Indulgência Brasileira

Autor(a): Excamosh


Volume 1

Capítulo 24: Arsenal

Bila e Sisa me olharam como se tivessem encontrado um velho. Esmael, no entanto, soou quando questionei os óculos de visão noturna.

Eu não precisava deles para enxergar no escuro. Nunca precisei.

— Dar uma saída mexeu com a cabeça dele. Pode trazer 4 óculos para nós, Bila? — Esmael pegou no meu ombro e falou baixo: — Seja Frepe, Maverick.

Apenas concordei. Tinha algumas coisas que eu não me acostumava ainda em Inferno, uma delas era que as pessoas não enxergavam no escuro.

Como as pessoas eram capazes de tropeçar à noite? Era bizarro, mas eu compreendia os motivos. 

— Quero um óculos bonito pelo menos. — Sorri para Bila.

Apesar de eu não precisar de algo para enxergar no escuro, o óculos seria útil para aperfeiçoar meu visual.

— Tenho alguns ridículos. Você pode ficar com o pior deles. — Ela achou que eu detestaria isso.

— Se possível, um com a lente quebrada — falei.

— Deve ter algum, mas temos que procurar para descobrir. 

Bila assobiou e os laços se recolheram, possibilitando a nossa passagem. 

Talvez fosse a última vez que ela entraria em sua casa, então ela demorou um pouco para entrar na fenda. Analisou todo o templo dos oberons e foi para frente. 

— Acho que é melhor todos irmos. Minha casa deve ser mais segura do que esse templo atualmente e não quero voltar aqui. — Bila se estendeu pela fenda.

— Eu também não. Talvez um dia voltaremos, mas demorará um pouco — concordou Esmael ao olhar de relance para mim.

Encarei ele também. Quase uma competição de quem pisca primeiro, mas nós dois perdemos ao mesmo tempo.

Sisa apenas nos empurrou para dentro do buraco. Eu e Esmael caímos tortos e fomos parar entre dois espinhos perigosos.

— É assim que se faz. — Bila sorriu para Sisa e elas deram soquinhos. — Vocês estavam parecendo duas tarascas empacadas na entrada. Vamos logo pegar as minhas coisas e salvar o Croc. 

O objetivo de Bila era nos apressar, mas não chegaríamos rápido à casa dela. Teríamos uma rota longa e um Esmael reclamando na minha cabeça se estava chegando. 

Nem Bila sabia responder os questionamentos do xenoprago, pois as fendas mudavam ao longo do tempo. Só de ficar olhando as paredes eu percebi que elas estavam se mexendo.

Com certeza não havia lugar mais seguro do que a casa de Bila.

Depois de um tempo, chegamos a um buraco com luzes de cogumelos bioluminescentes e eu já estava sentindo um cheiro de ferrugem com carne velha antes de entrar no local.

Ali era o arsenal da Encapetuzada e também o seu lugar para jogar tralha. Era grande e confuso de se localizar.

Entre aquele amontoado, estavam diversos equipamentos úteis para salvar o Croc ou eu pelo menos achava que seriam úteis.

Granadas em formato de cacto, cordas que se mexiam e tinham bocas, ferramentas de ossos e criaturinhas enjauladas me pareciam ofensivas, porém nunca vi nada daquilo em Paraíso. 

Sisa e Esmael também ficaram surpreendidos com o tanto de coisa acumulada na toca da garota e tiveram cuidado onde tocavam. 

— Já pensou em jogar fora algumas coisas? — questionei cutucando Bila.

— Da última vez que fiz isso, explodi um lixão inteiro. Há coisas aqui que nem eu tenho coragem de tocar. — Ela pulou entre diversas espadas afiadas e seguimos ela.

— Tenho medo de onde você arruma essas tranqueiras. 

— Algumas coisas eram dos meus pais. O resto eu arrumo entre os lixos e os esconderijos que as pessoas acham que são secretos. Tem bastante coisa que não funciona, então talvez tenhamos que adaptar um pouco, como a minha latinha de fumaça.

— Aquele peido enlatado realmente era seu então. — Esmael pegou uma lata semelhante a da confusão da fumaça.

— Sim. Mas não solte um aqui.

Sisa tirou a lata das mãos do xenoprago e analisamos o que poderia ajudar. Obviamente, dependeremos da Bila para achar algo interessante.

Começamos pelos óculos de visão noturna que eram inúteis na minha visão. Tivemos que mover uma fileira de coisas e, após quase explodir o local, conseguimos achar uma caixa com eles.

Escolhi um preto arranhado. 

Aproximei ele do rosto e ele pulou entre os meus olhos, fixando-se ao meu rosto. Tive medo de perguntar como tirava ele, mas eu não precisei.

Assim que cheguei perto do reflexo de uma barra de ferro para dar uma olhada no visual, o óculos começou a tremer na minha cara.

Ficou impaciente, esticando-se e voltando no meu rosto como um estilingue. Também fiquei maluco e comecei a tentar tirá-lo, mas eu apenas consegui bater de costas nas tralhas de Bila.

Para me conter, Sisa tacou uma corda de vinhas em mim e conseguiu me prender. Ela precisou puxar os óculos com tanta força que fiquei com uma marca vermelha no rosto.

— Acho que os apetrechos de Linfrutes não gostam de você. — Bila pegou o óculos e o colocou de volta na caixa.

— Meu parasita veio com defeito de fábrica. Mil perdões, mas algumas coisas não funcionam com ele. — Esmael chorou nos meus ombros. — Pega algo que não se aloje a você.

— Tem algo que não me agarre, Bila? — perguntei.

— Você pode levar as minhas latas e alguns suprimentos médicos. Tem uma metralhadora e uma escopeta também, mas acho que seriam inúteis na sua mão. 

— Tenho uma mira boa.

— Elas servem apenas para dar coronhada.

 Tive medo se aquelas coisas eram verdadeiras, pois ela realmente tirou algumas armas de uma pilha.

Se tudo aquilo vinha do lixo, fiquei imaginando o que as pessoas usavam em combate. Talvez aquelas pistolas e seus dardos sejam apenas um arranhão do que Inferno era capaz de fazer.

Ainda bem que eu planejava apenas fazer um sequestro reverso do Croc e nunca mais aparecer em Linfrutes.

Só queria levar uma vida tranquila na medida do possível, então usaria o que estivesse disponível para fazer isso.

Comecei a caçar tudo o que pudesse ajudar no meio daquelas tralhas. 

Eu não queria algo letal, apenas utilidades. 

E, como Esmael falou, a maioria das coisas não se encaixava em mim. Apenas algumas coisas que não se acoplavam diretamente ao meu corpo deveriam funcionar.

Tentei utilizar um capacete, ele apertou meu crânio e saiu. Tentei colocar uma luva, ela tentou grudar na minha mão e evaporou do nada.

Felizmente teve duas coisas que encontrei e se encaixaram em mim indiretamente.

Uma delas estava entre as cordas que se mexiam como chocalho. Bem escondida. Tive que levar algumas mordidas fracas para pegá-la.

Quando a peguei na mão, soltei um sorriso satisfatório. Era um estilingue, mas não tinha pedra ou algo para jogar.

A munição era a própria corda, pois era uma espécie de corda elétrica viva. Puxei ela e não levei um choque, mas ao soltá-la quem sofreu foi Esmael.

Zap!

Eletrocutei o xenoprago e ele caiu duro no chão. Obviamente, ele veio para cima de mim com a vontade de estrangular meu pescoço ao levantar, mas a segunda coisa que eu tinha me salvou.

Em cima do armário aberto e quebrado, peguei um gancho de ossos e voei para fora da fenda.

— Peguei minhas coisas, podemos ir? 

— Quando sairmos de Linfrutes você não comerá por pelo menos 2 meses. Não quero nem ser você — reclamou Esmael. 

— Que relação de parasitagem boa, hein? — Bila cutucou Sisa. 

— Não se preocupe. No máximo ele vai me deixar 2 dias trancado no quarto. — Fiquei sentado perto da entrada da toca.

Dava para observar todo o local e as escolhas de Bila, Sisa e Esmael. 

Bila estava com suas latas em mãos, uma pistola dentro de uma bolsa e com uma cesta cheia de frutas que nunca vi na vida.

Ela tacou a cesta para cima e agarrei ela. Eram os medicamentos que eu poderia carregar. 

Na verdade, eram medicamentos entre “aspas” ou italizados, pois eram frutas achatadas de algumas cores. Azul, verde e vermelho. 

— Azul para aliviar dores, verde para curativos e vermelho é para cortes. Pode comer elas ou espremer para passar na pele — avisou Bila.

— O que acho mais impressionante é a data de validade dessas frutas.

— Achei semana passada dentro de um lixo de alguma farmácia por aí. A eficácia não deve ser a melhor de todos, mas é melhor que nada.

Eu nunca tinha visto medicamentos daqueles antes. De onde vim, curar doenças era um pouco diferente e um ato raro de acontecer.

A única vez que precisei realmente ir em um hospital foi quando montei em um arrozfálo pela primeira vez e cai feio no chão.

Lembrei da cara da minha mãe quando cheguei com a cara toda rasgada. Nunca a vi tão alterada. Bons tempos, como os que virão daqui para frente.

Devido às granadas nas mãos de Esmael e um monte de corda envolta de Sisa, ganhei uma confiança positiva. 

Croc seria resgatado com sucesso. Era só entrarmos dentro da toca fedida de Nevi e, pronto, salvaríamos ele.

— Podemos ir! — falei confiante.

Todos olharam com uma cara meio estranha para mim, pois eu esqueci de um detalhe bastante importante.

— Vamos fazer isso de madrugada. Esqueceu?— Bila tacou um travesseiro na minha cara. Tinha de tudo naquele lugar.

— É verdade. Dormirei até lá então.



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