As duas deram alguns passos e então Lana parou por um segundo, virou-se novamente para o monge e de forma hesitante disse:

— Por acaso o monge efetua cerimonias?

— Sim.

— Bem, se ainda puder me fazer um último favor.

— Claro, prossiga — respondeu o monge curioso.

— Seguindo a nordeste você encontrará uma estrada que cruza o bosque. Ao final dela encontrará os restos de uma casa que foi incendiada, e passando por ela chegará numa colina com uma cruz de madeira no topo. Lá encontrará o túmulo de minha mãe. Se puder ir até lá e rezar um pouco pela alma dela eu agradeceria.

— Você acredita nos deuses?

— Não peço por mim, peço por minha mãe. De alguma forma eu sei que ela ficaria satisfeita com isso.

— Tenho que buscar mantimentos numa cidadezinha próxima daqui, mas creio que em dois dias poderei ir até lá atender ao seu pedido.

— Obrigada mais uma vez. Provavelmente não nos encontraremos mais, mas sei que posso contar com sua palavra. Adeus. —  Lana então finalmente seguiu seu caminho em silêncio.

Ainda era cedo e sol ainda estava tímido no horizonte, por um instante elas contemplaram o amanhecer na esperança da renovação de um novo dia que havia pela frente, e então com o espírito revigorado elas partiram.



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