Hinderman Brasileira

Autor(a): Oliver K.


Volume 1

Capítulo 24.1: A Verdade

 Graças a Deus, Eliza estava melhor. Tudo estava melhor.

 A vida realmente é feita de altos e baixos. Num dia toda a desgraça resolve acontecer ao mesmo tempo, nos atormentando até o nosso limite. No outro toda a desgraça se esvanece. E o sádico ciclo do infortúnio nos faz envelhecer e morrer cada dia um pouco mais.

 É o que acontece ultimamente. Tenho me sentido velho. Acabado. Vetusto.

 Aquilo aconteceu na terça-feira, um dia após eu ter me reunido com Barbarah no “The Omen”, o meu barco que deixo ancorado no porto.

 Neste dia que seguia, em particular naquele horário, eu precisava retornar ao Bodongo, aquela imundície, pois eu queria conversar com Greta, minha funcionária, a respeito de algumas pendências na minha linha de negócio. Por isso beijei a testa de Eliza, que ainda estava de repouso e tomei meu chapéu no cabide.

 — Vai voltar tarde? — Eliza perguntou.

 — Penso que não. Daqui a apenas algumas horas. Hoje será rápido.

 — Esperamos você para a janta.

 — Certo. Até lá. Te amo.

 — Te amo de volta.

 Já arrumado e com minhas coisas em mãos fui até a garagem. Eu estava usando o Citrine ultimamente, pois tem mais espaço interior. Sei que por fora o Citrine parece uma ameba pavorosa, mas por dentro pelo menos é espaçoso. E eu sinceramente já passei da idade de impressionar pelo lado de fora. Só o que me importa em carros é o lado de dentro.

 Quando desci as escadas para tomar o corredor, Rachel veio correndo até mim.

 — Boa tarde, minha pequena! Está acordada? Não ia dormir de tarde?

 — Vô! O vô vai sair?

 Ela veio correndo e me abraçou. Fazendo carinho em sua pequena cabeça, respondi:

 — Sim. O vô vai sair. Cuide de sua vó para mim, ok? Ela está podendo se levantar, mas não a deixe abusar.

 — Tá bom! Vou ajudar também na janta!

 — Isso mesmo! Até logo.

 — Tchau!

 Abri a garagem com o controle, entrei na ameba e dei a partida.

 Rachel ainda é pequena para conceber a natureza traiçoeira dos caminhos da vida. Alegre e radiante ela não deixa transparecer a barbaridade que aconteceu com sua mãe, que morreu vítima de bala perdida nos subúrbios de Sproustown. Logo ela que militava pela paz.

 O acaso do infortúnio realmente não faz distinção entre o jovem e o idoso.

 Não tardei a chegar ao Bodongo, mesmo que fosse um lugar decrépito nos cafundós do outro lado da cidade. Só de descer do carro naquele lugar abodegado, o cheiro de mofo e poeira infestava minhas narinas, sem contar o odor do cozido medíocre que estava sendo preparado, o qual eu sequer conseguia identificar o que era.

 Cumprimentei apenas de longe o meu laranja e subi direto à lan de Greta, no andar superior.

 Greta me avistou, mas tardou a oferecer cumprimento. Quando decidiu fazê-lo o fez com mero meneio de cabeça, proferindo uma palavra curta de duas letras, abusando de sua entonação robótica e enjoada:

 — Oi.

 — Oi, Greta. É certo que temos alguns assuntos a tratar.

 Ela já sabia do que se tratava, eu havia antecipado por mensagem. Greta podia ser uma vaca velha, mas ela era eficiente. Isso não posso negar.

 — Nem o DCAE nem o DEA ainda chegaram à conclusão alguma sobre a explosão de ontem.

 — E Barbarah?  Chegou a retornar?

 — Não consigo de forma alguma detectar Barbarah Connor! A polícia também não fez menção de criança ou corpo de criança encontrado no local. O convite de Cooper também não apareceu no relato e até então estou carecendo de informações.

 — Elabore.

 Greta fez cara feia. A cara dela já é pavorosamente horrenda, mas ainda dá para diferenciar a cara feia proposital da inevitável. Por que diabos ela tem que achar ruim uma ordem direta? É minha funcionária!

 — Ao que tudo indica, a transmissão da qual eu interceptei a informação de que haveria a transação de Verde veio de um aparelho celular no sábado, que foi o momento quando eu lhe avisei. Depois eu chequei a fonte analisando a pilastra receptora de sinal e verifiquei que vinha do próprio prédio da Dalilah. Por isso a fonte se fazia confiável. Mas eu ainda não sei quando as bombas foram colocadas lá. Pelas mensagens que eu vinha interceptando os próprios subordinados do Verde não estavam cientes...

 ...Por incrível que pareça acabou não morrendo ninguém, ou pelo menos foi o que relataram as duas divisões de polícia envolvidas: o DEA e o DCAE. Os capangas do Verde já haviam sido capturados e levados para a viatura antes da explosão ocorrer...

 ...Toda essa comoção causada da parte do Verde me deixou encucada com o motivo por que ele traria o convite original da Arena para fazer parte de tamanho confronto envolvendo gangues, polícia e bombas. No final achei mais sensato supor que fosse tudo ou uma farsa ou uma armadilha. Provavelmente uma armadilha. Mas até agora não sei quem é que enviou a mensagem primária de que haveria o convite lá. Interceptei mensagens secundárias apenas. Penso que o Verde não teria feito isso em sua excelsa sensatez...

 ...Não consigo entender quem é que trouxe o convite para o local. Era o Verde quem carregava o verdadeiro. Então seria uma farsa que ele mesmo confeccionou? Mas por quê? Por que ele misturaria bombas nas próprias caixas de encomenda, sacrificando todas elas, um prédio todo que usava como base de operações e junto com isso vários de seus capangas para uma mera hipótese de que conseguiria com isso explodir junto um ou outro integrante das máfias opositoras? Por que usaria isso para provocar policiais? Provocar sua atenção para os mesmos mais do que já tem provocado? Por mais que eu medite não vejo como Verde se beneficiaria com isso.

 E por mais estranho que isso tudo pareça, só faz sentido pensar que foi o Verde quem levou o convite ao local e quem executou todas as ligações. Tenho que admitir que minha cabeça falha em estudar esse mar de possibilidades aqui, Wilkinson.

 Greta finalmente deu uma trégua em sua fala.

 — É claro que para você é impossível compreender, Greta. Está partindo de premissas erradas.

 — Partindo da premissa errada? Como? Por acaso já decifrou quem foi que organizou o espetáculo de fogos? O autor do esquema que visava explodir um número inconsequente de pessoas, incluindo Barbarah? Aquele que nos pregou essa peça toda?

 Eu detestava ter que fazer aquilo, mas Greta era muito boa funcionária para que eu omitisse isso dela. Como bom chefe responsável eu precisava sentar e explicar direito o que aconteceu.

 Puxei uma cadeira e sentei ao lado dela.

 — Claro que sei Greta. Quem organizou o evento todo fui eu.



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