Ladrão de Poderes Brasileira

Autor(a): Crowley


Volume 1

Capítulo 10: Amigos, o que Seriamos Sem Eles?

Os dois andaram juntos pelas ruas, San pensando na forma de controlar o poder, Sarah, sobre quanto ia demora pra chegarem, sempre olhando os lados e procurando indícios de perigo.

As ruas ficaram calmas, na verdade, muito calmas; quase ninguém era visto andando, as janelas fechadas, e os poucos que podiam ser vistos andavam apressados.

Outras pessoas de fora achavam estranho dois jovens andando em uma calma surpreendente. “Impressionante, o nome do devorador de almas tem tanta influência”, pensou enquanto observava o estado da cidade.

Chegando no bairro rico, San, pela primeira vez, mostrou medo, até parecendo com os que passaram.

Vários soldados andavam de um lado a outro, cuidando das pessoas. Ao contrário dele, Sarah soltou um suspiro aliviado e caminhou calmamente.

— Bom estarem aqui.

— Sim, é uma maravilha, por quê?

— Tem muita gente influente morando por aqui; eu acho que querem segurança, é bom.

Passando por eles, San olhava o rosto de cada um, tampado por uma viseira, tentando encontrar um conhecido. Sem sorte, todos que ele tinha amizade ficaram nos muros.

Até reconhecer um, o mesmo homem que o parou na noite passada e olhou diretamente nos seus olhos. “Tá bem, quais as chances de ele lembrar de mim?”

Esse pensamento passava na sua cabeça repetidamente, o nervosismo crescendo, assegurou a mão de Sarah firme e apressaram o passo.

Percebendo a estranheza do parceiro, perguntou:

— Tá tudo bem?

— Sim, só tô precisando ir ao banheiro. Cadê a sua casa?

— Na rua da direita, estamos perto.

San tentou agir o mais normal possível e foram à casa dela, fazendo o máximo possível para ficar fora da visão do homem.

 A casa era grande, de dois andares, branca, e um portão dando num quintal bem cuidado.

Entrando primeiro, San ficou impressionado. Da entrada, podia ver o início da sala bem mobiliada, móveis caros, quadros nas paredes e vasos de flores com plantas bem cuidadas.

— Uau. — San só conseguia falar isso. — Por que trabalha no bar morando numa casa dessas?

— A casa é da minha irmã; ela é uma médica bem respeitada. Vim morar aqui depois de sair da casa dos meus pais.

— Legal.

— Ei, o que aconteceu? Alguns minutos atrás, agia como se fosse o maioral. Só entrarmos no bairro que começou a agir diferente.

— Me desculpa, antes de responder isso, onde fica o banheiro?

Demorando um tempo e o olhando confusa, respondeu:

— Subindo as escadas, no fim do corredor.

— Valeu.

Subiu rapidamente e parou no banheiro. No seu caminho, passou por portas de madeira e decorações caras, nenhuma pessoa apareceu, seja empregado ou morador.

O banheiro era grande, do tamanho do seu quarto, havia o necessário e uns acréscimos. Chuveiro, banheira, produtos de diversos tipos, e torneiras definindo a temperatura.

Ligando a torneira no frio, jogou água no rosto. “Tá pior que imaginei. Sabia que a culpa ia cair sobre ele, mas não achei que a cidade inteira ia ficar assim.”

Desligando a torneira, saiu do banheiro. “Tenho que achar uma desculpa pra dar a Sarah e sair daqui sem aquele cara me ver.”

Voltando às escadas, já tinha uma ideia. No primeiro andar, uma mulher de pele bronzeada, cabelo cacheado solto, usando um jaleco branco e olheiras por baixo dos olhos, o esperava.

— Ei, de boa? — perguntou acenando com uma mão.

— De boa. — San repetiu o gesto, confuso.

— Imagino que seja o Santiago; minha irmã gosta de falar de você.

— Isso, e a senhora é a Lisa.

— Senhora? Tenho 28 anos!

— Ha! Foi mal, a forma que Sarah fala, parece ser mais velha.

— Aham. Diz aí, é sério, o que cês têm?

— Espero que sim. Ela é legal.

— É, a minha maninha é incrível. Poderia pedir pra eu arrumar um emprego bom pra ela, escolheu procurar um do seu jeito. Pena ter um gosto ruim.

— Ei! Ruim?

— Ruim no sentido de não servir.

— Pois saiba que sou um cara super legal.

— Tanto que nem contou onde esteve ontem.

— Trabalhando, e não é da sua conta.

— É, quando ela fica me incomodando a cada hora, se perguntando e criando teorias malucas, e eu tenho que ouvir.

Ligando os pontos, percebeu o que aconteceu.

— Você contou pra Sarah sobre as lutas estarem fechadas ontem.

— Obvio, cansei e fui perguntar pra uns caras; disseram que os clubes de luta estavam fechados.

— Tenho vários trabalhos, agora, para de se meter na minha vida.

— Diz aí, o que fez então?

— Assuntos meus.

— Sabe, perguntei sobre você, me disseram ser um desalmado, faz de tudo por dinheiro.

— Fácil achar algo ruim de uma pessoa só perguntando pros que o odeiam.

— Sério? É mentira que abandonou sua mãe no leito de morte? Que a deixou sozinha, agonizando em uma cama de hospital.

Os olhos assustadoramente irritados, punhos cerrados, tornando os nós dos dedos ficarem brancos, se aproximou a passos pesados, ficando a centímetros do rosto dela.

— Acha que me conhece só porque sabe umas coisinhas? Não faz ideia do que passei ou fiz! Cala a boca, porque da próxima vez que falar da minha mãe de novo, ponho essa casa abaixo.

Descendo impaciente, Lisa finalizou.

— Minha irmã é uma boa garota, quer ter uma vida boa e calma, acha que pode dar isso? Uma hora, será preso ou morto. Faz um favor, e termina logo. Se fizer, fico te devendo um favor.

Escolhendo permanecer quieto, saiu da casa, nem passou na sua mente se despedir, só queria ficar sozinho.

Escolhendo voltar por outro caminho, afastou-se dos guardas. Misteriosamente, enquanto andava, sentiu-se sendo observado. Nessa hora, um assobio espalhou no ar, ecoando.

Sem saber se era na sua direção, caminhou direto pra casa. No caminho, seus pensamentos ficaram uma bagunça. Uma parte concordava no que Lisa havia dito; sabia ser impossível ter uma vida tranquila, mesmo assim, recusava-se a aceitar isso e achava poder ter o que quisesse.

No seu caminho, avistou soldados patrulhando, entrando em becos, batendo em portas e perguntando aos poucos civis corajosos na rua.

Seja por sua expressão, modo de andar ou sorte, nenhum abordou; apenas passaram direto.

Em casa, sentado em um sofá, assistia a uma reportagem na TV sobre as investigações. Até o momento, tinham descoberto praticamente nada. Isso lhe deu um alívio que durou minutos.

Enquanto bebia água, bateram na sua porta. Vendo ser três da tarde e que não esperava ninguém, relutou um pouco.

Chegou à maçaneta para abri-la, um arrepio percorreu-lhe o corpo inteiro. “Estranho, é a mesma sensação de quando vi Simon na primeira vez.”

Abrindo a porta, duas pessoas o esperavam: um homem alto, barba bem feita; seus cabelos bagunçados, grisalhos por conta da idade, usava um sobretudo e fumava na frente da porta.

A outra pessoa era uma mulher bonita, vestia um terninho e o cabelo preso; sua pele escura combinava perfeitamente com seus olhos.

San até se distraiu.

— Posso ajudar?

— Santiago Lunaris? Temos de conversar, somos da agência de caçadores de mutantes. E queremos falar sobre Simon Cardoso. — A mulher falou primeiro.

A mente de San congelou, as distrações sumiram, seus pensamentos focaram na sua frente, de fugir ou lutar.

— Podemos entrar?

— …Claro.

Abrindo caminho, entraram, olharam ao redor, analisando cada móvel e canto, e sentaram no sofá.

Pra evitar ter de sentar ao lado deles, pegou uma cadeira e colocou na frente.

Seu plano era simples: negaria, e se surgissem indícios que o prenderiam, lutaria até o fim.

A agência de caçadores de mutantes era conhecida por todos. Funcionava como a polícia das pessoas com poderes, tem autoridade pra fazer qualquer coisa. Mas só mutantes; pessoas normais, eles são proibidos.

— Pra começar, estamos aqui apenas para fazer perguntas. Sou Íris e meu parceiro aqui é o Ramon. Era amigo de Simon?

— Conhecido, por apenas uma semana.

— E sabia se estava passando por problemas?

— Não que eu saiba.

— E inimigos?

— Sei lá, a gente evitava falar disso.

— Do que falavam?

— Ah, assuntos do dia, pais e amigos.

— Saberia se…

— Já deu, né — interrompeu Ramon, que ficou quieto desde o início. — Santiago ou Max, qual prefere?

— Senhor! Disse que eu conduziria as perguntas.

— Lento demais, e temos assuntos a tratar em outro lugar. Fala, garoto.

Tentando agir com medo, que era fácil, falou:

— Usei o nome Max, tinha medo da reputação de Simon.

— De que tipo?

— Soube que machucava pessoas.

— E escolheu se aproximar. — Ramon afirmou, encarando-o intensamente.

— Também soube que, pros amigos, pagava o que precisavam.

— É um interesseiro.

— Chame do que quiser.

— Tá legal, por mim, já deu.

Suspirando aliviada, Íris continuou:

— Saberia se…

— Nossa, me desculpe — Ramon interrompeu novamente. — Uma última pergunta. Trabalha pro devorador de almas?

Pego de surpresa, fez o que qualquer um faria.

— Quê! Realmente acha isso? — Sua voz soando assustada e indignada.

— Os guardas de Simon nos disseram estar o incentivando a fugir.

— Ele disse se sentir preso, só dei uma sugestão.

— É uma pena que logo no dia, morre.

Ramon parou de falar, deixando sua parceira continuar. As perguntas eram menos diretas; inúmeras vezes fazia a mesma, mudando pequenos detalhes, San evitou os erros por pouco.

Tendo terminado, levantaram-se do sofá; indicando que acabou, até já haviam ido para a porta. Até Ramon parar e olhar a porta do quarto.

— Quase esqueci, antes de irmos, queremos olhar sua casa.

San sentiu a cabeça girar e o suor crescer; se entrassem no seu quarto, poderia dar uma desculpa da parede destruída, porém, ouviu muitas histórias de caçadores de mutantes serem rígidos nas suas buscas, e seu medo era de descobrirem o compartimento secreto onde sua máscara e a espada que pegou foram guardadas.

— A casa tá toda bagunçada, deixa pra depois.

— Se surpreenderia com quantas casas desarrumadas já investigamos, pode deixar.

Ramon, já se aproximando do quarto, San entrou à frente e disse:

— Eu não quero ninguém investigando a minha casa, voltem com uma ordem de juiz permitindo a sua entrada, ou sumam daqui.

— Ah, garoto, deve saber que, por sermos agentes caçadores de mutantes, temos permissão para investigar.

— É verdade, no entanto, essa casa é de uma pessoa normal, está no nome de um humano, estou me apropriando temporariamente.

— Está mentindo.

— Investiguem.

Os dois permaneceram em silêncio; Ramon olhou Íris, e ela concordou acenando. Poderiam ser fortes e respeitados, entretanto, ultimamente a sua reputação diminuiu, afinal, deixavam um assassino andar solto por aí.

Se o público soubesse que invadiram à força a casa de uma pessoa, e não acharem nada, ia dar ruim.

San teve sorte nisso, sua mãe comprou a casa há anos, usando o nome e documentos de uma pessoa normal, por isso, os caçadores eram proibidos de entrar.

— Só um aviso, garoto, se estiver trabalhando para aquele homem, pare. Pessoas ligadas só têm dois caminhos, um é ser preso e nunca ver a luz do sol. O outro é ser morto por ele.

— Pode ter certeza, prefiro morrer a trabalhar para um monstro.

— Tá legal. Quer ouvir uma curiosidade?

San tava confuso; sabia que o agente bolava algo. Curioso, achou que nada de mal aconteceria sabendo, por isso, balançou a cabeça.

— Sabe por que deram o nome de devorador de almas?

— Por medo?

— Também, mas o principal é por causa de um monstro com o mesmo nome. Mata as pessoas e rouba as almas das vítimas. Entre o mundo Mutante, existe uma teoria de que nossos poderes estão ligados às nossas almas, então imagina o que acontece quando ele mata.

Ainda tentando manter o rosto sério, mostrou pavor.

— Vamos embora por enquanto, e ao voltarmos, espero que a casa esteja arrumada.

Os dois saíram. San correu até a janela, caindo e escorregando, esperando até os verem longe. Confirmado estar tudo bem, permitiu mostrar medo. Seu rosto, uma mistura de nojo e pavor, ficou pálido e seus olhos bem abertos. A situação ia de mal a pior. E como se não bastasse, descobriu que, possivelmente, roubou a alma de alguém.

— Melhor se recompor, podem demorar horas ou minutos para voltarem. — falou Sacro.

Sentindo que sua mente ia se perder em vários pensamentos, e seu foco ia ser comprometido, encheu as mãos de água da torneira e jogou no rosto.

Ajudou, o suficiente pra fazer o que tem que ser feito. Indo rápido até o guarda-roupa e tirou a espada de trás da parede falsa.

A enrolou por baixo de um pano e amarrou com uma corda fina, deu outra olhada pra janela, só pra ter certeza que estava tudo limpo, preparado pra sair e se precisar, enterrar a espada.

Sacro o impediu na soleira da porta.

— Recomendo ficar em casa por enquanto.

Parando no meio da sala, falou:

— Se eu esperar, vão trazer uma ordem de um juiz, aí sim, tô ferrado.

— Acha que iriam simplesmente embora? É provável que pelo menos um esteja lá fora, escondido, esperando você sair e te pegar na rua.

San sentou no sofá, desacreditando do quanto errou, era tão óbvio, fez tanto e por nervosismo, iria cometer um erro e ser pego em uma emboscada.

— Tem que pensar em um jeito de despistá-los.

— Tô tentando.

Batendo o pé no chão várias vezes, quebrava a cabeça pensando em planos malucos; até considerou jogar a espada da janela e dizer que nunca viu. Contudo, uma ideia veio à mente, cruel e com altas chances de sucesso.

Abrindo o sistema de Sacro, mandou uma mensagem e esperou. Nisso, aproveitou e perguntou:

— É verdade? Sobre as almas?

O relógio aquietou, como se tivesse medo de dar uma resposta.

— Preciso saber disso, por favor.

— Talvez. É uma teoria famosa; alguns dizem ter provas. Não tenho nada no meu banco de dados que comprove.

Meia hora depois, andando de um lado ao outro e roendo as unhas, bateram novamente na porta.

Prestes a abrir a porta, sentiu de novo um tipo de arrepio no corpo. Sem hesitar, abriu, revelando Leo parado segurando uma garrafa na mão e sorrindo.

— Demorou, cara.

Antes de dar uma resposta, aproximou-se para dar um abraço e o parabenizou; San deixou, e foram pra cozinha pegar uns copos.

Sentados no sofá, os dois abriram a garrafa de champanhe — algo caro de conseguir — e beberam alegres.

— Cara! Ainda tá difícil acreditar que conseguiu descobrir o seu poder tão rápido; tô até com inveja.

— Sabe, sou bom demais, fichinha. O melhor é a habilidade ser forte.

— E por isso comemoramos. Aproveitando, me mostra?

— Até queria, porém, gasta bastante essência e faz um estrago. Só pra dar um gostinho, abre a porta do meu quarto.

Com um olhar animado, abriu rapidamente a porta. Entrando e demorando, soltou um assobio longo.

— Ca-ra-ca! Como vai explicar isso para o senhorio?

— Nem me lembre, acho que vou esconder botando um quadro.

— Se conhece um cara que faz quadros tão grandes, me passa o contato.

Os dois riram e conversaram por aproximadamente uma hora; todas as preocupações de San haviam sumido; gostaria de aproveitar o momento.

Olhando o relógio, Leo deu um tapa na cara e disse apressado:

— Minha nossa! Tô atrasado pra pegar as meninas na aula. Falou, cara.

— Espera. Toma cuidado; soube dos caçadores de mutantes estarem na cidade.

A menção sobre os caçadores o assustou; afinal, trabalhava para pessoas seguindo muito pouco da lei.

— Valeu, vou tomar cuidado.

Indo embora, San, ao lado da sua janela, esperou Leo surgir na calçada e correr pela rua. Segundos após, um vulto tão ágil, que se piscasse teria o perdido de vista, passou.

— Estou realmente impressionado. Sacrificar seu amigo assim — falou Sacro, uma pequena alteração na sua voz, revelando surpresa.

— Não o sacrifiquei; ficará tudo bem. Só preciso de tempo pra pensar.



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