Hinderman Brasileira

Autor(a): Oliver K.


Volume 1

Capítulo 16.2: Queima De Arquivo

 Tenho de abusar de minha indarra para impulsionar-me velocidade durante o percurso. Vou a pé, para não deixar informação sobre minha pessoa em veículo nenhum, de maneira que não sou visto por ninguém. Está noite chuvosa. Então não há perigo de alguém avistar objeto não identificado correndo em velocidade desumana.

 Não tardo a chegar ao destino. O lugar é menos que cabana abandonada. Uma casa de madeira perecendo diante da chuva, prestes a cair à mercê do vento a qualquer momento. Toco na porta e esta se abre sem esforço.

 O interior é escuro e vazio. Difícil acreditar que há alguém ali. Não sinto ninguém pelo momento. Afinal o sentir pelo ductu só funciona com seres paranormais, e até onde se estende meu conhecimento, Alexander Sprohic é humano comum.

 Encontro tal indivíduo agachado, coberto por uma peça de moletom maior que sua figura, encostado na parede. Parece suficientemente fora de si. Drogado? Exausto? Doente? Com frio? Eu não sei... Mas a mim não importa.

 Ele me nota e salta para trás, como se não me esperasse. Em seguida parece se dar conta de quem eu sou, ou de quem acredita que sou: o responsável pelo negócio que armou com o homem da gravação.

 — Sou eu. — Minto. Principalmente para evitar ter que carregá-lo até a casa. Planejo guiá-lo até fora do recinto para que não seja encontrado pela polícia e só então cuidar para que sua boca não se abra mais. Se o faço agora corro o risco de a polícia chegar bem na hora.

 — Cadê...? Você... Trouxe o pacote?

 Deluxes... Eles fazem isso com uma pessoa? O homem à minha frente faz menos que ideia mera do que está acontecendo. Pronuncia suas palavras de modo embolado e confuso.

 — Está no carro. Venha.

 — Eu não vou pagar... Até não receber... Não vou...

 — Está bem. Venha.

 Dou as costas e começo a guiá-lo para fora, esperando que me siga. Qual a minha surpresa quando sinto o mórbido vento do ductu de dois seres paranormais, vindos de a menos de dez metros de distância. Eles vêm na minha direção exata e aquele cômodo é encurralado. Não há como prevenir que me vejam ali.

 O viciado ainda se encontra jogado à parede.

 Volto ao interior da sala e tento misturar minha figura ao escuro, procurando oportunidade. Quiçá eles avistam apenas a quem procuram e esquecem de examinar o resto da peça? Meu único disfarce é a cor de minha pele e a cor de minha vestimenta. Escondo por completo minha presença com o mais rigoroso dos sigilos.

 O primeiro ser paranormal a entrar é baixo e bem arrumado. Usa paletó e roupa social. Este aponta uma arma para seu alvo, agachado em meio à luz do luar. Sua parceira é uma moça de cabelos presos, usando óculos de lente grossa e roupas moderadamente formais.

 — Alexander Sprohic? Mãos para cima. Você está...

 — Você... Você... É da polícia? Me ajude... Eles vieram para me pegar. — O toxicômano aponta o dedo na minha direção.

 Inesperado! Alexander Sprohic percebe sim minha intenção! Possivelmente quando armou o encontro, o portador da voz principal da gravação havia formulado um código de conduta o qual não devo ter seguido, deixando clara a falsidade em minha atuação.

 Agora é tarde demais para qualquer desculpa. Os agentes policiais à minha frente compreendem o quanto é perigoso um ser paranormal e passam a agir violentamente sem aviso prévio. Só o que posso é lutar por meu objetivo.

 O moço baixo dispara contra mim dois tiros, à medida que acompanha a pistola em minha direção. Mas eu uso de minha agilidade e de minha diagonal para desviar os projéteis. O agente não mais desperdiça tiros após aqueles dois, como um bom conhecedor. Um mau conhecedor continuaria perseguindo-me com tal estratégia esperando que a sorte lhe proporcionasse a felicidade de um acerto, mas aquele moço rapidamente percebe que sou versado demais no desvio para que tal coincidência seja possível.

 — Que tratamento insensato! — Desdenho — É porque sou negro?

 Como tentativa de ganhar iniciativa, salto na direção do agente usando de minha velocidade. A base para tal atitude é que me posicionaria entre ele e a moça, a qual se encontra diretamente atrás de seu corpo, impossibilitando-a de tomar qualquer medida de ajuda. Deste modo posso competir com o agente em luta um a um, pelo menos por breve momento.

 O agente grita para sua parceira, em meio ao tumulto:

 — Emma! Pegue o Sprohic e o leve até o carro! — Ele planeja lidar comigo sozinho? É o que parece. Ou pelo menos pretende distrair-me à medida que deixa Alexander Sprohic a salvo. Infelizmente não posso deixar nem que me vença e nem que capture meu alvo.

 Contudo não é tarefa fácil soltar-se de seu agarramento. Encontro-me sem a mobilidade de meus dois braços pois assim que cheguei perto ele agarrou-me com um golpe memorizado. Pouco a pouco o agente dá pequenas passadas na direção da parede visando deixar-me em desvantagem posicional.

 Para evitar que ele me encurrale na parede desfiro-lhe uma cabeçada inesperada. Sou mais alto, meu pescoço é mais longo, então aproveito tais vantagens somando ainda velocidade da indarra no ataque, para que não lhe seja possível desviar.

 O corpo do policial salta para trás com o impacto à medida que me liberto. Percebo pela sombra um movimento atrás de mim. É Alexander Sprohic levantando-se, preparando para tomar uma atitude. Não que qualquer golpe que lance contra mim possa surtir algum efeito. Ele ainda não sabe que lida com seres paranormais. A ineficácia de sua predisposição se evidencia ainda mais quando ele cambaleia e volve a cair sentado, sob efeito do Deluxe.

 O jovem agente à minha frente recupera-se rapidamente, colocando-se em pose de luta, agora expressando-se mais cauteloso. Atrás de mim, a moça pega Alexander Sprohic e dá a volta pela sala em velocidade sobre-humana, carregando-o provavelmente em suas costas. Não consigo ver direito.

 Entre lutar contra aquele jovem e sair do breu a perseguir sua parceira, percebo rapidamente que a segunda opção é a mais razoável. Meu objetivo tão somente é silenciar Alexander Sprohic, não importando os meios, e não vencer dois agentes armados do DCAE.

 Vertiginosamente contorno a sala, deixando o jovem agente no meio, tal como fez sua parceira, e me guio de seu ductu, visando arrancar-lhe o adicto de suas costas.

 Não tardo a encontrá-la frente a uma viatura policial a qual se encontra vazia. Ela está prestes a colocar Alexander Sprohic sobre o assento traseiro. Entretanto a porta do carro ainda não se encontra aberta. É a minha chance.

 — Emma! Cuidado! — Grita o jovem policial à medida que chega atrasadamente, de dentro da casa de madeira.

 O agente mais jovem ainda está a mais de vinte metros de distância, abaixo da escada de concreto que leva ao interior da casa, enquanto eu e a moça encontramo-nos frente à viatura. É única minha chance de tomar da mesma o toxicômano e levá-lo para longe dali. Antes que eu tente qualquer coisa ela lança seu corpo contra mim e me segura, imobilizando novamente os movimentos de meus dois braços. Aquele golpe é uma regra de conduta policial contra seres paranormais? Porque é irritantemente efetiva.

 Balanço meu corpo com o máximo de minha força tentando me soltar.

 — Sprohic! Entre no carro! — Grita a moça ao viciado. Contudo este não lhe dá ouvidos e resolve correr cambaleadamente no meio da rua, procurando fugir de toda a situação.

 — Droga! — Ela diz quando Sprohic sai de perto do carro. Não porque tema que irá perdê-lo de vista; Alexander Sprohic é humano, não pode competir com a velocidade de um ser paranormal correndo a pé, mas o fato de ele ter saído por conta própria o deixa muito mais fácil para eu capturar do que se ele estivesse dentro do carro da polícia. Em outras palavras, ela sabe que a atitude dele veio em meu favor.

 Finjo que perco fisicamente para ela por um momento, inclusive deixo-a golpear-me com seus joelhos enquanto segura meus ombros. Seu parceiro acredita em meu blefe e resolve ir atrás de Alexander Sprohic, deixando-a cuidar de mim. Agradeço por ter agido de tal forma. Se ele resolvesse ajudar sua parceira a me capturar eles provavelmente teriam não só Sprohic, mas também Shinobi em sua delegacia esta noite.

 Assim que o jovem agente passa do carro para perseguir o toxicômano, sua parceira cai devido ao veneno de meu aparato de ferro o qual sempre carrego no bolso, agora fincado em sua perna. Apesar de ela ter imobilizado meus braços, enquanto ela me segurava e me golpeava eu consegui fincá-lo na superfície de sua carne arremessando-o com a ponta de meus dedos, que ainda não estavam com movimentos trancados. O efeito é rápido, então calculei para que fosse realizado assim que o agente jovem a visse e achasse que estava tudo bem enquanto ela me golpeava. E o cálculo funcionou conforme antecipado.

 Solto seu corpo lentamente e este vai ao chão, então passo a perseguir o agente mais moço. Ele por um momento percebe-me logo atrás dele, enquanto ele está quase na quadra da frente, a poucos metros do viciado, o qual sem os sentidos, corre lenta e cambaleadamente na mais randômica das direções.

 O agente alcança o viciado, mas eu estendo o cabo de Shoushiryu, minha katana — que estava escondida sob meu sobretudo durante todo o tempo — e este acaba derrubando o policial no chão, visto que ele não tem como diminuir sua velocidade à medida que usa a indarra nas pernas.

 Tomo Alexander Sprohic em minhas mãos e o continuo correndo até perder os dois parceiros policiais de vista. Foi tudo um pouco aturdido, mas o plano acabou acontecendo conforme o esperado. Minha velocidade excede cinquenta quilômetros por hora, o que é o suficiente para despistar dois agentes paranormais, visto que estes demorarão até levantarem-se do local onde foram derrubados.

 Não demoro a retornar à Pinnacle Hotel. Minha senhora estranhamente espera à porta, na recepção. Assim que me avista, ela se abre em um discreto sorriso.

 — Este não é lugar para esperardes, minha senhora.

 — Porque sou uma aberração e não deveria mostrar minhas asas em público?

 Tardo a responder-lhe de maneira mélea como gostaria, mas é que ela tira as exatas palavras de minha boca.

 — Sem resposta? Que seja... Traga ele para dentro, rápido.

 Amarramos Alexander Sprohic a uma cadeira. Ele encontra-se quase inconsciente por conta de seu vício.

 — Vocês... Vão fazer o que? Quem mandou? Verde... — Ele murmura outras coisas entre polícia e nomes de traficantes que conhecemos.

 Minha senhora o faz cair inconsciente com uma rajada de seu intenso ductu.

 — Cale a boca. — Ela diz para o corpo desmaiado — Ok. Mais uma coisa está resolvida.

 — Devemos convir que isso foi muito perigoso...

 Ela me dispensa com seu típico gesto condescendente

 — Eu sei, eu sei... Você é todo razão, não? Mas você não sabia? O segredo para colher o mais fecundo prazer é viver perigosamente.

 — O autor de tal ditame morreu de doença mental, minha senhora... E agora? Devemos silenciá-lo definitivamente? — Claramente me refiro ao toxicômano desmaiado o qual mais que audaciosamente ocupa a cadeira de minha senhora no momento.

 — Sem pressa. Ainda tenho que fazer uma coisa antes. — Ela se aproxima de seu corpo e passa a analisá-lo de maneira que não compreendo. Está a usar uma finesse? Algum conhecimento biológico ignoto?

 — Algo em que eu possa ajudar?

 — Não exatamente... Por hoje estamos terminados. Afinal já é noite. Eu preferia ficar acordada de noite, mas tive que me acostumar a viver no dia mesmo sendo uma vampira por causa da enfadonha vida humana que tenho que fingir levar... — Minha senhora suspira levianamente — Falando em noite e dia...

 — Imagino que minha senhora irá retomar o assunto do lobisomem? — Olho pela janela — De fato agora que paro para pensar hoje é mesmo madrugada de lua cheia.

 — Ora, se não somos intrometidos... Você, dentre todas as pessoas me interrompendo, Shinobi?

 — Mil perdões, minha senhora é que...

 — Brincadeira, bebê... Como você mesmo disse, era exatamente isso que eu retomar. — Ela larga o corpo desmaiado do irmão do encarcerado responsável pelo roubo da joalheria e caminha na direção da varanda. Tento adivinhar suas intenções mais uma vez:

 — Imagino que agora haja tempo de fazer algo a respeito e tenhas trocado de ideia?

 — Exato, Shinobi. Ia aconselhá-lo justamente para pesquisar algo a respeito. Afinal de contas... — Ela passa por mim e debruça-se sobre a baixa parede da varanda — É vantagem que haja um lobisomem atacando pessoas por aí. Eu estive pensando no que você disse... Que pode ser que o Verde esteja fora do radar da polícia por causa que a morte de Sanford poderia ser classificada como estranha agora que Sprohic foi preso...

 Então minha senhora escuta sim às minhas sugestões...

 — Eu ainda calculo que o Verde vai sim ser responsabilizado pelos dois atos, mas se por algum acaso não for... Seria bom termos um plano B.

 — Plano B?

 — Lógico! E este seria justamente o nosso amigo lobisomem. Quem melhor que um lobisomem para matar pessoas às mordidas?

 — Em outras palavras... Tua vontade não é que eu faça nada além de ao menos descobrir do que se trata o lobisomem e uma vez descoberta a verdade, abster-me de fazer algo a respeito, pois este pode ser um importante bode expiatório caso o DCAE chegue mais perto da verdade sobre teus... Teus...

 — Meus ataques de fome! É exatamente isso, Shinobi.

 — Eu não ia dizer isso com essas palavras...

 — De qualquer maneira, por hoje já fizemos o bastante. Vamos dormir e você pode começar amanhã, o que acha?

 — De inteiro acordo, minha senhora.

 — Então venha, vamos dormir. — Ela faz um gesto e deixa Alexander Sprohic amarrado inconsciente na cadeira enquanto caminha novamente ao interior do hotel. Eu sigo seus passos.



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