Kapakocha Brasileira

Autor(a): M. Zimmermann


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 6: Cartas a bordo

As ruas movimentadas de Fajilla abriam espaço para Heinrich, Vaia e Lâmina. O capitão havia pedido para que os jovens fossem até os outros navios da frota para que pegassem suas malas e levassem para a nau-capitânia.

Sentindo a tensão de Heinrich, Vaia quebrou o silêncio.

— Não sei se deixar a bebê com aquelas duas crianças foi uma boa ideia… eles não poderiam simplesmente fugir?

— Eu duvido muito. Se o nosso objetivo de missão é escolta, acredito que já somos considerados um grupo diante d’O Círculo. Estou errado, Heinrich?

— Huh? — O homem parecia distraído, olhava fixamente para o céu, onde os jovens nada viam, parecia procurar por alguma coisa, como se tivesse perdido de vista. Ele retorna para a realidade captando parcialmente as palavras de Lâmina. — Mas vocês não disseram que receberam as cartas separadamente?

— Estávamos esperando uma resposta para essa dúvida, já que você ganhou o sabre como recompensa… — disse Vaia apontando para a cintura do capitão.

— Se não estiver enganado, a missão é atualizada na formação de um grupo. Não deve ter acontecido com vocês ainda, pois a carta brilha em azul durante o processo.

— Nós deixamos nossas cartas nas bagagens, poderíamos não ter notado.

— Essa é a parte engraçada: olhem seus bolsos. — Heinrich se virou para os jovens e parou de andar, esperando a ação deles.

Vaia colocou a mão no interior de seu cinto de couro e Lâmina, para dentro de sua blusa. Os dois entraram em choque ao sentir o papel espesso da carta d’O Círculo. Aqueles envelopes nunca saíram de perto deles? 

— Se vocês tivessem realmente entrado em um grupo, perceberiam. Não tem como ignorar o brilho de uma carta de missão.

— M-Mas… que tipo de misticismo é esse?

— Essa pergunta eu não sei responder, minha jovem. As manhas d’O Círculo são perfeitamente ocultas, eles não abrem brechas para descobrirem o que se está por trás. Apesar de ser muito difícil fazer algo assim nos últimos tempos, as pessoas não reclamam, pois tem algo para fazer e recompensas a se ganhar.

Vaia ficou parada, aguardando uma resposta de Heinrich. Ele só se virou e retornou ao caminho do porto.

A carta de nenhum deles havia brilhado até o momento, por que é que o grupo não havia se formado? Eles estavam com o alvo em segurança e já a caminho do ponto de coleta d’O Círculo.

— Por que vocês defendem aquela bebê? É por puro egoísmo? Grupos só se formam sob objetivos alinhados entre os membros!

— Ei, Ei… Que pergunta é essa Heinrich? — Lâmina se aproximou por trás colocando a mão em seu ombro

— Enquanto não conseguirem responder a essa questão, não vão concluir a missão! Acreditem, eu sei disso melhor do que qualquer um. — Ele agarrou o espadachim pelo colarinho, deixando-o surpreso.

Heinrich parecia cada vez mais paranoico, suas mãos tremiam e alguns fios de cabelo escapavam do seu rabo de cavalo, o suor em sua testa brilhava intensamente. Até que o capitão apressa os jovens uma última vez, já que se aproximavam do porto.

Os três barcos que chegaram ontem ainda se encontravam lá. O enorme galeão central de Heinrich era belo e exibia suas velas brancas, mesmo que hasteadas para toda a cidade. Um titã de madeira mesmo comparado com as temíveis criaturas que espreitam sob o oceano.

Heinrich soltou um assovio estridente. Alguns dos tripulantes que estavam fazendo reparos nos navios descem, se dirigindo ao capitão de modo desleixado. Aparentemente não eram subordinados, mas apenas mercenários contratados: Homens e mulheres de grande e médio porte que pareciam já ter enfrentado mil dias sem sóis.

— Seus palermas! Vão aos armazéns de bagagens dos navios e peguem tudo que esteja no nome de Lâmina ou Vaia.

— Agora!!

— É meio difícil falar com esse povinho, hein?...

— Você não tem ideia, madame. Os mais teimosos são meus vices… umas caixinhas de surpresas… de terror.

Enquanto esperavam os marinheiros, o céu se escurece, com luzes verdes brilhantes tomando forma ao norte da cidade. Formas geométricas se aglomeram por cima das casas e começam a se movimentar, chamando a atenção das dezenas de civis do porto até a taverna onde estavam.

— Mas o quê?! — disseram Vaia e Heinrich ao mesmo tempo.

O capitão ficou imediatamente preocupado, achou que o pior havia começado antecipadamente, mas, ao olhar para os céus, notava que os papéis ainda se aproximavam.

— Não precisam se desesperar, eu tenho certeza de que é a maga. Não sei o porquê, mas Talyra está realizando magias diferentes. — As brisas das formas geométricas chegavam até a capa de Lâmina, enquanto ele observava com o rosto sério.

— Isso é impressionante! Não é à toa que magos são raridades por todo o continente. — Vaia exclamou

— Não sei se é pela quantidade de Aura, mas isso não me surpreende.

— Por favor, mantenham ela sob controle! Não quero arranjar mais problemas com Arquoia…

Os fortes ventos se dissiparam e a escuridão do céu desapareceu junto da magia de Talyra, os três no porto aproveitaram o espetáculo de longe, até que Heinrich berrou mais uma vez para que seus subordinados tragam as malas.

Logo após as ordens do capitão, ouvem-se alguns grunhidos abafados que parecem vir dos homens. À medida que se aproximam dos tripulantes que carregam grandes volumes de bagagem, Lâmina e Vaia notaram que elas pareciam ter sido clonadas, todas as malas eram iguais.

— Uh, capitão… procuramos pelas malas que não eram as nossas e encontramos essas aqui. — interveio

— Agradeço. Bom, quais eram dos navios que esses dois vieram?

— Chefe… — outro marinheiro se aproximou, com um tom desrespeitoso e desleixado — a gente organizou as malas desse jeito para ser mais fácil de trazer.

— Sem problema, é só olhar as etiquetas — Heinrich cruzou os ombros e começou a bater o pé no chão zangadamente.

Todos os seis tripulantes que trouxeram as malas começam a desviar o olhar — e o corpo todo — da direção de Heinrich, alguns assobiando, outros coçando a nuca ao olhar para o mar.

— Heinrich, está tudo certo, verificaremos o conteúdo. Por outro lado, você tem certeza de que só viemos nós três a “turismo”? — Lâmina olhava preocupadamente para a quantidade assustadora de malas, ele sabia que havia trazido apenas uma.

— Tenho… Agradeço pela compreensão. — o capitão se virou agressivamente para a tripulação soltando um berro. — Ei!! Quem mandou desorganizar a bagagem?!

— F-Foi a v-vice Mirele, capitão.

Heinrich massageou o rosto, tensionando ainda mais seu corpo, ele fitava o céu cada vez mais, os papéis se aproximavam, até que uma hora, ele desistiu.

— Está tudo certo, eu falo com as duas depois… Moleques, vejam suas malas.

A tripulação de Heinrich se dirigiu para Fajilla, antes que o capitão pudesse os acompanhar, ele se virou para os dois jovens, dando um aviso, agora com uma voz desesperada.

— Tomem cuidado… — Ele apontou para cima, e os dois viam pedaços de papel que se aproximavam cada vez mais, eram bem semelhantes à cor amarelada das cartas d’O Círculo. Mas ambos não deram tanta importância.

— Vaia, pra que tantas malas? — Antes que Lâmina pudesse encostar nelas, Vaia passa na frente ficando entre a bagagem.

— Não!

— O que foi?

— Não acha que é indelicado ver os pertences de uma dama? — Vaia estava claramente nervosa. Tentava desviar a atenção do espadachim para que ele não prosseguisse.

— Corta essa, devem ter uns duzentos quilos de bagagem só sua, vai levar muito tempo se você ver todas elas sozinha.

Apesar da resistência de Vaia, Lâmina usou sua força superior para empurrá-la carinhosamente para o lado, onde ela caiu no chão. Não conseguia mais parar ele.

As malas consistiam em maletas de couro marrom-escuro, dificilmente distinguíveis umas das outras. Lâmina passava suas luvas por elas, tentando decifrar qual seria a sua. Depois de alguns segundos de impaciência, ele simplesmente abre uma delas.

— Não! Por favor! Essa não! — Vaia exclamou ao tentar alcançar a mala.

— Dá pra se acalmar, garota! Não tem nada de íntimo aqui, só… maquiagem? Você tem uma mala inteira só para maquiagem?!

— São três, na verdade. Há outras para roupas…

Lâmina estava cético com a bomba de informação. Aquela moça que mal tirava o capuz e sempre se escondia sob um manto tinha aquela quantidade de produtos de beleza? Ele questionou Vaia sobre a razão disso, com uma preocupação genuína.

— Você acha que sou um monstro, né? É por isso que tá estranhando a maquiagem…

De fato, o espadachim não podia negar que a Aura monstruosa de Vaia não era fruto de sua imaginação. O jovem fechou a mala e se virou para a moça que ajeitou mais seu manto em volta do corpo e abaixou o capuz.

— Apesar de tudo estranho que presenciei de você… Não, não acho que você é um monstro. Monstros não receberiam uma missão de escolta d’O Círculo.

Vaia o encarou de volta, com um olhar melancólico. Era como se ela esperasse algo a mais.

— E… você ajudou a sepultar os corpos do vilarejo, desvendou a identidade de quem ameaça a vida da bebê, cuidou de nós na cabana… — “Caramba, parando pra pensar, mesmo em tão pouco tempo, ela já fez bastante coisa por nós” pensou Lâmina.

Mesmo relutante, Lâmina estendeu a mão para ajudar Vaia a levantar-se. Ele não sabia quem ela era nem do que era capaz, mas se O Círculo decidiu que ela estava à altura da missão tanto quanto ele, então Vaia era uma pessoa em quem se podia confiar, pelo menos por agora.

— A maquiagem…

— O que, Vaia?

— Eu tenho ela, mas nunca consegui usar. Não posso mostrar meu rosto em público, sabe? Principalmente por conta dos dentes, que dizem ser de vampiro.

— Estou mais preocupado em como você conseguiu comprar tudo isso.

— Eu perdi minhas memórias. Contudo, por alguma razão, eu possuo altos conhecimentos de ervas e de medicina, usei deles para trabalhar como uma curandeira anônima por um tempo.

Vaia ainda parecia constrangida, falava com a cabeça baixa, enrolando geralmente os dedos nos cabelos castanhos. Lâmina se sentia um pouco culpado e gostaria de animar o clima.

— Monstros geralmente… não são… bonitos… — murmurou bem baixo 

— O que disse?

— Nada! Vamos só levar a bagagem para o navio de Heinrich, veremos a quem pertence outra hora.

Um leve sorriso sai do rosto de Vaia. Ambos começaram a segurar parte das malas e levar para a nau-capitânia.

 

 


 

Com as últimas malas finalmente chegando ao convés do enorme galeão. Vaia e Lâmina soltaram um último suspiro aliviado. O céu estava limpo e os três sóis brilhavam como nunca, era como se a tempestade de Aura de Talyra nem tivesse acontecido. Aquele característico cheiro de madeira velha estava se misturando lentamente com alguns dos perfumes das malas de Vaia.

— A tripulação deve mover daqui para a cabine de hóspedes. Nem acredito que Heinrich nos deixou para levarmos tudo sozinhos! — reclamou Vaia

— Por que é que ele saiu com a tripulação dele pra cidade?

Antes que pudessem conversar mais sobre a saída repentina do capitão, um seco barulho de papéis ao vento começou a tomar conta. Centenas de cartas caíam sobre a madeira do navio. Eram cartas d’O Círculo, extremamente características. Com a estrela de dez pontas azuis e o selo com uma marca incomum.

— Missões? Muitas?! O que está acontecendo?

— O que é isso? — Lâmina pega uma das cartas no chão e abre-a.

Do mesmo modo em que recebeu a missão para escoltar a bebê, o papel com o conteúdo saiu magicamente do envelope, junto de uma pena para que a missão seja firmada em um acordo.

Uma leve luz iluminava a carta, contudo, ao invés de ser uma azul, como nas missões de escolta. Era vermelha.

Lâmina, preocupado, começou a ler o conteúdo da carta em voz alta.

— “Missão de grau nacional: Eliminação. Alvo: Jasmyne Thuzaryn. Misticismo: Xamanismo. Localização aproximada: Centro comercial de Fajilla.” Tem um texto enorme no verso da folha, algo sobre ela ser uma traidora ao Círculo. E aqui uma imagem dela!

— Espera… essa é a mulher! — disse Vaia com as mãos trêmulas — É a mulher que massacrou o vilarejo

Um momento tenso se passa enquanto os cidadãos de Fajilla entravam em suas casas, aflitos. Lâmina olha para Vaia seriamente, e pergunta se seria uma boa ideia se juntar à caçada.

As cartas que ficavam muito tempo no chão, sem serem abertas, acabavam por desintegrar-se em um pó mágico, sendo mais um dos mecanismos de sigilo d’O Círculo.

— Essa é a nossa primeira missão… Se ela traiu O Círculo… então devemos capturá-la viva para saber mais! — concluiu Vaia, determinada.

— Tem razão, vamos nos reunir com Cálix e Talyra, e então traçar um plan…

O discurso de Lâmina foi repentinamente cortado por uma figura feminina. Ela se pendurou em uma das cordas do navio e desferiu um forte chute bem no queixo do espadachim. Ele voa para o outro navio de Heinrich, colidindo com o mastro, que fica danificado.

O som da madeira rangendo ao longe é acompanhado pelos gritos de Vaia, chamando pelo colega. A garota que chutou Lâmina se joga para o navio onde ele se encontra.

— Lâmina! Aguenta aí, eu já vou chegar…

Uma forte dor aguda perfurou a moça por trás. Vaia soltava um grunhido de dor enquanto sua visão ficava turva.

— V-Veneno?! Quem está…

Ela é acertada por um pedaço de madeira que estava largado no convés. Vaia é lançada até o agrupamento de bagagens, atingindo a única que definitivamente não era sua.

— Fala sério…

À sua frente, estava uma garota de cabelos prateados e um olhar cansado, vestindo uma túnica laranja. A sua Aura emanava com cada vez mais intensidade e seus olhos brilhavam em azul.

— Quem diria que até nossos estimados passageiros gostariam de ferir amigos do capitão Cahrazan…

Ela se parecia bastante com a vice-capitã que comandava o navio no qual Vaia veio. Mas, era um pouco diferente, talvez menos ameaçadora…

— Amigos do Heinrich?...

Vaia se levanta, com a vice-capitã arregalando os olhos.

— Milene está surpresa, não é qualquer um que consegue sobreviver aos venenos.

Vaia cospe sangue no chão, ainda que incerta sobre a força da sua oponente. No fundo da sua alma, algo a incitava a lutar com todas as suas forças. Seguiu o instinto, assumindo uma postura de combate que a sua oponente admirou.

— Milene acha que essa luta vai ser interessante…

— Maldita! Vai desejar ter me matado com essa facada. 

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