Hinderman Brasileira

Autor(a): Oliver K.


Volume 1

Capítulo 7: Hoje é o Dia

 — Hoje é o dia.

 — Hoje é o dia. — O Gary brindou sua cerveja.

 Sempre alegre, não importa a situação. O Gary é mesmo um típico mercenário. Hoje era o dia de fazermos o nosso terrível trabalho e ele estava entusiasmado.

 Já eu não compartilho o mesmo sentimento. Eu não gosto do que faço. Digo... Eu gosto da parte da ação e tudo o mais, inclusive sou bom nisso. Mas seria mentira dizer que não me sinto mal pelo que faço. Infelizmente a gente acaba se acostumando. Temos que abraçar o que a vida nos dá.

 Ainda bem que hoje não se tratava de nenhum acerto de contas com gente inocente. Querem saber qual a missão de hoje? Conseguir o convite de Arthur Cooper, aquele para o torneio clandestino da Arena, que estava sob a posse da polícia. Invadiríamos o prédio do DCAE, conseguiríamos o papel e daríamos o fora dali. Esse era o plano.

Ainda tínhamos que esperar quarenta minutos até a secretária supostamente estar sozinha no prédio, e meu coração já estava palpitando rápido. Por mais que se faça dessas operações com certa frequência você nunca se acostuma de verdade com elas. Olhei meu relógio.

 — Trinta e nove minutos.

 — Relaxe, Spikey. Nada vai dar errado. — O Boe estava fumando um dos seus cigarros favoritos, aqueles lights não sei o quê.

 — Espero que não. Se formos vistos hoje não tem mais como morar aqui em Sproustown. Uma coisa é ser visto uma vez ou outra por um cidadão normal. Eles esquecem rapidamente. Mas hoje é um ataque direto no prédio da polícia de casos especiais. Eles são peritos em seres paranormais logo vão saber o que está acontecendo. E as câmeras não esquecem.

 — De acordo com a informação que conseguimos no sábado, hoje é o dia vazio dentro do prédio. Deve ter apenas uma secretária trabalhando lá. Então sem problemas.

 — Você está fazendo tempestade em copo de água. — Adicionou o Gary — Sabe o que você precisa? Você precisa é beber o copo de água, não fazer tempestade. — Ele empurrou minha cerveja mais para perto de mim.

 Os três estávamos em um restaurante que ficava no vigésimo andar de um arranha-céu a três quadras do prédio alvo. Dava para ver um pouco do movimento no DCAE pela janela, por isso escolhemos ali. Apenas notávamos quando carros e caminhões entravam e saíam, nada de muito específico. O restaurante era caro e nem era muito bom. Mas nós só estávamos só tomando cerveja então nem fazia muita diferença.

 — Certamente lá estará cheio de câmeras... — Comentei vagamente.

 —  Mas nós temos as máscaras, Spikey.

 — Isso temos, mas vamos ter que colocá-las bastante antes de entrar no prédio se realmente não quisermos ser vistos por nenhuma delas. Pelo menos uma quadra antes. E se fizermos isso vamos ser vistos por transeuntes...

 — Antes transeuntes que câmeras policiais. Eles não saberiam descrever o Buda para a polícia se ele fosse suspeito. O pior que pode acontecer é eles resolverem avisar o departamento errado e a polícia militar decidir esperar a gente do lado de fora quando tudo acabar. Mas acho que não... Provavelmente eles ligariam para o próprio departamento do prédio... Uma ligação anônima a mais não faz diferença.

 Olhei especulativamente para o Gary. Eu e o Boe conseguíamos escalar facilmente até o terceiro andar pelo lado de fora, que era onde os peritos do DCAE trabalhavam. Já o Gary não teria muito sucesso, o que provavelmente atrasaria o ataque em alguns segundos. Muita coisa poderia acontecer para o plano dar errado naquele meio. O Gary pareceu ler meu pensamento e disse em tom de brincadeira:

 — Eu vou ficar bem, Spikey. Na pior das hipóteses, vocês dois tiram a informação da secretária e pegam o convite e eu fico do lado de fora tentando subir.

 — Verdade. — Concordei mais para mostrar para mim mesmo confiança do que para eles — No final de contas é apenas uma secretária. Só vamos apontar a arma, forçá-la a nos levar até o convite, pegar e sair.

 — Esse é o espírito!

 O plano era um pouco bruto demais, mas com tantos fatores externos que não podem ser previstos, era o melhor que podíamos fazer. A meia hora seguinte de preparação psicológica custou a passar, mas quando finalmente acabou, o Gary brindou uma última vez:

 — Meus amigos! Vamos lá!

 Em um minuto estávamos tintilando os copos, no outro estávamos com máscaras de pano negras sobre o rosto, correndo o mais rápido que conseguíamos pelas ruas do centro de Sproustown, visando permanecer na calçada pelo menor tempo possível. Apenas um ou outro cidadão deve ter avistado a gente.  Pelo que vi com o canto dos olhos nenhum deles tirou o celular imediatamente. Como estávamos invadindo o prédio da própria polícia eles não iriam ligar para nenhuma autoridade. O máximo que ia acontecer era ter um bando grande de curiosos quando saíssemos dali com o envelope.

 Desta forma, nós três nos concentramos no nosso trabalho.

 Melhor que o esperado, o Gary conseguiu subir até a janela lateral do terceiro andar com facilidade, junto de mim e do Boe. Com nossa habilidade, chegamos do portão até lá em cerca de sete segundos, o que não é nada mal.

 Uma vez saltando para o interior do prédio pelo vidro, nos deparamos com um corredor estreito e uma porta dupla com um quadrado de vidro na parte de cima. A porta, que estava encostada, era para a sala de recepção. Dava para ver a silhueta de alguém lá dentro, sentado à mesa. Esta pessoa falava ao telefone. A voz era de mulher:

 — Como assim? Você quer dizer aquele dia? Não... O Richard não disse nada... Na verdade eu nem contei para ele.

 Nós três estávamos agachados e mais para a direita do vidro da porta, desta forma ainda não tínhamos sido vistos por ninguém lá de dentro. Nos entreolhamos e fizemos acenos com a cabeça. A voz continuava falando:

 — Acontece que o tenente é um babaca, só isso. O que ele pensa que o Richard é? Bom... Que seja. Eu nem cheguei a falar nada para o Richard justamente porque acho que não vale a pena...

O Boe pegou sua pistola do bolso e fez o sinal de entrarmos no três. A voz continuava:

 — Não, Joey. Não estou “naquele período do mês”, e por acaso você vai ficar imitando o tenente a toda oportunidade agora?

 Contamos: um. Dois. Três.

 O Gary deu um chute na porta e entrou, seguido de mim e do Boe. Juntamente ao barulho da porta ouvimos um “sim?” vindo da moça da recepção. Ela mudou a tonalidade da voz. Era uma voz grave e antipática. Direcionada a nós, e não ao interlocutor do outro lado da linha.

 A secretária estava de pé, com as mãos apoiadas na mesa. Olhava para nós impassivelmente. Ela havia deixado o telefone fora do gancho.

 O interior da sala era um grande vácuo. Tinha a mesa grande da recepção, que estranhamente tinha só um ou dois papeis e o telefone sobre ela e o resto era uma superfície lisa e limpa. Ao redor da mesa não tinha nada senão uma lixeira e um armário no canto. Era tudo tão vazio que confundia os visitantes, passando uma estranha impressão de que ali não era o lugar certo, não importa o que se procurasse.

 E essa estranha impressão contrastava com o ar resoluto com que aquela elegante secretária fitava a nós três, com os dois braços debruçados sobre a mesa, de pé e com as costas ligeiramente curvadas. Usava um casaquinho impecavelmente passado e abotoado, seu crachá pendurado encontrava-se centralizo sobre o seu pescoço. Possuía um coque formal e seu semblante não mostrava nenhuma alteração emocional.

 Senti um frio na espinha.

 Devo lembrar-lhe que éramos três homens altos com máscaras cobrindo o rosto e um deles carregava uma pistola na mão. A reação da secretária foi um mero “sim”.

 — Senhores? Como posso ajudá-los?

 A garota estava tentando um jogo emocional, nos fitando impassivelmente e se dirigindo a nós formalmente daquele jeito? Se queria ser imprevisível, conseguiu. Perdemos alguns instantes sem saber como proceder. Seu aspecto era tão intimidador que só conseguia concluir que não era uma secretária normal. Assim que resolvêssemos atacar ela revidaria.

 Mas nós estávamos em maior número. Ainda não havia nada a temer.

 Virei minha cabeça na direção do Boe e fiz um gesto, ele entendeu e apontou a arma para a secretária. Tínhamos que fazer o primeiro movimento.

 Contudo, o primeiro ataque acabou sendo o dela. Ela tinha apoiado as mãos na mesa não só para parecer ameaçadora, mas era um truque na manga. Não sei como conseguiu força para tal, mas assim que o Boe levantou a arma, ela ergueu toda a mesa com um impulso só. — Lembrando que era um objeto extremamente largo, ocupando quase metade da sala. — Virou a mesa no ar para aparar os primeiros tiros disparados pelo Boe. Após umas balas ela arremessou a mesa com tudo na direção do Boe, e esta bateu direto na sua barriga, o empurrando até a parede contrária.

 Eu não sabia o quão forte tinha sido o impacto, mas o Boe certamente estava temporariamente imobilizado. E o pior de tudo era que a arma estava com ele.

 Eu até tinha uma pistola reserva no bolso de trás, mas tinha que pegá-la e carregá-la, o que era muito mais tempo perdido em uma luta contra um ser paranormal do que em uma luta contra um humano comum. Afinal vocês sabem que estas criaturas podem usar a indarra para obter super-velocidade em seus membros a qualquer momento.

 A menos das armas de fogo, nossa formação é a seguinte; O Gary é versado em vários estilos de luta de modo que ele é bom em luta corpo a corpo. A finesse do Boe é lidar com facas envenenadas. Ele passou tempo praticando os diversos tipos de arremessos até aprender a manuseá-las com virtuosismo. Essa é uma habilidade útil porque qualquer ferimento causado, por mais superficial que seja, pode significar o fim da batalha por causa do veneno.

 Como o Boe estava ocupado se embolando com a mesa, calculei que o Gary iria agir primeiro. Se ele conseguisse imobilizar a secretária em uma luta corpo a corpo eu podia dar um jeito a atacando por trás.

 Mas aquela garota era rápida demais. Assim que esse pensamento me veio à mente e eu lancei um olhar para o Gary, eu vi o corpo da garota sendo jogado violentamente contra o Gary numa velocidade pavorosa.

 Ela agarrou o Gary e o espremeu contra a parede que se encontrava originalmente de trás da mesa, se esta não estivesse fora do lugar. Tinha uma mão em torno de seu pescoço e ele não conseguia se livrar por causa do modo como o corpo dela estava prensado contra o seu. O impacto do contato entre os corpos havia feito rachaduras severas na parede.

 Droga.

 A única coisa que pude pensar em tão pouco tempo foi em ir até o local onde os dois estavam e tentar acertá-la por trás. Demoraria demais para carregar minha pistola e a garota poderia sufocar o Gary até ele perder a consciência no meio tempo.

 Claro que não me aproximei lentamente, mas sim me arremessei contra ela num impulso, tentei agarrá-la com os braços atrás de seu pescoço. A colisão contra os dois espremeu o Gary ainda mais contra a parede.

 Desculpe, Gary.

 Consegui separar a mão dela de seu pescoço, pois por melhor que ela fosse de luta não podia vencer quatro braços contra dois à curta distância. Foi nesse momento que reparei no barulho do alarme que estava tocando incessantemente do lado de fora. Daqui a pouco ia encher de gente ali.

 Veja só: originalmente fomos informados que a única pessoa presente no prédio do DCAE naquele dia seria uma secretária, supusemos que seria uma humana normal. Erramos. Mas pelo menos ela estava sozinha. Se houvesse mais criaturas fortes, estariam por ali, pois esta era a área de trabalho deles. Ainda bem que não parecia ser o caso. Contudo se mais policiais que estavam nos demais blocos passassem a entrar na sala, mesmo que fossem humanos comuns, estando fortemente armados, a situação poderia se complicar um pouco.

 O Gary foi o primeiro a compreender a situação. Observando que o convite não era um dos objetos daquela sala visivelmente vazia, ele gritou para mim:

 — Deve estar naquela sala trancada. Rápido! Eu seguro ela.

 Ele já tinha sido liberado das garras dela por causa do meu golpe e agora os dois estavam lutando. Ambos agora faziam caretas de esforço, simultaneamente tentando imobilizar o outro com os dois braços de maneiras diferentes, formando uma cena pouco glamorosa.

 A sala que o Gary mencionou tinha um nome no vidro por isso deveria ser de alguém importante. Através do vidro dava para ver um armário que devia conter alguns documentos. Corri para lá. Nossa melhor chance naquele momento era procurar o papel por conta própria. Seria muito difícil fazer um ser paranormal revelar informação e o alarme tocava mais e mais a cada segundo.

 Rapidamente corri e bati meu corpo contra a porta, colocando pressão perto da fechadura para que a porta se quebrasse. Meu corpo entrou com tudo na sala, carregando a porta e tombando junto com ela no chão. Quase bati minha cabeça no armário. Diligentemente me recompus e comecei a mexer nas gavetas de forma frenética procurando a porcaria do convite. Enquanto o fazia, meus sentidos finalmente voltaram ao normal pela primeira vez desde que entramos na sala.

 A secretária havia realmente tinha conseguido ganhar vantagem emocional com aquela recepção esquisita e o ataque surpresa. Mas agora que a adrenalina tinha diminuído, percebi como o ductu dela era chamativo. Um ser paranormal daquele nível podia ser sentido de longe. Se a intensidade do ductu realmente era proporcional à força eu podia ter certeza que ela acabaria vencendo o Gary mais cedo ou mais tarde.

 Eu podia esperar que ela chegasse por trás a qualquer momento.

 E eu estaria de costas supostamente procurando por documentos de modo que ela me venceria facilmente.

 Supostamente... Mas acontece ela ainda não sabia da minha finesse.

 A vantagem de ela ter um ductu tão intenso era que eu podia sentir exatamente quando ela iria me desferir um golpe por trás. Odeio admitir, mas às custas da derrota do Gary, naquele momento elaborei um plano rápido.

 Enquanto esperava a derrota de Gary e o momento oportuno fazia uma busca frenética nos papéis. O material era de um tipo especial fabricado na Arena com o qual eu era familiar, então seria fácil de eu encontrar. Mas ele não estava ali em nenhum lugar.

 Esparramei todo conteúdo do armário no chão e não encontrei nada. Aí reparei na gaveta embaixo da mesa. Já que o convite dizia respeito a trabalho recente podia ser que tivesse sido colocado ali, por ser o local mais fácil de guardar por alguém que quisesse olhá-lo de volta no dia seguinte. Mas para procurar na gaveta eu precisaria me virar para a porta e não iria esperar a garota de costas, o que era necessário para realizar meu plano. Era preciso que a secretária pensasse que eu estava de costas por acaso, com guarda baixa.

 Quase pensei em abandonar o plano e procurar na gaveta, mas não foi necessário. Em segundos a secretária chegou com uma velocidade similar à do Eurostar. Não antecipei tamanha rapidez. Mas por sorte, quando se trata da minha peculiaridade, quanto mais rápida ela estivesse melhor. Ela esperava me golpear fisicamente e acabar com tudo de uma vez, mas esqueceu de considerar se eu tinha alguma habilidade extra.

 Os humanos me chamam meramente de alienígena, mas eu sou da raça dos Eufórbios, uma classe única de seres nascidos em Cralahyrdrutcu, um lugar que vocês certamente nunca ouviram falar, porque os humanos lhes mantém ignorantes a respeito.

 Assim que ela se aproximou, rapidamente fiz meu corpo voltar ao normal. Vocês ouviram: para meu normal. Para viver junto aos humanos tenho que me contrair até caber em uma pele humana de forma confortável e convincente. Mas quando volto ao normal meu corpo incha e fica uma vez e meia maior. Eufórbios têm a carne revestida de espinhos por todo o lugar e podem contraí-los e expandi-los conforme bem entenderem, numa medida de autodefesa.

 Essa pequena surpresa é ainda mais agravante se o alvo vem até meu corpo a uma velocidade exorbitante por conta própria.

 Assim que ela se chocou contra meus espinhos soltou um berro enquanto sua pele foi perfurada rigorosamente. Retraí meus espinhos, soltando-a e desferi um murro na sua cara com toda minha força. Não estou acostumado a expandir e contrair em tão pouco tempo, então acabei deslocando meu braço com meu próprio soco.

 O impacto foi tão forte que a secretária caiu inconsciente no chão com um baque surdo.

Olhei para ela e pensei em terminar o serviço, mas ela era uma policial. Se eu a matasse isso certamente enfureceria os demais policiais do DCAE numa proporção inimaginável. Nunca sossegariam enquanto não nos capturassem. No entanto, se simplesmente fizéssemos o que tínhamos vindo fazer: vir, roubar o papel e sair, provavelmente investigariam, mas se não achassem nada de substancial nos próximos dias, acabariam sossegando.

 O chefe me disse que tudo era questão de boa política, por isso resolvi apenas me concentrar no serviço. Estava certo que a jovem não se levantaria mais nas próximas horas.

 Uma vez aberta a gaveta debaixo da mesa, voilà! O envelope estava lá. Peguei-o com a mão mesmo toda suja de sangue. Não se preocupem, o papel estava dentro do envelope.

 Já em minha forma humana novamente voltei à grande sala do combate anterior. O Boe tinha jogado a mesa que tinha caído em cima dele no meio da sala e estava se levantando, com uma mão sobre a cabeça.

 — Argh... O que aconteceu?

 — Rápido. — Atirei o envelope na direção dele — Vamos dar o fora daqui.

 — E ele? — O Boe apontou para o Gary com a cabeça.

 Olhei para ele em silêncio. Ele estava desmaiado e em um estado lamentável. Tinha perdido uma briga feia. Sua camisa estava rasgada, o cabelo todo despenteado e sangrava pelo nariz e pela boca. Olhei a parede e vi seis, sete, oito manchas de sangue feitas em direções diferentes. A garota não tinha sido piedosa.

 O Boe cortou minha introspecção:

 — Quer saber? Deixe que eu carrego ele. Eu não fiz nada o tempo todo, mesmo. Vá. Pegue o envelope e corra para a porcaria da loja. Já estou ouvindo policiais se comunicando nos rádios.

 E realmente, eles já estavam se organizando fora do corredor. Provavelmente iriam entrar e atirar incessantemente, visto que somos paranormais e supostamente aguentamos ferimentos de balas. E se isso acontecesse nós estaríamos na pior das situações. Meu corpo nem aguenta tantas balas assim... Ao invés de sair pela única entrada, que estava cercada e repleta de policiais com pistolas organizando-se para armar uma emboscada, voltei à sala onde encontrei o envelope e desci pela janela.

 O resto foi fácil. Eu ainda tinha um pouco de energia sobrando para correr velozmente no caminho de volta.

 Eu me preocupei sim um pouco com o Boe, mas no fundo eu sabia que uma vez acordado ele conseguiria pelo menos fugir sem muito esforço. O Gary não era pesado de ser levado nas costas e o Boe ainda não tinha usado nada da energia dele naquela tarde.

 Meia hora se passou e conseguimos despistar a polícia.

 O local combinado para nos encontrarmos era uma loja de bebidas cujo funcionamento tinha sido cortado por falta de clientes há dois dias. Não havia nada e nem ninguém lá. Era só um local para ser alugado. Como foi fechado recentemente imaginamos que ninguém pensaria em procurar-nos ali.

 O local estava sem as lâmpadas e cerrado com uma porta de ferro, logo não dava para ver nada lá dentro. Era só um chão de cimento. Tinha também uma cadeira de madeira e um baldinho. O Boe estava com o baldinho. Cuspiu sangue dentro dele.

 — Droga. O que há com aquela mulher? Ataca-nos antes que digamos qualquer coisa. Ela não era para ser uma policial?

 — Pelo menos conseguimos o papel.

 — Não diria que vale a pena...

 O Gary estava agachado, encostado na parede, com a cabeça cabisbaixa. Punha-se a sarar suas feridas com o sano. Não tinha falado nada desde que chegou. Eu não tinha visto seu rosto, mas provavelmente ele estava todo inchado agora.

 — E a secretária? Deu o cabo nela? — Perguntou o Boe.

 — Não... Deixei ela lá.

 — Como? Por quê?

 — Ela é policial, Boe. Não queremos que isso chame mais atenção do que já chamou.

 — Já chamamos atenção para o mês inteiro. A coisa vai ficar pior ainda se ela de alguma forma reconhecer a gente pelo corpo quando frequentamos bares por aí. Caramba, Spikey. Devia ter cuidado disso.

 Discordo. Ainda acho que tomei a decisão mais segura. E arrisco dizer que o Boe no meu lugar teria feito o mesmo. Ele só estava querendo jogar culpa de alguma coisa em alguém porque estava nervoso.

 — Bom... Que seja. Você conseguiu o envelope. Bom trabalho, Spikey.

 — Pois é! Mais um excelente trabalho do Spikey-Gary-Boe!

 Os dois ainda continuavam transtornados.

 — Ora, vocês dois. Estão assim agora, mas daqui a uns dias isso vai se tornar uma lembrança engraçada nas nossas cabeças.

 — Tem razão... Em breve vamos esquecer isso tudo.

 — Não é, Gary? ... Gary? Você está bem? Como estão os machucados?

 — Me deixe sozinho... — Ele resmungou.

 O Boe levantou-se e revirou seu bolso da calça.

 — Agora Spikey... Acho que temos que comunicar a chefia. A missão um está concluída.

 — Missão um?

 — Ora, por que acha que o Verde queria o convite? Ele vai inscrever um de nós, não? Em outras palavras... É agora que começa a missão de verdade.

 Eu não tinha pensado nisso ainda, mas provavelmente o chefe estava pensando em algo nesse sentido. O chefe vinha dependendo bastante do Spikey-Gary-Boe ultimamente. Nós éramos seus principais escolhidos para qualquer coisa que aparecesse nessa linha, de modo que era de se imaginar que ele estava com falta de pessoal com experiência de combate entre seus subordinados. Se ele quisesse inscrever um competidor mais forte no torneio da Arena teria que apelar para nós. Mas até onde eu sei só se pode inscrever um lutador por organização. Senti um receio de que isso trouxesse alguma intriga entre nós três.

 Afinal quem quer que fosse o escolhido... Iria ganhar bastante dinheiro.



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