Volume 1

Capítulo 3: Elfos Negros

Gia Nageev Mazaram, um guerreiro élfico negro, avançava exausto — seu corpo, que um dia já foi conhecido por ser resistente como aço, se encontrava com um aspecto deprimente. — Já seus companheiros, aqueles que o seguiam, também estavam em uma situação semelhante.

O grupo caminhava por uma floresta interminável e sombria, dominada apenas por uma atmosfera gélida e sem vida.

— Viu? Não há nada aqui.

— Capitão Gia, você não acha que já ficamos demais nessas terras?

O elfo que parecia estar na liderança balançou a cabeça, rejeitando a sugestão que já havia escutado diversas vezes até agora. E, mesmo querendo dizer para não a repetirem, ele compreendia intimamente os sentimentos de seus companheiros. Entretanto...

— O que conseguiríamos deixando a floresta agora? Fomos expulso da nossa terra e não temos para onde ir. E duvido muito que as crianças possam sobreviver a outra viagem sem rumo… Já aqui, a vegetação é abundante; deve haver alimento em algum lugar.

Mesmo após declarar isso e colocar um sorriso obviamente falso no rosto. Seus seguidores, como resposta, apenas suspiraram.

Todos ali sabiam que não teriam nenhuma razão para continuar avançando se perdessem as esperanças agora.

— Mas esta maldita floresta é meio sinistra, né?

Ficar em silêncio seria terrível para a moral, portanto, Gia decidiu iniciar uma conversa. Afinal, também sentia como se fosse enlouquecer caso não falasse algo. 

— O Maldito Mar de Árvores à beira do território inexplorado de Idoragya, também conhecido como as Terras Amaldiçoadas… Há registros antigos que falam de um grande mal selado aqui. Também dizem que ele não permite que nenhuma vida prospere em seu reino.

De maneira repentina, a ajudante do líder do grupo, uma mulher bem versada em lendas e folclore, abordou tal tema inquietante: Ela era uma leitora ávida que costumava gastar a maior parte de seu salário em livros.

Hahaha — Gia apenas riu deliberadamente. — É apenas uma superstição. Se isso fosse verdade, não haveria tantas árvores aqui, certo? Ou elas não contam como vida?

Sendo o capitão, ele não podia demonstrar algo como "medo" em uma situação dessas.

— Não cedam. Os espíritos de nossos antepassados certamente nos mostrarão o caminho para superar esta adversidade.

A razão pela qual tal figura se tornou um capitão não foi devido a apenas às suas habilidades físicas, mas também à sua força mental — ele era alguém que cumpria suas missões sem nunca ser esmagado por quaisquer tipo de circunstâncias. — Assim, além de todo o resto, foi tal força que lhe fez permanecer como um líder e a comandar a vanguarda.

Motivado pelo pequeno discurso encorajador de seu capitão, o resto do grupo marchou para a escuridão desconhecida; acreditando que um caminho se abriria para eles e que seriam salvos desta situação desesperadora…

Bom, não demorou muito para, finalmente, o mundo se abrir diante deles.

Esperando por algum milagre, aquele espaço, apenas por ser diferente de tudo o que tinham visto até então, foi suficiente para incitar esperanças em suas cabeças.

Do mesmo modo que pensavam que aquela área era uma onde plantas comestíveis cresciam em massa, imaginavam também que ali poderia ser um ninho para animais selvagens. Ou então, apenas um lugar onde Deus misericordiosamente lhes concederia conforto de seu sofrimento.

"Estamos condenados...!"

No entanto, todas as suas esperanças foram destruídas. Pois lá, apenas "ruína" existia.

No segundo em que Gia a viu, o arrependimento tomou conta total de seus pensamentos.

Junto a um pequeno caminho, havia uma rocha esculpida bem no centro da área livre: À primeira vista, o cenário poderia ser visto como sagrado e significativo, todavia, o problema era o que estava presente nele.

Ao lado da rocha, com o seu cabelo acinzentado se destacando acima de seu vestido decorado com enfeites de ouro, tinha uma garota de pé; ela avaliava os indivíduos recém chegados com um olhar implacável.

Contudo, aquela figura era um dos menores problemas agora. O real infortúnio estava sentado na rocha…

O capitão elfo nem ao menos tinha certeza de como poderia descrevê-lo.

O ser era um tipo de fenômeno paradoxal que parecia ter saído de uma lenda macabra.

Sua forma se assemelhava a de um corpo humano, porém o resto era indistinguível — coberto por escuridão, era como se tivesse sido rejeitado pelo próprio mundo. — Parecia sem dúvida a própria manifestação do mal que as lendas contavam.

"Não sei o que é… mas meus instintos dizem que aquilo é perigoso."

O olhar vindo da garota não havia se desviado de Gia e companhia em nenhum momento, então era provável que o ser exalando uma aura sinistra também estivesse os observando.

O grupo de Elfos Negros permaneceram imóveis, nem sequer ousavam respirar — todos compreendiam que seu próximo movimento determinaria o destino de suas vidas. — Assim, tomando os devidos cuidados para não desrespeitar a figura à frente e, agindo como um líder, Gia escolheu cuidadosamente suas ações.

O elfo, curvando lentamente a cabeça, ficou de joelhos.

— Po-Posso sentir que é um ser poderoso e nobre, então, por favor, perdoe eu e meu grupo por ter entrado nesta floresta sem permissão. Eu sou Gia Nageev, um Elfo Negro e capitão do clã Mazaram.

Embora ainda não soubesse se suas intenções eram compreendidas por aqueles seres a frente, aquilo que fez era um sinal de respeito: Logo, seus subordinados seguiram o exemplo. 

Gia esperou para ser atendido; seus instintos o obrigavam a demonstrar o máximo de respeito e gratidão.

Depois de um completo silêncio por vários segundos. A garota ao lado da rocha esculpida, com um olhar indiferente, começou a falar.

Hmm... Você parece compreender plenamente os perigos de entrar nesta terra. Então, Elfo Negro, que razão o levou a cometer esse erro?

Gia e seu povo estavam em prantos, apenas esperando pelo pior, mas quando aquela resposta chegou, um certo alívio também brotou. Porém, claro, não pensaram por momento algum que estavam a salvo. O grupo mal tinha recebido um mero perdão temporário.

— Mazaram, nosso clã, já residiu em terras no centro do continente Idoragya. No entanto, nossos antigos mestres, o supremo órgão de tomada de decisões élficas conhecido como o Conselho Te—¹

— Seja breve.

— Fo-Fomos perseguidos e expulsos das nossas terras. Assim, sem mais para onde ir, viemos para esta floresta.

Após provocar a irritação da figura de pé — Gia, nervosamente, resumiu sua resposta. — A escolha de criar uma explicação cuidadosa e de forma elaborada foi um erro.

"Nossas vidas estão em suas mãos" ele lembrou para si mesmo. "O que devo fazer? Falo algo a mais? Espero que falem primeiro?"

Desesperado, seus pensamentos vagavam em círculos, seu coração pulsava com tanta força que chegava a doer; já, entre sua respiração falha, os ruídos vindos da floresta e o olhar da encarnação do mal adiante, fazia seu corpo suar frio.

O elfo estava prestes a chegar no limite e implorar por misericórdia quando…

Vocês devem estar morrendo de fome, não é? — A coisa sentada em cima da rocha esculpida falou. 

A voz que soou era jovem, no entanto, não havia um mínimo de emoção, vontade ou alma vindo dela.

Gia estremeceu como se algo tivesse acabado de rastejar por sua espinha. O suor que saía de seus poros, era acompanhado por uma repugnância total. 

O som produzido por aquela coisa foi horripilante o suficiente para fazer as figuras élficas vacilarem, e retardar suas linhas de pensamentos. 

— Meu rei lhe fez uma pergunta.

— C-Ce-Certo! No-Nossa perseguição foi severa, por isso fugimos para esta terra… Ficamos sem comida pelo caminho e não fomos capazes de conseguir mais enquanto tentávamos despistar nossos perseguidores… Já faz dias que não comemos.

Chocado ao descobrir que tinha cometido inconscientemente a grave transgressão de ter ignorado a dúvida lhe imposta por aquela coisa, Gia se explicou apressadamente com uma voz patética; elas representavam sua imensurável lástima. 

Hmm.

A coisa maligna se mostrava satisfeita com a explicação recebida. Já a figura ao seu lado também parecia suficientemente apaziguada ao dar um leve aceno de cabeça.

Porém, mesmo após ter acertado uma, o Elfo Negro não via um fim para o perigo. 

"Por quê? Por que devemos agir desta maneira!? O que fizemos de errado para merecer isso!? Tudo o que queríamos era um lugar seguro para viver!" 

Por ter simplesmente entrado na floresta, o grupo que tinha recém encontrado um certo lugar foi subitamente forçado a curvar a cabeça e temer diante de duas outras figuras.

"O que vai acontecer comigo? Não! O que vai acontecer com o meu clã e subordinados? Que merda aquela coisa planeja fazer!?"

Tremendo por imaginar um futuro assustador, o capitão elfo foi consumido por um turbilhão de raiva e tristeza. 

"Será que querer sobreviver é realmente tão pecamino—"

Thud!

Repentinamente, algo caiu no chão e rolou para frente. 

O elfo empalideceu e balançou como uma árvore no meio de uma tempestade — o pensamento ridículo de que tinha acabado de ouvir o som de sua própria cabeça caindo preencheu sua mente. — No lugar do capitão do clã Mazaram, aquele que era temido por sua coragem, um mero mortal, tremendo miseravelmente, se encontrava.

No entanto, não demorou muito para ser atraído pelo cheiro doce e peculiar que fazia cócegas em seu nariz.

Gia, hesitantemente, abriu seus olhos apenas para se deparar com uma única e suculenta fruta vermelha que se encontrava no chão à frente. 

— O-O que é isso?

Para você — a coisa simplesmente respondeu.

Sem nem perceber que sua boca estava salivando, Gia engoliu em seco; a fruta que se encontrava no chão tinha um formato no qual nunca havia visto antes.

Seu aroma suculento transmitia sua doçura e sua casca vermelha brilhante atraía seus olhos.

Quando o elfo a pegou, sentiu seu leve peso em sua mão — aquilo indicava que ela estava repleta de nutrientes. —  Tal alimento parecia algo que só os nobres poderiam comer, não, nem mesmo eles, provavelmente, a haviam experimentado. 

Em sua mão agora, estava o alimento que todo seu grupo parecia desejar.

É uma maçã. Já ouviu falar? Tem um bom gosto. Dá até para transformá-la em um coelhinho.

Gia entendeu quase nada das palavras pronunciadas.

— A… çã? Eu a desconheço...

Na verdade, ele apenas conseguiu captar que o fruto avermelhado era comestível e chamado de "Açã".

E, mesmo que a coisa tivesse dito: "Para você", indicando que não deveria causar ofensa ao aceitá-la, seus pensamentos confusos o fizeram imaginar se estava realmente tudo bem… Gia também se preocupava com o fato de consumir alimento enquanto os membros de seu clã passavam fome em seu acampamento. 

Uwaaa, é tão baum~!

— É doce! E suculenta também!

A partir dessas observações repentinas, o Elfo Negro percebeu que seus subordinados estavam experimentando a fruta antes que tomasse uma decisão.

Ele se virou para ver seu grupo afundando vorazmente os dentes na fruta que aquela coisa deveria tê-los dado sem nem perceber — Gia engoliu em seco novamente e começou a cogitar se também deveria participar. — No entanto, rapidamente, voltou o seu olhar para a coisa sombria.

Felizmente, ele apenas a encontrou acenando com a cabeça contente. Por essa reação, pareceu que seus companheiros fizeram a coisa certa ao invés de o desrespeitarem.

O alívio tomou conta dele enquanto, ao mesmo tempo, sentia a necessidade de repreender seus companheiros por devorar gananciosamente aquelas frutas. Porém, ao ver lágrimas caindo de seus olhos enquanto enchiam suas bocas alegremente, entendeu o sofrimento deles em primeira mão.

Coma algumas pêras também.

Algo mais caiu no chão e rolou para frente de Gia. Desta vez, foi algo verde: Era outro alimento com o qual ele não estava familiarizado. 

A casca verde a fazia parecer imatura, mas o cheiro doce transbordante que era diferente da Açã dissipou essa preocupação. O elfo a pegou e encarou de forma estonteante. 

— Ei, você aí! O que há de errado? É um presente do meu precioso rei. Aceite-o — falou de maneira descontente a garota desconfiada.

Gia não sabia o que a coisa maligna estava pensando, mas podia ler a personalidade daquela outra figura até certo ponto.

Ele sabia que a garota respeitava e servia de todo coração à encarnação da ruína ali sentada: Então provavelmente nunca suportaria nada que o aborrecesse. 

Diante desse fato e, resolvendo apelar, o elfo se ajoelhou profundamente e falou.

— A-Ao invés de me dar isso… Dê aos outros que escaparam conosco para esta terra! Há crianças pequenas que estão morrendo de fome. Elas não comem nada há dias. Por favor, conceda este generoso e benevolente alimento a elas. Eu lhe imploro...

Assim que declarou isso, Gia sentiu um gosto metálico em sua língua; pelo canto de sua boca, sangue escorria. Sem sequer perceber, havia mordido seu lábio na tentativa de manter sob controle seus sentimentos de covardia e vergonha.

Ele também já não ouvia mais o mastigado de seus subordinados. Parecia que suas palavras haviam os lembrado de sua missão — enquanto lutavam contra a fome, seus familiares, amigos e conhecidos os esperavam. — Com tantos de seu povo que já não eram mais capazes de ficar de pé, eles tinham apenas um trabalho a fazer.

No entanto, esse era justamente o problema deles. 

Gia, ouvindo a garota estalar a língua como se fosse para transmitir silenciosamente que aquilo não era problema de seu rei, abaixou a cabeça indicando que a vida de seu clã dependia disso.

E, mesmo estando a ser confrontado por uma garota aterrorizante e por uma personificação do mal, ele não mostrou covardia; seus olhos transmitiram eloquentemente sua determinação para alcançar seu objetivo à custa de sua própria vida. 

Mas então, surpreendentemente e, de maneira rápida, seu sincero apelo foi respondido.

Eu sinto por você. A coisa disse, sem hesitação, essas quatro palavras. 

— E-Espera! Takuto-sama!?

Agitada, a garota correu para o lado de seu mestre e calmamente o aconselhou; mas no fim, não recebeu atenção.

Subitamente algo caiu no chão, logo depois outro e outro... 

Gia se manteve boquiaberto enquanto observava um milagre surreal se desdobrar diante dele.

Do nada, do ar, surgiam frutas, carnes, feijões, vegetais, temperos, grãos que se assemelhavam ao trigo e pães tão macios que eram esmagados quando outros alimentos os acertavam.

Literalmente uma montanha de alimentos surgiu do nada.

O elfo não conseguiu esconder as lágrimas que escorriam pelo seu rosto surpreso — aquilo à sua frente era a pura definição de benevolência. — A coisa onipotente havia escutado suas circunstâncias e depois produziu uma abundância de alimentos apenas para ajudá-los.

Diferente das Fadas de Luz, os Elfos Negros era uma raça tratada com desprezo, assim, para eles, o ato de aceitar quaisquer caridade, era novo. Além do mais, ninguém havia simpatizado quando tal raça foi banida; muito pelo contrário, muitos diziam que o mundo estava mais puro agora que tinha desaparecido.

Gia estava convencido de que viver em condições adversas, e suportar o isolamento do resto do mundo era o destino dos Elfos Negros; ele também absorveu a ideia de que não existia nenhum deus para salvá-los. 

Contudo, ele parecia estar errado. 

Aquela coisa sentada numa rocha esculpida lhes estendeu uma mão amiga — claro, ela poderia estar os enganando — ou talvez apenas brincando com suas emoções por pura malícia. Mas, mesmo que esse fosse o caso, ninguém jamais havia simpatizado com eles antes, muito menos lhes oferecido ajuda.

— É-É um milagre!

— Estamos salvos!

— Obrigado! Obrigado, ser todo-poderoso!

O capitão elfo notou que seus companheiros estavam fora de si por conta da imensa alegria.

— Pe-Perdão... Ma-Mas poderia nos dizer seu nome...? — Gia teve que perguntar pois só agora percebeu que ainda não sabia o nome de seu benfeitor.

Mas claro, o elfo até supôs que a palavra que a garota usou antes para se dirigir ao seu mestre era provavelmente seu nome, no entanto, isso não era o suficiente; Gia  queria ouvir ele próprio dizer. 

Todo grupo élfico também partilhava desse mesmo sentimento, eles gostariam de saber o glorioso nome daquele ser benevolente que, pela primeira vez, havia dado o calor da compaixão à sua raça e tinha realizado um milagre tão facilmente quanto acenar com a mão.

Leve-as.

Contudo, como resposta, apenas receberam duas palavras desprovidas de emoção.



Nota:

1 – Te >>> Tetrarquia (do grego tetra, por derivação de tétares, "quatro," e árchein, "governar") designa qualquer sistema de governo em que o poder esteja dividido entre quatro indivíduos, denominados "tetrarcas".



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