Volume 1

Capítulo 1

Parte 1

 

Oficina número 360, Área Residencial. Portão Externo número 2105380, Little Garden.

— A invocação ocorreu como planejado, Kuro Usagi?

— Parece que sim, Jin-bocchan.

Kuro Usagi respondeu encolhendo os ombros com um gracejo. Ela tinha orelhas de coelho e aparentava ter entre 15 e 16 anos de idade. O garoto ao seu lado suspirou. Ele vestia um imenso robe, que era inconveniente demais para sua estatura.

Kuro Usagi, que usava uma minissaia sugestiva e meia-calça com uma cinta-liga em suas lindas pernas, colocou o dedo indicador sobre os lábios, assumiu uma pose mais fofa e adicionou:

— Bom, vamos ter de esperar para ver o que acontece. Nada bom acontece quando se é pessimista. Nós apenas temos de enfatizar superficialmente o quanto esse lugar é divertido. Seria simples confessar em nosso primeiro encontro que “Nossa Comunidade está à beira da destruição total!”, mas isso apenas os deixaria desconfiados sobre se juntar a nós.

Foi o que explicou Kuro Usagi, jogando seus braços para cima durante o processo.

O garoto escutou relutantemente, mostrando uma rápida mudança em suas expressões faciais, mas no fim assentiu em aprovação.

— Desculpe deixar tudo em suas mãos, mas poderia fazer o favor de ir buscá-los?

— Deixe comigo!

Kuro Usagi saltou repentinamente da cadeira.

Quando ela tocou o chão da oficina, o garoto fez um comentário com certo receio em sua voz.

— Eu me pergunto… será que a chegada deles… salvará nossa Comunidade?

— Quem sabe… mas o [Host] prometeu uma coisa.

Ela disse enquanto se virava para ficar cara-a-cara com ele, fazendo sua saia tremular, e completou após abrir um sorriso malicioso,

— Os [Gifts] que eles possuem são os mais poderosos da humanidade.

 

Parte 2

 

— Giniyaaaaaaaaaa! O-ojou!

Caindo de uma altura de 4000 metros, os quatro passaram por múltiplas finas camadas de água, que estavam preparadas sobre a área de pouso, e caíram no interior de um lago.

— Kya!

— O qu…?

Eles mergulharam com um grande impacto. Como as membranas de água desaceleraram consideravelmente a queda, os três aterrissaram em segurança, mas o Gato Cálico que caiu com You não teve a mesma sorte. Ela o abraçou e o puxou para a superfície rapidamente.

— …Você está bem?

— Eu bensei que ia morrer…!

O gato ainda não conseguia falar direito, mas ela estava aliviada por ele estar bem.

Nesse meio tempo, os outros dois chegaram à margem do lago enquanto amaldiçoavam tudo na região.

— E-Eu não consigo acreditar! E pensar que eles me puxariam sem nenhuma palavra e, acima disso, me jogariam do céu!

— O mesmo aqui, droga! Dependendo da situação, poderia ter sido um Game Over na hora. Seria melhor se tivessem nos invocado dentro de uma pedra ou algo similar pelo menos.

— …Mas se fizessem isso você não seria capaz de se mover, não é?

— Sem problema para mim.

— Entendo, muito egoísta de sua parte.

Os dois se viraram de costas um para o outro com um “Hmpf”, e começaram a torcer suas roupas para tirar a água. Atrás deles, You saiu do lago para a praia. Seguindo o exemplo dos outros, começou a enxugar sua roupa. Ao lado dela, o Gato Cálico sacudia o corpo, jogando água para todos os lados.

Enquanto secava suas roupas You perguntou:

— Onde… será que estamos?

— Sei lá. Bom, tinha alguma coisa que se parecia com o fim do mundo, então talvez estejamos nas costas de uma tartaruga?

Respondeu Izayoi à pergunta de You.

Uma coisa era certa, este era um lugar sobre o qual não sabiam nada. Depois que Izayoi secou suas roupas o suficiente, ele arrumou uma mexa irritante de cabelo jogando-a para o lado e perguntou:

— Provavelmente não estou errado, mas apenas para ter certeza, vou perguntar do mesmo modo. Vocês também receberam uma carta estranha?

— Você está certo, mas antes de mais anda, não se dirija a mim dessa maneira. Meu nome é Kudou Asuka. Lembre-se disso a partir de hoje. Continuando… Você aí segurando o gato, qual o seu nome?

— Kasukabe You. Mesma situação.

— Entendo. Vamos nos dar bem a partir de agora, Kasukabe-san. E você aí, com essa aparência incivilizada e selvagem, quem seria?

— Uau, obrigado por essa introdução pomposa. Eu sou, assim como a aparência sugere, incivilizado e selvagem, Sakamaki Izayoi. Vulgar, brutal e hedonista. Tudo que é necessário para ser o pior tipo de pessoa. Então, por favor, leia as Instruções de uso e dosagem quando interagir comigo, Ojou-sama.

— Entendo. Se fizer o favor de me dar o manual de manuseio, eu pensarei no assunto, Izayoi-kun.

— Haha, sério mesmo? Eu farei um, então se prepare, Ojou-sama.

Sakamaki Izayoi ria alegremente.

Kudou Asuka se afastava de modo arrogante.

Kasukabe You vendo tudo com indiferença.

Observando-os das sombras, Kuro Usagi estava pensando.

(Uwaa! Todos parecem ser crianças problemáticas!)

Bem, ela havia invocado cada um deles, mas… realmente não conseguia imaginá-los trabalhando juntos. Ela suspirou melancolicamente.

Izayoi começou a ficar irritado.

— Então, é legal que fomos invocados, mas por que não tem ninguém por aqui? Nesse tipo de situação não deveria ter alguém explicando o que era aquilo de Little Garden escrito na carta?

— De acordo. Sem nenhuma explicação, não há sentido em deixar este lugar.

— … Também duvido que ficar excessivamente calmo nessa situação seja o melhor.

(Francamente!)

Respondeu Kuro Usagi silenciosamente.

Se eles ficassem um pouco mais assustados seria mais fácil simplesmente aparecer, mas com eles tão calmos assim, fica difícil encontrar o momento adequado para fazer isso.

(Bom, não há necessidade de pensar demais sobre o assunto. Eu apenas tenho que me decidir antes que a situação fique ainda mais estranha.)

Ouvindo cada um deles expressar sua insatisfação, Kuro Usagi quase perdeu a coragem, mas continuou firme.

De repente, Izayoi respirou fundo e disse enquanto exalava:

— Bem, acho que não temos outra escolha a não ser perguntar para aquela pessoa escondida ali.

Nas sombras, o coração de Kuro Usagi saltou como se tivesse sido agarrado por alguém. Os três olhares se focaram no esconderijo de Kuro Usagi.

— Oh, você também percebeu?

— Claro. Eu sou imbatível no esconde-esconde.

— Se eles ficarem contra o vento, eu vou saber mesmo que não queira.

— Oh, você é alguém interessante.

Izayoi comentou rindo, mas seus olhos não pareciam alegres.

Em retaliação a reunião irracional que sofreram, os três lançaram olhares frios e ameaçadores na direção de Kuro Usagi. Isso a fez hesitar por um momento.

— Pa-Parem, vocês três. Se vocês me olharem com essas expressões de lobos, eu vou morrer. Ee… Ee… Desde os tempos antigos os lobos e a solidão tem sido inimigos naturais dos coelhos. Sendo assim, devido ao coração fraco da Kuro Usagi, eu ficaria muito feliz se vocês pudessem me escutar amigavelmente.

— Me recuso!

— Negado.

— Devo recusar.

— Ahaha, não me dão nem tempo para falar.

Foi o que Kuro Usagi disse, parada e derrotada, ainda observando intensamente os três.

(Eles têm coragem, isso é um bônus. Ser capaz de dizer não em uma situação dessas é um tanto quanto impressionante. Bom, ser difícil de se lidar parece ser uma das suas falhas.)

Kuro Usagi estava agindo como quem não queria nada, mas estava pensando calmamente em como interagir com cada um deles.

Inesperadamente, Kasukabe You apareceu do seu lado e segurou uma das orelhas de coelho de Kuro Usagi pela base.

— Ei!?

— Fugya!

E então, ela a puxou com força.

— Es-Espere um pouco! Se fosse apenas tocar eu não me importaria, mas não pensei que você tentaria arrancar as amáveis orelhinhas da Kuro Usagi em nosso primeiro encontro. No que você estava pensando?!

— Satisfazendo minha curiosidade.

— Você não pode fazer o que bem entender!

— Ohh, essas orelhas de coelho são reais?

— Es-Espere um pou…

Dessa vez, Asuka fez o mesmo com a esquerda. As orelhas de Kuro Usagi foram puxadas em direções opostas ao mesmo tempo, e seu grito indistinto pôde ser ouvido em toda parte.

 

Parte 3

 

— …I-Inacreditável! E pensar que levaria uma hora para vocês começarem a me escutar… Deve ser assim que os professores se sentem em uma classe cheia de crianças problemáticas.

— Apenas comece logo a explicar.

Kuro Usagi, quase com lágrimas nos olhos, finalmente conseguira pará-los para que escutassem o que ela tinha a dizer. Os três se sentaram à sua frente e deram um pouco de atenção a ela.

Kuro Usagi se recompôs, limpou a garganta, abriu os braços e começou a falar.

— Realmente tudo bem se eu começar? Então vamos! Vou começar agora! Bem-vindos ao mundo de [Little Garden]. Nós invocamos os três para lhes dar o privilégio de participar dos [Gift Games], dos quais apenas aqueles possuidores de [Gifts] podem participar.

— [Gift Games]?

— YES! Vocês já devem ter percebido, mas nenhum dos três são humanos normais. Essas habilidades extraordinárias que vocês possuem podem ter sido concedidas por Deuses, Demônios, espíritos ou estrelas. [Gift Games] são eventos nos quais aqueles com [Gifts] competem uns contra os outros. Por último, Little Garden é um mundo criado com o propósito de que aqueles com [Gifts] poderosos pudessem viver tranquilamente.

Kuro Usagi enfatizou o apelo sobre Little Garden.

Asuka levantou a mão, indicando que tinha uma pergunta.

— Vou começar com perguntas fáceis se não for problema. Primeiramente, quem é o ‘nós’ que você mencionou antes?

— YES! Quando possuidores de [Gifts] são invocados de outros mundos, eles devem se unir a uma das muitas Comunidades de Little Garden para que possam prosperar.

— Sem chance.

— Você deve entrar em uma! Além do mais, o vencedor de um desses jogos leva o prêmio oferecido pelo [Host]. É um sistema bem simples.

— Quem é o [Host]?

— Eles podem ser todo o tipo de pessoas. Existem jogos oferecidos por Deidades com muito tempo livre, com o propósito de testar mortais, e existem aqueles que são organizados por Comunidades para mostrar sua superioridade. Como uma característica distinta, o primeiro não costuma ter restrições sobre quem pode participar. Mas como é esperado das Deidades, esses jogos podem ser brutais e extremamente difíceis, sem garantia de sobrevivência. Entretanto, as recompensas são incríveis! Depende do [Host], mas às vezes há até mesmo a possibilidade de se obter um novo [Gift]. Já para o segundo tipo, você precisa providenciar algo para usar como ficha em troca do direito de participar. De modo geral, a regra é que se todos os participantes forem derrotados, todas as apostas vão parar nas mãos do [Host].

— Essa última é bem brutal. E o que pode ser usado como aposta?

— Pode ser usada uma grande variedade de coisas. Dinheiro e posses, terra, direitos, honra, pessoas… e é possível apostar seus próprios [Gifts]. Se você obtiver um novo talento dessa forma, se torna viável participar de [Gift Games] de nível mais elevado. Entretanto, naturalmente, se você perder um desses jogos em que a aposta é seu próprio [Gift], você perderá sua habilidade.

Havia uma sombra sob o sorriso charmoso de Kuro Usagi. Uma vez que seu sorriso podia ser entendido como uma provocação, Asuka fez a pergunta seguinte em um tom parecido.

— Entendo, então tudo bem se eu fizer uma última pergunta?

— ♪Certamente, certamente ♪

— Como alguém pode entrar em um desses jogos?

— Se excluirmos os jogos entre Comunidades, então tudo o que precisa ser feito é se inscrever antes do prazo final de cada jogo. Distritos de compras e lojas organizam [Gift Games] de menor escala, dos quais vocês podem participar se quiserem.

Asuka ergueu uma sobrancelha ao escutar as palavras de Kuro Usagi.

— Então é correto afirmar que os [Gift Games] são a lei absoluta nesse mundo?

(Ohh?)

Pensou Kuro Usagi.

— Fufun. Você entendeu rápido. Mas temo que isso esteja apenas 80% correto e 20% errado. Roubos e furtos também são proibidos em nosso mundo, e a troca de bens por dinheiro também está presente. Crimes cometidos com o uso de [Gifts] são irracionais! Esses criminosos devem ser severamente punidos! Entretanto, a essência dos [Gift Games] é o oposto. Aqui, o lado vencedor vai obter tudo. É possível obter a mercadoria sem pagar, apenas cumprindo as condições de vitória definidas pela loja.

— Entendo. Parece bem bárbaro.

— De fato, mas o [Host] arca com todas as responsabilidades de seus próprios jogos. Em outras palavras, os covardes que não desejam perder suas posses não devem participar destes jogos.

Parecia que Kuro Usagi havia terminado suas explicações, e então puxou um envelope fechado.

— Agora, já que fui eu quem requisitou que vocês fossem invocados neste mundo, tenho o dever de responder todas as suas perguntas em relação a Little Garden. Entretanto, demoraria muito tempo para explicar tudo agora e, como possíveis aliados, não podemos evitar expor vocês ao mundo por muito tempo. Se não for incômodo, nós podemos continuar essa conversa em nossa Comunidade.

— Espera um pouco! Eu ainda não perguntei nenhuma vez.

Izayoi, que estava apenas escutando até agora, se levantou, aumentando seu tom de voz. Quando Kuro Usagi percebeu que seu sorriso, que parecia cravado em seu rosto, tinha desaparecido, ela perguntou com certo receio.

— …Qual seria sua pergunta? Sobre as regras? Sobre o jogo em si?

— Isso não importa, eu não poderia me importar menos com isso, Kuro Usagi. Mesmo se você recitasse todas as regras, isso não mudaria nada. É trabalho de um revolucionário mudar as regras do mundo, não de um jogador. A única coisa que quero saber… é sobre a carta que recebemos.

Izayoi parou de olhar para Kuro Usagi e olhou na direção das outras duas, até que finalmente descansou os olhos sobre cidade coberta por uma imensa proteção.

Ele perguntou apenas uma coisa, com um olhar que menosprezava tudo.

— Este mundo é… divertido?

— …

As outras duas esperaram silenciosamente pela resposta. Na carta que eles receberam estava escrito: “Abandonem seus amigos, suas posses, seu mundo, e venham para Little Garden”.

A pergunta mais importante para eles neste momento era saber se todos esses sacrifícios valeriam a pena ou não.

— …YES! [Gift Games] são jogos demoníacos para aqueles que transcenderam o limite da humanidade. O mundo de Little Garden é muito mais divertido que os outros mundos, eu garanto♪!

 



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