Volume 1

Capitulo 8: A Queda

O olhar de Avan era vazio como a face da morte, embora se pudesse ver um desespero atormentador no fundo de sua alma. Ky falhava em racionalizar o que seus olhos viam. Kanala, sempre decidida, se pôs contra a criatura.

— Esse não era um dos nossos armeiros? — indagou, engolindo seco.

— Parece com ele — gaguejou, em dúvida. — Mas ele não era assim... Ele nunca nos atacaria e... Acho que ele nem é humano.

Avan ofegava como um cão raivoso, esperando qualquer movimento dos dois para enfim atacar.

— Temos que avisar os outros do ataque — declarou Kanala. — Não podemos perder tempo.

— Vá — ordenou Ky, determinado. — Você é muito mais rápida. Eu seguro ele.

— Não é hora de bancar o herói. Se eu te deixar aqui, você morre.

— E se não deixar, todos vão morrer — ergueu os punhos com tremedeira. — Vai logo, avise o Baru! — gritou.

A garota hesitou, mordendo o lábio ao ponto de cortar, e então virou as costas para seu amigo, disparando em direção à Armada. O morto se moveu para segui-la, porém Ky o distraiu, arremessando uma pedra em sua direção.

Para o espanto do garoto, Avan agarrou a pedra no ar e a esfarelou na mão. Agora a atenção da criatura revivida estava em Ky. A respiração do menino se tornou irregular, e ele se forçou a assumir a posição ensinada por Tritan.

O morto avançou. Ky se manteve focado, repetiu suas aulas em sua mente e se movimentou com calma. Uma onda de energia se apoderou de seu braço; o garoto o moveu na direção de seu oponente.

— Perdão, Avan. — Um feixe de eletricidade foi disparado do dedo de Ky. Suas palavras exalavam remorso, enquanto a criatura era atingida no coração.

A criatura rosnou e continuou seu ataque, não demonstrando ser afetada. O garoto desviou do agarrão de Avan por pouco. Nos segundos antes da criatura recomeçar seu ataque, ele disparou outro fio de energia.

— Isso não tá funcionando — disse, frustrado consigo mesmo.

A mandíbula do morto se desloca. O interior de sua garganta brilha em vermelho e, logo em seguida, uma mão escura se estica de dentro da boca de Avan. A mão espectral vai em direção a Ky e agarra seu pescoço. O garoto sente sua alma sendo puxada, à mão sugava cada vez mais seu espírito. Seus olhos se tornaram brancos.

Prestes a devorar a alma de Ky, a mão se evapora ao sentir uma poderosa energia que a atinge. O garoto cai no chão, tentando respirar.

O monstro cambaleou para trás, mas logo se recuperou e voltou a focar em Ky. Sua mandíbula caiu, deixando apenas os dentes negros à mostra.

Ky se levanta, contudo, é surpreendido por Avan aparecendo ao seu lado numa velocidade assustadora. A criatura desfere um soco que o joga a alguns metros de distância, fazendo-o bater com as costas em uma árvore.

O garoto sente o gosto metálico do sangue na boca e tenta se levantar. A fúria da criatura parece borbulhar em seu sangue, deixando o branco dos olhos de Avan tingido de vermelho. Qualquer resquício de humanidade quase desapareceu por completo.

Ky se ergue, tentando se manter consciente. Seu braço se levanta, mirando no oponente. Sua respiração pesa,  tudo que pensa é em livrar Avan daquele sofrimento. Seu antigo amigo corre em sua direção, fechando os punhos para desferir o golpe final.

Enquanto a criatura avança, Ky tenta se manter firme, esperando o momento perfeito. A criatura se aproxima cada vez mais.

“Ainda não... ainda não...” pensou, sentindo o coração saltar. Sua mão exala um brilho azulado; toda a energia é liberada da palma poucos metros antes de ser atingido por Avan, atravessando o peito do morto.

A criatura cai no chão, dando um alívio a Ky. O jovem vomita sangue e se ajoelha, sua visão embaçada, sentindo-se fadigado. Antes de desmaiar, olha para frente e jura ter visualizado o rosto de Avan — os olhos humanizados novamente.

— Obrigado, Ky. — agradeceu Avan, se desfazendo em pontos de luz semelhantes a milhares de vagalumes.

O garoto só pôde sorrir antes de desmaiar com a respiração fraca, satisfeito por libertar seu amigo.

Em meio às matas, Kanala se esgueira, correndo entre as árvores. Sentiu um alívio no peito ao avistar o acampamento e apertou o passo como nunca antes. Ao se aproximar, encheu os pulmões e gritou:

— Estamos sob ataque!

A tranquilidade foi substituída por um estado de alerta. Baru se levantou com seu machado, acompanhado de seu amigo Gori.

— Em alerta! — ordenou Baru, com um berro.

— Finalmente — animou-se Gori. — Minha espada clama por peles de ferro. — Sacou sua lâmina; seus olhos vagavam à procura do conflito.

Os ventos gritavam como se um vendaval estivesse por perto. Os céus escureceram com o levantar de uma revoada de corvos. Seu canto era insuportável, confundindo os pensamentos e os sentidos.

Os guerreiros de Dracena surgiram das matas como predadores. Seus gritos de guerra rasgavam as gargantas à medida que se aproximavam. Gori foi o primeiro a interceptá-los, com um sorriso animado. Esmagava todos com sua velocidade anormal, considerando seu peso.

Kanala apertou o cabo da lança e se moveu para a batalha, porém foi impedida por Baru, que segurou seu antebraço.

— Não faça tolices — disse, encarando-a com seriedade.

Ela acenou e partiu para o combate. O velho guerreiro pressentiu uma imensa força. Seus instintos se aguçaram. Sacou seu machado e avistou seus companheiros sendo decapitados. Em meio aos corpos e cabeças, caminhava o culpado: era Travos. Baru já ouvira histórias sobre a Besta Decapitadora, e pessoalmente pôde confirmar a bestialidade do soldado.

Seus olhos se encontraram em meio à confusão da batalha. O desejo pelo combate era nítido, ambos queriam se enfrentar. Numa corrida furiosa, seus machados se chocaram. O barulho metálico demonstrava suas ambições fatais.

— Quem diria que encontraria o Carrasco de Reis nesse lixo — disse Travos, com excitação na voz. — Devo dizer que estou decepcionado. — Movimentou a cabeça para trás e a arremessou para frente, acertando o nariz de Baru com a testa.

O velho cambaleou para trás, contudo logo se recuperou e segurou o machado com firmeza. Os guerreiros balançaram suas armas, numa sucessão de golpes e desvios. Em uma nova colisão, ambos os machados se racharam.

— Sinceramente... — Baru estendeu os punhos. — Eu prefiro lutar assim. — Atingiu um forte soco direto nos dentes de Travos. — Porque assim... — Socou novamente pela lateral, fazendo-o cuspir um dente. — É que mostramos quem são as bestas de verdade.

Travos demonstrou um sorriso vermelho e ergueu os punhos. Curvou as costas e socou as costelas de Baru. O som de ossos rachando apenas animava mais a Besta Decapitadora. Sua animação logo sumiu com uma cotovelada na nuca, seguida de uma joelhada no nariz.

Baru continuou, não dando espaço para contra-ataques. Socos violentos balançavam a cabeça de Travos, deixando-o desorientado. Na primeira chance que teve, Travos retribuiu os golpes, derrubando Baru no chão com um agarrão. Abaixo da Besta, o velho guerreiro tentava defender o rosto com os braços, enquanto os punhos do inimigo desciam em fúria.

O Carrasco apertou o rosto de Travos, tentando perfurar seus olhos com os dedos. Travos gritou de dor e saiu de cima de Baru.

— Desgraçado! — bravejou. — Acha que isso é uma briga de bar?

O velho se levantou, erguendo os punhos novamente. Em silêncio, partiu para cima de Travos, esmurrando seu queixo. Baru, aproveitando a pequena distração, prensou o pescoço do oponente com os braços, sufocando-o. A Besta tentou se soltar, mordendo o antebraço de Baru em vão.

O Carrasco segurou com firmeza a cabeça de Travos e a girou, deslocando seu pescoço. O corpo do guerreiro caiu no chão, já sem vida.

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