Volume 1
Capítulo 34: Tomada de assalto: Parte 5
Jessiah deu o sinal, e os soldados ergueram o aríete. O peso da tensão se misturava ao ar abafado. Aelia, atenta, mantinha a mão firme na espada.
— No meu comando — disse Jessiah, com um aceno breve. — Agora!
O aríete bateu contra a porta, e o som se propagou pelas vielas. A madeira resistiu, mas o impacto abalou sua estrutura. Outro golpe. A porta cedeu parcialmente, após um rangido.
— Tem algo errado — murmurou Aelia, sem tirar os olhos das janelas: enormes vitrais em formato de mosaico, completamente destoantes do restante do lugar. — Eles sabem que estamos aqui.
— Mais uma vez! — gritou Jessiah.
O golpe final arrebentou a porta. Cerca de uma dúzia de homens aguardava do outro lado. Expressões fechadas, armas em punho. O líder deles, um homem corpulento com uma cicatriz atravessando o rosto, avançou um passo.
— Ninguém entra aqui sem permissão, paladinos — disse ele, com voz firme.
Aelia quase sacou a espada, mas Jessiah ergueu a mão, sinalizando para esperar. Ele encarou o líder dos capangas.
— Vocês estão obstruindo a justiça. Saíam do caminho — disse Jessiah, sem desviar o olhar.
— Justiça? — O homem riu, sem humor. — Aqui, a única lei é a de Doo.
— Vou dizer só uma vez — Jessiah deu um passo à frente, com a voz firme. — Vocês saem agora, ou enfrentam as consequências.
Os capangas trocaram olhares rápidos, mas o líder manteve-se desafiador.
— Acham que podem nos intimidar? Estamos prontos para o que vier.
Jessiah olhou para Aelia, que agora segurava a espada com força.
— Estão vendo aqueles aeroplanos? Cada um está equipado com setenta e duas balistas duplas. E, em terra, temos trezentos soldados e cinquenta paladinos de prontidão.
O sorriso do capanga desapareceu, dando lugar a uma expressão de preocupação mal disfarçada.
— O que querem de nós? — perguntou ele.
— Cooperem — respondeu Jessiah com firmeza. — Não estamos aqui para derramar sangue.
Os bandidos abriram passagem. Jessiah, Aelia e o grupo avançaram pela mansão. O silêncio opressivo seguia cada passo.
No salão principal, Doo os aguardava sentado num trono luxuoso, cercado por seus guardas. Ele exibiu um sorriso irônico.
— Bem-vindos, paladinos. A que devo a honra? — disse, com um tom carregado de sarcasmo.
— Não sou paladina — Aelia ignorou o sarcasmo enquanto se inclinava para observar um dos itens espalhados pelo chão.
Doo ergueu uma sobrancelha, mas permaneceu em silêncio, apenas observando.
— Isso aí é um anel de regeneração. Deve valer, no mínimo, novecentas peças de ouro — comentou, antes de se aproximar de outro objeto. — Olha isso, Jessiah. Uma capa de invisibilidade.
Jessiah franziu a testa.
— Como conseguiu tudo isso, Doo? — perguntou, incrédulo.
O homem riu. Sua pele parda e suada brilhava sob a luz fraca.
— Escavando lixo. Vocês ficariam impressionados com o que o pessoal lá de cima joga nas nossas cabeças.
Aelia fitou Jessiah.
— Isso não pode ser sorte. Tem alguém poderoso por trás dele.
Jessiah assentiu lentamente, seu olhar fixo no bandido.
Doo gargalhou, mas não respondeu de imediato. Apenas os observou com uma expressão de desafio. Sua cabeça chata, combinada com as poucas roupas, ressaltava a pele brilhante e os músculos flácidos.
— É um verdadeiro tesouro... — murmurou Jessiah, incrédulo.
Aelia assentiu, observando as riquezas ao redor.
— Jillar tem mais de mil anos. Talvez esses sejam tesouros acumulados ao longo dos séculos.
— Sabe o que mais me intriga? — Jessiah se voltou para Doo. — Como uma só pessoa conseguiu reunir tudo isso, sozinha, e em tão pouco tempo?
Doo deu um sorriso enigmático.
— Quem disse que consegui tudo sozinho?
Jessiah permaneceu em silêncio, esperando uma explicação. Talvez uma frase de efeito, uma provocação. Mas Doo apenas deu de ombros, mantendo o sorriso.
Depois de um tempo, riu — um som que ecoou pela sala.
— Vamos apenas dizer que a sorte tem suas formas curiosas de se manifestar.
— Sorte, é? — Jessiah deu uma risada curta, enquanto olhava ao redor da sala. — Parece que a sua sorte é bastante seletiva, não é mesmo?
— Só quem sabe jogar pode aproveitar as cartas boas — respondeu Doo, com um sorriso largo.
Jessiah se virou parcialmente e puxou Aelia para um canto da sala. Sua voz era baixa e urgente.
— Aelia, preciso que você leve um grupo com você e faça o que estou prestes a pedir.
Aelia hesitou. Depois, olhou de Jessiah para Doo e seus homens.
— Tem certeza? Não acho boa ideia deixar você aqui sozinho.
Jessiah sorriu. Um sorriso tranquilo e confiante.
— Não se preocupe comigo. Faça o que estou pedindo.
Ainda relutante, Aelia começou a reunir alguns soldados, enquanto Jessiah lhe passava instruções em voz baixa. Ela lançou um último olhar para Doo e seus capangas antes de se afastar, com a tensão entre os dois grupos cada vez mais evidente.
Conforme Aelia se afastava com os soldados, Jessiah voltou sua atenção para Doo. Seu olhar estava mais firme do que nunca.
— Agora, onde estávamos?
— Sorte — respondeu Doo, com um sorriso irônico. — A minha sorte.
Jessiah cruzou os braços, apoiando-os sobre o pomo da espada encostada no chão como se fosse uma bengala. Seu rosto carregava sarcasmo.
— Sorte, sim. Tá mais é para exploração de inocentes — ele fez uma pausa. — E uma boa dose de audácia, pelo visto.
Doo inclinou-se para a frente, mantendo o sorriso.
— Audácia? Acho que isso faz parte do jogo, não?
Jessiah deu um passo à frente. O olhar, desafiador.
— Jogo? Que jogo? Aquele em que você manda seus capangas baterem nos que atrapalham seus negócios?
Doo riu novamente. Um som seco.
— Ah, paladino, todos nós jogamos com as vidas dos outros. Veja você, por exemplo. Quantos morreram por causa dos seus julgamentos hoje?
— Todos aqueles que mereceram — respondeu Jessiah, com desprezo. — É a lei. Por que a pergunta? Eram seus amigos?
Doo gargalhou mais uma vez.
— Está com tanta inveja dos meus bens que quer me incriminar de qualquer jeito. Não é mesmo, paladino?
Jessiah estreitou os olhos.
— Inveja do quê? De todos esses tesouros roubados dos moradores do Vale?
Doo deu de ombros, ainda sorrindo.
— Não. Meus itens. Eu só cavei no lugar certo e os encontrei. Não é minha culpa se alguns não conseguem boas oportunidades.
— Oportunidades? — Jessiah avançou, sua voz carregada de ironia.
Doo inclinou-se levemente. O sorriso vacilou por um momento.
— O lixo não é de ninguém. Você não conhece as leis do Vale, paladino. Quem pegar, pegou.
Jessiah cruzou os braços. O tom ácido.
— Então é assim... "Quem pegar, pegou."
Doo assentiu, o sorriso retornando ao rosto.
— Exatamente, paladino. Esses itens vão ser usados para transformar o Vale numa potência.
Jessiah arqueou uma sobrancelha, desafiador.
— Potência, é? De que jeito? Pretende se tornar rei?
Doo riu baixo. Os olhos brilhavam de ambição.
— Sabe, paladino... até que não é má ideia.
Jessiah deu mais um passo.
— Quer saber? Você tem razão. Esses itens devem mesmo ser usados para melhorar essa favela.
Doo abriu um sorriso largo, triunfante.
— Muito bem, paladino. Agora acho que estamos falando o mesmo idioma.
Jessiah manteve-se firme.
— Doo do Vale do Suplício, eu, Jessiah Olivie, o julgo e declaro condenado por extorquir moradores.
Ele fez uma pausa.
— E por restringir o único meio de sustento deles.
— Você terá a vida poupada — continuou, em tom mais grave. — Mas, como compensação, pagará três peças de ouro por morador. O suficiente pelo tempo em que os privou de catar lixo enquanto escavava.
Doo manteve o sorriso debochado. Seus olhos brilhavam de ironia.
— Eu sabia que, no fim, você faria a escolha certa, paladino.
Jessiah o encarou, frio.
— Chame como quiser, Doo. — Seus olhos se apertaram. — A justiça será feita.
Ele se virou e começou a se afastar, os passos pesados. Doo o seguiu com o olhar, o sorriso arrogante ainda no rosto. Atrás de Jessiah, dezenas de soldados invadiam a casa, prontos para cumprir as ordens.
O paladino entregou a sentença a um oficial, que logo iniciou o confisco dos itens. Tudo aconteceu rapidamente.
— Paladino! — chamou Doo, provocativo.
Jessiah parou. Virou apenas o rosto. Os olhos frios.
— O que é, Doo?
O bandido se inclinou um pouco à frente, o corpo ainda largado sobre o trono.
— Posso fazer uma última pergunta?
— Seja rápido. — A impaciência na voz de Jessiah era evidente. Seus olhos fixavam Doo com uma dureza crescente. — Tenho mais o que fazer.
— Por que os soldados estão levando tudo? — Doo arqueou uma sobrancelha, o sorriso quase sumido. — O pagamento já foi descontado, não foi?
Jessiah deu alguns passos à frente, sem tirar os olhos dele. O som das botas ecoou na sala silenciosa.
— Como você mesmo disse, Doo... — Ele falou pausadamente, cada palavra com peso. — O lixo não é de ninguém. Quem pegar, pegou.
Por um instante, o silêncio foi absoluto. Doo manteve o sorriso forçado, mas o brilho de frustração em seus olhos agora era impossível de esconder. Ele recostou-se no trono, impotente, enquanto os soldados davam sequência ao confisco.
Sem mais palavras, Jessiah virou-se de vez. Fez um gesto seco com a mão, indicando que a operação continuasse. Os paladinos e soldados passaram por Doo carregando armas mágicas, joias encantadas e pergaminhos raros — tudo recolhido como prova e compensação.
Doo permaneceu imóvel. O trono que antes simbolizava poder agora parecia apenas uma cadeira pesada.
Jessiah deixou a mansão com passos firmes. O cheiro de fumaça e poeira ainda dominava o ar. Os soldados o seguiam em silêncio, carregando os itens apreendidos em grandes caixas de madeira reforçada.
Do lado de fora, Aelia aguardava. Estava com os braços cruzados, a postura rígida, o olhar preso no céu. Havia tensão em seu semblante, como se algo estivesse prestes a acontecer.
— O aeroplano está quase chegando — comentou ela, sem tirar os olhos da cena diante de si.
O som grave das velas já era audível. No horizonte, a silhueta da aeronave se aproximava, seu casco reluzindo sob os primeiros raios da manhã.
Jessiah parou ao lado dela, observando a embarcação flutuar sobre os telhados da favela. Quando o aeroplano começou a descer, suas velas agitadas empurravam o ar com violência, espalhando fuligem e restos de construção por toda parte.
— Está causando mais destruição do que o necessário — disse ele, franzindo o cenho ao ver o casco rasgar um barraco ao meio e derrubar parte de uma parede com o impacto da rampa de desembarque.
— Isso não vai acabar bem — repetiu Aelia, desta vez com a voz mais tensa. Havia algo em seu tom que lembrava mais frustração do que preocupação.
O do casco contra pedra ecoou com força quando a estrutura da aeronave enfim tocou o solo. Um estrondo final sacudiu o chão.
— Eu sei — respondeu Jessiah, sem tirar os olhos do veículo. — Mas é por uma boa causa.
Ele virou o rosto para ela.
— E como está o Caelinus lá embaixo?
Aelia suspirou. Seu olhar desviou por um instante para as casas destruídas ao redor.
— Ele já está quase terminando os julgamentos. Eles já ultrapassaram as cem execuções. Nunca pensei que veria algo assim.
Jessiah cerrou os dentes. O maxilar se movia com rigidez.
— Cem execuções? — Sua voz saiu mais baixa. — A situação está pior do que imaginei. Nunca achei que os druidas pudessem chegar a esse nível de subversão. Bem debaixo do nosso nariz.
— Verdade — disse Aelia, mantendo o olhar no horizonte. — Mas... isso vai mudar, não vai?
Jessiah a fitou. O olhar era direto e determinado.
— Vai.
Por um momento, apenas o vento soprou entre os dois, agitando os trapos pendurados em cordas e as bandeiras amarradas no casco do aeroplano.
— Você já falou com seu pai sobre tudo isso? — perguntou ele.
— Ainda não — respondeu Aelia, desviando os olhos. — Mas ele me deu liberdade total para agir. Não teremos problemas.
Jessiah assentiu, satisfeito com a resposta.
— Ótimo. Vou descer para dar as notícias ao pessoal. Acho que essas pessoas precisam de algo em que se agarrar... uma esperança.
Enquanto conversavam, os soldados começavam a carregar os itens mágicos para dentro da aeronave. Caixas com runas de contenção eram empilhadas com cuidado, uma a uma, por homens em silêncio disciplinado.
Jessiah observou a movimentação por um instante. Havia um peso nos ombros de todos ali. Nenhum deles queria estar naquele lugar, mas sabiam que era necessário.
— Você tem certeza de que ele vai apoiar? — perguntou Jessiah, com uma ponta de incerteza na voz.
Aelia abriu um sorriso confiante.
— Tenho certeza. Ele não vai se opor às nossas decisões aqui.
Mais tranquilo, Jessiah assentiu novamente. O vento agitou sua capa. O sol agora iluminava os escombros com mais força, revelando a extensão da destruição, mas também o início da reconstrução.
— Muito bem. — Ele ajeitou a espada na cintura. — Que isso aqui sirva de exemplo.
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