Indulgência Brasileira

Autor(a): Excamosh


Volume 1

Capítulo 23: Preparo

De volta ao Jardim Enervado, eu e Esmael passamos pela porta do templo dos oberons e já nos deparamos com duas pessoas fora do lugar.

Sisa estava dando uma limpeza geral no local, arrumando os bancos e jogando fora as vegetações impregnadas. Bila, no entanto, não estava ali.

Obviamente, Sisa devia ter recusado a proposta de Bila. Tomará que a encapuzada não tenha se enfiado em algum buraco.

Enfrentar aquelas coisas para ir atrás dela seria complicado e talvez improvável. 

Seja lá o que aqueles laços realmente eram, eu tinha medo do estrago que eles conseguiriam fazer. 

Em Paraíso algumas coisas encarariam eles de frente e os deixaria no chinelo, mas nem por isso eu os menosprezava.

Felizmente, eu achava que, mesmo se eu brigasse com Bila, eles não iriam me machucar. 

Na noite que passei na toca da Encapetuzada, eles cuidaram bem de mim.

O único receio meu era da relação deles com Esmael e Sisa. Duas pessoas desconhecidas até então.

Ainda bem que meus receios foram embora quando vi os chifres de Bila no segundo andar do templo. Ela estava me olhando de cara emburrada.

— Acho que sua amiguinha não teve a resposta que queria, — pausou Esmael ao ativar o meliodes — mas a Sisa conseguiu convencer ela.

— Nunca duvidei. 

— O dinheiro não vai servir muito por agora, porém teremos que pagar a multa se quisermos andar com o Croc por aí. Agradeça a chifrudinha por mim. — Ele me empurrou para frente. — Chama ela para baixo.

Eu tinha que convencer Bila a vir para baixo. Não achei dificuldade nisso. Apenas seria chato.

Logo passei sorrindo para Sisa. Ela conseguiu convencer a Bila de alguma forma e eu queria descobrir o porquê.

Subi ao 2º andar e Bila saiu do lugar onde estava para se afastar de mim. 

Ri da cara dela quando ela deu de cara com o fim da sacada.

Ai!

— Esse ai não tinha necessidade. Ao contrário de você, eu não tenho dentes afiados para morder. — Mostrei os dentes. Faltava alguns.

— Chega mais perto que te mordo mesmo. 

— Gostou tanto assim do acordo com a Sisa?

— O acordo foi bom, mas, mas… — Ela moveu o rosto para baixo.

— Mas…

Vi sua boca mexendo por um momento, porém ela parou em seguida. Algo estava preso na garganta de Bila e queria sair.

— Esquece. Só saiba que não preciso matar Nevi se o que Sisa me falou for verdade. 

— Assim, sem querer dar uma de curioso ou de intrometido, como ela te convenceu? — Levantei uma sobrancelha. 

— Ela me prometeu uma coisa. Que assim, sem querer te chamar de intrometido e mandar um não é da sua conta, isso é apenas entre eu e ela. — Ela acenou para Sisa e fez um cadeado na boca.

— Se eu aprender essa língua dos oberons, aí, aí, aí — resmunguei.

— O quê? 

— Disse que temos que descer para dar os próximos passos. Como deve perceber, não voltamos com o Croc.

Com as minhas palavras, as orelhas de Bila abaixaram e ela se aproximou de mim. Ela deu dois tapinhas no meu ombro antes de chegar no andar de baixo.

Reunidos, fizemos uma roda. Desta vez, dava para ver o nosso ambiente nitidamente.

Não sei como Sisa limpou o templo tão rápido, mas tudo estava agradável de se olhar.

Era o momento perfeito para diminuir o impacto dos status do Croc, pois, assim que Esmael começou a dar a notícia do sequestro do barco, Sisa perdeu algumas folhas da cabeça pelo estresse.

Ela devia ter envelhecido 7 estações na brincadeira.

Bila também não ficou nada contente. Todos soltaram uma pitada de indignação. 

Pelo menos Esmael foi rápido em informar o que aconteceu no oshi-oni sem fazer um alarde quando a palavra Box saiu de sua boca. 

— Box? — perguntou Bila entristecida.

— Ela mesma — confirmei e senti uma baba gosmenta no meu cangote. 

— Puta merda — falou a geleia do templo em formato de Box. 

— Sai pra lá, treco feio. — Dei um soco nela e ela desapareceu.

Quando eu sair de Linfrutes e, se algum dia eu voltar para cá, faria questão de colocar a geleia em um pote só pra estudá-la. Ela tá mais para aterrorizante do que traumatizada.

Ao contrário dela, Esmael não brincou com a situação e transpareceu sua rara seriedade ao perguntar se alguém além dele sabia a localização da base da gangue de Nevi.

Ninguém respondeu em afirmativo. 

— Ótimo. Então não terei problemas com idólatras da minha grandiosidade me seguindo atrás do Croc. Resgatarei o barco sozinho — informou o xenoprago com convicção.

— Também vou — eu e Bila dissemos em uníssono. 

— Não quero ser tachado de irresponsável. 

— Em casa seu guarda-roupa vive bagunçado e quer se achar responsável? — explanei.

— É porque não acho minhas roupas com ele arrumado… Não importa. Arrumem suas coisas e se preparem para sair de Linfrutes. Podem me ajudar sem ajudar.

— Creio que podemos ajudar mais do que você pensa. — Bila riu.

Sem avisar ninguém, ela correu para um canto no templo, arredou um pedaço de pilastra e lá estava um dos buracos faunísticos. 

Por que não viemos por ele até o templo eu não sabia, mas tive a certeza que ver aquilo deixou Esmael e Sisa de boca aberta.

Os dois se olharam chocados. Sisa até colocou a mão no rosto.

Fiu!

Bila assobiou e os laços que a protegiam se esgueiraram pelo buraco.

Esmael de imediato concordou com a presença dos seus infiéis seguidores. Além de fendas disponíveis por boa parte de Linfrutes, também poderia usar os laços para salvar Croc.

— Esses são os Laços de Guarda? — perguntou Esmael, aproximando de um dos tentáculos.

— Infelizmente sim. — Bila ficou cabisbaixa.

— Agora entendi tudo. — Ele se ajoelhou na frente da garota e diminuiu o tom de voz: — Podemos usar eles para salvar o Croc.

— Sim.

 Pronto, eu poderia salvar o barco de Sisa com as minhas próprias mãos e mandar a hipopótama para um zoológico sem poças ou rios.

Só teríamos que pensar direito em como executar o resgate de Croc, pois as fendas podem ser úteis para chegar até ele, mas sair com ele por elas era improvável.

Os buracos mal cabiam um adulto como Esmael.

Percebendo a situação, era hora de juntarmos nossos planos.

Qualquer opinião de como salvar o barco seria bem-vinda e, principalmente, como era o covil de Nevi.

— Pensa em uma montanha. Agora pensa em muitos dinamites abrindo buracos nessa montanha. A base de Nevi se formou desse jeito. Ela simplesmente explodiu um buraco de Linfrutes e fez sua toca por lá. É tudo bagunçado e perigoso. 

— Perfeito. Agora esquece isso e me fala quem está protegendo ela, os locais certos e um lugar próximo para que eu e os laços possamos chegar. Já estive lá uma vez, mas esqueci onde é, na realidade, não quero nem lembrar. — Bila tomou uma postura militar.

— Beleza, sargenta chifruda. Fui lá recentemente e não vai ser nada fácil sair. Tem pessoas armadas até os dentes e com dentes, mas nada aterrorizante chega perto de onde o Croc deve estar. Eles têm um laboratório para testar coisas.

— Sei muito bem como é. 

— Tem certeza que quer nos ajudar? — perguntou Esmael ao ver o rosto encolhido de Bila. — Você não precisa. Mas, se quiser ajudar, tudo bem para você sair de Linfrutes?

— Pode parecer que não, mas quero sair dessa cidade — Bila mirou seus olhos para os laços da fenda.

— É isso!!! — exaltei.

Todos me olharam constrangidos, pois soltei um pulo e quase caí do banco, porém quebrei o clima ao sugerir uma estratégia.

Se a gangue de Nevi era tão prejudicial para a cidade, por quê não chamar a polícia de Linfrutes para acabar com ela?

Levei um não tão seco que me senti lambendo a areia de um deserto. Todos me chamaram de maluco, inclusive Bila.

Segundo eles, Nevi tinha influência dentro de todos os buracos de Linfrutes e a pior era que chamar a polícia causaria ainda mais problemas para nós.

Ninguém estava puro em Linfrutes. 

— Talvez Botis… — sugeriu Bila. 

— Não também. Aquele mercenário de merda deve estar em outra região nesse momento. Deve ter se aposentado na realidade. — Esmael riu e viajou em seus pensamentos.

Ótimo. O quarteto nada fantástico contra tudo e todos, não tem como dar errado.

Pelo menos tínhamos os Laços de Guarda para equilibrar o jogo. Obviamente, não queremos ser percebidos, mas eles ficariam na contenção.

Nosso objetivo era pegar o Croc na surdina e sair de Linfrutes sem ninguém perceber.

— Vamos pela madrugada. — Esmael apontou para as horas do seu meliodes.

— Acho uma boa ideia. — Bila olhou para Sisa. — Ela também concorda. Tenho até algumas coisas na minha casa que podem nos ajudar.

— Bonecas ou bichos de pelúcia não ajudarão. Seus laços já servem.

— Tenho uma bazuca e algumas granadas lá em casa. 

— Quê? — Fiquei abismado.

— É mentira, não tenho uma bazuca. Mas alguns explosivos caíram bem e acho que tenho até coisas melhores: óculos de visão noturna.

— Óculos de visão noturna? — Tá aí, palavras que eu não fazia ideia da existência ou quase isso.

— É. Vai ficar mais fácil enxergar no escuro.

— Vocês precisam de óculos para ver no escuro?



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