Hinderman Brasileira

Autor(a): Oliver K.


Volume 1

Capítulo 24.2: A Verdade

 — Senhor?

 — Apenas escute, Greta... Eu já estava me preparando para dizer isso a você já faz um tempo...

 Sei que aquela introdução era exatamente o contrário do que se esperava da minha relação patrão-empregado e muito mais avesso à minha compostura que Greta tem gravada na mente. Sua feição era impagável. Era difícil de descrever. Suas sobrancelhas se encontravam em desalinhamento jamais avistado. Estava um misto de constrangida, curiosa e desacreditada.

 — Há cerca de um mês e meio atrás um amigo meu me disse que tinha conseguido colocar as mãos em um convite para o torneio ilegal de seres paranormais na Arena, a ser realizado no ano seguinte. O nome do destinatário deste convite era Arthur Cooper. Você me conhece. Eu não sou exatamente interessado nessa coisa de torneios ilegais, só o que me interessa é manter meu negócio aqui em Sproustown. Haja saco já para encobrir as atividades que temos feito por aqui, quem dirá sair da cidade. E para esconder isso de minha família? Não... Cada centímetro daquele convite me era irrelevante. Mas eu acabei o guardando. Mesmo por consideração ao meu amigo, o Charlie, que me deu o convite. Ele não entende nada de paranormais, então com certeza aquele pedaço de papel seria ainda mais desperdiçado nas mãos dele do que nas minhas. Por isso aceitei...

 ...Passado algum tempo eu comecei a perceber que eu poderia usar aquele pedaço inútil de papel ao meu favor, aproveitando-me de que os nauseabundos Dragão e Verde fariam de tudo para por as mãos naquela idiotice. Idiotas adoram idiotice. Meditando percebi que poderia elaborar um plano para fazer um favor a mim mesmo. Não só um mas uma série de favores...

 ...Eu nunca disse a você, mas eu estava já fazia algum tempo com algum dilema: uma desconfiança, para ser exato. Começou há mais de meses, observando o decorrer das atividades. Foram observações sutis, mas que quando se veem somadas não se pode negar que não são coincidências. Certeza que não eram coincidências. Só um mentecapto para achar que eram. E na verdade não sei como você... Bem, que seja... Aonde quero chegar é que eu acabei observando um padrão no funcionamento dos negócios: qualquer coisa fora do comum que nós, entenda-se a equipe de Wilkinson — fizéssemos, era automaticamente apercebida pela equipe do Dragão...

 ...Claro, sabemos sobre a natureza da finesse. Em Sproustown um tem uma finesse mais molesta que a outra, mas mesmo que fiquemos sabendo uns das atividades dos outros, o comum é haver certo delay. De horas para algumas atividades, de dias para outras... E eu, como cabeça desta operação, tenho que ver como aproveito melhor o tempo de delay para anular das reações dos bossais Dragão e Verde. Às vezes o tempo necessário até eles tomarem conhecimento é suficiente, às vezes eles acabam descobrindo cedo demais...

 ...Mas de um tempo para cá, Greta... O Dragão andava descobrindo sempre sobre nossas ações em delay muito mais curto que o Verde. E quando não era em tempo mais curto era em momento oportuno, coincidia exatamente no momento mais bosta que podia. Era um inferno! Vou citar uns exemplos para você: lembra há alguns meses atrás, o sr. Godfrey? Que estava visitando a cidade? Ele entrou em contato porque precisava sair daqui com vinte lotes... Na noite combinada choveu e ele disse que tinha que cancelar. Depois ficamos sabendo que ele trocou de local e quando chegamos, a troca já tinha sido feita! Alguém tinha se passado por nós e trocado o local e imitado a voz de Godfrey no telefone! Ficamos sem saber quem foi a alma detestável que interceptou nossas ligações e se fez passar por nós. Até que descobrimos que foi um truque do execrável Dragão. Mas como ele ficou sabendo de nosso contato com Godfrey a princípio? Lembra de Daniel Carter? O cliente do Verde? Inclusive sofreu um atentado na mansão dele há um tempo atrás? Quando descobrimos que ele era um cliente que distribuía a terceiros eu disse para o Jack roubar um lote da mansão dele e vender para os drogados no centro. Em teoria deveria despertar a algazarra porque o Dragão ia analisar as pedras e descobrir que Verde estava iniciando uma invasão de território. Mas imbecilmente não deu em nada! Não houve recalque. Não houve motim. Que coincidência, não?

 ...E tem essas e muito mais outras. O Dragão sempre estava um passo à frente. Aquele miserável...

 ...O que foi que eu imaginei? E se dentre um de meus funcionários tivesse um Judas? Um entreguista? Alguém que estava transmitindo as informações diretamente para ele? Quem seria? Você vai me desculpar, Greta... Mas a primeira de quem suspeitei foi aquela que fica o dia inteiro na lan. Aquela que realiza proezas virtuais das quais meu conhecimento é parco. E se parte de seu tempo útil esta funcionária gasta para transmitir informações ao execrável Dragão? O traficante de meia tigela do centro?

 ...Mas não podia descartar também os demais. Jack. O pessoal do Wilson. E Barbarah! Barbarah Connor...

 ...Foi mais ou menos há três semanas e meia atrás que tive a ideia de elaborar um modo de testar qual de meus funcionários que era o Judas. E foi justamente usando aquele abnóxio pedaço de papel. A primeira coisa que eu queria fazer era dar a informação de que havia um convite para o torneio da Arena direto para a polícia, e então observar a reação da dupla execrável Dragão e Verde. Entretanto eu não podia de modo algum dar a entender que eu já sabia da notícia, e mais: não podia deixar que você ou qualquer de meus subordinados soubessem o que fiz. Precisava que vocês ficassem sabendo por si mesmos. A ideia então era observar as reações dos três grupos: Dragão, Verde e meu grupo...

 ...Foi difícil, mas encontrei um pateta metediço que já estava infernizando fazia algum tempo. Eliott Solis o nome do desprezível. Ele vinha tentando investigar, você sabe: meter o bedelho no funcionamento das operações das três equipes. Esse tipo de gente que nasce e morre. Foi difícil me aproximar dele sem pedir sua ajuda, Greta... Mas quando finalmente consegui, achei uma utilidade para ele. Eu o encontrei pessoalmente. Não podia me dar o luxo de fazer nada no telefone, pois está tudo grampeado por finesses mexeriqueiras. Nosso principal meio de correspondência foi troca de bilhetes com recortes de revistas, que escrevi com todo o cuidado para não deixar digitais nem nada que pudesse levar à minha pessoa. Apresentei-me como um simpatizante de sua causa: dar um fim nos três grandes mafiosos de Sproustown, embora apenas dois deles mereçam o opróbio, e justifiquei meu intuito de permanecer anônimo alegando a periculosidade, visto que eu disse a ele que não possuía habilidade paranormal...

 ...Entreguei o convite na mão de Solis e o incumbi de entregá-lo à polícia. Até cheguei a marcar o local: uma fazenda de Little Quarry, e aqui você já deve saber do episódio que aconteceu. O casal na casa de Margareth Johnson foi morto de maneira inexplicável e Solis ficou sem saída. Acabou recorrendo a jogar o inútil pedaço de papel no chão, para que a polícia pegasse. Para mim foi a melhor sequência de eventos, claro. Se Solis prestasse depoimento à polícia chegaria a mim e o personagem misterioso por mim interpretado seria alvo de investigação. Ora, não me olhe com essa cara, Greta. Sabe que não mato gente inocente. Margareth Johnson e seu amante sem identidade é um casal de vigaristas que têm me infortunado há anos. “Margareth” é o novo nome de Olivia Adelaide, aquela miserável que me chantageou durante três anos seguidos ameaçando contar para Eliza sobre meu envolvimento com o tráfico quando o grupo ainda tinha uma escala pequena. Depois que crescemos e tomamos conta do norte de Sproustown Olivia fugiu e mudou de nome para Margareth Johnson, aquela vadia. Eu descobri que ela tinha voltado para cá em março, provavelmente achando mais um jeito de sugar minha fortuna, então eu estava mesmo precisando achar um jeito de dar sumiço naquela víbora.

 Heh heh.

 ...O princípio de meu plano estava consolidado. A polícia tinha informação pertinente e não sabia da fonte, só restava investigar a partir dali. E eu sabia que inexoravelmente os bastardos Dragão e Verde ficariam sabendo do convite do DCAE. A pergunta era: quanto tempo? E qual seria sua reação? E outra pergunta: o que você faria se ficasse sabendo do convite? Revelaria a mim ou ao Dragão? Ah... Devo dizer, Greta: se com o poder de alcance de sua habilidade de intercepção de linhas fosse o Dragão o primeiro a botar as mãos no convite... Eu ia ficar muito desconfiado. Seria caminhar contra a maré lógica dos fatos...

 ...Foi com o passar dos dias e do acúmulo dos acontecimentos que acabei encontrando a resposta à minha pergunta. Encontrei o Judas. A reação do Verde foi imediata. O vigarista mandou seus funcionários atacarem uma secretária indefesa durante um dia em que todos estavam de folga e tomar o convite à força. Veja se isso se faz. Detesto os crápulas do DCAE. Mas devemos um mínimo de respeito a eles. Não são eles que trabalham para esconder a identidade dos paranormais e manter a ordem aqui em Sproustown? Agora aquele facínora vem e me apronta um ataque triplo a plena luz do dia? Que seja. Agora o convite estava nas mãos do tráfico. Restaria saber o que o Wilkinson e o Dragão iriam fazer a respeito. Você, Greta. Foi a primeira a me avisar do ataque. Avisou sobre o convite que estava à solta e sobre o ataque ocorrido na central da polícia. Foi a reação que eu deveria esperar de uma funcionária. Restava saber se você tinha dito a mesma coisa para o Dragão antes de contar a mim e só estava me revelando tudo isso porque tinha que cumprir o esperado ou se era subordinação genuína. Ora, não faça essa cara. Você entendeu o que eu quis dizer: por subordinação quero dizer honrar o seu compromisso...

 ...Eu abominei a ação do Verde, o execrável, conforme sempre faço, mas tenho que admitir que ele tinha um motivo para tal: todo esse episódio dos Johnson coincidiu de acontecer após a morte de McMiller, crime que foi atribuído a ele, pois o zumbi Sprohic estava envolvido com a quadrilha dele, até onde eu sei. Verde tinha duas opções: ou esperar para ver o que aconteceria com o convite em exposição nas vitrines do museu do DCAE, esperando para ser surrupiado; ou atacar primeiro. Ele preferiu a segunda alternativa, pois já que a polícia estaria em seu encalço após o crime de McMiller não faria mal atribuir mais culpa para si. Ele deve ter feito isso para poder guinar à estratégia de esconder sua equipe. Sumir do mapa. Com o convite em mãos poderia se concentrar melhor em apenas esconder a bunda e esperar, mesmo com a polícia atrás...

 ...E assim como Verde tinha duas opções, eu tinha também duas opções após a investida daquele maldito: ou eu mandava minha equipe tomar o convite do desgraçado, ou eu esperava para ver. Diferente de Verde, eu disse a vocês para esperar. Eu ainda queria ver a resposta do Dragão. A resposta do Dragão estava demorando. E quanto mais demorava, mais eu desconfiava da sua resposta. Mais eu desconfiava de Barbarah, a hipócrita. Traidora! Judas! Eu podia esperar porque eu sabia que o convite estava com Verde. Mas porque o Dragão não se manifestava? Ele não deveria estar se perguntando se quem assaltou o prédio do DCAE foi o Wilkinson ou o Verde? Ele não tinha acesso às câmeras! Se ele quisesse participar da grande guerra ridícula por aquele pedaço de papel frívolo ele precisava botar a mão na massa! Enviar pessoal. Rondar... Cercar o perímetro norte e o sul, se perguntar quem estava com o dito cujo...

 ...Mas não! Ele também preferiu esperar. Ele não enviou uma alma pingada para a nossa área. O Bodongo estava sempre vazio e lembre que eu dizia para Jack ficar de olho, pois eu menti que a polícia poderia estar enviando agentes para tentar descobrir sobre atividade paranormal. Eu fiz Jack e o pessoal do Wilson ficarem atentos dia e noite. Não permiti o descanso. E eles não reportaram nada. Não... Aquele filho da mãe já sabia com quem o convite estava. Sabia que eu não tinha nada a ver com o caso. E tudo isso indicava mais e mais que aquela pequena vigarista estava do lado dele...

 ...Foi aí que eu tive a ideia de deixar uma tarefa apenas para ela. Para Barbarah. Foi quando o miserável do Jim morreu e eu tive que passar por todo aquele episódio da correria da desgraça...

 ...Mandei a tartufa tirar o DEA da jogada. Espalhar pistas falsas tanto na cena do crime envolvendo McMiller: a casa do jaburu, aquele brutamonte a serviço de Verde; quanto em Meadow Park, onde morreu dilacerado o nosso Jim. Depois de alteradas as pistas, seguindo a lógica dos fatos, deveríamos nos ver livres do DEA. Contudo o DCAE deveria ficar mais atento, já que estaria ciente da alteração, pois eles que fizeram a primeira vistoria. Conheço a rixa de comadre entre os dois departamentos. É do interesse do DCAE deixar o DEA o mais por fora possível dos acontecimentos, mas os amofinadores com certeza iriam voltar à cena para fazer mais análise, e se Verde e Dragão têm finesse pela qual acompanham as atividades desse grupo abominável, viriam também fazer vistoria, para saber quem é que estava envolvido...

 ...Foi aí que eu chamei o Jack sem avisar nem Barbarah e nem você e o mandei colocar câmeras escondidas na casa do jaburu e em Meadow Park, Greta. Ficamos só esperando alguém vir e vistoriar a cena...

 ...Não apareceu ninguém!

 ...Tenho teorias de porque Verde não quis dar as caras: uma delas é que ele ainda procurava manter o rabo escondido e não iria aparecer em locais onde a polícia andava fazendo rondas. Outra teoria é que por Sprohic estar subordinado a ele, já deveria saber exatamente o que aconteceu naquele endereço em Marshmoore. Não precisava ir até lá uma segunda vez. Mas e o Dragão? Por que estava sabendo? Ora essa... Você não podia ter contado a ele, já que eu mandei Barbarah fazer o serviço. Como você ficaria sabendo exatamente que tipo de pista Barbarah colocou para despistar o DEA? A essa altura, se estivesse com um mínimo de interesse nos acontecimentos dos últimos dias, Dragão deveria sim ter enviado mais um subordinado para averiguar a casa do jaburu, mesmo se você fosse a traidora. Significava que Barbarah era a Judas o tempo todo!

 ...O Dragão estava descansando o tempo todo durante esses dias justamente porque podia confiar em Barbarah para relatar tudo que vinha acontecendo aqui. Aquela pequena serpente...

 ...Mas ainda não era suficiente. Poderia ser que a ironia da verdade revelasse que o miserável Dragão estivesse ficando velho, entenda-se: mais velho que eu, e estivesse realmente desinteressado ou com preguiça de acompanhar os eventos paranormais ligados ao tráfico que vinham acontecendo tão frequentemente nos últimos dias. Eu precisava ter certeza. Foi quando eu vim a você e lhe disse para qualquer coisa que acontecesse relacionada ao convite, que eu não relatasse nada a ninguém, mas direto a mim, lembra-se? Você achou estranho esse pedido. Na ocasião eu menti que Verde poderia estar fazendo armadilhas com convites explosivos falsos e jurei que se podia confeccioná-los se tivesse o original em mão usando uma pólvora especial de Arena. E você, como nunca foi à Arena, acabou comprando o argumento! Que seja... Quando disse isso eu apenas queria que você não revelasse nada a Barbarah em especial, mas se eu mencionasse o nome dela poderia ser que você desconfiasse de que eu estava procurando um traidor entre nós, o que sairia pela culatra no caso de eu estar errado e a traidora ser você. Precisei pensar cada etapa dessa busca estapafúrdia com cuidado...

  ...Então eu contratei humanos de reputação duvidosa e os mandei ir à Dalilah, sob o pretexto de que haveria transação de Deluxes feito por um tal de Verde lá no local. Eles nem sabiam quem era Verde nem nada. São completos idiotas. Mas uma vez pagos eles foram ao local e ficaram fofocando, esperando a transação chegar. Eu disse para eles ajudarem na locomoção das caixas e na observação para caso a polícia chegasse. Idiotas que são... Nem se preocuparam se seriam pegos ou não pela polícia. Sim, Greta... Essas são as pessoas que estavam lá, que você achou que trabalhavam para o Verde. Verde nunca mandou fazer transação de Deluxe nenhuma em South Gorem! Tudo foi armação minha...

 ...Foi mais um pretexto para observar sua reação. E você reagiu novamente conforme deveria: revelou a mim e só a mim, conforme pedido, que Verde estava para organizar um transporte em massa e que o convite iria estar lá. Desta vez eu fui mais longe e deixei um aparelho aqui registrando suas falas, para me certificar de que você não estaria contando nada ao Dragão assim que eu saísse desta sala. Não se preocupe, eu retirei o aparelho há algumas horas, quando você tinha ido ao banheiro. E aliás o banheiro está nojento, Greta: você tem que dar um jeito nele. Que seja. Já a reação daquela pequena víbora foi diferente. Eu a chamei em meu barco ontem de manhã e observei a reação dela por mim mesmo...

 ...Disse assim: Barbarah! Acharam o convite! Você tinha que ver a cara da reles farsante! Só faltava o queixo cair. Ela lutou para manter a compostura. Abriu a boca e demorou mais de segundos para acreditar: “do Cooper?” Vagabunda sem vergonha! Por que teria tanta surpresa se já não soubesse justamente onde estava o convite? O verdadeiro estava com ela o tempo todo. O que ela achava que era verdadeiro: o que Verde roubou do DCAE! Lembra que você me contou não só da transação, mas também que houve um rombo no restaurante novo em Helmsley? E a porcaria parecia que tinha sido roubada? É... Foi o que aqueles garçons medíocres disseram no telefone, na linha interceptada! Mas você não contou nada a Barbarah, contou? E como a desgraçada sabia então? Ela foi até lá a mando do Dragão e tomou o convite para si em um ataque de imundície!

 ...Não tardei em enviar aquela vagabunda ao inferno. Minha transação, que eu fiz se passar pela de Verde, não consistia de Deluxes. Pelo amor de Deus, não... Deluxes são caras demais! Aquilo eram balas de goma que noutra ocasião importei de Portugal, que são iguais no formato. Vieram a calhar! Soquei gomas e bombas nas caixas e enviei Barbarah ao inferno que ela merecia!

 ...Infelizmente, como você pode ver, parece que o perverso Dragão estava mais à frente no entender desta operação do que eu lhe dei crédito, maldito seja! Pelo que vimos Barbarah escapou porque alguém deve tê-la avisado da artimanha. Porque ela certamente não sabia de nada. Certeza que não! Eu vi a cara dela lá no barco. Mas que seja... Agora estou ciente de quem era a língua nefasta que estava revelando ao Dragão todos os detalhes e acabando com minhas operações nesses últimos meses. Assim que nos depararmos com aquela vadia novamente, é certo que ela terá o que merece. Você disse que ela era uma barata parasita certo? Isso torna a caça à traidora um tanto difícil. Ela pode simplesmente possuir outra criança por aí e nunca mais saberemos onde o inseto desalmado está. É certo, no entanto, que nossas operações passarão a ficar mais sigilosas daqui em diante...

 ...E essa história me leva ao motivo pelo qual eu comecei a contar-lhe tudo isso à princípio, Greta. — Tateei a coisa no meu bolso e revelei — O verdadeiro convite do magnata maldito: Arthur Cardamont Cooper. Tome, pegue-o com suas próprias mãos. É diferente de todos os papeis que você viu. A textura é diferente, não é? Não é exatamente áspera, mas é algo que incomoda o tato. Uma sensação difícil de descrever. Não é como qualquer papel que se encontra por aí. Somente quem nunca botou a mão no original pode se deixar levar pela falácia que espalhei, de que o outro que reproduzi era o original. E com isso enganei todo mundo! Solis. Barbarah. Verde. O DCAE! Nenhum deles sabia o que esperar do papel. Sim, Greta: o próprio convite que entreguei a Solis no início de tudo já não passava de mera cópia desvalida. Não sei se chegarei a usar esta folha medíocre para aquele torneio abominável, mas preferi não gastar o original. Pode ser que ele ainda venha a ter alguma utilidade...

 ...E com isso encerro a minha explicação, Greta. Minha funcionária. Minha fiel e responsável Greta. Você vai entender que eu tive que deixá-la no escuro para que pudesse executar o meu plano. Afinal de quem posso deixar de suspeitar? Mesmo assim, mesmo que entenda... Sei que deve sentir que fui um pouco petulante. Devo-lhe minhas desculpas, Greta. Desculpe por ter desconfiado de você. Você é uma boa funcionária. — Com uma mão sobre seu ombro num gesto respeitoso, terminei meu infindável monólogo de revelação. Greta demorou um pouco para absorver o conteúdo:

 — Mas... Então foi o senhor quem mandou matar Jim Sanford? E Gerald McMiller? assassinou McMiller para despertar o interesse da polícia em Solis, e depois Jim para que pudesse executar o plano de desmascarar Barbarah Connor?

 — Pelo amor de Deus, não! Jamais! Por que raio do diabo eu mandaria matar o “nosso” Jim? O único policial que prestava no DEA? E nem McMiller. Um coitado. Nem sei quem era McMiller. Só sei que morreu. Estas ocasiões vieram sim a calhar, e como você sabe é minha perícia usar das situações ao meu favor para obter alguma vantagem. Se eu não tivesse essa habilidade mental não teria futuro próspero no meu ramo de negócio. Não aqui em Sproustown onde a concorrência é composta de demônios. Resta revelar o que sei, Greta. E dessa parte sei tanto quanto você...

 ...Não faço a menor ideia de quem é o serial killer das mordidas.

 — Acredita que isto esteja relacionado ao Verde ou ao Dragão?

 — Com certeza não ao Verde. Tudo o que aconteceu serviu para lhe dar destaque na polícia. O desgraçado está com o rabo entre as pernas! Heh heh. O rato não deve mais conseguir sair da toca desde há três semanas, após o caso do Sprohic. Não seria de surpreender se suas vendas desse mês ficassem reduzidas e pudéssemos aproveitar para roubarmos alguns clientes. Se tivesse sido autoria de algum deles seria o nefasto Dragão, o mesmo que tem me sacaneado durante todo esse tempo. Mas o que ele teria a ganhar com isso? Não sei... Admito que é difícil prever o que aquele ignominioso pensa.

 — Acha que agora que Barbarah sabe que descobrimos sua farsa e estamos tentando matá-la, o Dragão deve ter descoberto sobre todo seu plano?

 — Com certeza, Greta. O Dragão não é estúpido! Se partindo do pressuposto que a transação do “Verde” foi feita com o intuito de matar Barbarah Connor, nada será mais razoável que inferir que foi minha autoria, e que portanto eu sou capaz de simular um convite falso. E se sou capaz de simular um falso então já tive um verdadeiro. E como já tive um verdadeiro se nunca participei da caça? A única solução é supor que Verde estava com o convite falso desde o começo, e que até o DCAE foi enganado, o que sugere que não foi Verde quem contratou Solis, mas eu. O que por sua vez revela o plano todo. Esses desgraçados paranormais são muito espertos quando convém. Acredito que tanto o Dragão quanto aquela vadia Sarah Harmon do DCAE já devem ter sacado a verdade. E o Verde então nem se fala. Acredito que ele foi o primeiro a saber. Ele perceberia que o convite era falso assim que colocasse as mãos e sentisse o toque do papel. Sim, Greta... Aquele desgraçado saberia sentir a falta do toque do papel.

 O momento da confissão estava findado, então empurrei aquela cadeira para trás e me levantei. Greta continuou em sua cadeira, de frente para o computador central. Propus a Greta uma indagação final:

 — Por que será que Verde jogou meu jogo? Ele tinha algo a ganhar com isso? Em momento algum deu a entender nem para o Dragão nem para a polícia que era eu quem possuía o convite verdadeiro. Fez o papel do protagonista o tempo todo. Eu lembro daquele episódio na casa do Cooper errado que saiu até no jornal como uma tentativa de roubo, em que o DCAE ficou sabendo que dois patetas tinham sido contratados para procurar o convite. Será que Verde realmente contratou aqueles imbecis? Eles revelaram tudo sobre ele no depoimento. Mas não faz sentido ele ter contratado. Se ele sabia que era eu quem tinha o verdadeiro o tempo todo, devia saber que o convite já não estava mais na posse de Cooper, então não adiantava procurar na casa do mesmo. Isso é um episódio que não entendo.

 — Eu também não tinha entendido até então. Não fazia sentido procurarem o convite novamente se já estavam com o correto que tinham pegado do DCAE. E nem fazia sentido o Dragão ter enviado os capangas para procurar na casa de Cooper, pois o Dragão devia saber que Verde o tinha roubado quando arrombou o prédio no centro naquela segunda. Mas agora que sei que Verde estava com um convite falso e sabia que era falso, penso que pode ter sido obra do Dragão para dar mais destaque ao Verde. Será que não foi ele quem contratou os dois justamente para serem capturados e depor contra ele?

 — É uma ideia. Mas quem se deixaria ser pego pela polícia de espontânea vontade? Não... Certamente não foi isso. E odeio que não tenha sido isso. Deixa tudo sem explicação alguma. Quem raios contratou aqueles dois molengas senão Verde ou o Dragão?

 — Quem sabe talvez haja uma quarta força em Sproustown? Visando jogar as três maiores uma contra a outra?

 — Uma quarta força? É uma ideia... Sim. Certamente é uma ideia...



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