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Capítulo 25: Máscara de Magma
Enquanto a batalha contra Adão e a máquina se desenrolava nas profundezas do castelo, Arthur e Sanarion estavam envoltos em sua própria disputa. O embate entre a luz e as sombras continuava, mas agora não apenas no físico, mas também nos dilemas morais que pairavam no ar.
Arthur, segurando a poderosa Excalibur, ainda embainhada, encarou Sanarion com uma mistura de tristeza e determinação. — Sanarion, não pode continuar assim. Essa traição não trará nenhuma solução. Lute contra as sombras que a consomem!
Sanarion, com seus olhos refletindo a luta interna, lançou um olhar penetrante a Arthur. — Traição? Você não entende, Arthur. Eu faço o que é necessário para proteger o que é importante. Adão me mostrou a verdade, e agora eu sou a verdadeira guardiã deste mundo! Ninguém mais irá sofrer no novo mundo!
Sem hesitar, Arthur desembainhou a Excalibur, a lâmina brilhando com uma luz intensa. — Não posso permitir que você siga esse caminho. Se a escuridão te consumir, eu terei que te libertar à força.
Sanarion, sentindo a energia que emanava da lendária espada, sorriu com desafio. — Então, que assim seja! Que nossas espadas decidam o destino desta terra!
A batalha entre os dois amigos se intensificou, cada golpe trocado ecoando no espaço ao redor. Arthur usou sua habilidade excepcional com a Excalibur, cortando o ar com golpes precisos, enquanto Sanarion, ágil e astuta, esquivava-se habilmente. A troca de palavras continuava durante o confronto, com ambos tentando persuadir o outro para seu lado.
— Sanarion, ainda há bondade em você! Lembre-se do porquê você fez tudo o que fez até hoje…
— Bondade? O que é a bondade senão uma ilusão que nos impede de alcançar nosso verdadeiro potencial? O mundo precisa de uma líder forte, disposta a tomar decisões difíceis!
Arthur, sentindo a urgência da situação, concentrou-se em sua espada, infundindo-a com a luz sagrada. — Não posso permitir que você se torne uma ferramenta de Adão.
— ¡El Tigre! — Sanarion, por sua vez, começou a entoar encantamentos antigos, convocando tigres sombríos que se materializavam ao seu redor. Sua figura tornou-se um exército de sombras e invocações, uma manifestação aterradora de poder. — Se você não compreende a verdade, então enfrentará a força dela! — Invocação Fusão! — proclamou ela, enquanto as invocações sombrias se fundiam a ela, criando uma aura sinistra e imponente.
A luta atingiu um novo patamar, com Arthur empregando sua magia sagrada contra a forma sombria de Sanarion. Raios de luz colidiram com sombras, criando um espetáculo mágico no campo de batalha. Cada movimento era uma dança entre a luz e as trevas, refletindo a luta interna que Sanarion travava consigo mesma.
No submundo do castelo, a dança de explosões entre Adão e os quatro lordes pintava um quadro caótico e deslumbrante. Cada choque de poder resultava em uma explosão vibrante, mas Adão exibia uma regeneração que parecia indestrutível.
— Hahaha! Vocês perderam no momento em que eu ativei o Alpha! — debochou Adão, exibindo uma ferida que se curava instantaneamente, desafiando a derrota.
Hayakaz, ao perceber a regeneração, retrocedeu momentaneamente, ciente de que uma vitória exigiria uma estratégia mais astuta. Enquanto isso, Hexoth expressava horror diante da pseudo-imortalidade de Adão.
— Você... Por que iria tão longe? — questionou Hexoth, espantado com a resistência sobre-humana de Adão.
— "Por quê"? Me surpreende que vocês não tenham se tocado ainda! Acho que preciso recomeçar as apresentações... — provocou Adão, descartando seu manto metálico.
Quando o manto atingiu o chão, a verdade se revelou: um corpo avermelhado, musculoso, com chifres de magma e olhos dourados. A máscara caída entregava a identidade aterradora. Elphaseus estava diante deles, um demônio cuja imagem seria uma assombração em suas mentes.
— Não... — Hayakaz, dominado pelo pânico, sentiu seus joelhos fraquejarem. Aquele a quem ele acreditava ter sacrificado a própria vida para protegê-lo era, na verdade, o maior inimigo deles. — Elphaseus...
— A quanto tempo, não é? — Adão sorriu de maneira perturbadora, confirmando que, naquele momento, ele era um adversário implacável.
— Como...? — Hayakaz, ainda incrédulo, mal conseguia aceitar a revelação.
— "Como"? Hahaha! Selar as próprias memórias é mais fácil do que vocês imaginam!
— Você selou suas memórias... Então... tudo aquilo era uma farsa? — Hayakaz lutava contra a dura realidade de que seu amigo nunca estivera ao seu lado.
Rameel, Hexoth e Garrik permaneceram em silêncio. Suas ligações com Elphaseus não eram tão profundas, mas entenderam a magnitude do abalo de Hayakaz.
— Haha... Quem diria, você pode usar a sua cabeça para pensar!
Hayakaz abaixou a cabeça, revivendo os eventos em Mizuhara e as atrocidades causadas por Adão. Sua mente estava em conflito, dividida entre lutar por seus ideais e enfrentar a traição de seu antigo aliado.
— Vocês perguntaram o motivo de tudo isso. É muito simples, eu vou retornar o mundo ao seu estado puro! — anunciou Adão.
Garrik reconheceu essas palavras e voltou sua atenção ao ex-servo. — "Estado puro"? Você não está falando dos Construtores, está?
— Oh! Então você sabe sobre eles, ou melhor, sobre nós!
Naquele instante, uma torrente de informações avassaladora invadiu a mente de Hayakaz. Uma cascata de visões se desdobrou diante de seus olhos, revelando uma narrativa que não pertencia a ele. Imagens vívidas e inquietantes de uma realidade distinta tomaram conta de sua consciência, delineando uma época passada marcada por uma guerra colossal entre humanos e seres alados, um cenário de verdadeiro caos e desordem. Sua mente, inicialmente turva pela avalanche de informações, começou a ser progressivamente envolvida por essa visão, que se desenhava com nitidez crescente, como se uma memória enterrada estivesse ressurgindo das sombras do esquecimento.
Trezentos mil anos no passado, quando a humanidade era uma mera semente de potencial, todas as vidas se entrelaçavam em uma única cidade abaixo das majestosas montanhas. Essa comunidade, inicialmente modesta e discreta, evoluiria para se tornar uma das grandiosas cidades do mundo: Mizuhara, a cidade das águas.
Naquela época remota, a convivência humana era marcada por uma harmonia que transcendia a ganância e a arrogância. Os habitantes não cediam à tentação de dominar tudo ao redor ou de se considerarem superiores uns aos outros. Nesse estágio da história, os humanos ainda não detinham o controle exuberante da magia e da feitiçaria, sendo raros aqueles que possuíam algum tipo de poder.
Ao lado dos humanos, habitavam seres extraordinariamente poderosos, os Construtores. Com pele avermelhada, asas imponentes semelhantes às de pássaros e auréolas majestosas pairando sobre suas cabeças, os Construtores eram os seres que deram origem ao mundo. A coexistência entre esses dois povos era marcada por uma paz duradoura, com os humanos não desafiando os Construtores e estes permitindo que a humanidade prosperasse.
Contudo, esse equilíbrio frágil começou a se despedaçar quando Luciel, o segundo líder dos Construtores, estabeleceu laços com uma humana. Apesar da oposição de alguns Construtores, sentimentos inesperados floresceram, transformando o antes insensível e focado Construtor em algo cada vez mais humano.
Luciel, então, lutou ao lado da humanidade, protegendo-os de calamidades e guiando-os para a prosperidade. Essa colaboração levou os humanos a alcançarem patamares inéditos, tornando-os aliados fortes dos Construtores. No entanto, a visão dos Construtores sobre os humanos permanecia ambígua, considerando-os meras criações em busca de seu criador.
A crescente disparidade de visões entre humanos e Construtores culminou em uma guerra de proporções nunca vistas. Florestas foram incendiadas, montanhas despedaçadas, e lagos azuis transformaram-se em poças de sangue. A sociedade dos Construtores, tomada pela indecisão, se fragmentou entre aqueles que defendiam os humanos e aqueles que buscavam sua destruição. Os irmãos Luciel, o Construtor da Criação, e Sariel, o Construtor da Destruição, lideraram facções opostas, transformando o mundo em um campo de batalha desolador.
Ao término desses conflitos sangrentos, Luciel e os Construtores que apoiavam os humanos emergiram vitoriosos sobre a facção adversária. O campo de batalha estava tingido com as cores sombrias da destruição, enquanto florestas carbonizadas formavam cenários desoladores e montanhas despedaçadas testemunhavam o preço amargo da guerra. Entre os destroços e os corpos caídos, Eva, a Construtora destinada a unir-se a Adão, jazia entre as vítimas. Seu corpo imortal fora ceifado, lançando uma sombra de tristeza sobre o triunfo aparente de Luciel.
Diante da devastação, Adão, tomado pela dor e pela ira, ergueu sua voz em uma praga que ecoou pelos confins do mundo. Essas maldições, impregnadas de emoções intensas e amargas, transformaram os Construtores que antes defendiam os humanos em entidades distorcidas, conhecidas como demônios. A aura de desespero pairava sobre os escombros daquela batalha épica, marcando o início de uma era sombria para a humanidade e os seres celestiais. A história havia mudado, e o mundo estava agora mergulhado em um conflito que transcenderia gerações, moldando destinos e selando o futuro em uma teia intricada de tragédia e redenção.
De volta a realidade, Hayakaz estremecia ao chão, tentando processar todas as memórias que vinham em sua mente. Adão apenas o observava, ciente do mal que assolava o nyancaller.
— Quem diria que uma falha como você chegaria tão longe… — disse Adão, expressando seu nojo em seu olhar.
— Mesmo depois de milênios, você continua carregando seu rancor. É por isso que existe a morte. Você é um cadáver que não aceitou seu destino. — Garrik empunhou seu arco, mirando em Adão. — Permita-me liberta-lo de seu sofrimento…
— Faremos esta uma luta uma morte indolor para você, pequeno sobrevivente perdido… — Hexoth sacou sua espada, a apontando para Adão e declarando seu desafio.
Havia um tempo, muito antes da atualidade caótica, quando Arthur e Sanarion eram mais do que meros oponentes. No auge da amizade, eles compartilhavam risos, sonhos e confidências. No entanto, aqueles laços profundos foram corroídos pelo tempo, transformando-se em ressentimento e mágoa.
No calor da batalha, Arthur confrontou Sanarion, relembrando os dias em que eram inseparáveis. — Sanarion, isso não era o que Hendebrant queria. Você está destruindo a memória dele — declarou ele, uma pitada de tristeza em sua voz. Mas Sanarion, envolta em sua sede de vingança, não estava disposta a recuar.
Enquanto os golpes ecoavam no campo de batalha, memórias do passado emergiam na mente de Sanarion. Ela viu flashes de dias mais leves, quando ela e Arthur compartilhavam risos sob o sol radiante. No entanto, a dor da traição e perda de Hendebrant obscurecia esses momentos alegres.
A determinação de Sanarion permanecia inabalável, seu propósito de vingança persistia. Arthur, ciente da dor que ela carregava, persistia em tentar trazê-la de volta à razão. No entanto, suas palavras eram recebidas com desdém, enquanto Sanarion se lançava furiosamente contra ele.
Enquanto a luta se intensificava, Sanarion relembrou cada detalhe da sua amizade com Arthur, mas seu desejo de vingança era como uma sombra impenetrável. Em um momento de desespero, ela forçou Arthur a empunhar sua Excalibur, pronto para executar um golpe poderosíssimo que poderia custar a própria vida dele.
— Excalibur… — Arthur, enfrentando o dilema de acabar com a vida da antiga amiga, hesitou por um instante. Foi então que Sanarion, mesmo consciente do ataque suicida que a aguardava, tomou a decisão de seguir adiante com seu plano de vingança. Arthur, com pesar nos olhos, desferiu o ataque. — Sangrenta!
Enquanto a Excalibur Sangrenta se abatia sobre Sanarion, ela sentiu o poder devastador do golpe, mas sua regeneração assombrosa adiava o inevitável. No instante antes da morte, Arthur a envolveu num abraço apertado e sussurrou palavras de despedida. — Como seu melhor amigo, e protetor, eu juro que irei lhe acompanhar ao purgatório.
A sala de batalha desapareceu ao redor deles, envolvendo-os em uma aura rubra e dourada de consistência etérea. Enquanto a luz da Excalibur Sangrenta desvanecia, Arthur e Sanarion deixaram para trás o campo de batalha e embarcaram juntos em uma jornada além do mundo dos vivos.
“Desculpem, mas terei que deixar o resto em suas mãos, meus lordes”, pensou Arthur, desaparecendo completamente.
O purgatório os aguardava, um reino entre a vida e a morte, onde esperavam encontrar a redenção que tanto ansiavam. A história de Sanarion e Arthur, marcada por tragédias e escolhas difíceis, agora estava finalizada, eles finalmente poderiam ter o tão desejado descanso em paz que buscavam, ao lado de Hendebrant e seus aliados.