Volume 2
Capítulo 54: Uma Nova Cidade
Um trem composto de puro metal, seguia em frente em uma velocidade assustadora. Seu caminho era de completa escuridão, apenas os seus faróis iluminavam o túnel à frente.
Por dentro, em um vagão tremendo e as luzes piscando, sentado em um banco macio, San se agarrava nas laterais e checava o cinto de segurança, apreensivo.
Usava uma camiseta preta, jaqueta escura com linhas brancas passando as mangas e uma calça jeans. A placa de identificação preta do exército se prendia no pescoço, a última lembrança da mãe, escondida sobre a camiseta.
E no pulso oposto ao relógio, uma pulseira escura, cobrindo parcialmente uma marca de chama, o simbolo da união ao seu familiar.
Seu cabelo crescia rapidamente, então o penteava para os lados, deixando uma mecha até o meio da testa, faltando pouco até alcançar os olhos azuis fortes.
As luzes piscavam no vagão sem janelas, — normal em todos os trens. — San só imaginava o que ocorria nos túneis. A última mensagem do piloto dizia que monstros subterrâneos foram detectados à frente.
Demorando minutos, a tremedeira e as lâmpadas ajeitaram. Os passageiros acalmaram os ânimos, e como se nada tivesse acontecido, voltaram às suas atividades de sempre, comendo, jogando entre conhecidos ou conversando.
San, sentado sozinho, com uma mochila no banco perto, continuava tenso, o cinto preso fortemente. Era sua primeira vez em uma viagem dessas, e principalmente nessa velocidade.
Trens são o meio de transporte mais seguro, as paredes revestidas de metais extremamente resistentes, e mesmo se monstros subterrâneos ultrapassarem, os mutantes a bordo, treinados em resolver esse tipo de situação, dão um jeito.
Para ricos, é um meio comum de transporte, nem ficavam nervosos ao soar dos alarmes. Quem falta dinheiro, precisa se arriscar a ir a pé as outras cidades, parando em pontos do governo, custando uma quantia para passar a noite e saindo de manhã.
San só desfrutava de uma viagem dessas devido a Eugene, o seu benfeitor criminoso e chefe temporário, o mandando a uma cidade de carro com uma estação ferroviária. Pelo começo, ele vai sozinho a Plária, uma das grandes cidades. As garotas, irmãs do seu amigo falecido e sob a sua guarda, vão logo em seguida.
Tranquilizando, fechou os olhos e se concentrou. Alguns segundos depois, sentiu a conexão em Garmir, seu familiar e cão do inferno.
— Tá bem amigão?
— Vou matar esses animais irritantes, e aqui é apertado.
— Aguenta aí, logo vamos embora daqui.
Terminando de falar mentalmente, só sobrou a sensação de onde o parceiro tava. Era regra animais permanecerem em um lugar reservado em suas gaiolas, até familiares.
Garmir odiou, seu orgulho quebrado ao ser obrigado a ficar dentro de uma gaiola igual os outros animais. Com insistência de San, concordou. Durante um bom tempo, o cão do inferno andou pelas ruas da cidade de Veridiam, aprendendo a falar feito um humano, decorando as gírias e experimentando na mente do parceiro.
Olhando os lados e garantindo que ninguém o ouvia, falou baixo:
— Me fala de novo da academia Anastasia.
— Um local para treinar mutantes de todo tipo, especializados em treinamentos de campo, sobrevivência, armas, etc. Tanto a academia quanto a cidade, aceitam monstros inteligentes de cidadãos, fazendo uma harmonia. — falou Sacro, o relógio do seu pulso.
Coçando os olhos, o cansaço o dominava cada vez que ouvia. Na sua visão, era legal, treinamentos e aprender coisas novas, o ruim era o motivo de ir, roubar a esfera de Dyson, um objeto capaz de energizar uma cidade inteira.
Ao ouvir do objeto, nem tinha ideia do valor. Mas escutando detalhadamente após aceitar a missão, até se assustou. A esfera tem a capacidade de guardar energia praticamente infinitamente, usada para energizar a academia, e por algum motivo, Eugene a quer.
Só de imaginar a dificuldade em rouba-lá, fazia sua cabeça doer, considerando as defesas e a segurança. Seu plano no início seria agir semelhante a um estudante normal e curioso.
Esticando-se, abriu o holograma de Sacro, procurando, encontrou seus documentos organizados.
Uma projeção em 3D revelou na frente do seu rosto, um conglomerado de prédios perto. Ao redor, uma floresta circulando e no limite, uma parede enorme.
Essa era só uma parte, San pesquisou detalhadamente a planta da academia, seus arredores e a cidade em si, decorando as informações na mente e no seu relógio.
Acenando em afirmação, a essência no seu corpo circulava freneticamente, seus três poderes prontos. De antemão, planejava usar o disparo de energia, uma habilidade de classificação raro e sua primeira.
A telecinese era fraca comparada a dos alunos treinados desde a infância, e poderia disfarçar os ossos de ferro alegando ser uma capacidade física melhorada por ser um mutante.
Confirmando estar correto as anotações, recostou a cabeça na mão e tentou dormir. Sem janelas por conta de proteção, só podia ver dentro do vagão, e já tava entediado.
***
O chão de água era escuro, o céu iluminado por uma lua de sangue, e San andava sobre o líquido preto.
Virando o rosto assustado, procurava freneticamente. “De novo não, qual é!” Antes de poder fazer qualquer coisa, agarraram o pé.
Já sabendo o que era, puxou rapidamente, tinha pouco tempo. Correndo assustado, teve a esperança de ter conseguido fugir. No entanto, algo prendeu novamente, e dessa vez, recusava a soltar.
Tentando com todo o esforço, mantinha a visão à frente, medo de ver em baixo. O puxão sendo pior ainda, foi derrubado no chão.
Forçado a olhar, corpos mortos o escalavam. Olhos completamente brancos, choravam um líquido preto e as bocas abertas, gritando, incapazes de formar frases.
Simon, sua primeira vítima. Gina, parceira mercenária e morta por piedade. Gus, o causador da morte do seu grupo e um guerreiro violento. Era esperado só esses, contudo, havia outro no meio. Leo, seu amigo falecido e loiro, aproximando, empurrando os obstáculos mortos, só querendo alcançar o rosto.
San debatia freneticamente, desesperado em soltar, levantar, correr, ou utilizar a essência, de nada adiantava, tudo foi em vão. Leo no seu rosto, abriu a boca, e sussurrou:
— Por que me matou?
***
Acordando em um pulo, San virava a cabeça freneticamente, afirmando tá acordado, repetindo: “Eu não o matei, eu não o matei.” Acalmando o coração batendo loucamente e limpando o suor da testa, prestou atenção a voz vindo dos microfones:
— Atenção passageiros, daqui a cinco minutos estaremos na cidade. Preparem suas bagagens e bens.
Espreguiçando-se, olhou os lados e várias pessoas ajeitavam os pertences. Crianças animadas, pais cansados e uns dormindo.
Ao chegarem, passou a porta metálica e viu a estação enorme. Gente saindo e entrando, guardas nos cantos, cuidando qualquer um.
Admirado, ouviu reclamações vindo de trás o apressando. Indo em frente, esperou. Um homem de uniforme estendeu uma gaiola grande e verde de animais.
Pegando distância, pôs no chão e abaixou o rosto, vendo Garmir, preso e os olhos raivosos.
Abrindo um sorriso fraco, destrancou. Fugindo imediatamente, encarou o objeto num ódio mortal. No momento, o monstro não podia mais ser chamado de filhote, cresceu bastante, assemelhando a um cachorro adulto já, um de porte grande e forte.
— Vamos lá conhecer a cidade.
Caminhando juntos, a gaiola verde, por ordem do cão, explodiu em chamas, assustando o povo. Escolhendo ignorar, subiram as escadas. As pessoas sempre olhavam o familiar, admirando sua beleza. O pelo escuro macio, olhos vermelhos brilhantes e a cicatriz de garras no peito.
Saindo do subterrâneo, a luz do sol bateu no rosto de San, o forçando a tapar com o braço. Quando os olhos se acostumaram, admirou.
Recém tendo acesso à superfície, olhava de um lado ao outro, as lojas bonitas, pessoas andando com roupas elegantes, carros passando em um ritmo rápido e ao longe, prédios enormes.
Essa cidade era famosa por ser uma das maiores, milhões de cidadãos morando, negócios de todo tipo e a famosa academia Anastasia. Na calçada, parava constantemente nas vitrines, vendo as coisas diferentes nunca vistas.
Distraído, atravessou a rua repleta de movimento. Um carro parrou na hora, cantando os pneus e buzinando. Se assustando, San estendeu as mãos na hora, permitindo à essência percorrer o corpo.
Notando seu erro, acalmou e voltou a calçada, ignorando os insultos do motorista. Analisando uma vitrine, o agarraram no ombro. Encarando a pessoa, não fazia ideia de quem era.
O homem tinha um bigode bem feito, chapéu na cabeça, camisa branca, paletó e mostrava os dentes com raiva.
— Seu pirralho! Por sua causa, pecharam meu carro.
Compreendendo, supôs ser o motorista de segundos atrás.
— Foi mal, sou novo aqui. — A sua voz carregava graça, e uma pitada de deboche.
— Perguntei? Vai pagar pelo estrago. — As veias na testa ameaçando explodir.
— Eu? O certo seria quem o pechou.
— O culpado fugiu.
Soltando um suspiro, San olhou ao redor. Uma multidão formava, uns de relógios apontados, gravando a situação. Tentando manter a calma, respondeu:
— Senhor, me desculpe, no entanto, deveria procurar o verdadeiro culpado.
Desprendendo do aperto do homem, afastou alguns passos, só pra ser segurado de novo, forçando seu ombro, e dessa vez se irritou. Em um movimento, pressionou o pescoço dele e o empurrou até uma parede.
— Entende aqui seu merda, acha que seu carro tá ruim agora? Vai ver como vai ficar se me irritar.
— V-você ousa? Levante um dedo, e pagará…
Nem terminando de falar, San apertou o pescoço com força, tirando o ar, e levou o braço pra trás, preparado a dar um soco.
Antes de poder fazer, uma mão o impediu. Virando a cabeça, uma mulher o assegurava, tinha o cabelo loiro amarrado, vestia uma camisa branca e o rosto sério.
A desconhecendo, falou:
— Vaza daqui.
Falando baixo, respondeu:
— Vim a mandado do Eugene. Vamos embora.
Considerando seriamente ignorar, dar uma lição ao homem, só precisou ver a multidão e percebeu ser uma ideia ruim. O libertando, a acompanhou na calçada.
Andando apenas o suficiente para dispersar os curiosos, um carro preto parou no encostamento. A mulher entrou, San fez o mesmo do lado oposto no banco de trás junto a Garmir.
Tendo entrado apenas em carros da polícia, gostou bastante desse. Bancos confortáveis, ar condicionado bom, espaço pras pernas. O veículo foi até a rua, o motorista sem virar sequer uma vez, continuou. Garmir sentou no banco do meio, observando a frente.
A mulher, soando irritada, disse:
— Primeira vez na cidade e já fez um show.
Olhando pela janela escura, respondeu:
— O cara pediu.
— Tanto faz, estamos indo pra academia, quer passar na cidade?
— Tô tranquilo.
— Certo, vou explicar. Meu nome é Mei, seu contato daqui, se precisar reportar algo ou pedir ajuda, me procure. Tem seu objetivo, mas no início, só explore, conheça os corredores e passagens.
— Sei disso, onde enviaram meus itens?
— Sua espada, faca e o restante, estão guardados por enquanto, vai ser enviado ao seu quarto na academia, quando tiver um.
Já sabendo da maioria, perguntou num bocejo:
— Só isso?
— É, e não é necessário pagar sua dívida, também te daremos uma quantia de dinheiro para se sustentar. Finalizando, a ajuda do senhor Eugene é limitada, essa cidade tem criminosos em níveis bem piores, fique esperto.
Balançando a cabeça concordando, só prestou atenção em fora. Depois de um tempo, ouviu a voz de Sacro dizendo:
— Me diga, lembra das regras?
“Só pode tá zoando, de novo.”
— Claro. — falou baixo, evitando Emi ouvir.
— Eu discordo, as quebrou em pouco tempo.
— Fiquei estressado.
As regras, foi o próprio Sacro quem criou, com um objetivo de San se misturar entre os outros jovens da sua idade, mesmo odiando, teve de decorar.
— Certo, vou repetir, só pra refrescar sua memória.
— Qual é, esquece.
— Proibido palavrões, gírias das ruas, palavras obscenas, gestos rudes, violência desnecessária, falar de crimes cometidos.
Enquanto o relógio continuava as regras irritantes, San só queria tapar os ouvidos e esquecer tudo. Odiava isso, era como se devesse criar um novo ele, só pra encaixar no meio dessa gente.
Para piorar, no último mês, seu humor tem se tornado azedo, irritando com assuntos mínimos e explodindo nas pessoas, e é claro, tem entrado em brigas nos últimos tempos, nunca sabendo parar.
Passando minutos, chegaram nos portões da academia. Arregalando os olhos, ergueu as sobrancelhas. Muros tão grandes quanto um prédio cobria o campus inteiro, impossibilitando a entrada de cima ou fuga.
Parando na frente, Mei disse:
— O deixaremos aqui, tem a nossa forma de entrar em contato, faça seu trabalho direito.
Abrindo a porta, saiu ele e Garmir. O carro se mandou, o abandonando na calçada. Demorando, só cuidava os muros, considerando a dificuldade em os escalar ou nas defesas. Dando o primeiro passo dentro, viu guardas montando guarda, equipados com armaduras de metal e lanças nas mãos.
— Identifique-se. — Um declarou.
Os analisando de cima a baixo e prevendo suas chances em uma luta, respondeu:
— Santiago Lunaris, aluno novo.
Um deles abriu um holograma no relógio e procurou um tempo, quando achou o nome, abriu um arquivo com foto e várias informações de San.
Lendo e confirmando, disse:
— Entra.
Caminhando na estrada de paralelepípedos, passou inúmeros alunos, todos usando uniforme da academia, escuros, indo em direção a prédios de aulas.
Os dois, humano e monstro, balançavam a cabeça a toda hora, sem conseguir decidir o que encarar.
— Siga em frente e vire a direita. — falou Sacro do pulso com o mapa armazenado.
Obedecendo, parou em uma recepção, onde uma mulher vestindo um uniforme branco digitava constantemente em um computador de trás do balcão.
Indo em frente, deu umas batidas na madeira e disse:
— Licença, sou aluno novo.
A mulher, o cabelo preto solto e olhos castanhos, sorriu e respondeu:
— Veio ao lugar certo, sou a coordenadora. Pra começar, vou o colocar em um dormitório. Tem problemas de saúde?
— Não que eu saiba.
— Sente incomodado dividindo o quarto com um monstro inteligente?
Pensando por um segundo, disse:
— De boa.
— Esse monstro, é seu familiar?
— Exatamente.
— Prefere o mandar em um local especializado a sua espécie ou ficar contigo?
Garmir o olhou desconfiado, suspeitando que ia o deixar em outra gaiola. Sorrindo de brincadeira, fingiu considerar.
— Dá pra ficar comigo.
— Certo, um momento.
Digitando em uma velocidade incrível, acabou e disse:
— Seu quarto é na ala dos homens no segundo andar, 2B. Por favor, estenda seu dedo.
Concordando, colocou em um painel, e segundos depois, apitou verde.
— Tudo bem, sua digital vai funcionar de chave no quarto, se quiser mudar de cômodo, precisará de vários procedimentos, então espero que goste.
Acenando, seguiu o mapa holográfico. Durante sua caminhada e recebendo olhares curiosos, tanto da sua roupa normal e o cão do inferno, chegou nos dormitórios.
Era um prédio cinza grande, quatro andares no total, os dois primeiros sendo da ala masculina e os últimos a feminina. Passando a porta de vidro, ignorou o saguão bonito, entrou em um elevador.
Tocando uma música calma, saiu no corredor, uma área grande, as portas sendo de madeira. Contudo, uma sensação dentro o dizia serem além de portas simples
Lendo as placas em cima dos quartos, procurou o seu, ultrapassando alunos e uns familiares diferentes. Avistando a placa, tocou na maçaneta redonda, e a porta abriu facilmente.
Por dentro era grande, quase uma casa. Uma cama grande de cada lado, janelas, uma porta, armários, uma cozinha e outras coisas.
Muito bom pra San, o estranho foi todas as janelas estarem tapadas com a cortina, impedindo do sol entrar. Fechando a porta e dando alguns passos, encontrou seu colega de quarto, de pé no teto, fazendo flexões.