Volume
Capítulo 14: Laço de Família.
— Sanarion?! — Hexoth se pôs entre ela e seus protegidos, empunhando sua espada.
— A quanto tempo, Lorde das Sombras… — respondeu ela, se aproximando lentamente enquanto uma sombra se formava em seu ombro.
— O que significa isso? Por quê está nos atacando? Você é uma traidora!
— Hexoth, você não entende. Eu não os traí, apenas abri os olhos. Os demônios são os verdadeiros traidores, com essa matança descontrolada — respondeu Sanarion, com um sorriso sarcástico.
Hexoth não conseguia acreditar no que via. Sanarion, a mulher que ele havia considerado sua amiga e aliada, estava do lado dos inimigos dos lordes. Ela havia se tornado uma traidora.
Sanarion então fitou Klaus, que rapidamente reparou na sombra em seus ombros.
— Foi você! — disse Klaus, horrorizado.
— Você demorou bastante pra ver isso, não é? O El Ratón te enganou direitinho… — Em um piscar de olhos, o braço mecânico e a espada de Hexoth colidiram, gerando um enorme estrondo ao redor.
— Kagura! Pega o Klaus e fo… — Antes que pudesse terminar, Sanarion aproveitou a falta de força de Hexoth e o arremessou com um golpe de luta livre, o colidindo com a parede. Ela rapidamente saltou na direção de Klaus, que, em vão, também tentou a bloquear, só tendo tempo de levá-la para longe de Kagura, e tendo seu peito perfurado.
— Menos um… — Ela então se virou para Kagura, caída ao chão. — Menos do…
— Não ouse! — A lâmina de Hexoth rapidamente desferiu diversos cortes na pele de Sanarion, a afastando da garota.
— Tsc… Você é insistente dema… — Uma espada de vento surgiu rente ao pescoço de Sanarion, a forçando a se afastar.
— Criação de Espadas: Zephir! — Klaus, mesmo extremamente ferido e com o peito perfurado, se levantou e apontou sua espada de vento contra a traidora. — Não toque na senhorita… Eu sou seu inimigo!
Sanarion se sentiu pressionada pelos ataques de Hexoth e Klaus, que se aliaram contra ela. Klaus não desistia, mesmo sangrando, pois seu orgulho o impedia de perder para ela depois de tudo que ela fez. Mesmo com sua defesa quase impenetrável, Sanarion começou a demonstrar feridas e cortes pelo corpo, o que a fez saltar para se afastar de seus combatentes.
— Argh! Não queria usar isso tão cedo… — No ar, o corpo de Sanarion começou a brilhar, emanando o mesmo brilho de quando invocava uma criatura, e mudar sua forma. — Invocação Fusão: ¡El Tigre!
As pernas e braços de Sanarion começaram a se deformar, assumindo a aparência das pernas e patas de tigre sombrio. Sua transformação se assemelhava com a de Hayakaz, mas não era formada pela esperança e ânimo em seus ombros, apenas por ódio e rancor.
— Cuidado, ela parece peri… — Antes de Klaus terminar sua fala, Sanarion rapidamente apareceu em sua frente e o cortou dos ombros à cintura, não conseguindo parti-lo em dois.
— Tsc… ainda não me acostumei com isso. Eu devia ter partido ele em dois.
Hexoth desferiu diversos golpes, aproveitando a distração de Sanarion, mas ela bloqueou todos somente com seu braço mecânico, desferindo uma chuva de chutes como resposta. A cada chute, Hexoth sentia como se seus ossos fossem se quebrar, quase perdendo sua consciência.
“Droga! Se eu tivesse meus dois braços, eu poderia usar o Desabrochar…”
Hexoth estava caído no chão, sentindo a dor de seu braço decepado. Ele olhava para Sanarion, que se aproximava com um sorriso cruel. Ele pensou em desistir, em aceitar seu destino. Mas então, ele se lembrou da promessa que fez, que nunca mais perderia alguém. Ele se lembrou de como Hen o ensinou a lutar, a usar sua magia de sombra e a nunca perder a esperança.
Com um grito de raiva e determinação, Hexoth se levantou, segurando sua espada com a mão direita. Ele correu em direção a Sanarion, disposto a vingar seu amigo e proteger sua filha. Mas Sanarion estava preparada. Ela ergueu sua garra e a chocou contra a espada de Hexoth, quebrando-a em pedaços. Hexoth sentiu um choque percorrer seu corpo, e caiu de joelhos, sem defesa.
Sanarion riu, e levantou sua garra para dar o golpe final. Klaus observava do chão, mal podendo se mexer. Ele sabia que ela era poderosa demais para que eles vencessem sozinhos, então a visão de Hen veio em mente, o motivando a tomar uma decisão: Klaus era um mago da lâmina, capaz de transformar qualquer coisa em uma espada. Ele e Hexoth sempre competiram um com o outro, desde que se conheceram, tinham personalidades e estilos opostos: Hexoth era calmo e gentil, enquanto Klaus era protetor e agressivo. Eles nunca se deram completamente bem, sempre se provocando e desafiando. Mas eles também tinham algo em comum: ambos queriam proteger Hen.
Ele abriu mão de seu orgulho, e se arrastou até o cabo da lâmina quebrada de Hexoth, quando um brilho se formou ao redor dele. Ele sabia que essa era a única opção, e que não teria volta, e então seu corpo explodiu em mana, moldando a forma do próprio corpo. Ele se teletransportou para a mão direita de Hexoth, revelando sua nova e permanente forma: Uma belíssima espada dividida por preto e branco, sua guarda possuia uma lótus dividida ao meio pelas cores, sua lâmina começava em forma de parafuso, mas terminava em uma lâmina reta com uma ponta semelhante a uma picareta.
“Destrua ela. Por todos nós!”, a voz de Klaus ecoou na mente de Hexoth, o enchendo de determinação
Hexoth sentiu uma onda de energia percorrer seu corpo. Ele sentiu sua magia de sombra se misturar com a magia de luz de Klaus. Ele sentiu seu braço esquerdo se regenerar, e sua espada se tornar mais forte e brilhante.
Hexoth se levantou, olhando para Sanarion, que estava surpresa e assustada, e então gritou: — Henklaus!
Ele avançou, explodindo de mana, sobre Sanarion, e a atacou com cortes de luz e sombra, que rasgavam o ar e o chão. Sanarion tentou se defender, mas era inútil. Ela não podia resistir ao poder de três magos ao mesmo tempo. Ela sentiu suas garras sendo destroçadas, se afastando o máximo possível, voando sobre a cidade abaixo da catedral.
— Droga! Preciso e recu…
— No jardim das sombras, onde a noite domina. Um feitiço de luz, na treva lhe ordena. Lâminas que cortam a escuridão densa. A Lótus resplandece em sua presença. Desabrochar!
O céu foi partido em dois por um corte de energia imenso, dividido pelas cores de preto e branco, um corte tão poderoso que foi capaz de transformar o dia em noite. Apesar de seu fio absurdo, ele não cortou nem mesmo o chão, apenas a escuridão e maldade que ficava em seu caminho.
Sanarion foi pega em cheio por ele, tendo quase todo o lado esquerdo de seu corpo partido em dois. O que restou de seu corpo flutuava acima da catedral e da cidade. Os olhos de Hexoth se arregalaram, seu corpo ja não conseguia se mover para esquivar desse golpe, e ele sabia que não conseguiria sobreviver a isso, nada nessa cidade conseguiria.
— Eu… não… perdi… ainda! — Sanarion levantou seu braço restante, conjurando um enorme círculo de magia acima de todos, um círculo dourado e cheio de letras de uma língua a muito tempo já esquecida. — Curvem-se perante o grande rei, o senhor de todos os…
Antes de terminar seu encantamento, uma fenda se abriu atrás dela, a puxando como um buraco negro, assim desfazendo o enorme círculo acima de todos. Alguns segundos depois, um homem encapuzado com uma máscara preta com chifres e roupas metálicas saiu de dentro da fenda.
— Me perdoe por atrapalhar vossa luta, Lorde das Sombras, mas tenho assuntos a tratar com essa pequena garota inconsequente.
— Quem é você? Foi você que enganou a Sanarion? — respondeu Hexoth, apontando sua espada para o encapuzado.
— Enganar é uma palavra muito forte… Eu diria que eu abri os olhos dela
— Então você é tão asqueroso quanto eu pensei que seria, seu…
— Adão, caro Lorde. Pode me chamar de Adão…
— Não importa como você se chama. Devolva a Sanarion normal!
— “Normal”? Hahahahaha! Não sabia que os Três Lordes também ensaiavam piadas… — respondeu Adão em tom sarcastico. — Ela não poderia estar mais normal. Foi escolha dela me seguir depois de ter descoberto a verdade sobre a Guerra dos Trezentos Anos…
Ao ouvir as palavras de Adão, um choque percorreu o corpo de Hexoth. Esse evento já havia sido mencionado por Elphaseus e Dartanham, mas o fato de não ter memórias sobre esse evento era tenebroso, pois ele sabia que esse foi um grande marco em sua vida.
— O que você sabe sobre a Guerra dos Trezentos Anos?!
— Vejo um interesse em vossa face…
— O que você sabe?! — Hexoth saltou na direção de Adão tentando desferir um corte com sua espada, mas sendo repelido por uma barreira de círculos mágicos.
— Tsc, vocês não mudam… Bom, parece que não vou conseguir o que vim buscar, já que Klaus se tornou essa espada em suas mãos, e acho que não deixarás que eu a leve.
— Nem ouse…
— Correto, correto. Aproveite a vitória enquanto puder, Lorde das Sombras. — Adão deu meio volta e começou a entrar na fenda dimensional. — Mas não se esqueça… Toda vez que você ganha algo, você perde outro no lugar.
Com o desaparecimento de Adão, Hexoth voltou para sua forma original e caiu sentado no chão.
— Uff… O que foi isso do nada…
De repente, um par de braços agarrou Hexoth pelas costas, circulando seu toráx. Era um toque gentil como o de uma flor, mas forte como o de um Orc.
— Uááá… sniff, sniff… uááá! — Kagura então revelou seus verdadeiros sentimentos, se transformando em uma cachoeira de lágrimas.
Os olhos de Hexoth se encheram de alegria ao ver que aquela garota que sempre estava com um olhar mórbido e sombrio demonstrava uma emoção verdadeira, o fazendo chorar junto.
— Não tem… sniff sniff… nada de errado em… sniff… ser você mesma! Você foi muito forte, minha flor… sniff sniff…
Os dois se abraçaram e continuaram chorando por mais alguns minutos, e então, junto com o despertar de um novo dia, dezenas de guardas surgiram ao redor deles, juntos de Hayakaz, acorrentado e exausto da luta na torre vizinha.
Hexoth e Kagura estavam exaustos e feridos, sem esperança de escapar, cercados pelos soldados, que avançavam com suas espadas e lanças. Eles se preparavam para lutar até o fim, quando um círculo mágico surgiu abaixo deles, brilhando com uma luz azul. Eles sentiram uma força os puxando, e desapareceram em um flash.
Eles reapareceram em um lugar diferente, um lugar que reconheceram como o castelo dos Lordes. Eles viram Rameel e alguns guardas os esperando, com expressões de alívio e surpresa.
— Então deu certo! — exclamou Rameel, estendendo a mão para Hayakaz.
— Bem na hora, Rameel. Valeu mesmo — disse Hayakaz, apertando a mão de Rameel.
— Nós somos gratos, senhor — disse Kagura, fazendo uma reverência.
— Então essa é a garota, é a cara da Hen. Cara duma e o focinho da outra! — falou Rameel, coçando seu queixo.
Rameel olhou para Hexoth, que estava calado e cabisbaixo. Ele notou que ele segurava algo em seus braços, algo que parecia uma espada diferente das outras.
— Hexoth, cê tá bem? O que você está carregando? — perguntou Rameel, com preocupação.
Hexoth levantou a cabeça e mostrou o que ele carregava. Era Henklaus, a espada que seu melhor amigo havia dado a própria vida para criar…
— Essa espada… — murmurou Rameel, chocado.
— Sim, o Klaus se sacrificou… — disse Hexoth, com uma voz triste. — Ele morreu para nos proteger. Ele morreu para me proteger.
— Entendo… Meus pêsames? — perguntou Rameel, não sabendo como lidar com a situação.
— Rameel… eu preciso de um favor — disse Hexoth, com seriedade.
— Pode ficar tranquilo. Eu vou providenciar tudo que você precisar. Você pode usar os fundos do castelo. Eu acho que é o lugar mais digno daqui…
— Obrigado, Rameel. Você é um bom amigo.
— Depois disso, eu tenho algo muito importante pra falar com vocês dois.
— A gente entendeu, Rameel, mas depois. Agora eles precisam de um tempo… — Hayakaz segurou o ombro de Rameel.
Hexoth sorriu para Hayakaz, se virou, e saiu do castelo, carregando pedaços de metal em suas mãos. Kagura o seguiu, silenciosamente. Eles caminharam até os fundos do castelo, onde havia um cemitério. Lá, eles cavaram em um dos locais designados. Eles colocaram os pedaços de armadura na cova, o cobriram com terra e colocaram uma pedra sobre a cova, com o nome de Klaus gravado, fazendo um minuto de silêncio.
— Desculpe, velho amigo. Agora você pode descansar — disse Hexoth, com lágrimas nos olhos. — Você foi um grande amigo e um formidável rival, um mestre na arte da lâmina e um verdadeiro herói. Seu legado permanecerá comigo; você me ensinou, fez-me crescer. Mesmo quando descobriu que foi enganado, você doou sua vida, e isso nunca será esquecido. Você permanecerá vivo em meu coração e espírito.
— Adeus, senhor Klaus — falou Kagura, com emoção. — Você foi um grande companheiro, e um grande guerreiro. Você me protegeu, e me apoiou mesmo depois de eu aceitar a execução. Você me divertiu, e me impressionou. Você me deu a sua confiança. Você vai viver na minha mente, e na minha alma.
Hexoth e Kagura se abraçaram, e choraram, se consolando e encorajando. Eles se lembraram de Klaus, e dos momentos que cada um teve com ele. Ao fim do dia, ninguém considerava essa invasão uma vitória, mas sim, o prelúdio de algo muito maior.