Hinderman Brasileira

Autor(a): Oliver K.


Volume 1

Capítulo 20.2: Agente De Campo

 — Chegamos. — Avisei.

 Abrimos as portas do carro e nos dirigimos ao local. Noble Avenue era surpreendentemente calma para uma avenida no meio do centro. Isto é, pelo menos calma quanto ao trânsito de pedestres. O cenário era feio tal como no resto do centro: milhares de lojas fechadas com porta de ferro que se encontravam depredadas, e as poucas lojas abertas se encontravam em estado pior ainda.

 Lembrava um pouco a rua onde Gerald McMiller havia sido morto.

 Ouvimos a porta de ferro subir e Chapman estava lá, usando sua jaqueta fedorenta de sempre.

 — Entrem. — Ele disse. Nem fez nenhuma piada sem graça. Parecia preocupado.

 E não era para menos. No chão daquele galpão vazio que um dia tinha sido uma loja de térreo estava deitado ninguém menos que Alexander, a ovelha negra da família Sprohic, que se encontrava em um estado desacordado.

 — O que aconteceu com ele? — Perguntei.

 — Está vivo? — Perguntou Joey.

 — Como ele veio parar aqui? — Perguntei.

 — Ei! Se acalmem, senhores. Uma de cada vez. — Disse Chapman — Ele está vivo, pelo diagnóstico do meu amigo Jackson ali. Está respirando lentamente e a pulsação está fraca... Ele precisa de cuidado médico.

 — Jackson? Você está aqui?

 Era o Jackson Heiser, da central.

 — Eu vim com ele agora de manhã para me encontrar com o nosso contato. Mas encontramos isso aqui no lugar.

 — Você tem que chamar a enfermaria urgente.

 — Eu já chamei os médicos.

 — Os médicos? Era para ter chamado a enfermaria do DCAE! Não podemos nos dar o luxo de...

 — Vixe, senhor tenente. Eu quis dizer que chamei a enfermaria do DCAE. O que acha que eu sou? Uma mula?

 Alexander Sprohic deitado sobre aquele chão frio não parecia mesmo nada bem. Cheguei mais perto dele para verificar eu mesmo seu estado. A pulsação era imperceptível e o corpo estava bastante frio.

 — Você quem colocou ele aqui? — Perguntei a Chapman.

 — Ele estava assim quando cheguei, senhor tenente. Não movi um dedo do lugar. Acho que nesse tipo de coisa é melhor esperar os especialistas, não?

 — E quem pediu para você vir... Foi o cabeludo? Por que não conta tudo desde o começo?

 — Eu recebi uma gravação dele no telefone em que ele dizia mais ou menos assim: “senhor policial...” — ele me chamou de senhor — “eu sou Eliott Solis, mas você provavelmente me conhece como o alien culpado pelo assassinato do casal Johnson. Não o culpo. Afinal o que pensar do único ser paranormal avistado na cena de um crime que claramente foi praticado por agente em tal condição?” — É... Ele falava tudo certinho desse jeito, com essas palavras bonitas e tal.

 — Continue.

 — Daí ele disse algo como “Entretanto cansei de me esconder injustamente e eu quero esclarecer o que de fato foi que aconteceu naquela semana. Gostaria de convidar o senhor a comparecer nesse endereço” e daí deu o endereço. Foi algo meio estranho e simples ao mesmo tempo. Mas os senhores colegas vão perceber por que eu fiquei intrigado.

 — E você acreditou?

 — Eu acreditei que tinha alguma coisa estranha, por isso vim, senhor tenente.

 — Mas do jeito que você falou no telefone parecia que você tinha certeza que era o cabeludo dos Johnson.

 — Mas é o cabeludo dos Johnson! Olhe aqui a foto:

 Ele me mostrou em seu celular a foto ao lado do contato do aplicativo, do usuário que havia mandado a mensagem, coincidia com a cara que vimos saltando os telhados naquele dia.

 Normalmente eu teria argumentado com Chapman que qualquer um poderia ter colocado aquela cara ali e feito um perfil falso, mas parando para pensar... Só os realmente envolvidos que saberiam como era o rosto que vimos no dia da investigação. Não... Não era qualquer um que poderia ter mandado aquela mensagem. Ou aquilo era mandado de fato por ele, ou foi mandado por alguém que se fingiu ser, sabendo o impacto que isso teria para o DCAE. Alguém que “fingiu ser” com um propósito específico em mente.

 — Eliott Solis... Chegou a checar?

 — O nome? Não... Estava aqui o tempo todo. E eu e o Jackson estamos sem a aparelhagem. Você — Chapman apontou com a cabeça para o Joey — poderia checar para nós...

 Fiz um aceno de cabeça para Joey. Eu poderia voltar de carro com os outros dois. E Joey poderia aproveitar para dar uma passada no Sweet Oaks em Helmsley.

 Joey assentiu, e após cumprimentos, pegou o carro e saiu de cena.

 — E esse Solis... Falou alguma coisa do que ele queria? Qual a verdade que ele queria te dizer?

 Chapman meneou negativamente com certo exagero e então emendou:

 — Nada. Só o que disse foi aquilo e depois quando cheguei estava aqui o Sprohic tirando uma soneca contínua.

 Jackson pela primeira vez interferiu, dirigindo-se a mim:

 — Senhor... Será que eu poderia sugerir: talvez isso seja uma cilada? Se Solis está realmente trabalhando com o criminoso que chegou a... “prevalecer” sobre a senhorita Crane e o detetive Meyers na sexta passada. É natural pensar que queira Sprohic morto, não?

 Tive que pensar um pouco para entender aonde ele queria chegar.

 — Você quer dizer uma bomba? Nos traz para cá e então morremos todos e não só o Sprohic? Se for o caso seria bom sair daqui o mais rápido possível, não?

 Pude ver um espanto inocente na face de Jackson. Chapman manteve-se impassível mas vi que ele não se intimidou.

 — Creio que não, Jackson. Como Solis saberia o momento exato em que eu e Meyers entraríamos no galpão para acionar a bomba? Só se ele estivesse observando de algum lugar.

 E nem um de nós três: eu, Joey ou Chapman, sentimos ductu nenhum... Poderia ser que um ser humano sem ductu que estivesse responsável pela bomba, mas se fosse o caso já teria acionado. Não teria deixado Joey sair de cena antes de explodir o local. Confesso que errei ao não ter cogitado a possibilidade antes de entrar, tal como Jackson fez, mas dada a situação agora como estava, a teoria era descartável. Isso foi até bom ter sido mencionado, pois ficou claro que Solis, seja lá o que for que quisesse, não estava almejando silenciar os investigadores do DCAE. Então provavelmente ele não estava trabalhando com o tráfico. Então provavelmente estava falando a verdade.

 Mas o que significava aquele corpo quase morto colocado sobre o chão? Por que Solis não se encontrava ali? Isso era difícil de responder.

 Tomei um susto!

 O telefone estava alto e disparou ecoando sua música pelo galpão, interrompendo a serenidade do momento de reflexão.

 Era um número conhecido. 

 — Tenente Dotson? — Atendi.

 — ...

 — Quem?

 Olhei para Chapman e Jackson, que estavam me encarando. Resolvi sair de perto para ter maior privacidade.

 Era Sarah.

 — Sarah, você não vai acreditar... Nossa equipe encontrou...

 — Quem não vai acreditar é você, tenente Dotson. Tenho informações recebidas de fontes confiáveis que está ocorrendo o transporte do convite de Arthur Cooper para a Arena. Ele está sendo transportado junto com uma carga ilegal de Deluxes que irá passar por Sproustown em cerca de uma hora e meia. E preciso que você vá para lá agora.

 — O quê?

 — Exatamente isso que você ouviu, tenente Dotson. Preciso que dirija uma equipe para a antiga sede do Dalilah Transportations no South Gorem District, sabe? Aquela que fechou faz alguns meses... Quer que eu dê o endereço?

 — Não... Eu sei onde fica. Onde você está? Está em Silverbay ainda?

 — Eu tive que ficar mais uns dias porque tinha que cuidar de uns... “casos...” aqui... Mas por outro lado estou aprendendo bastante sobre Cooper, o verdadeiro, e sua relação com a Arena. Ao que tudo indica estamos lidando com um líder de trafico que se denomina Verde, e é justo ele quem está transportando o convite nesta tarde. Então... Eu preciso que você faça uma intercepção.

 — Entendido. Mandarei alguém para lá o mais rápido possível.

 — Preciso que seja uma intercepção bem-feita. Vou lhe dizer o porquê depois, mas é muito importante que consigamos o convite desta vez, tenente Dotson...

 — Entendido... Eu irei para lá o mais rápido possível pessoalmente.

 — Conto com você.

 — A propósito, pode me dizer se o convite que foi roubado aquele dia no DCAE era f...

 Ela desligou na minha cara.

 Eu tinha uma hipótese sobre a natureza do convite que havia sido descuidadamente deixado sobre a mesa de Sarah naquele sábado e precisava tirar a dúvida. Bem... Iria perguntar isso para Sarah pessoalmente quando ela voltasse.

“Verde.” O nome que Sarah mencionou era o mesmo que Bad Boy e Pierre tinham reportado em seu depoimento. Um dos líderes do tráfico do submundo de Sproustown.

 — Chapman. — Disse eu encostando a mão no ombro dele, após finalizada a conversa.

 — Senhor tenente?

 — Cuide do resto.

 — Senhor tenente...?

 — Eu vou pegar a viatura. Vocês podem ir com a equipe médica, depois que ela chegar! — Gritei à medida que saia dali.

 

                                                                  

 South Gorem District, como o nome sugere, fica na parte sul da cidade. Dalilah era uma empresa de transporte, e uma das sedes ficava lá. Não sei o que aconteceu para ela fechar de repente, mas quando se passa na frente ainda dá para ver alguns caminhões abandonados.

 O local é espaçoso e tem um grande pátio que pode ser visto de todos os prédios, que são quase todos que de um andar e compridos, com apenas uma entrada em uma das pontas. Somando isso ao fato de que não deve haver energia elétrica lá a essas horas... Não surpreende que esse tal de Verde tenha escolhido o local para organizar atividades ilegais. É o lugar perfeito.

 Se a informação que Sarah recebeu fosse precisa eu estaria uma hora e meia adiantado. Precisava de um plano. Não esperava chegar lá e dar conta do recado sozinho. Certamente haveria um ou dois seres paranormais para tomar conta do convite. Talvez os três que roubaram o mesmo de Crane no outro dia? Seja como for precisava chamar mais pessoal. Entretanto Joey estava checando Solis e Helmsley, Chapman não podia sair do lugar... E depois haveria uma comoção no DCAE por conta do Sprohic. E eu não queria envolver o pessoal não especializado... Isto é, não o “meu” pessoal não especializado...

 Quando parei em um sinal, alcancei meu celular e liguei para Howard, do DEA:

 — Howard? Aqui é o Dotson...

 Howard não respondeu de imediato. Estava escutando... Mas não respondeu. Aquele velho magrela de cabelos brancos embolados provavelmente estava fumando um Hook Fox barato daqueles coloridos atrás da linha. Cigarro com sabor, coisa para criança... Howard não gostava muito de mim.

 — Howard? Está aí..? Quer capturar uns traficantes?

 Ele não ia dizer não para a proposta.

 Estendi o convite para o DEA pensando também em como ia camuflar todo o episódio de ação que achava que estava prestes a acontecer. Se aparecesse no jornal que era apenas o DEA atrás de uns marginais então nada havia para se preocupar. Mataria dois coelhos com uma cajadada só. O resto da história você já deve adivinhar: chegaram carros, chegou o Howard e eu contei a situação para ele.

 Depois de uns minutos estávamos diante do local, discutindo o que fazer:

 — Então... O grupo do Dan vai entrar naquele prédio da esquerda, a outra equipe vai cercar a entrada de trás— apontava com a mão os prédios enquanto falava— E enquanto isso depois o seu parceiro, como o nome dele, mesmo?

 — Jackson.

 — Jackson vai dar cobertura naquela área da direita. É uma operação simples... Só temos duas entradas.

 Jackson havia saído do centro e vindo com outra viatura para dar o suporte a meu pedido. Chapman reportou que estavam aguardando a equipe médica para carregar Sprohic para o ambulatório.

 — Parece suficientemente simples.

Tirei um cigarro da minha carteira. Howard olhou para mim interessado:

 — Tem certeza que vai ficar só olhando?

 — A operação é sua, segundo o jornal. Eu quero só dar o suporte para caso o que eu esteja pensando for acontecer.

“E vai acontecer. Se Sarah falou que o convite ia estar aqui então vai haver uma luta paranormal.” Pensei comigo.

 — Você quem sabe. E esse sujeito que vocês estão perseguindo... Tem a ver com o assassinato de Jim?

 — De Sanford? Não... Certeza que não. Aquele ataque a céu aberto foi outra coisa.

 Se eu dissesse que sim, Howard era capaz de querer fazer as coisas por ele por vingança, visto que Jim era de seu pessoal. A última coisa que preciso é um ser humano comum tentando dar uma de herói e apanhando feio de seres monstruosos de última espécie. Eles estavam ali para distrair os capangas, e só.

 Eu iria me concentrar no convite. Ele nos comboios de drogas.

— Sendo assim... Vamos dar início à operação.

 Não estava vindo nenhum caminhão ou meio de transporte similar, mas nós tínhamos que entrar e averiguar quantos homens armados estavam esperando dentro dos prédios, se é que havia alguém. E seria melhor fazer antes da chegada dos comboios, para que evitássemos de nos ver encurralados.

 As equipes chutaram as portas e entraram. Eu e Howard ficamos esperando retorno de dentro do carro antes de tomar qualquer decisão. As equipes iam relatando o que estava se passando, à medida que avançavam.

 De repente meu celular me deu um susto mais uma vez. Era um número desconhecido. Normalmente eu teria desligado sem atender, mas estava com um pressentimento... Então pensei em pelo menos saciar minha curiosidade de saber quem era.

 — Tenente Dotson? Quem é, droga? Estou ocupado agora...

 Uma voz ofegava do outro lado da linha. Ele disse seu nome. Era ninguém menos que Eliott Solis.

 — Solis!? O que você quer? Onde você está? O que significa tudo isso...? E onde conseguiu meu telefone?

 Fui interrompido por ele do outro lado da linha. Ele falava de modo taciturno e acelerado. Parecia que não tinha muito tempo. Resolvi ouvir o que tinha a dizer.

 — Escute... Sei que você... Vocês do DCAE não acreditam em mim... Que estão com muitas perguntas. Mas eu possuo informações relevantes... Informações que compilei durante esses últimos dias... Que podem ajudar... Eu preciso que você venha aqui em...

 — Você quer que eu vá até você mais uma vez? Foi o que eu fiz e vi Sprohic estendido no chão, com um pé na cova! Quem fez isso?

 — Foram eles... Eles estão atrás de mim. Escute... Eu tive que sair... Estou correndo risco... Preciso... Que você acredite em mim.

 Aquela coisa não ia a lugar nenhum.

 A voz de Jackson e das demais equipes começava a ser ouvida nos aparelhos de comunicação. Howard me lançou um olhar furioso e tomou o aparelho comunicador de minha mão, passando a dar ordens.

 — Solis... Me mande seu local por mensagem. Agora eu não posso! — Desliguei o celular. — Merda! O que aconteceu?

 — Como assim a equipe de Dan não responde? — Howard mudou o canal — Dan... Dan..?

 Estava começando.

 Colocando a mão sobre o ombro de Howard, tentei tirá-lo da jogada:

 — Howard! Howard! Onde está a equipe do Dan?

 — Eu não sei... Não estão respondendo.

 — Onde ela ERA para estar?

 — No prédio da esquerda, na entrada da frente. Eles entraram, subiram a escada e...

 Abri a porta do carro e saí.

 — Henry?

 — Eu vou lá. Diga para sua equipe — e para minha — Se concentrarem em aonde eu não estou.

 E mais essa agora... Solis ligando no meio da bagunça. Seria de propósito? Estaria ele passando um trote apenas para se aproveitar da confusão enquanto seus comparsas tiravam os policiais do DEA de cena? Não... Não pode ser. Aquilo era de verdade.

 Enquanto me dirigia rapidamente ao bloco onde aconteceu a quebra de comunicação dei uma última espiada em meu celular. Tinha recebido uma mensagem de um número desconhecido — provavelmente Solis — e de Sarah. Até Sarah estava incomodando. Por que eles não me ligam quando estou sossegado fumando um cigarro?

 Entrei sem me preocupar muito com o perigo. Confesso que estava com a cabeça fora do lugar. A porta estava escancarada. Não avistei nenhum policial em estado consciente, apenas dois deles que se encontravam tombados em frente à porta.

 Segui pela escada espiral de chão de ferro por onde a equipe tinha ido. E então senti ductu. O meu estava transbordando tanto que nem fazia sentido em tentar esconder. Apenas segui a sensação.

 Ele vinha de uma salinha fechada no final do corredor à esquerda, que tinha só uma porta.

 Não era bem uma salinha. Olhando de fora dava para ver que era relativamente grande. Cerca de vinte metros quadrados. Parecia um depósito. Seja como fosse tinha bastante espaço lá dentro.

 Estava para lutar contra quem quer que fosse. Se fosse Jeffrey Sprohic, o zumbi, eu não teria tido o menor receio, mas naquele momento, sabendo que era um dos figurões do tráfico de Deluxes, responsável pelo roubo do convite naquele sábado retrasado, por esconder por tanto tempo o responsável pelos assassinatos dos Johnson e por ter jogado a culpa naquele zumbi recém-nascido... Sabendo que era alguém que estava por trás daquelas artimanhas todas. Eu não podia deixar de sentir essa sensação palpitante que estava sobre meu peito, do lado de dentro.

 Seja como fosse, eu iria ver a verdade assim que abrisse aquela porta. Antes... Acendi um charuto. Sim... Um charuto. Era uma ocasião especial.

 Por mais que eu não estivesse confiante, era importante transparecer confiança.

 Ao invés de abrir a porta com um chute e gritar “mãos à cabeça”, eu girei a maçaneta e adentrei o recinto vagarosamente.

 E lá dentro encontrava-se de frente para mim, apenas um homem. Um homem familiar.  Um homem familiar não porque eu o conhecia pessoalmente, mas porque já conhecia bastante de ter ouvido falar.

 Negro, alto e magro.

 Era o paranormal da sexta-feira.



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