Volume 1
Capítulo 38: Todos Merecem um Descanso
Em um quarto de hospital, com uma TV pendurada no teto, a janela aberta deixando o vento entrar e as cortinas voarem, San permanecia deitado, dormindo profundamente.
Seu rosto continuava ferido; pelo menos, diminuíra um pouco e limpo de sangue. Máquinas ao seu lado apitavam, sinalizando seus batimentos cardíacos.
Entrando no quarto, um homem de jaleco olhava os lados. Tinha o cabelo preto penteado. Aproximando da cama a passos apressados, tirou do bolso uma agulha e cravou no braço de San.
Prestes a injetar o líquido, teve sua mão agarrada por outra, uma menor e as unhas bem feitas. Virando a cabeça na hora, deparou-se em Lisa, a irmã da ex de San.
O homem ficou assustado, deixando o nervosismo tomar conta e tremer. Na verdade, o médico era o homem sequestrado e levado a uma casa, tomando uma surra e sendo jogado na rua.
— D-doutora Zuco, por que está aqui?
— Sério? Se vai envenenar alguém, precisa tomar cuidado.
— Epa, só estou dando uma injeção normal.
— Já deu, seria péssimo descobrirem isso.
Cedendo ao desespero, implorou sem vergonha.
— Eu imploro, finge não ter me visto. É só um marginal, membro de gangue.
— Só por ser uma pessoa ruim, deveria morrer? Jeito ruim de pensar. Façamos assim, termina com a minha irmã e esqueça esse paciente, assim deixo isso passar.
— Ah, mas gosto dela.
— Por favor, sei que tá tendo um caso. Para de agir como um santo.
Balançando a cabeça, concordou e saiu. Observando o jovem deitado, ela sorriu e disse:
— Trabalho em equipe, valeu.
Após isso, horas passaram, dias. Amigos, colegas de trabalho e conhecidos o visitaram, ocasionalmente deixando flores ou tentando conversar. Quem mais apareceu era Leo, trazendo suas irmãs duas vezes. Sempre sentava na cadeira ao lado, vendo o amigo, torcendo para acordar.
Então, um dia, San abriu os olhos. Completamente grogue de recém-acordar e confuso de onde estava. Encarando o teto branco, organizava as peças.
Enquanto isso, uma enfermeira entrou no quarto, mexendo em uns equipamentos. Ajustando o cobertor do paciente, o viu acordado. Na hora, correu, chamando o doutor.
Tudo veio na hora, o impedindo de sequer raciocinar. Lembrou perfeitamente de entrar na base dos mercenários, ameaçar Gus, puxar uma briga e só desmaiar.
Sentando imediatamente, girou a cabeça ao redor, o quarto grande do hospital e olhando abaixo, surpreendeu em ver a roupa branca de paciente usada.
Tateando-se, ergueu a sobrancelha. Doía em vários lugares, porém, eram leves; os ossos quebrados foram curados e ao respirar, sentia o peito perfeito. Antes da chance de pisar no chão, a enfermeira voltou trazendo um médico.
— Senhor Lunaris, acalme, está no hospital. Sou Hershel, seu médico.
O homem era um senhor de idade, a parte de cima da cabeça praticamente careca, apenas alguns fios brancos. Sua pele já enrugada da idade e a roupa igual a dos outros doutores.
— O que aconteceu?
— A ambulância de pegou e trouxe.
— Sei disso, quero saber de mim. Me diz o nome desse remédio, me curo perfeitamente.
— No momento, seu corpo está limpo de qualquer droga. O motivo de sentir tão bem é porque um curador assumiu o trabalho. — Enquanto falava, o examinou, olhos, boca, coração.
San empalideceu, até limpou as orelhas, só para garantir ouvir certo. Curadores são mutantes de habilidades voltadas a cura e extremamente caros; quanto mais machucados, mais o dinheiro é pedido. E considerando os seus ferimentos, já imaginava uma forma de pular a janela e correr.
Hershel viu o rosto de derrota e entendeu na hora, já havia presenciado isso inúmeras vezes, e disse:
— Quanto aos custos, já pagaram.
— Sério! Quem?
— O líder dos mercenários, Mercer. Esteve aqui uma vez.
Aliviado instantaneamente, a curiosidade o dominou dessa vez, perguntando sobre o motivo. Escolhendo deixar, alongou os braços e pescoço, sentindo pontadas.
— Se foi pago, por que ainda sinto dor?
— Curadores são bastante úteis, contudo, não é só tocar e o curar. Eles usam a própria pessoa, acelerando as células a fecharem e melhorarem. O problema é quando faz muito isso; tem um certo limite.
— Certo, pelo menos tô quase no meu cem.
— Olha, meu jovem, você tem sorte. Chegando aqui, suas costelas já perfuravam um pulmão, por pouco está vivo.
— Agradeça ao curador.
— Pode fazer isso agora, já que está na sua frente.
— O senhor?
— Eu disse ser seu médico, o que esperava?
— Nossa, valeu, ajudou mesmo. Já posso ir?
— Vai ter de ficar; queremos realizar uns exames, afinal de contas, dormiu por doze dias.
— Espera, fiquei em coma?
— Dá pra dizer isso.
Soltando um suspiro aliviado, disse:
— Eu devia tá realmente mal.
— Com certeza, ferimentos em diversas partes e seu cérebro em um estado estranho.
— Estranho? Tem algo errado?
Levantando a mão e o tranquilizando, respondeu:
— Me expressei mal; a situação diferiu do normal. Por algum motivo, seu cérebro tinha uma alta pressão, o desgastando. No entanto, em questão de dias resolveu sozinho.
“Preciso perguntar pra Sacro, mas tenho uma forte teoria, essa é a consequência de usar um poder roubado sem me adaptar.”
— Obrigado doutor.
O senhor e a mulher saíram ao perguntarem de alergias e comida. Sozinho, San voltou a deitar, pensando. Vendo o relógio, que por sorte deixaram no pulso, falou:
— Teve umas férias de mim.
— Admito, foi bem entediante.
— Que dia é hoje?
— Sábado.
Olhando a janela aberta, apreciou o céu, até a porta ser aberta violentamente. Espantado, deu um pulo, e Leo junto às suas irmãs entraram correndo.
Quando os olhos viraram na sua direção, sentiu um arrepio na espinha. Emile, em uma velocidade surpreendente, jogou ao seu lado e o abraçou; Emma logo atrás e até seu amigo, o odiador de abraços, veio.
Demorando, os convenceu a soltarem e sorriu para cada um, alegres e animados. Abrindo a boca pra falar, Garmir veio e pulou no seu rosto, enchendo de lambidas.
— Valeu galera, tão fazendo o que aqui?
— Tá brincando né? — Emma falou. — Achou que íamos simplesmente te esperar quietos em casa?
Após isso, arrumaram cadeiras e sentaram ao redor da cama, Leo pegou de outro quarto a deixando vazia, e ninguém discutiu.
Falavam alto, suas preocupações, de como era esperar do lado de fora da sala de espera, o tempo onde San dormiu; as garotas acharam que ia continuar assim para sempre. Emile, falando constantemente e alegre, disse:
— Você é famoso. Que inveja.
— Famoso?
Leo pegou do bolso um jornal amassado e jogou no seu colo. Na capa da frente, uma foto de San ensanguentado e caminhando era estampada. Embaixo o título dizia: “Zumbi andando pela cidade.” A notícia relatava um mercenário fugindo de um ninho sozinho e voltando.
— Sabem que fui em um ninho?
— A cidade inteira, desde que apareceu na base e tentou ma… Bater em um cara. — Leo falou cuidando das palavras perto das garotas.
— Ótimo, evitei minha vida inteira chamar atenção pra mim e agora isso.
— Por quê? Ser famoso é legal. — Emma disse curiosa.
— Chamar atenção é perigoso.
Foi ensinado assim desde pequeno; chamar atenção é ruim, mantinha escondido e anônimo.
Continuaram conversando, na maioria das vezes, discutindo assuntos bobos. Só mudaram quando as garotas disseram que o visitaram uma vez, encontraram uma pessoa estranha.
— O cara era engraçado. Vestia esquisito e colorido, fazia uns truques legais. Brincamos.
— Era um bobo, perguntando do Garmir.
— Brincaram? O que eu disse de falar com desconhecidos?
— É um amigo do San, tá tudo bem.
Emma aproximou do irmão e sussurrou:
— Fiquei de olhos neles, não fugiram da minha visão por um minuto.
Levantando o polegar, a parabenizou. Ao acalmarem, Leo transferiu dinheiro às garotas e as mandou comprar comida.
Os dois, sozinhos e sem abrir a boca. Soltando um suspiro, San disse:
— Salvadores, é sério? E some por dias.
— Mal, cara. Eu queria contar, achei que ia ser contra.
— E sou. Tacando fogo em prédios, machucando gente. Quem te convenceu a entrar?
Pela primeira vez o encarando diretamente, falou firme:
— Ninguém me convidou, eu criei a organização.
San arregalou os olhos, confuso.
— Por quê? Se arriscar tanto.
— Eu disse o que aconteceu durante o interrogatório?
— Vagamente.
— …Me forçavam a ficar acordado, o tempo todo; quando dormia, tomava choque. A comida, de animal… Três vezes, fui enterrado vivo três vezes. Era espancado, e repetiam as mesmas perguntas: “Conhece o devorador de almas?” “Já trabalhou com ele? Isso é só o início.”
— Por isso ficou daquele jeito ao derrubar o copo.
— Sim, barulhos altos me assustam. Lugares apertados me tiram o ar. Ao dormir, pesadelos me atormentaram. Saindo de lá, descobri que isso aconteceu com outras pessoas, então decidi as juntar e fazer alguma coisa.
“É minha culpa, eu atraí os caçadores. Merda! Pelo meu egoísmo, o torturaram.”
— … Isso é vingança.
— E qual o problema de os obrigar a pagar? Você também quer isso, matar o tal de Gus.
— Entende algo, vou matar Gus por mim, justiça. Eu não me vingo.
— Aham. É sempre assim, me impedindo. Tem medo de quê?
Hesitando, San disse:
— Me diz, Leo, já te contei do meu pai?
Demorando, respondeu:
— Pouco, sei que era um merda e indo embora levou o dinheiro da sua família. E odeia falar dele.
— É, porém, doendo falar isso, era um bom pai.
Leo aquietou-se, surpreso do amigo que recusava falar do assunto durante anos, escolher esse momento.
— Só pra começar, era um bom homem, gentil e sorridente. Quando um de nós se machucava, corria pra nos ajudar, exagerando nos curativos. Minha mãe ria, dizendo ser comum crianças machucarem.
Abaixando a cabeça, demorou.
— Era uma época boa. Numa manhã normal, olhávamos TV e transmitia uma reportagem sobre um homem. Nessa hora, eu vi o puro ódio na sua expressão. Dias depois, viajou por semanas, e voltando, estava super bem, calmo e feliz de novo.
Leo ouvindo, até puxou a cadeira, querendo cada detalhe.
— Em questão de semanas, pirou, ficava estressado, impaciente e violento. Sumia de novo por semanas, e voltava relaxado. Isso demorou, e a verdade, era que matava os culpados pela morte da sua família, e gostava disso. Meu medo, você perguntou, é ser igual, gostar de matar, ter o sangue nas mãos, me tornar um monstro. Isso arruinou minha família.
Leo permaneceu quieto e disse:
— Compreendo o que tá dizendo, mas… A dor, é enorme. Toda vez ao lembrar, penso em uma das minhas irmãs na minha posição. E que pode acontecer isso nelas. Pra eles, somos lixo!
— Bem, a vingança é um ciclo, mate os que te causaram dor, e um dia, um amigo ou parceiro vai aparecer e te matar. Aí eu vou o matar, porque não vou aceitar meu amigo ter morrido assim. Então, você vai continuar vivo, e quero ir na sua base.
— Imaginei ser fosse contra.
— Ainda sou, porém, tá louco se acha que vou deixar meu amigo arriscar assim.
Acenando a cabeça, concordou em o levar só no seu perfeito estado. As garotas já chegavam, aproveitou e perguntou ao amigo:
— Prefere ser chamado de zumbi ou scar?
— Há, cala a boca.
Os dois riram, até as garotas trazerem comida e almoçarem unidos. Passando-se horas, até o período de visitas acabar.
Sozinho no seu quarto, San olhava a noite, procurando ver as estrelas, entretanto, só vendo um céu escuro. Levantando da cama, esticou-se e entrou em posição do estilo de luta.
Tentou golpes, chutes e, dando um soco, ouviu os ossos estalando e uma dormência o percorrer.
— Caramba, só queria saber como eu tava. Melhor deixar de exagerar por enquanto.
***
Longe do hospital, no bairro rico, em uma casa grande e bem mobiliada, Eugene fumava um charuto enquanto olhava o céu. Uma batida na sua porta tirou-o do devaneio; soprando a fumaça, falou:
— Entre.
Um homem entrou, tinha uma constituição forte, usava um terno caro e a cabeça raspada.
— Ele acordou, senhor.
— A situação?
— Ao que tudo indica, sem danos mentais, e tá em ordem.
— Sequelas?
— Os médicos disseram estar perfeito, em dias voltará no ápice.
— E seus poderes?
— De acordo com testemunhas que o viram atacar um homem, e considerado o mostrado naquele dia, disparar energia, está na classe raro e é bom.
— Só isso? Os caras que mandei o emboscar devem ter falado algo útil. Tipo o cara da orelha rasgada.
— Nada, dizem ter lutado sem habilidade, só no soco. Evita usar o outro poder ou é relacionado no corpo e dificulta descobrir.
— Inúteis! Me diga, você que é um mutante experiente. O quão ruim é um ninho?
— Nem tenho palavras para descrever. Muda dependendo do monstro, o que é universal é o lugar ser um inferno. A morte reina junto aos monstros, não tem piedade nem descanso.
— Entrou em um uma vez, né? Comparado ao do garoto, qual é o pior?
— Pelas descrições recebidas, o meu é o pior fisicamente. O dele é mentalmente, as bestas são horríveis, ao invés de matar e se alimentar, quebram o psicológico.
— Disse que o garoto estava bem mentalmente.
— Tudo indica isso. Se eu estiver certo, evoluirá bastante. Quando acontece esse tipo de situação, tem somente duas opções. Superar o trauma e tirar força, ou quebrarem e desistirem.
Considerando um pouco, Eugene terminou o charuto e ordenou:
— Quero conversar com ele. Antes, teste-o novamente, preciso de uma pessoa forte.
— Sim, senhor.