Volume 1
Capítulo 2: Testes e Esclarecimentos
Apesar do Rei Demônio escolher a dedo os demônios mais fortes de seus respectivos círculos, para fazerem parte de sua guarda pessoal, eu de longe sou um dos mais fortes demônios do quarto círculo do inferno, Ganância e Avareza — sequer era forte, tanto é que por isso era um coletor de almas, não um torturador.
Fui escolhido, pois, diferente dos demais demônios do meu círculo, tenho uma ganância um tanto… peculiar.
Sei que nem tudo que reluz é ouro, então desejo tudo que não posso tocar, tudo que não é material e que não habita este plano. E, para alcançá-lo, utilizo a escrita.
Sabe, são por momentos como os de agora que almejo cada vez mais.
— HAHAHAHAHAHAHAHAHA!
— Hihihihihihi!
— Ha… ha… ha… ha…!
Quando a leitura da história que escrevi anteriormente chegou ao fim, risadas de todos os tipos ecoaram no covil do Rei Demônio e preencheram o vazio onde supostamente deveria haver uma alma lá — demônios não têm uma.
Não escrevo comédia, e aqueles risos não são de sarro por eu ter escrito um texto ruim — nunca escrevi um. São risadas genuínas de diversão dos diversos demônios presentes no local e, naturalmente, do Rei Demônio em seu trono.
— HAHAHA! ESSA DE LONGE FOI A SUA MELHOR HISTÓRIA, ESCRITOR. — Por favor, Vossa Majestade, elogie-me mais! Toda essa glória transborda o meu ser…
— Por que não me disse antes que escreveria sobre um contratante seu, hihihi? — perguntou, em meio aos risos, uma de suas cabeças.
— Ora, não achei que Vossa Majestade fosse gostar de — Biografia — ter a sua surpresa estragada.
— Hm, e fez muito bem, escritor! Mal posso esperar pela continuação… — “Continuação”?!
— E-eu não entendo, Vossa Majestade. De todas as histórias que te contei, por que apenas dessa deseja uma sequência?
Estou tão acostumado com esse padrão que anteriormente escrevi um texto looongo e fechadinho em si. Planejava até me livrar dele assim que terminasse de contar a história.
— VOCÊ TERMINA COM UM BAITA GANCHO E AINDA ME PERGUNTA? HIA… HIA… HIA... — Aquele era um final fechado, caramba, você quer criticar o modo como eu conto as minhas histórias!? — ALÉM DO MAIS, ME IDENTIFIQUEI COM ESSE PERSONAGEM, ACHEI ELE INTERESSANTE. GOSTARIA DE VER ATÉ ONDE ELE VAI COM ESSA IDEIA DELE…
Hm, de fato, Frederico era uma pessoa interessante. Mas apenas sobre o ponto de vista que eu criei, pois desde o começo ele foi uma pessoa bem ordinária.
Quando veio ao mundo, estava muito fraco, os médicos não acreditavam que ele iria viver por muito tempo. Logo seus pais oraram e prometeram que, caso sobrevivesse e fosse curado, seu enfermo bebê viraria padre quando crescesse.
O milagre veio e, graças a essa promessa, Frederico teve uma vida boa, pois nunca precisou se preocupar com notas altas, estudo, vestibular ou o que fazer no futuro — afinal isso já estava definido.
Aproveitando-se de seu carisma e beleza, curtiu a sua adolescência ao estreitar seu relacionamento com seus amigos e paquerar várias meninas de sua escola — ele era popular nela.
Nunca sofreu ou praticou bullying ou qualquer outro tipo de humilhação, suas notas eram boas o suficiente para não ser chamado de burro e, em casa, tinha pais presentes, que o amavam muito.
Boa parte de seu julgamento da sociedade vem de suas análises frias de sua vida simples e pacata. De resto, vem dos seus estudos de Filosofia no Seminário Católico do qual foi assim que finalizou o Ensino Médio.
— Pois bem. — Determinado, ajoelhei-me diante do Rei Demônio. — Se esse é o desejo de Vossa Majestade, farei dessa história uma novel de quantos capítulos forem necessários para a sua conclusão.
Seja como for, caso me canse dele, posso cancelar o seu contrato a hora que eu quiser. Farei isso assim que Frederico chegar a uma encruzilhada, como um coma ou uma prisão perpétua… ou quando a história começar a ficar chata, mesmo.
— Peço vossa permissão para retirar-me daqui voando. Começarei o capítulo dois agora mesmo. — Como se eu já não tivesse começado a escrever há algum tempo…
— VÁ E NÃO VOLTE ATÉ QUE ELE ESTEJA TOTALMENTE PRONTO.
Faço uma reverência e me levanto. Abro minhas asas e olho para cima. Um vórtice roxo se abre no teto da caverna, e eu voo até ele.
***
Muita coisa devia ter se passado com Frederico desde a última vez que o vi. Isso porque o tempo no inferno fluía diferente do que no mundo humano.
Aqui, 1 segundo equivale a 1 minuto no plano mundano, 1 minuto, a 1 hora, 1 hora, a 1 dia, e assim por diante.
Não fazia ideia do que estava acontecendo com ele, então, antes de efetivamente surgir ao seu lado, vasculhei as memórias do seminarista — isso se ele ainda era um.
Bem, vejamos… Após minha saída do local, achando que o que tinha escrito já estava bom, o homem ajudou a criancinha a chamar os pais dela para vir buscá-la.
Nisso, o garotinho contou a eles tudo o que aquele velho fazia com ele e sobre o que aconteceu naquela noite.
Seus pais, revoltados, foram à delegacia e fizeram um boletim de ocorrência.
Chamaram Frederico para prestar depoimento e, após ser liberado, a polícia considerou o “padre” um foragido da lei.
Investigaram a casa dele e acabaram descobrindo algo muito maior: uma rede interna de abuso sexual, onde alguns alunos, professores e membros da coordenação faziam parte.
Com o decorrer do caso, todos os envolvidos acabaram tendo seus nomes revelados e espelhados pelo Seminário, através de fofoca, boca a boca, antes mesmo de eles serem presos — foram acusados, mas respondiam em liberdade.
Desde então, Frederico vem utilizando meu poder e obtendo resultados… só não sabia como, pois nunca havia lhe ensinado a como utilizá-lo propriamente.
Quando enfim cheguei no mundo humano, surgi em um quarto rústico e minúsculo. À minha frente, estava o ainda seminarista sentado a uma escrivaninha.
De costas para mim, ele escrevia, com uma pluma, algo em um pedaço de papel. Depois, tirava um palito de fósforo de uma caixinha que tinha consigo e queimava os dois. E, por fim, jogava-os em uma lixeirinha ao lado.
A chama ardeu por um tempo, mas logo se extinguiu. Tal incêndio controlado me deixou curioso. Como ele havia descoberto a forma de ativar o meu poder?
— Cof cof — soltei uma tosse forçada.
De repente, como se estivesse se sentindo observado, o seminarista parou o que estava fazendo e, na maior calmaria possível, virou-se para mim.
— Oh! É você…
— Narrador, chame-me de Narrador. Afinal, meu nome verdadeiro, em minha língua nativa, não pode ser pronunciado por humanos, nem ouvido por eles, sem que fiquem loucos…
— Certo... O que está fazendo aqui? Achei que nunca mais o veria… — Também achei, meu querido, mas os planos do Rei Demônio eram outros…
— Nada demais, apenas vim aqui conferir o que tens feito ultimamente.
— Hmm, então você percebeu… — “Percebi” o quê? — a quantidade de pessoas que têm ido parar no inferno, ceifadas pelo seu poder.
Não… — Exatamente.
— Bom, como fizemos um pacto e é seu poder que está envolvido nisso, creio que realmente lhe deva alguma satisfação…
Mentiroso, podia ver uma certa alegria em seus olhos ao me ver. Aposto que acertou no chute como arrastar alguém para o inferno, mas não sabia exatamente como o meu poder funcionava e quais as suas condições.
— Tudo começou após a sua saída. Fiquei dias em claro arquitetando um plano que fizesse com que eu alcançasse meu objetivo… E foi após a descoberta daquela rede interna de abuso sexual que eu decidi colocá-lo em prática.
“Primeiro, iria começar a punir pecadores, em especial, criminosos. Porém havia um grande obstáculo que me impedia de fazer isso: o meu confinamento.
“Quando se é seminarista, você fica 8 anos de reclusão do mundo exterior, completamente focado no Seminário.
“Seu contato com os pais seria mensal, através de cartas, e seu contato com tecnologia seria limitado à sala de informática, onde havia limite de tempo, sites bloqueados, vigilância constante e agenda de dia para poder mexer no computador, e à sala de recreação, onde podia jogar alguns jogos livres para o público em um videogame e ver alguns canais religiosos na televisão.
“Em geral, ficamos a par das notícias, exceto quando são de nível nacional ou mundial. No entanto, para minha sorte, havia outra forma de conseguir elas: através das fofocas que circulam o Seminário.
“Por ser algo interno, todos só falavam daquela rede de abusos, então faria deles o meu primeiro alvo. Em um dia, peguei o nome dos supostos envolvidos no esquema.
“Porém um novo problema surgiu: não fazia ideia de como ativar o poder que me foi concebido.
“A princípio, achei que era só escrever o nome completo deles em uma folha de papel e deixar a magia acontecer… mas nada aconteceu.
“Ninguém foi arrastado para o inferno, muito pelo contrário! Através das fofocas, descobri que eles haviam sido acusados pela justiça e respondiam em liberdade.
“Em um ato de desespero, tentei entender o que fiz de errado e forcei minha memória para tentar me lembrar se aconteceu mais alguma quando usei o poder pela primeira vez.
“E foi aí que me toquei: após escrever o nome completo, o papel e a pluma viraram cinzas. Precisava criar o mesmo efeito, então escrevi o nome completo e ateei fogo no papel e no objeto que usava para escrever.
“O resultado? Pude ouvir através das fofocas que a pessoa, cujo nome eu havia escrito, desapareceu. Claro, não acreditei de primeira, poderia ser uma mera coincidência.
“Então testei mais vezes e… sucesso! A mesma coisa aconteceu.”
— Hmpf.
— Hm? O que foi, Narrador? Parece meio cético…
— Você também estaria se soubesse, assim como eu sei, como funciona o meu poder. É difícil acreditar que, através de fofoca, você tenha obtido o nome completo de todos os envolvidos. E me parece bem estranho você ter conseguido arrastar tantas pessoas para o inferno, porque, assim, você poderia não ter conseguido logo na sua segunda tentativa, mesmo que tenha executado quase corretamente o processo de ativação do poder…
— Ah, sim, entendo. Pois bem, irei esclarecer as suas dúvidas. O primeiro é que eu não consegui “o nome completo de todos os envolvidos”. Consegui só de alguns. O resto obtive apelidos, primeiros nomes e o cargo que eles exerciam aqui no Seminário. Mas foi graças a isso que obtive o nome completo de todos eles.
Frederico fechou um enorme livro que estava em sua mesa, pegou-o e o mostrou para mim.
— “Anuário do Seminário”?
— Todo ano eles reúnem as turmas e o corpo docente para fazer um desses. E este ano não foi diferente. Fizemos em abril e só o recebemos agora, nos últimos meses do ano. Aqui, temos a foto de todo mundo, com os seus respectivos nomes completos, apelidos e os cargos que exerciam.
— Kikiki, entendo… Mas então, me diga, e a respeito da segunda coisa que eu apontei?
— Ah, bom… Imagino que isso seja o algo que vem me quebrando a cabeça para tentar entender… Curiosamente, não consegui arrastar alguns para o inferno, mesmo tendo feito tudo direitinho.
“Minhas primeiras vítimas, os primeiros nomes completos que obtive e que efetivamente consegui arrastar para o inferno, eram pessoas em cargos importantes aqui, cargos altos.
“Mas os que eu não havia conseguido eram alunos, seminaristas assim como eu. E, sinceramente, não sei dizer ao certo por que isso ocorre…”
Frederico mordeu a ponta de uma nova pluma, que havia pego e estava segurando, e começou a pensar em um motivo plausível para isso estar acontecendo.
Para minha infelicidade, todas as suas teorias estavam erradas, e parecia que logo, logo, fumaça ia sair de sua cabeça de tanto pensar.
— Aff… — soltei um suspiro ao notar a estagnação do meu protagonista. Por orgulho, ele nunca iria pedir a minha ajuda. Precisaria eu oferecer a minha ajuda para ele.
Era necessária a minha intervenção para fazer com que essa trama se desenvolvesse, de um jeito que não tirasse o risco da história, que não fosse um Deus Ex Machina e que não fizesse os leitores abandonarem a leitura, por acharem forçado demais.
Ponderei por um momento, até notar uma pilha de moedas em cima da mesa de Frederico.
Kikiki, já sei! Mal podia esperar pela reação que ele teria com a ação que eu iria fazer…
— Humano — Apontei para a mesa —, poderia me dar essas moedas?
— Hã? — Ele olhou para a pilha. — Ah, claro, mas… por quê?
— Entregue-as a mim e verás.
— Tá bom…
Relutante, o seminarista as pegou e as deu para mim. Em uma tacada só, coloquei-as na boca e engoli.
— Hm, delícia~
— Hein?! Mas o quê… — Seu rosto ficou pálido, em choque. Faltou só se levantar da cadeira, assustado. Era essa a expressão que eu tanto esperava, kikiki.
— Existe um motivo para nós, demônios Avaritia do tipo Ganância, acumularmos tanto dinheiro. Como deve imaginar, no inferno o dinheiro não tem valor, não tem importância. Compramos nada com ele. Sua única função é ser devorado. Sim, nós comemos dinheiro. Cada nota e moeda possuem gostos diferentes. Traduzindo para uma forma que você, humano brasileiro, entenda, enquanto uma moeda de 5 centavos equivale ao gosto de arroz, uma nota de 200 reais equivale ao gosto de caviar.
— Certo, certo. Mas e daí? Por que eu preciso saber disso?
— Porque quero que saiba que estou disposto a oferecer a você informações e dicas em troca da quantia em dinheiro que eu desejar. Esta informação que dei foi em troca da pilha de moedas que você me deu. Se queres saber como funciona o poder que tens, posso fazer um precinho camarada para ti…
Frederico recuperou a postura e pensou por um momento em minha oferta. Ideias vinham e iam de sua mente, até que uma chegou para ficar. Seu conteúdo… era surpreendente!
— Agradeço a proposta, Narrador… — Ele baixou a cabeça e lançou um olhar afiado para mim. — Mas creio que terei que recusá-lo, pois agora sei como o seu poder funciona.
Eu não podia acreditar… — A-aé? Então me fale, como ele funciona?
— Estudei um bestiário no meu primeiro ano de Seminário, que dizia que demônios tinham poderes padronizados. Espécies diferentes tinham poderes diferentes, mas uma mesma espécie tinha o mesmo poder. Logo, de acordo com o livro e com o que você me disse, eu posso concluir que apenas posso arrastar para o inferno pessoas em cargos superiores ao meu, em uma hierarquia acima da minha. Estou certo?
Seu raciocínio lógico era incrível. Doía-me ter de dizer isso, ainda mais sobre um humano, mas Frederico era realmente inteligente.
— Hmpf. — Lá se vai meu rico dinheirinho…
— Vou considerar isso como um “sim”, hehe. — Desgraçado. Saibas tu que não era necessário queimar a pluma. Na primeira vez, foi por mero capricho meu, liberdade artística, por assim dizer. Mas jamais te diria isso! A não ser que me pagasse, é claro…
Tendo resolvido o quebra-cabeça que tanto lhe impedia de prosseguir, Frederico colocou o livro sobre a mesa, abriu-o e olhou para os rostos de seus alvos, com uma nova perspectiva.
— Esse poder é intrigante. Se eu estiver certo, poderia observar as hierarquias que estou inserido como indivíduo e aumentar o escopo do meu poder… Poderia matar meus pais e qualquer um que estivesse acima de mim na minha árvore genealógica, de acordo com a hierarquia familiar, e poderia matar qualquer um em uma classe social maior que a minha, de acordo com a hierarquia social…
— Bom, sim… — OLHA ISSO! NEM EU SABIA QUE ISSO ERA CAPAZ!!!
— Porém…
Frederico tirou os olhos do livro e inclinou a cabeça, observando o teto de seu quarto próprio. Uma forte melancolia o atingiu de repente.
— Esse poder é falho, no sentido de que não poderei arrastar para o inferno os alvos restantes, pois eles não são meus parentes, devem estar na mesma ou menor classe social que eu e, de acordo com a hierarquia institucional, estamos no mesmo nível aqui no Seminário: estudantes.
O seminarista sentiu um certo gosto amargo na boca. Queria fazer algo, mas não podia. Esse sentimento de impotência, porém, foi logo suprimido por um pensamento otimista que teve.
— Aff, mas tudo bem. Ouvi boatos de que esses alvos que sobraram acabaram assumindo o crime e se entregando. Devem ter escutado os rumores do desaparecimento dos demais envolvidos e ficaram com medo… Sabe, isso me deixa feliz. Eles se fizeram isso pois sabiam que seriam punidos. Agradeço a Deus por ter me concedido essa experiência. Faz-me pensar, por uma intervenção divina, que meu plano realmente pode funcionar…
E, então, Frederico soltou uma risada maléfica, que deu nojo em mim, um demônio.
Quantos humanos que fiz pacto já não fizeram isso? Precisava cortar as suas asinhas, antes que ele caísse na mesma mesmice de sempre.
— Kikiki… Você acha mesmo que isso foi obra de Deus? Então diga-me, para onde achas que vai quando deixar este mundo?
— Oras! Para o céu, é claro!
— Mas esse não é o destino daqueles que fazem pactos com o diabo…
— Sei que não, mas acredito que Deus me perdoará e me levará para o Paraíso, por todo esforço que fiz por Ele aqui na Terra.
— Pense o que quiser, mas verdade seja dita: todos que usam do poder do diabo acabam mortos e indo parar no inferno. E com você não será diferente. Um dia, quando eu me cansar de ti, escreverei o seu nome completo em um papel, queimarei-o e, assim, cancelarei o nosso pacto. Morrerás na hora. Esse mesmo poder que usas será a sua perdição.
— É mesmo, é? Veremos…
Frederico me encarou nos olhos, e eu encarei de volta. Quem ele pensava que era!? Sua postura estava ereta; seu nariz, empinado. Sentia-se, por algum motivo, superior a mim.
Um silêncio se formou na sala e, como quem queria mudar de assunto, o seminarista colocou a mão no bolso e de dentro tirou uma carteira.
— Vem cá, Narrador, você disse que fornecia informações e dicas. Mas você também executa ações, serviços, ajuda no geral, caso eu peça?
Que mente brilhante… Então você viu em mim uma oportunidade de burlar o seu problema de acesso a notícias de fora, kikiki…
— Depende do que você me pedir…
Frederico logo abriu a carteira e dela tirou um bolo de notas de vinte e cinquenta reais.
— Aqui tem exatamente 300 reais, e eles serão seus caso você traga para mim uma pilha de jornais atuais.
Quando foi que ele pensou nisso? Enquanto nós discutíamos? Bom, seja como for, deveria tirar meu chapéu para ele por transformar um simples elemento para avançar a trama em um mecanismo dentro dela.
— Você tem certeza que deseja me dar essa quantia tão alta em dinheiro? Olha que daqui para frente lhe cobrarei o mesmo valor sempre que você me pedir isso, hein.
Frederico não me respondeu, manteve-se em silêncio, pois seus olhos já diziam tudo. Era possível ver dentro deles uma chama que ardia em determinação.
— Pois bem. — Peguei o dinheiro de suas mãos e o guardei em meus trajes. — Peço que me acompanhe e me mostre a saída deste lugar. Realizarei esse serviço agora mesmo!
O seminarista soltou um sorriso de canto e assentiu com a cabeça, levando-me até a porta de seu quarto.
Quando a abriu, uma imagem surreal se formou à minha frente. Um lindo jardim — digno de ser do próprio Éden, se me permitem o comentário — se estendia até um portão de barras de ferro.
Do outro dele, para a minha surpresa, havia uma longa rua, repleta de casas antigas, poucos prédios de no máximo dois ou três andares e comércios dos mais variados tipos.
Tal paisagem fazia-me crer que o local onde me encontrava estava no meio do Centro de alguma cidade do interior.
Essa dissonância era um tanto cômica. Lembrava-me de uma antiga história nostálgica de quando um casal, enganados por uma serpente, foram expulsos do paraíso…
— Aqui fica a saída — declarou Frederico.
— Pois bem, vou indo nessa. Adeus!
— “Adeus”? Creio que você quis dizer “até logo”.
— Kikiki, de fato. Não se preocupe, humano. Desta vez, voltarei o mais rápido que puder. — Afinal, você era o mais novo queridinho do Rei Demônio.
Abri minhas asas e alcei voo à procura daquilo que me foi pedido.
Após muito explorar, acabei por encontrar uma velha banca de jornais em uma pracinha num canto mais remoto da cidade.
Olhei para os dois lados, para me certificar que havia ninguém passando por perto, e então entrei nela.
Em seu interior, residia apenas um homem de barba grisalha e barriga de chopp, que brevemente tirava um cochilo.
Logo, sem pensar duas vezes, roubei o máximo de jornais que pude.
O funcionário chegou a acordar, assustado, mas já era tarde. Quando levantei voo e deixei o local, tudo o que ele podia fazer era ficar perplexo sobre o que poderia ter acontecido.
O processo de retorno foi cansativo — apesar de demônios não poderem sentir cansaço.
Como eu gostaria de surgir ao lado de Frederico através de um portal… Pena que ele só funciona como uma maneira de sair do inferno e ir para o mundo humano, e vice-versa…
Quando enfim cheguei em seu dormitório, o seminarista parecia me esperar. Ele se encontrava mais ou menos no mesmo lugar de quando me escoltou para fora de seu aposento.
— Ah! Assim não! — reclamou ao me ver. Suas sobrancelhas levemente se franziram em raiva.
— O que foi? Eu apenas trouxe os jornais que você me pediu.
— Sim, mas do jeito mais chamativo possível! A maioria das pessoas não conseguem te ver, mas todas poderão ver um monte de jornal voando sozinho, do nada, até mim.
— E daí? É só dizer que o vento os trouxe até você.
— Se fosse uma única folha, de um único jornal, até poderia dizer isso. MAS UMA PILHA COMPLETINHA, COM TODAS AS PÁGINAS, NÃO DÁ, É FISICAMENTE IMPOSSÍVEL!
— Certo… e o que eu tenho a ver com isso? Você me pediu que eu te trouxesse os jornais, e eu trouxe, ponto. Se quiseres que eu seja mais discreto na próxima vez, eu serei. Mas cobrar-te-ei mais caro por isso.
— Tá, tá, que seja… — Frederico recuperou sua postura. — Só não te peço outro serviço agora porque estou sem dinheiro e vejo que o que você tem aí já é o suficiente para alguns dias...
— Pois bem — Entreguei as pilhas de jornais para o seminarista —, creio que não sou mais necessário aqui. Agora sim, adeus.
Um vórtice roxo surgiu abaixo de meus pés. — E-espera! — mas Frederico me impediu de prosseguir com meu teletransporte.
— Que é? — Ele parecia ansioso, ao mesmo tempo que humilhado.
— A-ah, é que… quando eu terminar de escrever os nomes… como posso ir atrás de você?
— Ora, não te preocupes, meu caro. Quando a hora chegar, não é você quem irás atrás de mim, mas eu quem irei atrás de ti. É sempre assim, você sabe…
Lancei um sorriso maquiavélico para ele e lentamente fui sugado para dentro do vórtice.
Havia terminado o capítulo, e estava na hora de mostrá-lo para o Rei Demônio!
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