Kapakocha Brasileira

Autor(a): M. Zimmermann


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 2: Primeira faísca

— Para trás! Eu cuido disso — disse o espadachim, saindo da pequena casa de madeira, enquanto Vaia o observava.

— Ficou maluco? Estamos no Abismo Revolto! — protestou Cálix — E não dá para ver nem um palmo à frente.

— Eu consigo! Sempre dou um jeito…

Ele começou a girar o ombro e entrou em postura de combate, colocando os dois punhos à frente, com a espada ainda nas costas — apesar de tremer levemente.

Como esperado, ele não conseguia ver a criatura no escuro, apenas aquela fumaça característica que dava forma ao oponente. Cinco metros de músculos retorcidos e ossos deformados, cobertos por uma grossa camada de couro e pelagem branca como a neve.

— Ruuuuuuuuhhhrr!

O monstro rugiu em direção ao homem, abrindo sua enorme boca. A cabeça tinha a forma de um crânio de veado, com olhos irradiando o mais puro instinto assassino da natureza, e pelagem branca como a neve. Aquele era um Wendigo das Neves, no Abismo Revolto.

O bafo quente e mortal da criatura quebrou a previamente inabalável postura do espadachim. Ele engoliu em seco, mas manteve o olhar determinado, até que mal percebeu sua mão direita alcançando as próprias costas.

Ele não podia deixar um mero monstro abalar sua honra daquele jeito. Anos de treino e esforço, desperdiçados numa criatura patética como aquela diante dele?

— Acho bom que você use essa sua espada para alguma coisa! — gritou Vaia, preocupada com o estado do espadachim.

— Não me diga o que fazer! — disse ele, virando-se para Vaia, enquanto segurava seu antebraço com força.

Naquele momento, o orgulho e o medo do espadachim entraram em conflito. Ele deveria escolher entre sacar sua lâmina ou ir com os punhos contra um oponente dez vezes maior.

Ele ficou paralisado, segurando o braço para não alcançar a espada. O monstro aproveitou a oportunidade, levantou suas garras afiadas e tentou rasgar o homem no meio.

O espadachim desviou com dificuldade, ainda se segurando para não encostar na lâmina. O frenesi de ataques do monstro continuou, e o tremor causado pela força bruta cansava ainda mais os saltos do jovem.

Como se nada pudesse piorar, uma ventania repentina passou pelo vilarejo. O monstro enfiou as garras no chão e levantou a neve, fazendo com que sua fumaça mística se espalhasse pelo ar.

Ele estava por toda parte, o sibilo do ambiente misturava-se agora com os gritos confusos do espadachim. Ele olhou ao redor, mas não viu nada. Como podia uma criatura daquele tamanho não fazer barulho?

O jovem não tinha uma resposta clara, além de dois orbes vermelhos o observando bem de perto...

Quando ele menos queria, o espadachim teve lembranças de alguém bastante provocativo.

“Com certeza sua espada deve ser reservada só para os mais fortes, né?”

— Calado...

“O que você tá fazendo? Brincando de lutar?”

— Estou defendendo essa criança! Como um verdadeiro...

“Ela fez errado em te acolher, Lâmina.”

— Morra.

Cálix mirou sua lanterna, observando junto de Vaia o golpe devastador que Lâmina recebeu. O corpo desanimado do homem voou, colidindo contra um grande poste no centro do vilarejo.

Quando o monstro se virou para os dois jovens e para a bebê, percebeu que o braço usado para atingir o espadachim estava esmigalhado em fragmentos de gelo. A essência bruta do poder de Lâmina foi suficiente para congelar o membro da criatura até o osso.

Os nervos congelados do monstro nem permitiram que ele sentisse dor, mas a falta de uma mão inteira — ainda daquele tamanho — bastou para desequilibrá-lo.

— Ele nos viu... Tem alguma ideia?

Uma pergunta tola. Cálix estava feliz que Lâmina conseguiu ao menos causar um ferimento, mas Vaia não tinha direito de levantar essa questão e olhar para o jovem, afinal ela fora quem lutara de igual para igual com o espadachim há pouco.

Ele ajoelhou-se e juntou as mãos. Depois de ter certeza que a criatura estava realmente ali, diante dele, e que morreria em breve...

Cálix começou a rezar.

— Ei, o que você tá fazendo? Rezando numa hora dessas?! Está de noite, é exatamente nesse momento que os Deuses não intervêm!

— Calada — Cálix estendeu a mão para Vaia, levantando o indicador — Sou um seguidor fiel, e meu Deus sempre me atende, você vai ver só.

O Wendigo das Neves rugiu e partiu para cima da casa onde estavam os dois jovens e a bebê — que, de alguma forma — parecia calma diante da situação aterrorizante, até dormia.

Os pesados passos de corrida da criatura ecoavam pelo vilarejo, com apenas a lanterna de Cálix iluminando a visão de um tanque de três toneladas prestes a colidir com eles.

Em medida protetiva, Vaia virou-se para proteger a bebê com o próprio corpo, enquanto Cálix permanecia diligentemente ajoelhado diante da morte encarnada.

Um grande flash de luz desceu no vilarejo como uma estrela cadente, acompanhado de um estrondo audível até de Fajilla, as árvores se debateram com a onda de choque repentina, deixando pedaços de neve caírem por todos os lados.

O som da criatura parou. Vaia deixou de proteger a bebê e olhou para o Wendigo. No lugar de sua cabeça esquelética, um buraco colossal, com sangue ainda espirrando por toda a sua pelagem.

— Hah... Funcionou... M-mas, como? — Vaia olhou entusiasmada para Cálix, conseguindo ver o jovem boquiaberto e de olhos arregalados. — Deixa pra lá.

O corpo do monstro caiu no chão, deixando a área finalmente segura para os três se moverem com segurança. Cálix confirmou a Vaia que aquela criatura era de um calibre muito alto, e que outras, pequenas ou grandes, não deveriam aparecer por agora.

A moça soltou um suspiro de alívio e moveu-se até o corpo apagado de Lâmina. O grande corpo do homem estava coberto de neve, sua pele tinha uma coloração pálida como o clima num dia de enterro.

Aquele golpe deveria tê-lo destruído por completo, mas ele parecia intacto. Além da espada, que não fora removida de suas costas em nenhum momento.

Alguns metros atrás do Wendigo morto, uma cratera de meteoro soltava fumaça, Cálix mirou sua lanterna até o local, pedaços de terra espalhados em cima dos corpos dos mortos, ele sentiu que havia a presença de uma chama, apagada pelo frio que ainda emanava de Lâmina.

Cálix e Vaia se entreolharam, surpresos. Ao se aproximarem do buraco, levaram um susto ao ver uma pequena e delicada mão erguer-se através do vapor.

— Meu teletransporte… parou de funcionar — Uma garota de cabelos negros rastejou-se para fora, ofegante e cansada, ela usa suas últimas forças para apontar uma varinha de madeira para Vaia, que pareceu considerar uma ameaça, antes de colapsar no chão

Vaia estava com a bebê em seus braços durante toda essa situação estranha, ela nunca presenciou tantas pessoas diferentes em um lugar tão anormal. Ela deduz que todos estariam atrás do artefato, e começa a andar para longe do vilarejo.

— Para onde pensa que vai?

— Não há nada para nós aqui, outra pessoa já está com o artefato…

— E daí, vai levar a bebê com você? Quem deixou? Você só será atacada por outros monstros como aquele.

— Você disse que vai demorar até que mais apareçam, dá tempo voltar para a cidade.

— Esse não é o ponto — Cálix bufou, andou até Vaia e agarrou-a pelo braço — você vai estar largado as pessoas que nos protegeram!

— Não vai fazer alguma piadinha? — Vaia respondeu com um rosto igualmente sério.

— Eu não brinco quando o assunto é compaixão. Se você der meia-volta agora, vou ter que tirar minha licença da aposentadoria.

Vaia não desafiaria Cálix assim tão facilmente, se ela quisesse manter a bebê em sua guarda, deveria pelo menos ceder naquele momento. Ela concordou, e segue as orientações de Cálix para levar os dois apagados para outra casa, que ainda estava inteira.

 


 

Talyra estava mais uma vez afundada nos próprios pensamentos, seus sonhos frágeis eram fáceis de despertá-la. Tendo vagas memórias da visão da magia de teletransporte, ela viu-se voando em altas velocidades contra um monstro num lugar nevado, antes de acordar no susto.

Ela olha ao redor, estava deitada em uma grande cama, com um homem do outro lado, ele dormia com um chapéu militar sobre seu rosto.

— Minha varinha… Ai! — Talyra estava com seu torso enfaixado, a blusa, e chapéu que usava haviam sido pendurados em uma cadeira próxima. Cálix se aproximou dela segurando um prato com pão e um copo d’água. — Quem, é você? O que fez comigo?!

— Uou, uou… relaxa aí! Se é sobre as ataduras, foi ela quem fez — disse o jovem apontando para uma mulher sentada perto da lareira, ela vestia roupas grossas vermelhas e um manto de mesma cor por cima. — Obrigado por nos salvar do Wendigo… Er… Come aí.

talyra relutou por um momento, mas não conseguiu resistir à fome, passara dias sem comer durante o processo de teletransporte, o que acabou enfraquecendo seu corpo durante a queda.

Ela agradeceu e perguntou pelo nome do jovem, que se identificou como Cálix, já apresentando Vaia, se aquecendo junto da bebê. Talyra também se apresentou.

— Mas fala, é um pouco incomum ver esse tipo de gente num lugar tão isolado, né? O que você faz nessa ilha? Isso se você não caiu por acidente, é claro…

— Essa, é a ilha mais recém colonizada pelo reino de Arquoia? Estamos em Fajilla?

— Sim e não.

— Que alívio, obrigada por me trazer para essa casa. A questão é que eu busco por um artefato… — Cálix fez uma cara de decepção, antes que pudesse alertá-la sobre o artefato já ter sido roubado por alguém, Talyra continuou:

— Que consegue anular misticismo, e não possui Aura.

Vaia se levantou, franziu a testa e indagou a afirmação da garota:

— Espera, não é um artefato que restaura a memória?

— Eu também confuso. Me contaram que era uma bateria para uma poderosa arma — comentou Cálix.

Talyra colocou a mão sobre a testa e se jogou de volta para a cama. Seus olhos se encheram de lágrimas. 

— Como… eles puderam mentir para mim? Eu vim até aqui por nada? — Talyra estava com a voz trêmula, mas ela não caiu aos prantos. Ao invés disso, parecia decepcionada.

Tudo que passou foi a troco de nada — o risco de ir a um lugar desconhecido, o isolamento de seu povo. Parecia que tudo foi planejado para fazê-la sofrer.

Vaia e Cálix se sentam nos pés da cama, com ambos fazendo gestos de consolação, tentando alegrar a menina, segurando seu ombro ou falando “Vai dar tudo certo.”

Quando nenhum deles está percebendo, Talyra sente uma cutucada em seu pé.

Era a bebê, cercada pelos quatro que a protegeu até agora, parecia muito feliz, ela encarou Talyra, levantando sua mão. A menina responde encostando nela com seu dedo. Contudo, para sua surpresa, ela não sentiu nenhuma força mística fazendo correntes entre seus corpos.

Confusa, Talyra ergue seu corpo, segurando a bebê pelos braços.

— Tá tudo bem, menina? — pergunta Vaia

— É… eu… Só, não sinto nada.

Cálix apertou a vista e fez um rosto de dúvida. Ele costumava ser uma pessoa bem otimista. Mas mesmo em uma situação confusa como essa, era coincidência demais para ser verdade.

— Pessoal, assim, sem querer dar muitas esperanças, ou, sei lá… melhorar o dia de vocês. Eu acho que ela é o artefato.

Os três, prestaram atenção mais uma vez à garotinha: Cabelos multicoloridos que se assemelhavam à vista do espaço sideral; olhos vermelhos brilhantes; não transmite força mística. Além disso, ela era a única com tais características em meio a diversas pessoas mortas.

Havia algo emanando dela — não era Aura, nem odor de monstro. Algo diferente. Talvez uma forma de misticismo que nenhum deles conhecia. Era relaxante, familiar e trazia consigo uma paz inexplicável.

— Brrr… Por que esfriou de repente? — perguntou Talyra — E o que é essa enorme presença mística que sinto?

— Ah, deve ser o grandalhão aí. Ele deixa o ar mais frio, não sei o porquê. Mas ele atrasou o Wendigo antes de você chegar, até ele começar a falar consigo mesmo e ter uma crise.

Vaia se levanta da cama e tira o chapéu de cima do rosto de Lâmina, com ele já de olhos abertos, parecendo também decepcionado com as revelações do momento.

— Há quanto tempo você está acordado?

— Eu nem dormi.

— Não, você levou uma porrada do Wendigo e dormiu, sim — caçoou Cálix, soltando uma leve risada, acompanhada pela bebê também. — Ah, como é? A pequenina também gostou de ouvir as piadas do tio Valente?

— Droga… calem a boca. Eu vou dormir.

Em circunstâncias normais, Lâmina nunca dormiria perto de desconhecidos. No entanto, a presença daquela bebê tinha algo de diferente. Uma calma suave, quase reconfortante. Confiança suficiente para se permitir descansar, algo que não fazia há demasiado tempo.

— Ainda tenho tantas dúvidas… — disse Talyra

— Não se preocupem, vamos dormir por hoje. Vocês dois podem ficar na cama para se recuperarem, eu e Vaia ficaremos perto da lareira.

— M-Mas…

— Conversamos amanhã, a sério. Todos precisamos de ajuda, portanto, por que não nos ajudamos mutuamente?

Apoie a Novel Mania

Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.

Novas traduções

Novels originais

Experiência sem anúncios

Doar agora