Volume 1
Capítulo 11: Ações tem Consequências
Se movendo o mais rápido que pode, pegou a espada coberta por um pano velho e desceu as escadas.
Não sabia quanto tempo restava. Usando Leo de distração, pretendia ir longe do apartamento antes do agente perceber ter algo errado.
Dando uma olhada nos lados, viu uma rua vazia, sem nenhuma sombra de pessoa. Para evitar ter de ficar segurando nas mãos a espada, usou uma corda fina e a prendeu nas costas.
Andando por vinte minutos, passou várias ruas, sempre virando a cabeça.
Na sua caminhada, passou do portão da cidade cheio de pessoas tentando sair da cidade; porém, quem quisesse teria de ser revistado completamente, incluindo os itens carregando.
“Parece que o plano de levar pra fora dos muros a espada vai ficar difícil.” Passando longe do portão, caminhou em um bairro repleto de lojas.
Parou na frente de uma, olhou o cartaz estampado na porta, escrito: “Serviço de entregas a qualquer cidade que quiser. Sua encomenda será entregue na condição dada. Serviços Baran.”
Entrando, havia três balcões e três recepcionistas, uma escada para o segundo andar simples. Mesmo os acontecidos na cidade, clientes negociavam enviando itens.
Entrando na menor fila, esperou alguns minutos e ao ser sua vez, um homem jovem, vestindo uma camisa branca e um crachá dizendo: “Olá, sou Gabriel.” o esperava.
— No que posso ajudar hoje? — O homem perguntou sorrindo.
— Quero enviar uma entrega.
— Certamente, para onde?
— Só fazendo uma adição, Maki.
O recepcionista ficou surpreso; se recompondo, falou:
— Por favor, me acompanhe.
Chamando um substituto, passou o balcão e subiu as escadas. O seguindo, os dois foram em um corredor longo e fino, várias portas uma ao lado da outra.
O atendente entrou na primeira, San o seguiu calmamente. A sala era do tamanho de um quarto, cadeiras feitas de madeira de Ébano, entalhes detalhados, uma estante contendo xícaras de porcelana, talheres feitos de prata, cadeiras e uma mesa de centro feito de vidro.
Gabriel sentou em uma cadeira de couro, San do outro lado, tirou a espada das costas, a deixando na pequena mesa à sua frente, e sentou na cadeira, apenas uma mesa os separando.
— Como sabe, para continuarmos as negociações, peço que mostre a tatuagem. — O atendente falou com um olhar sério.
San levantou a manga da camisa e revelou a tatuagem de corvo com as asas abertas no ombro esquerdo. Os corvos eram conhecidos sendo um símbolo de crime. E essa loja era famosa por ser uma das melhores pros criminosos.
Se queria contrabandear objetos pra fora dos muros, garantindo a velocidade, contrataria a Baran.
Contudo, não é só ter a tatuagem e a palavra-chave; deve ter algum conhecido, por isso depois de fazer um pedido de entrega, verificam detalhadamente quem é, e se for alguém fingindo, tem seu item confiscado e o dinheiro pego.
— Com tudo certo, qual o item e pra onde?
— A espada. Levem-na a floresta ao redor dos muros.
— É incomum levarmos itens a florestas, mas será feito. Quanto ao preço, considerando ser perto daqui, ficará barato. No entanto, também temos de considerar a dificuldade, tantos guardas e revistas.
— Corta o papo furado e fala logo.
— Mil créditos.
Sem hesitar, respondeu:
— Feito.
— Perfeito! Qual é o seu nome?
— Santiago Lunaris.
Quando o atendente escutou o nome, seu sorriso diminuiu e o analisou de cima a baixo. Demorando um pouco, percebeu que o reconhecia.
— Minha nossa! Me desculpe demorar pra te reconhecer, faz tempo.
— De boas. — falou com uma voz cansada. — Qual o dia que vai estar no lugar?
— Para o senhor, o mais rápido, enviaremos a localização. Quanto ao dinheiro, esqueça. Só mande lembranças ao senhor Eugene.
Acertado, San levantou e saiu. Eugene era extremamente influente na cidade; cada organização criminosa tinha um dedo seu, e algumas o conheciam devido ao seu passado de soldado leal. Ainda acreditavam que trabalhava nesse ramo, mesmo tendo abandonado.
Saindo do prédio, andou sem vontade para casa; tudo resolvido, mas havia muito que ele considerava errado e fez.
***
No escritório da delegacia, Ramon sentava de pernas dobradas sobre a mesa, mexia no holograma, jogando uma versão atualizada de Tetris.
Íris, sentada desconfortavelmente na cadeira do seu lado, erguia a cabeça e prestava atenção no policial ao lado da porta, o dono do escritório. Um homem de rosto sério e irritado, vestia a farda da polícia e exibia uma pequena insígnia no peito, significando ser o delegado.
— Aham — fingiu uma tosse — senhor Ramon, os documentos pedidos já foram entregues, o que precisa?
— Por agora, um cafezinho.
Com o rosto irritado, bateu a porta, voltando aos seus afazeres, os deixando sozinhos. Íris começou a ler os papéis, e Ramon continuou na mesma.
Depois de uma hora, Íris falou:
— Acabei, li essa pilha inteira, pena não ter ajuda.
— Teria se tivesse conseguido pegar o suspeito.
— Tá legal, cometi um erro perseguindo a pessoa errada, quero me redimir. Pode perguntar.
Tirando os pés de cima da mesa e assumindo uma postura séria, perguntou:
— Quem era o cara no apartamento do Santiago?
— Amigo de infância, seu nome é Leonardo, um mutante comum, vive nos bairros pobres e tem duas irmãs. A mãe é garota de programa, ao engravidar das garotas, deu ao filho para cuidar.
— O observando, levava um objeto suspeito?
— Só uma mochila nas costas.
— E escolheu segui-lo por quê?
— O indivíduo entrou na casa e permaneceu quase uma hora. Ao sair, corria, escolhi arriscar.
Soltando um suspiro, falou:
— Essa foi a oportunidade perfeita para o suspeito levar o que estivesse tentando esconder.
— Acha que Santiago segue ordens do Devorador?
— Improvável. O jeito que agiu quando insinuei, sei lá, é diferente do normal, era raiva.
— Então, vamos entrar na casa do Santiago?
— Seria um desperdício, temos casas diferentes que podemos ir. — falou dando um sorriso ardiloso — Me diga das câmeras, captaram algo suspeito na noite de ontem?
— Normal.
Erguendo os olhos, pensava no que fazer. Depois de tanto tempo, chegara perto de uma pista, podendo dar ao devorador de almas, e nada dava certo. Até ter uma pequena ideia.
— Quantos anos têm as irmãs desse tal Leonardo?
Virando as páginas inúmeras vezes, parou em uma e a leu:
— A mais nova tem 7 anos, a outra tem 16.
— Interessante. Chame os policiais, diga para terminarem de comer suas rosquinhas e se prepararem. Vamos fazer uma visitinha.
***
No céu, sem estrelas ou nuvens, uma lua cheia vermelha iluminava vagamente, permitindo apenas ver o próprio corpo. O horizonte, impossível de enxergar. Olhando para baixo, era igual andar sobre água, completamente escura. De vez em quando, podia-se ouvir um grito horrível se espalhando.
San não fazia ideia de onde estava; dava uma sensação de pavor e medo. Uma sensação dentro queria andar, e assim o fez. Quanto mais andava, mais os gritos se aproximavam.
Até chegar a fonte. Sabia conhecer o som. Deitado na água escura, o corpo de Simon, com uma adaga no peito. Aproximando a passos hesitantes, tentou entender o que acontecia.
Ao seu lado, encarando o rosto morto e a reação de dor, uma mão assegurou as pernas de San, revelando uma incrível força, assustando-o. Forçando a soltar, as pontas dos dedos cravaram na sua pele e caiu de costas.
O morto agarrava em suas roupas, chegando no seu rosto, impossibilitando de levantar. San tentava o afastar, mas a força era demais. A centímetros do rosto, Simon abriu os olhos, e uma poça escura e lágrimas de sangue caindo.
E no meio do mar escuro, iluminado somente por uma lua distante, dois gritos se espalhavam, e ninguém para ajudar.
***
San acordou em um pulo, começou a bater no corpo, como se tivesse um bicho no corpo. Percebendo estar bem, soltou um suspiro. “É apenas um sonho.” Nessa hora, lembrou do que Ramon falou, sobre as almas. “Foi mesmo um sonho, né?”
Com os questionamentos em sua mente, demorou para perceber o motivo de acordar. Em seu pulso, o relógio vibrava em um longo ritmo.
Já sendo três da manhã, perguntou quem era. Na tela mostrava o nome de Leo em uma chamada e atendeu imediatamente.
Conectado, só ouviu passos e vozes ao fundo, irritadas. Ficando quieto, bem baixinho, a voz do seu amigo no fundo:
— Vem aqui, e traz os papéis.
A ligação encerrou, deixando San apavorado. Tão rápido que quase caiu, vestiu a primeira roupa vista, mexeu no criado-mudo ao lado da cama, tirou vários papéis, pegou o ao fundo, o dobrou, guardou na calça, e saiu de casa correndo.
As ruas vazias; nem mendigos escondidos. Ignorando, acelerou, tentando esquecer a dor no corpo. Seus cabelos curtos voavam ao vento, bagunçando por completo e ficando levantados.
Finalmente, a poucos passos de distância da casa de Leo, parou de repente, paralisado pelos carros da polícia, proibindo pedestres de entrar.
Sabendo ser impossível passar na frente sem lutar, correu até os fundos da casa, coberto por um muro grande. Pegando velocidade suficiente, pulou e usou os pés nas paredes pra impulsionar.
Seus dedos conseguiram por pouco; com grande esforço, levantou-se e sustentou-se, vendo de cima a grama. A queda era grande, três metros. Sobrecarregado de adrenalina e senso de urgência, simplesmente pulou.
Caiu rolando no chão, sentiu uma dor horrível. Suas costelas doíam; mal tiveram chance de curar e já as forçava.
Levantando-se, entrou pela porta dos fundos, desta vez, por conta do medo, um pouco calmo. Aparecer de repente em uma casa cheia de policiais é pedir pra tomar um tiro.
Passando a cozinha, os balcões destruídos, talheres jogados, janelas quebradas, parou, prestando atenção aos passos na casa.
No meio de disso, ouviu ao fundo uma voz que conhecia bem. Entrando na sala — cheia de objetos quebrados — fazendo o máximo de silêncio, avistou Leo no canto, nas suas costas, suas irmãs, as duas com um cabelo loiro, igual à família inteira, e olhos castanhos fortes. Vestiam seus pijamas, tremendo, seja do medo, frio ou ambos.
Ao seu redor, vários homens os rodeavam, armas nas mãos e preparados para movimentos bruscos. Ramon e Íris estavam na frente deles.
— Já mandei saírem da minha casa! — Leo gritava, girando o rosto freneticamente.
— E já te dissemos, o senhor é suspeito de trabalhar com criminosos, e iremos te levar. — falou Íris na frente.
— E minhas irmãs?
— Até o senhor ser liberto, ficarão com um parente próximo, ou orfanato.
Os olhos de Leonardo arregalaram e suas mãos tremeram. Seu pior pesadelo era deixá-las na mãe, principalmente a mais velha já tendo 16 anos. O orfanato não era melhor, todos conheciam os rumores do que acontecia lá dentro. San e Leo até experimentaram em primeira mão o quão ruim era.
Cansado de ver aquilo, e sentindo uma culpa enorme, San passou os homens armados. Ao vê-lo, eles levantaram suas armas elétricas e, faltando pouco para atirar, evitaram; Ramon levantou a mão, os parando no momento.
— Senhor Lunaris, está tarde para visitar um amigo.
— E não está tarde pra invadir casas?
— Estamos somente trabalhando conforme a lei, e iremos levar o senhor Avalon.
Sem tentar argumentar ou insistir, os dois sabiam o que fazer. Na direção do amigo, San falou:
— Se cuida. E desculpa.
Pela primeira vez em toda aquela situação, Leo soltou um suspiro de alívio. Virando-se para as irmãs, abaixou-se até ficar na altura dos seus olhos.
— Tenho de ir, vocês são fortes, conseguem ficar um pouco longe de mim, prometo voltar.
A mais velha tentou resistir às lágrimas, em vão. A pequena nem cogitou, soltou tudo o que tinha.
Estendendo as mãos aos policiais, deixou-se ser algemado. Nem pensou em resistir; as algemas eram feitas especialmente para prender mutantes.
Íris sentiu pena das garotas, mas tinha de fazer o trabalho. Ao se aproximar para levá-las, San posicionou-se à frente delas, seus rostos tão próximos que quase se tocavam.
— Tá pensando em resistir? Agora que seu amigo mutante foi levado. — falou Íris, com o ar ao redor subitamente esquentando.
— Conheço meus limites, lutar é desnecessário. Por enquanto, elas ficarão comigo.
— Não é tão simples assim.
Pondo a mão no bolso, os policiais se prepararam. Com um movimento lento, tirou um papel do bolso e abriu.
— Isso é um termo de responsabilidade, diz que se acontecer qualquer coisa impedindo Leonardo de cuidar das irmãs, eu irei.
Pegando rapidamente o papel, Íris leu várias vezes, só pra ter certeza. Os dois fizeram esse documento anos atrás. Seja sorte ou azar, há décadas, por conta de tanta gente morrendo em ataques de monstros, permitiram menores de idade cuidar de crianças como responsáveis. Era o único jeito de orfanatos terem espaço.
Virando-se com um rosto incrédulo para Ramon, Íris falou:
— Ele tá certo, parece legítimo.
— Garotas, peguem suas malas, estamos indo embora.
Emile — a mais nova — ainda chorava nos braços da irmã. Emma a ajudou a ir ao quarto.
— Há! Hahaha. — Ramon soltou uma gargalhada, espalhando na sala inteira, chegando a derramar lágrimas. — Essa me pegou de surpresa.
San ficou quieto, achando o homem maluco. As garotas saíram menos de cinco minutos depois. Muitos dos seus itens foram quebrados na “revista”, então só levaram uma pequena mala, trocando os pijamas por camisetas e calças.
— Já vamos, espero ter notícias do meu amigo.
Os três foram embora na noite, ninguém os impedindo, nem perguntando nada. Ramon continuava sorrindo. Sua parceira se aproximou e perguntou:
— O que houve, senhor? O plano deu errado, deveríamos ameaçar Leonardo e fazê-lo confessar.
— É que faz tempo, sempre estamos seguindo uma presa impossível de pegar. Quero fazer como antigamente: um interrogatório, ameaças e prisão.