Volume 1
Capítulo 2: Unidade Batedora
Deixando a fundação de seu novo império de lado, Takuto e Atou iniciaram imediatamente o que seria considerado uma virada de assunto.
Eles se sentaram em cima da pedra esculpida e começaram a considerar sua primeira jogada.
— Mynoghra é uma civilização pacífica que governa sobre o mal e a ruína. Precisamos começar baseando nossa estratégia em torno desses fatos.
— Você está absolutamente correto, meu rei! Mas ainda assim, devemos evitar ser detectados. Essa é a regra principal durante o início do jogo, certo?
— Exato! Não sabemos onde estamos, portanto, reunir informações sem deixar que ninguém nos encontre é o nosso primeiro passo.
— Sim! Suas táticas nunca param de me surpreender.
Takuto combateu o olhar cintilante e esperançoso de Atou com um sorriso tímido e então avaliou sua posição atual.
A cerca de 150 pés, 45 metros para ser mais exato, nos arredores da pedra esculpida, se encontrava uma clareira¹ onde só cresciam flores. Já ao seu redor, havia apenas um crescimento excessivo de árvores.
As espécies arbóreas locais possuíam raízes complexas que extrapolavam para fora do solo; tornando difícil a navegação — elas também eram monstruosamente altas. — Logo, Takuto não tinha como subir. Bem, sem contar que era uma tolice esperar uma ação desse porte de um antigo paciente da Unidade de Terapia Intensiva para Doenças Raras².
"Duvido que Atou consiga escalar e nem me sinto à vontade para mandá-la explorar a área."
Geralmente os jogadores de Nações Eternas começam a partida com uma base e uma Unidade Batedora, mas a dupla não via nada parecido com isso em seus arredores.
Já Atou, era classificada como uma Unidade Combatente, portanto, não estava adequada à exploração; sem contar que suas estatísticas atuais eram péssimas…
No fim, havia apenas um número limitado de movimentos que Takuto podia fazer agora. Contudo, mesmo nesta situação, ele tinha um movimento a fazer.
— Acho que a nossa melhor jogada aqui é usar a Produção de Emergência.
Atou imediatamente reagiu às suas palavras. — Produção de Emergência!? Eu certamente me lembro de uma habilidade como essa.
Takuto levou seu olhar em direção à voz surpresa e acenou com a cabeça enquanto se deparava com um olhar penetrantemente.
Como um jogo de estratégia, Nações Eternas têm vários tipos de recursos principais e sub-recursos — a Mana é um deles, e é o recurso estratégico mais cuidadosamente gerenciado ao lado de Alimentos e Materiais. — Sua jogabilidade básica consiste em fazer seu império prosperar, produzindo e administrando várias instalações e unidades com estes três recursos principais.
Entre eles, a Mana tem propriedades similares à Moeda e Energia como em outros jogos. Já a Produção de Emergência é uma habilidade que utiliza justamente desse recurso para produzir instantaneamente qualquer unidade ou edifício: Porém, naturalmente, tal habilidade útil também vinha com desvantagens.
— Bem, eu preferia não usar a Produção de Emergência. Mas, não vejo outro jeito...
Takuto deu um suspiro pesado enquanto coçava a cabeça — ele estava tentando aceitar o fato de que não tinha uma alternativa melhor. — Atou também estava ponderando com os braços cruzados; no entanto, também não conseguia encontrar uma opção melhor. Tudo por conta da situação atual deles, que era diferente do jogo, deixando-os em um impasse.
— Takuto-sama, se é preciso, é preciso. Quanta Mana você tem no total?
— Cerca de 200, se formos pela lógica do jogo. Vamos acabar gastando mais que a metade dela.
Em Nações Eternas, seus recursos eram exibidos com números — este era o seu conceito — assim, Takuto, por estar entre os melhores jogadores, conseguia calcular mentalmente o que podia fazer: Contudo, ao pensar no fato que só tinha 200 de Mana quando estava acostumado a ter dezenas de milhares no final do jogo, o deixava tonto.
— Apenas 200? Então, devemos fazer com que cada gota conte… Bem, com isso em mente, o que devemos produzir?
— Primeiro considerei uma Base, depois uma Planta de Mana, no entanto, acho que vou começar com um Batedor.
A dupla sabia que reclamar sobre sua situação atual não os levaria a lugar algum; talvez, por ter outra pessoa com quem pudesse tomar decisões, fosse o motivo pelo qual ambos conseguiam pensar calmamente.
Apesar de estar experimentando a situação absurda de acordar de repente em um mundo desconhecido, Takuto pôde formar habilmente uma estratégia.
Sabendo que não poderia vacilar neste local desconhecido, como sua primeira jogada, ele decidiu que a prioridade estava em recolher informações.
Levando seu olhar de volta para Atou, perguntou: — Você concorda?
— Sim — respondeu ela.
Primeiramente, não havia como ela questionar aquela decisão já que a confiança em seu rei era algo que não parecia faltar. E, mesmo assim, Takuto ainda quis verificar; afinal, as opiniões dela importavam para ele.
— Aqui vamos nós! Produção de Emergência: Batedor! — Com um grito e o erguer de sua mão, um fluxo de energia invisível se reuniu, distorcendo o espaço à sua frente.
Segundos depois, algo apareceu: Coberto de gosma como um bebê que havia acabado de sair do ventre de sua mãe. Aquilo, enquanto olhava para Takuto, se levantou com suas pernas bambas e soltou um grito.
— GYEEEEEEEEEEEEEEE!!!
Seu tronco se assemelhava a um de louva-a-deus sem as patas dianteiras do raptorial. Suas pernas também eram muito mais grossas e grotescamente mais longas.
A criatura estranha não parava de emitir um grito monstruoso e agudo enquanto seus olhos rolavam; observando seu entorno.
Esta era a Unidade Batedora que Takuto convocou: O Inseto de Pernas Longas.
— Repugnante, né?
— Realmente…
A reação imediata da dupla ao seu primeiro subordinado foi a de nojo.
Visto que Atou compartilhou o sentimento, claramente, aquele bicho não tinha uma aparência muito agradável.
Enjoado de ficar olhando o inseto trêmulo, Takuto voltou sua visão para a garota que, por sinal, era muito mais agradável de se ver.
— Não está acostumada a vê-lo, Atou?
— Eu o via em um modelo 3D… Ele realista é um pouco demais...
— Tendi. Não quer acariciá-lo para celebrar o momento?
— Nem morta! Por que você não faz isso, Takuto-sama?
— Nem morto!
— Então por que sugeriu que eu tinha que fazer!?
— Só achei que seria engraçado.
— Meu rei é um comédia!
— Perdão.
Enquanto a dupla brincava, o Inseto de Pernas Longas permaneceu silenciosamente no lugar com seus grandes e redondos olhos se movendo — ele parecia estar esperando por ordens — no entanto, algo em sua aparência grotesca o fazia parecer que estava julgando o casal à frente.
Com um susto, Takuto e Atou limparam suas gargantas ao mesmo tempo.
— Ahem, pois bem, meu pequeno amigo inseto… Ordeno-te, em nome da gloriosa Mynoghra, que vás verificar a área ao nosso redor! Evite o contato com todas as outras formas de vida. Inspecionar é sua tarefa principal.
— Complete sua missão de uma maneira que não decepcione nosso grande rei, Takuto Ira.
— GYEGHYEEEEEEEEEEEE!!!
Com suas longas pernas e um grito desumano penetrante, o monstro correu e adentrou a floresta escura.
Enquanto o observavam partir, Takuto e Atou soltaram um suspiro com uma mistura de emoções.
— Fiquei um pouco preocupada no início, mas parece que está seguindo ordens como uma unidade adequada. Como está indo para você, Takuto-sama?
— Eu posso partilhar de sua visão até certo ponto. Qualquer informação coletada é transmitida de volta para minha cabeça também — uma gargalhada seca escapou por causa da habilidade conveniente. — É realmente como no jogo, mas meu cérebro está atuando como a tela do PC agora.
No centro da mente de Takuto, aquele local onde se encontrava foi exibido como um mapa 3D — as áreas exploradas pelo Inseto de Pernas Longas estavam se tornando visíveis — assim como quando as regiões cinzentas do mapa do jogo, cobertas pela névoa da guerra, eram iluminadas após a passagem de uma unidade.
— Então suponho que as coisas estão indo bem. Ah, aliás, quanto de Mana ainda tem, meu rei?
— Acabei de usar 100 e me restam 100. Agora vou precisar de 20 para construir a primeira base: Colônia... Precisaremos ser estratégicos com o que sobrar.
— Só porque temos um pouco de Mana, não significa que podemos nos dar ao luxo de desperdiçá-la, certo?
Usar a Produção de Emergência para criar, a força, uma unidade que exige alguma instalação, tempo e recursos específicos, acabava por consumir uma enorme quantidade de Mana. Portanto, aquela Unidade Batedora custou muito mais do que uma base, que era considerada como uma instalação essencial para o início do jogo.
— Bem, eu queria nos arranjar um Guerreiro em caso de ataque, mas está fora de cogitação com nossa Mana atual...
— "Vou cuidar dos nossos inimigos'', era o que eu adoraria dizer, mas... para mim, enfrentar inimigos significaria praticamente o fim.
Mesmo Atou sendo uma Unidade Heroica, ela atualmente tinha apenas 3 de Força — isso era terrivelmente baixo até mesmo para uma unidade não-combatente. — Sua fraqueza era ainda mais comprovada comparada com as Unidades Combatentes ou Selvagens.
Em outras palavras, com Atou Sludge sendo sua Unidade Heroica, Mynoghra começava o jogo na precária situação de ser destruída completamente por qualquer inimigo que encontrasse.
— Esse nível de dificuldade é bastante desagradável...
— S-Sempre foi... Por favor, mantenha seu queixo erguido, meu rei!
Mesmo ambos tendo vivido situações semelhantes centenas de vezes antes. Takuto não podia deixar de desejar que sua realidade tivesse configurações um pouco mais fáceis.
◇◇◇
Várias horas depois...
Com o layout mental de seu entorno dispersando gradualmente a névoa da guerra, a Unidade Batedora de Takuto parecia estar fazendo um bom trabalho explorando a área.
Para um jogador estratégico, a informação era um recurso indispensável; e, com aquela situação atual, a informação valia mais do que ouro.
— Como vão as coisas?
Aliviado do mal-estar e da sensação de crise iminente, Takuto tomou fôlego e decidiu compartilhar o que havia aprendido com Atou.
— Nada mal. Tenho uma compreensão geral do terreno próximo; ele possui apenas árvores… Talvez estejamos no meio de uma enorme floresta. Ah, e nosso amigo inseto também não encontrou nenhum animal selvagem ou monstro até agora.
Além de seus movimentos furtivos, o Inseto de Pernas Longas não estava enviando informações muito interessantes: A floresta continuava sem fim e sem nada de valor para oferecer.
Talvez ainda houvesse coisas que não havia descoberto, porém era difícil dizer com o seu atual meio de exploração.
E, o fato de que o certo monstro inseto gostava de explorar fazendo círculos aleatórios — deixando o mapa com uma forma deformada na mente de Takuto — não ajudou muito.
— Então toda a área é floresta? Terrenos florestais são ideais para se camuflar… no entanto, é estranho que não haja monstros ou vida selvagem.
— Também não há ícones de alimento. Parece que vamos ter que continuar explorando por um tempo.
— Lamento por não poder ser mais útil…
Parecendo seriamente incomodada com o fato de não poder fazer nada por seu rei, Atou se curvou profundamente com uma expressão de tristeza vinculada ao seu rosto. Ela parecia mais deprimida do que um cachorrinho que acabou de ser repreendido por seu dono.
— Não se preocupe. Só o fato de estar aqui comigo é uma grande ajuda, Atou.
As palavras que Takuto selecionou para animá-la pareciam ter acertado em cheio — ele não quis dizer nada de profundo com seu comentário casual, mas assim que tal frase foi ouvida; Atou olhou para ele com olhos brilhantes e bochechas coradas. — Com isso, ele logo entendeu o quanto aquela figura o respeitava, admirava e adorava como rei.
Atou era do tipo que levaria tudo o que Takuto dizia mais a sério do que deveria.
— Me-Meu rei... estou imensamente grata!
— Se-Sério? Estou feliz que você esteja feliz.
Takuto como alguém que nunca havia experimentado o afeto desenfreado de uma garota antes, se sentiu levemente perturbado com isso, mas também feliz por ter alguém com quem pudesse interagir desta maneira. Mesmo que esse justo alguém fosse o herói de um videogame que comandava exércitos e uma Unidade Heroica de uma civilização maligna...
Tirando suas orelhas pontudas e olhos carmesins, Atou parecia como qualquer outra garota doce e inocente enquanto olhava com ternura para Takuto. Que por sinal, ficou mais do que um pouco surpreso ao saber que a heroína de uma civilização maligna tinha uma personalidade tão adorável.
"Pensando bem, ela sempre foi assim?"
Curiosamente, ele não se lembrava de um único detalhe que teria sido escrito sobre o caráter da personagem para acrescentar profundidade ao mundo do jogo.
— Rei...! Takuto-sama! Você está me ouvindo?
— A-Ah! O-Oi? Desculpe, viajei por um momento.
Suas dúvidas desapareceram instantaneamente quando Atou se aproximou mais perto; ela estava muito contente com a atenção dele voltando para perceber que ele fingia calma a fim de impedi-la de notar seu coração acelerado.
— Você está bem? Está com dor em algum lugar?
— Estou bem. Apenas me perdi em pensamentos, não se preo— Hm? Nosso Batedor está me contatando.
— Estou feliz que esteja bem. Ele encontrou alguma coisa?
Takuto acenou com a cabeça e se concentrou na imagem em sua mente.
Anteriormente, ele havia praticado partilhar a visão do Inseto de Pernas Longas muitas vezes, então agora podia acessá-la com facilidade.
No alto de uma árvore, olhando de cima para baixo, a visão vinda de um olhar furtivo fluía em sua mente: Takuto não conseguia distinguir claramente os detalhes já que os olhos do inseto se moviam constantemente ao redor, mas pode notar o que parecia ser um acampamento de pessoas.
Peles pálidas, cabelos prateados, orelhas longas e pontiagudas — se não lhe falhasse a memória — esses traços pertenciam aos Elfos Negros.
— É um acampamento de Elfos Negros? Eles estão agrupados num local não muito distante daqui.
Com seus olhos ainda fechados, Takuto explicou exatamente o que viu para Atou; sua atenção continuava nas imagens que fluiam em sua mente.
Atou não incomodou seu mestre com perguntas redundantes. Ela apenas tirou suas conclusões com base nas informações que lhe foram fornecidas.
— Acho que agora podemos assumir com segurança que estamos em um mundo de fantasia... E, pelo o que sei, os Elfos Negros são neutros, porém são mais proximos do mal, o que é um certo alívio.
Assim que terminou de confirmar a localidade do acampamento no mapa, Takuto deixou de partilhar a visão do Batedor e esfregou os cantos de seus olhos.
Embora não tivessem obtido muito mais conhecimento além do fato de que havia um povoado de elfos por perto, esse era exatamente o tipo de informação que procuravam. Mas claro, essa descoberta limitou drasticamente suas opções neste novo mundo e não contribuiu em nada para reduzir a montanha de problemas que teriam que enfrentar.
— Isso significa que realmente estamos no mundo de Nações Eternas…? Bem, de qualquer forma, precisamos ser cuidadosos. Do mesmo modo que podem ser bons, também podem ser maus, além disso estão muito próximos… Estaremos com problemas se aqui for a base de outro país.
— Enfrentar outro império tão cedo é a pior coisa possível...
— Sim, a pior coisa possível...
— Se for preciso, podemos fugir para longe, meu rei.
— Exato. Fugir é vencer. Mynoghra ama a paz e o sossego, afinal.
— Né? A guerra é uma coisa tão bárbara!
Ao compartilharem uma risada, a dupla começou a formular um plano.
"Na pior das hipóteses, nossas vidas estarão em perigo."
Takuto achou um pouco estranho o fato de estar calmo e otimista em uma situação tão perigosa, mas todas as suas dúvidas foram extintas pela aura de respeito vinda de Atou. No final das contas, ele estava bem com o que quer que acontecesse, desde que a tivesse ao seu lado.
— Certo, eu tenho um plano! Primeiro, por que não observamos aqueles elfos e obtemos mais informações sobre eles? Se parecer que são demais para lidar, podemos apenas fugir.
— Eu sou a favor desse plano, meu rei!
Eles levantaram os punhos no ar e entusiasticamente estabeleceram esse plano; ambos estavam agindo como crianças brincando de casinha e, pelo visto, não havia ninguém por perto para pôr um fim às suas brincadeiras… Ou assim pensaram.
Quando Atou terminou de encher Takuto com elogios, eles ouviram o farfalhar das árvores e alguns galhos estalando.
Ela imediatamente mudou de atitude, virando-se bruscamente em direção à fonte de ruído como uma víbora venenosa pronta para atacar.
Takuto olhou na mesma direção alguns segundos depois.
Um grupo de várias pessoas saiu do meio das árvores.
Para Takuto, apesar de estar a vê-los pessoalmente pela primeira vez, a sua raça parecia familiar… Eram os Elfos Negros que ele e Atou haviam acabado de discutir.
Notas:
1 – Clareira, às vezes também referida como claro, clarão ou clara, é uma área com pouca ou nenhuma cobertura vegetal localizada dentro de uma floresta ou bosque. Em geral, são áreas onde há presença de gramíneas ou alguma vegetação arbustiva exposta à luz solar durante todo o ano.
2 – Uma Unidade de Terapia Intensiva ou Unidade de Cuidados Intensivos é uma estrutura hospitalar que se caracteriza como "unidade complexa dotada de sistema de monitorização contínua que admite pacientes potencialmente graves ou com descompensação de um ou mais sistemas orgânicos e que com o suporte e tratamento intensivos tenham possibilidade de se recuperar". O profissional que se dedica a esta modalidade de atendimento chama-se intensivista.