Kaito Além do Horizonte Brasileira

Autor(a): Carlos Jesus


Volume 1

Capítulo 21: Olhar de Quem Sabe o Que Faz (13)

 

 

O sol atravessa o vale como uma lâmina dourada. Ele corta a neblina, toca as rochas e revela cada detalhe escondido. Lá nada é comum: criaturas tão estranhas, vegetações que parecem vivas, caminhos que mudam de lugar como se respirassem.

Já percorri boa parte deste território, mas nunca é o bastante. O vale sempre guarda uma surpresa, é isso que o torna perigoso… e fascinante.

Não falo isso como uma curiosa qualquer, mas como alguém treinada. Meu trabalho é rastrear sinais que olhos comuns jamais perceberiam. E para isso preciso de silêncio, foco absoluto, acima de tudo. Quanto menos distrações, menos preocupações — e mais eficiência.

Aprendemos a observar na espreita.  A agir apenas quando o necessário. Nesse momento, nossa função muda: deixamos de ser sombras e nos tornamos lâminas. Localizar, atacar, eliminar. É simples. É direto.

E cada rastreador tem uma marca própria, uma habilidade única que o torna indispensável. É por isso que, quando algo precisa ser encontrado — ou destruído — somos a resposta.

— Justo hoje, na minha folga… — murmurei, chutando uma pedra. — Será que eles não têm noção de agenda?“Vou aproveitar e levar tudo que preciso… alguns fortificadores e umas paradinhas muito loucas, hahaha.”

Balancei a cabeça, rindo sozinha. — Ninguém gosta desses lados, mesmo. Cheios de perigos…, mas dessa vez eu tenho um motivo a mais. — Fechei o punho, lembrando do fedor nojento daquela gosma que grudou em mim dias atrás. Malditos vermes. Todo mundo se afastou de mim por causa daquele cheiro.

Suspirei. Ontem mesmo algo estranho aconteceu: uma luz intensa cortando o céu acima da floresta. Todos viram, mas ninguém foi investigar. Nem nós, rastreadores, ousamos sair durante a noite. É muito arriscado.

Mas hoje, minha missão principal era inspecionar o local.Um dos nossos chefes havia comentado algo inquietante...

— Ele disse que já sentiu essa mesma presença antes. Naquele dia, seu corpo inteiro congelou. Não conseguiu mover um músculo sequer. Só o que restou foi o terror... e a certeza de que algo estava observando cada respiração dele.

“Vai ser fácil.” — pensei, ajeitando o arco nas costas. “Com minhas habilidades, chego lá em pouco tempo… a não ser que apareça algum imprevisto.”

Assim que meus pés cruzaram a entrada da floresta, senti....Um vento pesado me atingiu, carregado de um cheiro podre. No mesmo instante, algo invisível agarrou minha garganta e apertou como um laço.

O ar sumiu....Meus olhos saltaram, minha carne latejava, e a pele do pescoço começou a inchar como se algo rastejasse por dentro.
Cada tentativa de respirar só fazia a dor piorar, como agulhas perfurando os pulmões.

— N–não... — tentei falar, mas a voz saiu em um estalo seco, mais próximo de um gemido.
Minha língua formigava, as veias do rosto queimavam sob a pele.

Caí de joelhos, arranhando a terra com desespero, a visão já tomada por manchas negras.“Se eu não fizer nada... meu corpo vai estourar aqui mesmo...”

Num lampejo, lembrei...

 “Minha habilidade!” Essa pode ser minha única salvação...

Forçando o último resquício de lucidez, pressionei a mão contra o peito e ativei o impulso.
Uma onda brutal percorreu minhas veias, rasgando o veneno. Senti cada toxina explodir dentro de mim, queimando como ferro em brasa.

Engoli o ar de volta num único tranco, cuspindo saliva espessa e escura no chão.
Tremendo, rolei para trás e encarei o céu.

— Ufa... maldita floresta... — murmurei, com pescoço ainda latejando.

“Bosta…!” algo está errado. Isso nunca havia acontecido antes.

Ofegante, apoiei-me no joelho, tentando recuperar o fôlego. Meus olhos percorreram o campo adiante. Várias criaturas se moviam… mas havia algo errado. O comportamento era anormal, inquieto, quase enlouquecido. Um calafrio percorreu minha espinha.As criaturas sempre reagiam do mesmo jeito, previsíveis, mas agora… agora se contorciam de forma estranha, exalando um cheiro pútrido, tão denso que parecia grudar na pele.“O que mudou?”Se aquilo estava vindo da profundeza, preciso descobrir o porquê. Mas para voltar inteira… eu vou ter que encarar o fundo desse maldito território.

Se aquilo era apenas a entrada... eu não queria imaginar o que poderia encontrar no centro daquela luz.

Sorri de canto. — Hm… parece que vou ter trabalho, afinal.

“Pensei!”

“Pensei!”

“Será que devo continuar!? Nunca tinha acontecido algo assim... mas que fodida...”

“Isso não vai me abalar assim.

Deixei minha habilidade ativada — não em sua forma total, mas em um modo mais leve.
Sem ela, eu não teria a menor chance de avançar mais fundo.

Eu já sabia que a floresta não era aquelas coisas...Mas agora estava terrivelmente pior.

Quanto mais eu avançava, o ar ficava mais pesado. Meus olhos corriam por cada canto, forçando-me a observar cada detalhe possível.

À primeira vista, notei algo...

As folhas no chão estavam chamuscadas, como se pequenas brasas tivessem queimado nelas recentemente. A ponta de uma árvore próxima estava partida, a madeira ainda escura, com marcas que lembravam garras — só que grandes demais para qualquer fera comum da floresta.

Abaixei-me e toquei o solo. Estava quente. Estranhamente quente, como se o sol tivesse queimado aquele ponto em específico. Mas não havia nenhuma abertura no céu acima de mim.

— Isso não é normal… — murmurei, franzindo a testa.

Meu instinto de rastreadora despertou. Ativei meus sentidos, o que sempre me dá aquela estranha sensação de que o mundo se estica. Ouço mais fundo, sinto cheiros distantes, noto pequenos detalhes que os olhos comuns ignoram.

Foi aí que percebi.Um cheiro metálico, cortante, estava no ar. Não era ferro, não era sangue de animal. Era algo… mais forte, como se o ar estivesse impregnado de energia.

Meus olhos percorreram o solo e encontrei algo ainda mais perturbador: fragmentos de cristal azulados espalhados entre as folhas. Eram pequenos, como cacos, mas pulsavam uma leve luminosidade. Toquei um deles e tomei um choque

Recuei de imediato, puxando a mão. A sensação era como colocar os dedos numa corrente elétrica invisível

— Que diabos é isso? — perguntei a mim mesma, engolindo seco.

Tudo indicava que algo — ou alguém — tinha liberado um poder que não deveria existir nessa floresta.  Pelo rastro, não tinha sido nada pequeno.

Levantei o olhar. Mais adiante, as árvores se abriam em um corredor natural. O silêncio era ainda mais profundo naquela direção. As criaturas da floresta, normalmente barulhentas, sumiram. Nem insetos se arriscavam ali.

Suspirei fundo, ajustando a capa nos ombros.“O que devo fazer?”

Dei um passo adiante, mas tomando os devidos cuidados possíveis.Foi quando o chão tremeu sob meus pés

O chão vibrou de novo, e desta vez não foi apenas um tremor. Uma rachadura se abriu, correndo como uma serpente pelo solo até quase alcançar meus pés.

— Opa... acho que esse lugar vai desmoronar! — murmurei, instintivamente dando um salto para trás.
Fiquei em alerta; sabia muito bem que não eram só pedras quebrando. Essas rachaduras quase sempre vinham acompanhadas de criaturas subterrâneas. E eu não estava disposta a cair direto em nenhuma delas.

Não havia como continuar por terra sem ser engolida. Sem pensar duas vezes, agarrei o tronco de uma árvore próxima e subi com a agilidade de quem já fez isso centenas de vezes.

As malditas árvores começaram a cair. Nesse momento, escorreguei e quase fui junto, mas tudo aconteceu rápido demais. Consegui reverter a situação no último instante, saltando de tronco em tronco até alcançar uma árvore mais distante, onde o solo já não mostrava sinais de rachaduras.

Do alto, abri minha visão. O olhar de fênix — como costumam chamar minha habilidade — atravessou a bruma e a distância, revelando detalhes que olhos comuns jamais enxergariam.

Foi então que vi algo tenebroso...

O solo era áspero, repleto de buracos que pulsavam como feridas abertas.
Vermes. Vários deles.
Se arrastando, retorcendo, deslizando na gosma fétida que escorria pelas rachaduras. O mesmo tipo maldito que me humilhou dias atrás.

Um sorriso gelado se abriu em meus lábios.— Era tudo o que eu queria… — murmurei.

Cheguei mais perto daquela área, subi num tronco quebrado para ampliar a visão.— Espera… o que é aquilo? — foquei o olhar mais adiante, ativando minha visão aguçada. Uma criatura solitária caminhava entre os buracos, sem notar o perigo.

De repente, o chão se abriu.Um verme colossal saltou e o arrastou para dentro do abismo em um estalo seco.— Que merda foi isso!? — o grito escapou antes que eu pudesse segurar.

Se eu quisesse passar por esse território, teria que encarar algo acima do meu nível.
Um único deslize, um barulho fora de hora… e eu viraria comida.

E não eram só os vermes. O terreno também escondia armadilhas: crateras camufladas com líquidos escuros que, ao mínimo contato, liberavam fumaça corrosiva. Ácido puro.

Respirei fundo, ajustando a postura.— Hora da revanche… — falei baixo, sentindo a adrenalina subir como fogo no sangue.

"O fogo… será que funciona contra eles? Sempre ouvi dizer que vermes não resistem às chamas. Mas e se for diferente aqui? 

"Não tenho muitas opções… talvez o fogo funcione… ou talvez só piore tudo…, mas não tem outra saída. Vamos ver no que vai dar."


"Vou jogar chamas dentro dos buracos… eles vão enlouquecer, saindo em desespero. Uma distração perfeita… mas qualquer erro pode ser fatal."

— Vamos lá… deixa eu preparar um arremesso digno! — murmurei, os olhos brilhando com excitação enquanto concentrava meu poder de fogo.

Uma aura vermelha começou a dançar ao redor de minhas mãos, estalidos de calor cortando o ar. O chão sob meus pés parecia vibrar com a energia acumulada, e pequenas fagulhas saltavam, queimando as folhas secas próximas.

Eu respirei fundo, sentindo cada pulso de poder percorrer meus braços. A gosma nos buracos começou a borbulhar, como se sentisse a ameaça se aproximando.

— Agora… — sussurrei, lançando as chamas com um movimento rápido e preciso.

O fogo disparou, serpenteando pelo terreno irregular, iluminando a escuridão com tons de vermelho e laranja. Os vermes se contorceram, urrando em desespero, cegos e furiosos. A distração perfeita.

Não hesitei. Desembainhei as lâminas curtas presas às pernas.O primeiro avançou — um corte limpo atravessou-lhe a cabeça.A gosma espirrou, quente e fétida, queimando minha pele. Mas o prazer de vê-lo se desfazer apagou a dor.

Outro veio.Desviei, rápido como o vento, e cravei as lâminas na lateral de sua carne branca. Ele se contorceu, rugindo em silêncio, até cair mole no solo.

A cada passo, mais deles surgiam. Era uma dança mortal. Corte. Desvio. Golpe. Sangue ácido respingando, o cheiro podre impregnando o ar.

Continuei avançando, sem perder o ritmo. A adrenalina me guiava; não havia espaço para erro.Cada criatura que tombava me levava mais perto da saída.Cada respingo de gosma me lembrava: se parasse, morreria ali.

O chão tremeu violentamente. Uma elevação de terra surgiu diante de mim, e dele emergiu um verme colossal — claramente o chefe da área. Cada movimento seu fazia a terra vibrar, lançando pedras e detritos para todos os lados

Sem árvores por perto, eu estava totalmente exposta. Cada passo em falso poderia me custar a vida. Outros vermes menores começaram a surgir das rachaduras, espalhando-se como um enxame de tentáculos vivos, todos me observando, todos prontos para atacar.

— Isso vai ser divertido… — murmurei, apertando as lâminas curtas nas mãos.

O chefe avançava, e cada passo seu fazia o chão tremer como se o próprio vale estivesse prestes a se despedaçar. Eu já estava exausta, mas não podia parar. Cada buraco era um risco; cada rachadura, uma armadilha.

De repente, ele lançou ácido. Um jato corrosivo disparou de sua boca como uma serpente flamejante. O líquido borbulhou ao tocar o solo, liberando fumaça tóxica e um cheiro metálico que queimava minhas narinas. Eu rolei para o lado, sentindo o vapor tocar minha pele e marcar pequenas queimaduras. Meu corpo reagiu rápido, mas cada esquiva drenava energia.

— Merda…! — murmurei, percebendo que cada ataque era diferente. Um instante, o ácido vinha em jatos rápidos; no outro, em uma chuva pesada, espalhando crateras fumegantes. A imprevisibilidade me obrigava a reaprender o terreno a cada segundo.

Tentei me aproximar, mas o chão vibrou sob meus pés. Uma onda de detritos levantou-se do impacto do chefe, e eu precisei saltar sobre uma fenda recém-aberta. A adrenalina corria pelas veias, queimando como fogo.

— Preciso achar um ponto fraco… — pensei, ativando a visão de fênix. O pulso de energia escura que emanava do corpo da criatura era caótico, mas percebi uma fissura no tórax, pulsando com intensidade irregular. Era a minha chance… se eu conseguisse chegar até lá.

Um novo ataque: ácido explodiu do lado direito, atingindo uma única árvore que se despedaçou em chamas e fumaça. Senti o calor atingir meu rosto e o odor acre quase me fez engasgar. Desviei no último instante, rolando pelo chão irregular, e minhas lâminas cortaram a cabeça de um verme menor que surgiu das rachaduras.

— Foco… — murmurei, saltando de um ponto seguro para outro, ajustando cada movimento. Cada salto era calculado, cada aterrissagem podia ser a última. O chefe parecia rir, lançando ácido em rajadas imprevisíveis, quase me acertando a cada segundo.

Um tentáculo gigante emergiu de seu corpo, tentando me agarrar. Senti o impacto da força me empurrar para trás, quase me lançando dentro de uma fenda cheia de ácido. Mas meu impulso gravitacional respondeu como uma extensão do meu corpo, catapultando-me para o lado, raspando pelas paredes do buraco.

— Está indo rápido demais… preciso ser mais rápida — sussurrei, ajustando minha postura e respirando com dificuldade. O suor misturado à gosma e à fumaça tornava minha pele escorregadia, cada movimento um teste de equilíbrio e precisão.

Finalmente, vi a fissura. O coração do monstro pulsava, cercado por uma aura escura instável. Preparei minhas lâminas. Mas antes que pudesse atacar, outro jato de ácido explodiu diante de mim, quase me atingindo. Pulei para o lado, sentindo meu corpo arranhar nos escombros. Cada segundo contava.

— Agora ou nunca… — murmurei, concentrando cada músculo, cada reflexo, cada fração de segundo. Saltei em arco sobre os vermes menores, esquivando de cada ataque imprevisível, e minhas lâminas cravaram-se na fissura.

O monstro urrava, tremendo violentamente. O ácido se espalhou pelo chão, evaporando com calor e deixando o ar ainda mais pesado. Mas o impacto final explodiu a energia do chefe em ondas, queimando o terreno e espalhando fumaça pútrida.

Quando a poeira baixou, os vermes menores recuaram, desorientados. Meu corpo tremia, exausto e dolorido, mas o ponto fraco estava atingido. Respirei fundo, com olhos ainda fixos na criatura caída, sentindo o chão tremer levemente sob meus pés.

— Isso… foi por pouco. — Observei, limpando o suor do rosto. O cheiro de ácido e carne queimada impregnava meu corpo, lembrando que cada segundo ali foi um risco de morte.

finalmente alcancei o outro lado, meu corpo tremia. Não de medo — mas da fúria que ainda queimava em minhas veias.

Segui adiante, até que o vento trouxe algo ainda mais forte: cheiro de carne queimada e ferro oxidado. O ar estava pesado, intoxicado. Quando finalmente alcancei uma clareira, meus olhos se arregalaram.

O solo estava coberto de corpos partidos. Criaturas enormes, destroçadas, membros espalhados por toda parte. Havia fumaça subindo de algumas carcaças, como se ainda estivessem queimando por dentro. A cena parecia ter saído de um pesadelo.

Apertei os dentes. “Quem fez isso?”

Ativei meu olhar de fênix, forçando o alcance. O horizonte se abriu diante de mim… e então eu o vi.Caído, coberto de sangue e energia escura que serpenteava por sua pele. Mas não era só isso. Seu corpo… era estranho. Metade humano, metade criatura. Uma visão impossível.

“Aquilo ainda está vivo? Estou vendo uma aura maligna se espalhando…, mas o coração… é puro. Dá pra ver daqui.”

— Não… isso não pode ser real. — murmurei, com a garganta seca, sem acreditar no que meus olhos captavam.

 


 

 

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