Arbidabliu: Infantes Brasileira

Autor(a): Magnus R. S. Alexandrino


Volume 1

Capítulo 01: A Missão

Manhã, 5 de outubro 1575 – Pronuntio. Plagia.

— Pensei que seria ruim o atraso do chefe alvanel com a construção da “escola”, mas ficar ao ar livre nesse tempo maravilhoso está me sendo uma boa situação.

Onilda está em uma das praias de Pronuntio, uma pequena e deserta; nela há poucas ondas, muitas rochas e é um pouco longe da parte populada da ilha de Pronuntio.

Ainda perto dessa praia, estão sendo construídos um campo de treinamento, dormitórios e um casarão que será usado para estudos diversos.

Onilda é uma senhora humilde, otimista, calma e sempre com um belo sorriso para abordar a todos em seu caminho.

— Finalmente ponderei sair daquele cuvico em que aquele lanfranhudo me colocou... Mesmo depois de décadas, eu ainda tenho que lutar contra opressores e tolos que veem a mulher com inferioridade, pena que minha idade não me ajuda tanto quanto antes.

 Onilda está sentada em um tapete simples na areia e um pouco longe da água; ela está admirada com a paisagem e se deliciando com alguns biscoitos, uma fruta exótica e com leite de cor rosada em um frasco generoso; ela arruma seus livros ao lado e comenta com sua coruja que está próxima, brincando de caçar com algum pequeno animal que se aproximou dela nesse meio tempo.

— Deixe o pequeno em paz! Tu comestes há pouco, não sejas assim.

A coruja de Onilda é grande, aparentemente bem hostil, penugem amarronzada com algumas partes de cor vinho, belos e grandes olhos azuis esverdeados e uma pequena faixa preta com algumas escritas em branco amarrada em seu tronco, a coruja obedece a Onilda, se afastando do pequeno animal e se aproxima dela, demonstrando afobação.

Onilda passa a mão nela para acalmá-la.

— Acalme-se, o primeiro dia é cuntatório, tu sabes disso. Depois vemos mais um batráquio para tu...

Onilda se recorda de algo e diz com animação:

— Estupendo... Muitos fatos estão mudando e irão mudar, precisamos estar preparados para o que virá, pois nem tudo será fácil.

A coruja aparenta entender tudo e se acalma com o carinho de sua dona.

— Ótimo, gosto de te ver assim... Olhe! Nossos alunos estão chegando.

Uma jovem com uniforme azul claro de Pronuntio chega com oito crianças aparentemente entre dez e doze anos de idade, com trajes comuns de aldeões; alguns Onilda já consegue identificar que vieram do Grande Continente, deixando-a empolgada com a novidade. A jovem se aproxima de Onilda e a cumprimenta formalmente com grande respeito.

— Mestra Onilda, esses são...

— Por favor, tu não precisaste de formalidade com minha pessoa.

— Certo! Onilda, esses são os selecionados para serem seus pupilos.

Onilda olha para cada um com um belo sorriso e brilho nos olhos.

— Que honra, me sinto prestigiada, fico feliz por vós estardes aqui.

— Deixo-os em suas mãos, Onilda.

— Agradecida.

As crianças estão tímidas; Onilda, percebendo isso, as convida para sentar fazendo sinal com a mão; e com a outra mão ela faz sinal para que sua coruja seja mais simpática e inofensiva.

— Sentem-se, vós já comestes?

As crianças ficam reservadas, respondendo só com pequenos gestos. Onilda analisa e verifica que alguns olham para os biscoitos e os incentiva.

— Peguem! Podeis comer. Estudo requer boa alimentação, para um cérebro robusto, saudável e pronto para aprender mais.

— Cele-bro?

— Cé-re-bro!

Três das crianças pegam biscoitos, e os outros demonstram não estarem com fome.

— Vamos, sentem-se, tem lugar para todos, e comida também.

À frente de Onilda, estão seus pertences, no tapete; à frente dele, há dez grandes toalhas para que todos se sentem e pequenos bancos para serem usados como mesas; sobre os bancos há pergaminhos e papéis em branco, tinta, pena e um copo de água em cada um.

— Isso. Se acomodem. Eu sei que é difícil essa mudança de ambiente, imagino vossa saudade e o receio que sentem, então irei com calma, devemos nos conhecer primeiro, certo?... Vós vos conheceis?

As crianças se olham com timidez, mostrando que não estão familiarizadas umas com as outras, um e outro aparentam já se conhecerem, mas nada tão familiar.

— Percebido...

Onilda pensa um pouco, senta-se no seu lugar e diz, pegando em um de seus pergaminhos:

— Aqui eu tenho vossos nomes, mas infelizmente não há outros dados, como a idade... Bem, veremos quem é quem... Tu!

Onilda aponta para o menino mais próximo e continua falando:

— Pele morena, olhos escuros, cabelos pretos e ondulados...

Um menino mais distante comenta, falando baixo com o do lado:

— Orelhudo, dentuço e magrelo.

Os dois riem, e Onilda continua falando enquanto observa atentamente esses dois.

— Um belo menino, mesmo de cara fechada, me parece ser bem-educado, talvez um empedernido, vou arriscar dizer que tu és o Rupert, acertei?

— Sim... Eu sou Rupert...

— Prazer em conhecer-te, Rupert...

— O que é “empedernido”?

— Empedernido é uma pessoa que não se comove facilmente, me parece que tu te tornarás um homem racional... Fale-me mais de tua pessoa Rupert.

— Eu sou Rupert d'Alba, tenho onze anos, gosto de carne de frango, molho de tomate, salada, e de correr.

— Estupendo! E nesse belo mundo em que vós nascestes, o que queres se tornar quando cresceres?

— Um grande guerreiro.

— Belicoso... Muito bom, vemos então como serás!

Todos ficam sem entender, mas Onilda já tem um plano. Ela dá um sorriso, como se estivesse aprontando alguma surpresa, e lança um feitiço em Rupert. Um pouco da areia ao redor flutua até Rupert e adquire as formas de armadura, elmo, escudo e uma espada; a maior parte desse traje é ilusória, sendo totalmente leve e frágil como a areia utilizada, mas é bem chamativo e bonito, como se fosse feito de um ótimo material. Rupert se vê como um autêntico grande guerreiro e fica extasiado.

— Incrível! Eu sou um guerreiro!

Rupert fica maravilhado com tudo, todos levantam para olhar mais de perto, e ele aponta a espada para eles, falando em um tom de brincadeira.

— Se afastem! Ou vou cortar vocês.

Onilda comenta para si.

— Se cortares alguém, eu que serei cortada da ilha.

Todos riem e se animam com a brincadeira e a magia de Onilda. Um deles ainda está tímido, mas outro menino o puxa pelo braço, motivando-o a brincar com os outros. Onilda vê que está seguindo pelo caminho certo e diz animada.

— Se acalmem, paciência, e agora, quem é o próximo?

Todos ficam afobados querendo ser o próximo, e Onilda escolhe enquanto Rupert corre ao redor de todos, balançando sua espada inofensiva para todos os lados. O menino escolhido fica feliz por ser o próximo, e Onilda o descreve, tentando adivinhar seu nome.

— Tu! Olhos e cabelos claros, cabelo enroladinho, lábios rosados, tu és um menino doce, serás um homem frugal...

— Frugal?

— Frugal e humilde, e vós sois ambos! Perdoem-me por usar algumas palavras antigas, com o tempo melhorarei meu vocabulário com o vosso.

O menino que criticou Rupert anteriormente comenta novamente.

— Ele é sem cor, até parece albino.

Onilda ignora o comentário e opina um nome.

— Tu és Donny?

— Isso! Donny Rubrum!

— Prazer, Donny...

— Eu quero ser um guerreiro! Não! Um guerreiro arqueiro!

— Acontista... Arremessador de acôncios tu serás.

Onilda percebe novamente o uso de palavras difíceis e ri, enquanto conserta sua frase.

— És aquele que atira flechas... Certo?

— Sim, também...

Onilda usa sua magia novamente e veste Donny como um guerreiro, com pouca armadura e um grande arco e flecha. Antes que ele se anime a brincar, Onilda o questiona.

— Antes tendes que falar sobre vós, esqueceu-se disso?

— Sei, eu sei! Eu sou Donny, eu tenho dez anos... Eu gosto de brincar... Gosto de correr, nadar e comer muito, muito doce.

— Estupendo... Agora mostre-me como és um grande arqueiro.

— Sim! Mostrá-lo-ei!

Onilda ri, gostando da resposta, e Donny se une a Rupert enquanto Onilda volta com os outros.

— Vemos esta linda menina, pele morena, cabelos escuros e compridos, olhos bonitos e grandes, tu deves ser Meena.

— Sim, senhora.

Onilda vê que as roupas de Meena são para meninos, achando que ela sofreu algum preconceito ao chegar à ilha.

— Por favor... Essas roupas que tu usas, foste tu quem escolheste?

— Sim, senhora, eu achei mais confortável.

Novamente o menino faz um comentário, agora sobre a aparência de Meena.

— Bochechuda e nada bonita.

Meena faz cara de brava para o menino, parecendo que irá agredi-lo fisicamente, mas, antes que ela aja, Onilda diz, acariciando seus cabelos.

— Meena Viridi?

— Sim!

— Quantos anos?

— Onze.

— E o que vós sereis depois que concluir vosso treinamento?

— Ainda não sei!

— Não? Veja se tu gostas disto.

Onilda usa seus poderes para fazer com que Meena fique com um traje de uma lutadora, pouco metal, muito couro resistente, pano e um bastão bonito e entalhado. Inicialmente Meena só observa o traje sem aparentar muito interesse; o bastão é chamativo e faz com que Meena o admire, vendo vários animais entalhados nele. Com tudo isso, ela acaba se animando e entra na brincadeira com os outros.

— Legal! Gostei, mestra!

Onilda se sente aliviada por ter escolhido algo que deixasse Meena mais solta com seus colegas. Antes de escolher outra criança, ela é abordada por um menino alto, que aponta para outro.

— Ele, professora!

— O que ele tem?

— Ele tem pele clara, olhos puxados, assim como eu, mas os meus olhos são mais claros que os dele... Ele tem cabelo liso, curto e de cor preta, ele é magrinho como eu, mas é mais baixo do que eu.

— Muito bom, e tu sabes o nome dele?

— Sim, ele me falou que é Doug, mas ele está com vergonha.

— Doug Hyacin?

Doug se aproxima, e conversa com Onilda em um tom baixo.

— Sim, senhora, Doug sou eu.

— Que belo nome tu tens.

— Obrigado... Eu tenho onze anos... E... E eu quero ser um guerreiro também.

— Um taciturno... Quero dizer que tu és um menino reservado... Bem, queres que te faça uma armadura igual aos seus amigos ou uma diferente?

— Diferente...

— Certo! Se assim queres, assim terás!

Onilda usa sua magia e encanta Doug, fazendo que ele tenha uma armadura grande e aparentemente pesada, se fosse real; todo o traje chama a atenção dos outros que o admiram e os faz interagirem melhor com ele.

— Que maneiro!

— Olha! É grandona!

— Vamos, Doug!

Doug fica um pouco desinibido, mas, antes de ir brincar com os outros, o menino que o apresentou segura em seu braço gentilmente e diz.

— Espera por mim.

Doug se assusta, olha atentamente para o menino e logo sorri, como se algo nele fosse acolhedor.

— Vou esperar você.

— Obrigado, Doug.

Onilda acha uma situação agradável, mas bem inusitada, comentando baixo para si mesma.

— Adstrito... Que ligação boa esses dois estão tendo... Bonito, mas diferente, crianças desses locais agirem com tanta simpatia assim... Recordo-me de tempos mais pacíficos no mundo.

Onilda vê que o menino ainda está segurando Doug e o aborda.

— Certo, então agora é tua vez.

Ele prontamente diz com ansiedade em ir brincar com o Doug.

— Júlio Surrex! Quinze anos!

— Quinze?

Júlio demostra nervosismo ao dizer sua idade, lembrando que deveria ter mentido, mas afirma com desânimo.

— Sim, senhora.

— Me disseram que estas crianças tinham no máximo doze anos... Depois verei isso melhor... Olhando bem, agora, tu pareces ser mais velho que os outros mesmo...

— Isso é um problema?

— Espero que não...

— Eu quero ser um lutador, igual à Meena, e quero um bastão também.

— Como desejares, Júlio.

Onilda faz um traje similar à de Meena, mas com o bastão diferente, menos chamativo e com traços únicos, suspeitando que Júlio possa gostar.

— Assim?

— Sim... Vamos, Doug!

Júlio puxa Doug para brincar com os outros, todos estão próximos do grupo e de Onilda, que observa atentamente as ações de cada um coletiva e individualmente. Para não perder mais tempo, Onilda já chama outro menino.

— Tu, observes bem.

— Eu, finalmente!

O menino está agitado e animado por ser o próximo e já se posiciona para brincar, falando baixo seu nome, para que Onilda ouça e não demore em adivinhá-lo.

— Jake, Jake, Jake...

Onilda ri e diz rápido sobre a aparência do menino, acelerando a resposta dele, que vem em seguida.

— Baixinho e abnóxio...

— O que é isso?

— Quem tem baixa estatura.

— Não!

Ela ri e responde.

— Abnóxio é inofensivo... Continuando, cabelos dourados e longos, olhos castanhos e claros, você deve ser o Jake!

— Sim! Jake Aurantiacis!

— Me fale mais de tu, Jake!

— Gosto de peixe!

— Frito ou cru?

— Os dois! Também gosto de brincar!

— Brincar de quê?

— Brincar de tudo!

— Tens certezas?

— “Tenos”!

Onilda ri por deixar o menino impaciente e para de retrucar-lhe com mais perguntas, deixando-o terminar sua apresentação.

— Tenho onze anos! Gosto de música! Gosto do mar! Gosto de ler! Eu quero ser um guardião artista arqueiro arbol!

Onilda ri alto e diz:

— Assim é difícil de preparar algo para tu usares agora.

Onilda percebe que Jake não está interessado em um traje específico e o encanta com uma roupa diferenciada, parecendo um músico; parte inferior do traje é curto e a de cima é longa, um escudo parecendo uma harpa e um pequeno machado parecendo um violão.

— Isto está ao seu gosto?

Jake corre para brincar com os outros enquanto Onilda observa os últimos dois; ela aponta para o menino que criticava a aparência dos outros e, antes de falar, é interrompida por ele.

— Eu achei que iria me deixar por último.

— Não, por quê? Queres ser o último?

— Não!

Ele parece emburrado, mas animado para brincar com os outros.

— Tu és Pedro Flavum, tu me pareces mais velho também, tens mais de doze anos?

— Não, tenho doze mesmo.

— Certo. Tu gostas de falar da aparência dos outros...

— Tem uma palavra estranha para isso?

— Jocoso talvez.

— Jocoso...

— Ou apalermado, mas, diga-me, tu consegues falar da sua própria aparência?

— Claro! Pele naturalmente bronzeada, belas mechas de cabelo escuro e enrolado, lábios carnudos e um corpo esbelto.

Onilda sorri e comenta com os outros que brincam ao redor e que estão prestando atenção na conversa.

— Vos concordais com isto? Tendes algo a dizer sobre vosso amigo Pedro?

— Beiçudo!

— Narigudo!

— Nada esbelto... Feio.

— Ele é magrelo de cabelo crespo.

Pedro parece ficar hostil, mas Onilda acalma todos, tornando tudo uma brincadeira.

— Calma, pessoal. É normal sermos diferentes, isso é bom, não é ruim, e como vós sereis um grupo, de agora em diante peço para que não critiquem mais uns aos outros por suas aparências. Podemos tornar isso como vossa primeira regra?

— Pode ser...

— Estupendo! Pedro, és o primeiro a concordar; todos bem com isso?

Todos concordam, e Pedro pede para Onilda.

— Eu quero ser um “Sodam of Smart”!

— Não posso fazê-lo de outra raça.

— Nem com magia?

— Não... Mas farei assim: em que animal tu gostarias de ser transformado, se fosse dessa raça de pessoas que viram animais enormes?

— Um gorila! Grande e forte.

— Certo... Vemos como serás então.

Onilda se concentra um pouco e consegue fazer uma roupa, parecendo uma fantasia de gorila e diz.

— A partir daí, é sua imaginação que agirá, tudo bem?

— Sim, ficou muito bom.

Pedro vai brincar com os outros, e Onilda se depara com o último menino, que a todo o momento ficou calmo e paciente; ela o admira e diz.

— Admirável, certamente tu és o filho de Raquel e Ynascar.

— A senhora conheceu minha mãe?

— Sim, Ray, e teu pai também. É uma honra te ajudar nessa fase de ensino.

Meena derruba Pedro com uma investida e questiona Onilda.

— A senhora não se apresentou.

— Ainda não? Que mal-educada eu fui, então, me desculpem...

— Espere!

— O quê?

— Vamos falar sobre a senhora agora.

— Queres falar de mim? O que podem dizer?

Antes que Pedro falasse algo, Onilda o olha e, balançando o seu dedo indicador, diz para ele:

— Sem palavras grosseiras! Podemos dizer coisas sem prejudicar a imagem ou até a moral da outra pessoa. Sou mais velha e quero respeito... Vamos tentar?

Onilda faz umas luzes mágicas através de seus dedos, chamando a atenção de todos. Eles diminuem a correria e o ritmo da brincadeira para prestar mais a atenção nela e em suas palavras.

— Eu sei que estou acima do peso, vós podeis usar a palavra gorda.

— Mas “gorda” não é ofensiva?

— Não, vós só não podeis usar “Gordo” como algo que limite a pessoa ou a caracterize como alguém inferior a outro ser.

— Acho que entendi...

— Com o tempo, tudo fica mais claro... Podeis falar que sou velha, mas só entre vós, porque sinto-me mal quando pessoas muito jovens me chamam assim, podeis usar isso como a segunda regra?

— Sim, senhora!



Comentários