Volume 1 – Arco 1
Capítulo 15: Setor de caça
Apenas a possibilidade de que o general viria, mudou toda situação.
O topo da hierarquia militar, um homem com a responsabilidade de dezenas de milhares de vidas, tanto aliadas quanto inimigas. Alguém que, em um lugar tão rico como fortuna, deve portar armas capazes de destruir essa prisão inteira com um único comando.
Em um mundo com magias, técnicas e métodos para elevar a força física até um nível sobre-humano, metodicamente, através de escolas que até para um aluno não oficial como o Brutamonte, oferecem uma técnica tão forte quanto a barreira, nem ouso imaginar que tipos de habilidades ele deve guardar na manga.
Apesar dos fujões não conseguirem explicar direto o motivo de tanto medo, eu entendi que o plano de ir para o lago perdeu o sentido. Independentemente do quão forte seja aquele que está nos seguindo, dificilmente deve superar a força de um general. E mesmo superando, aquele truque barato seria inefetivo contra ele, de qualquer forma.
Por isso, decidimos tomar um risco e executar o plano de fuga principal sem tentar nenhum passo além do necessário:
Primeiro, iremos nos disfarçar no único vestiário no alcance dos prisioneiros, no setor de caça, abrindo a possibilidade para o segundo passo, onde entraremos na sala de reeducação, que nos dá acesso direto para a sala subterrânea de interrogações, lugar que o Brutamonte viu com os próprios olhos o terceiro passo, uma saída usada para devolver os cadáveres dos prisioneiros torturados a suas famílias.
Voltando ao presente, apesar do setor de caça ser mais próximo que o lago, ainda é o segundo setor mais distante de nós.
Entre os maus olhares e risadas, fui acertado por um nariz de palhaço:
— Hahaha! O Circo Formosa resolveu fazer um tour na prisão!? — E a cada minuto, o nosso meio de transporte improvisado trazia mais risco de perdermos ainda mais tempo, atraindo atenção desde de prisioneiros rindo, até guardas se questionando se deveriam nos parar.
Meu maior medo era que a paciência do Saturno se esgotasse e ele saísse brigando com aqueles que nos provocavam, desperdiçando todo tempo salvo; mas olhando para o lado e vendo o Saturno comprar a brincadeira, pedindo pinos de malabarismo, rindo junto deles e devolvendo as ofensas de forma bem humorada, relaxei um pouco.
“Realmente é impossível prever esse cara.”
— Para de pedalar! — gritou Vibogo, freando bruscamente, quase torcendo meu braço para evitar ser lançado para frente, queimando parte da minha mão pelo atrito com o elástico.
— De novo isso!?
— Olhem para frente.
Alguns guardas colocaram uma placa cheia de espinhos no caminho, para furar o pneu da bicicleta, então fomos forçados a ir pelo terreno irregular da grama, desviando das mesas e árvores no processo.
Os esquis se tornaram ainda mais difíceis de controlar, deslisar e somado as curvas bruscas dos dois, comecei a esbarrar nos obstáculos e perder o equilíbrio.
— Vão com calma, vou cair desse jeito!
— Se desacelerarmos vamos ser pegos pelos guardas — disse o Brutamonte.
— E se cairmos, não!? — Troquei de lado com o Saturno, para recuperar minha mão direita, mas em poucos minutos, as duas estavam na mesma situação, com uma linha reta de pele descascando.
Enquanto brigávamos sobre a questão de reversamos os veículos, chegamos perto do fim do parque e nos deparamos com mais um problema, dessa vez impossível de desviar. A única saída era vigiada por dois guardas e protegida por uma barreira de trânsito, cercada por um muro dos dois lados, alto demais para considerarmos pular.
— Deixa comigo! — O Poeta cobriu seu rosto com um pano, acelerou e com uma pirueta, jogou flores que começaram a se despedaçar no ar, aproveitando para empurrar a barreira, com uma certa dificuldade.
Os dois guardas sacaram suas armas e tentaram impedir o Poeta, mas começaram a espirrar e lacrimejar sem parar. Um deles esfregou sua mão nos olhos e isso só intensificou os efeitos, gerando gritos de agonia e coceiras na pele.
O outro viu isso e correu para uma fonte próxima para se lavar, abrindo espaço para passarmos sem nenhum confronto.
O guarda caído pegou o dispositivo de rastreamento para chamar reforços, mas sem enxergar nada, foi impedido com facilidade pelo Poeta, que jogou o artefato no chão e pisou em cima.
— Estão esperando o que? Podem passar!
— ...Por que nunca fez isso antes? — perguntei.
— Ele fez. Você só não estava para ver — respondeu Vibogo. — Acha que deixaríamos ele participar das nossas fugas se fosse só um peso morto?
— Quando eu estava, ele nunca fez nada parecido — disse o Brutamonte. — Vai comparar isso com a fuga que ele distraiu o guarda com um trava-língua?
— Minha arte é espontânea! Se fosse lógico, não usaria de arma a monocotiledônea colorida de branco.
— Não adianta tentar me distrair com essa rima ridícula! Desde quando você consegue fazer isso?
— Saturno?
— O que foi? Quer a sua parte?
Ele arrancou o uniforme do guarda, checou todos os bolsos para ver se havia algo valioso, então jogou de volta no chão.
— Esquece, não foi nada...
O Brutamonte estava prestes a ir confrontar o Saturno, mas foi impedido pelo Vibogo e pelo Poeta. Indiretamente, ele nos organizou mais rápido que nas outras pausas.
Então voltamos a nossa formação e partimos.
Já a uma certa distância do parque, consegui ver o outro correr para socorrer o guarda caído e chamar reforços.
Fiquei preocupado, mas de imediato, não houve efeito algum. Passamos tranquilamente pela planície dos animais terapêuticos, andando pela estrada principal sem problemas.
Além do setor de caça, imediatamente fechado por ter prisioneiros portando armas perigosas, não havia muita coisa pelo lado norte da prisão. Por isso, até em dias comuns, esse caminho costumava ser mais desértico que os outros.
Mas bastou um guarda nos avistar, que em poucos minutos vários outros surgiram e prepararam armadilhas a nossa frente.
— Olha só, montaram até uma pista para mim! — Então o Poeta freou, se abaixou sem curvar seus joelhos e fez um clique em seus patins, que tremeram e se lançaram para frente.
Ele chutou uma armadilha na direita, desequilibrou um guarda na esquerda, deu um salto e expulsou os guardas no nosso caminho.
Tudo isso incorporando os movimentos da rotina de antes: giros, saltos curtos e mudanças bruscas de direção, em alta velocidade.
“Sua competência é proporcional ao quão estiloso ele é?”
Nesse curto momento, ele parecia outra pessoa.
[Bateria fraca]
Prestes a avançar em cima de dois guardas montando uma barricada, o impulso acabou, pegando ele de surpresa, fazendo o Poeta tropeçar e cair de cara no chão, destruindo sua confiança. Na mesma velocidade que tomou a iniciativa para lidar com os primeiros dois guardas, ele voltou a se esconder atrás de nós
— Por isso eu te disse para não andar na velocidade máxima! — repreendeu Vibogo.
Os guardas se reorganizaram rapidamente e montaram um cerco ao nosso redor.
— No fim, sempre sobra para mim... — Então o Saturno soltou o elástico, acelerou seu monociclo com pedaladas intensas em direção ao guarda mais próximo e o atropelou.
Os dois caíram no chão e o Saturno avançou na garganta dele, apertando seu pescoço com as duas mãos.
Quando outros guardas correram para o socorrer, ele soltou uma das mãos, se levantou e derrubou todos, usando o próprio corpo do guarda inconsciente como arma.
— Pode dar uma ajuda aqui? — E o Brutamonte se juntou ao combate, pegando uma espada que o Saturno arremessou e ativando sua barreira.
Estranhamente, os golpes do Saturno pareciam menos efetivos que antes. Ele parecia evitar usar qualquer tipo de arma real, levando alguns cortes sem resposta alguma e errando ataques fáceis, redirecionando socos de áreas vitais para menos perigosas.
“Comparado com sua luta na solitária, parece que ele está se segurando?”
— No cassino, pedimos para ele evitar matar, para não chamar tanta atenção — comentou Vibogo, atirando algumas pedras, escondido atrás da bicicleta, enquanto o Saturno erguia um guarda, girava e arremessava em direção a um aglomerado totalmente amedrontado. — Em troca, ele está livre para fazer o que quiser, além disso.
— Realmente, agora seu estilo está bem discreto — disse rindo. — Parece até um assassino da guilda Lance.
Então o Saturno foi arremessado ao alto pelo Brutamonte, fez uma bola de canhão terrestre e esmagou a defesa deles, perseguindo todos que fugiam, se banhando de sangue.
— Desde que mudaram o nome de Glance para Lance, essa guilda fajuta tem falhado mais e mais, por usarem agentes mal treinados. Diferente desses, que só se aproveitam da fama do passado, o Saturno está ligas acima desses amadores ingratos, sua habilidade imperceptível é digna da ordem secreta! — retrucou Vibogo, com uma estranha animosidade contra a guilda Lance.
O Saturno arrancou uma árvore baixa, o Brutamonte arremessou uma rocha e como em um jogo de baseball, o Saturno viu a rocha arquear no céu e acertar um grupo de guardas distantes, que viram essa bagunça e estavam correndo para se juntarem a luta.
— Visivelmente, o que presenciamos diante dos nossos olhos, já não é mais do reino humano. Claramente estamos presenciando o nascimento do quarto iluminado da escola dos assassinos do império caído! — anunciou o Poeta, em uma voz épica.
— Querem vir lutar no nosso lugar? — perguntou o Brutamonte.
— Bom trabalho — disse o Poeta, em uma súbita mudança de atitude, entregando o pano da sauna, que usou para se limpar antes e um copo da água, com os trejeitos de um mordomo. — Só fazemos isso porque sabemos que podemos confiar em vocês!
— Não rimou.
— O que?
— Por sua própria lógica, não veio do coração, já que não rimou.
— Só deixei de fazer uma poesia porque você claramente não aprecia minha arte.
— Claro que aprecio. Se não gostasse, só diria que está bom. Todas minhas críticas foram construtivas.
— Construtivas como as locomotivas prometidas pelo rei Atidas.
— Essa, por exemplo, foi uma boa rima.
— Então, por sua lógica, foi uma rima ruim?
— Pode não ser a melhor das comparações, mas ao menos o escândalo do rei Atidas tem algo de negativo e é sobre uma construção.
— Isso foi uma crítica?
— Chega dessa conversa sem pé nem cabeça! Parece que o general já está a caminho do laboratório — disse Saturno.
Olhei em direção ao sino e a bandeira havia mudado.
— Será que ir até o setor de caça ainda compensa? — perguntei. — Ir para o centro de reeducação sem se disfarçar pode ser arriscado, mas pela cena que causamos, existe a chance de nós sermos os próximos.
— Relaxa, que eu já cuidei disso — disse Vibogo.
Pouco depois, uma horda de guardas preocupados passou na nossa frente, sem nem olhar para gente.
— O que você fez? — perguntei.
— Esse rastreador é bem útil — respondeu Vibogo, jogando o objeto de uma mão para a outra. — Fingi ser um maníaco fazendo um guarda de refém no lago, usando esse artefato.
— Eles não conseguem rastrear de onde veio essa fala? — perguntou o Poeta.
— Pela qualidade desse artefato artificial de segunda categoria, qualquer outra funcionalidade sobrecarregaria ao ponto de ocorrer uma explosão. — Ao dizer isso, o Vibogo fez uma expressão séria e reconsiderou essa afirmação, com um tom menos confiante: — Se bem que, com um mago especializado é possível, mesmo sem uma função de rastreamento no artefato, fazendo o processo contrário manualmente... Antes seria absurdo considerar a existência de um mago tão habilidoso mofando nessa prisão, mas se o general trouxer os seus subordinados diretos, é bem possível.
Por segurança, o Vibogo enterrou o artefato que usou e substituiu por outro idêntico, guardado em seu bolso.
— Alguém tem mais alguma objeção? — perguntou o Brutamonte.
Com a confirmação de todos, graças ao blefe do Vibogo, tivemos o trajeto mais pacífico até agora.
E finalmente chegamos ao refeitório público.
O Vibogo usou a chave mestra para passar pelo setor da cozinha, onde procuramos ferramentas úteis, como armas, mas infelizmente, provavelmente por prisioneiros trabalharem aqui diariamente, não havia nada de surpreendente.
Até consideramos carregar um pouco do carvão ou óleo, mas decidimos apenas comer as sobras do dia anterior e tomar água, mesmo sem fome ou sede, para caso a fuga durasse mais tempo que o previsto.
Passando por alguns armazéns, chegamos à porta dos fundos da cozinha, que dava acesso direto para o início do setor de caça.
Abrindo a porta, era notável a diferença entre os dois ambientes, mesmo que conectados na mesma construção. Se a cozinha tinha um aspecto mais industrial, cheio de objetos metálicos e materiais sintéticos, preenchida por uma decoração sem graça, com grandes áreas completamente vazias; o lado do setor de caça era praticamente composto apenas por madeira, mas decorado onde quer que você olhasse.
Esse lugar era uma loja que vendia diversos produtos derivados de animais: casacos de couro e produtos de lã para o frio, tapetes de pele de animal e outras decorações para as celas.
A seção mais chamativa ocupava uma parede inteira: diversos crânios de monstros, dentes e garras, as vezes ligadas em colares, decorados junto de bijuterias e cobertos por papeis de alta qualidade, com uma estampa na língua desse mundo.
“O preço?”, tirei a minha dúvida com um dos fujões, que me corrigiu.
Aparentemente era o equivalente a um pé de coelho, um amuleto da sorte, porém, para uma sorte específica: como sorte no amor, sorte nas apostas, sorte em prevenir o azar e sorte em encontrar objetos que trazem sorte, para aqueles que trabalham no setor de caça.
Saturno, como sempre, tentou pegar os que pareciam mais valiosos, mas foi impedido pelo Brutamonte.
Pessoalmente, gostaria de impedi-lo faz tempo, no entanto, fazer isso ciente da diferença de força abismal e da loucura dele, seria apenas irresponsabilidade com a minha própria vida, um desrespeito a aquela que lidou com esse fardo por nove meses.
Passando por essa loja, havia um laboratório para estudos, onde dissecavam e faziam experimentos nos animais, de forma mais brutal e menos refinada que no outro laboratório.
— Um machado! — Saturno olhou para trás, mas o Brutamonte, dessa vez, não disse, nem fez nada.
Ele estava ocupado, horrorizado em ver os animais ainda vivos, cansados demais até para expressarem sua dor ou tentarem fugir, vítimas de experimentos que pareciam apenas sadismo puro, sem objetivo prático.
“Ou será que eles estão tentando replicar o experimento dos lobisomens?”, descartei essa ideia, pela diferença clara dos alvos desses objetivos e pelas anotações que pedi para o Poeta ditar:
— Até para dor, existe um limite. Exagere demais e seu alvo morrerá, repita demais e perderá o efeito. Nesse experimento, será explorado outras formas de tortura, baseado na reconstrução do cérebro, com o fim de alcançar o controle dos neurônios que regulam a percepção do tempo. Título: A tortura eterna... Que assustador.
— Parece até a sinopse de um livro de terror. Como aprovaram esse projeto? — Foleando o livro, era possível ver a frustração de quem escrevia, crescendo junto com a ilegibilidade, distância entre a data dos experimentos e violência das letras. — Brutamonte, você que passou pela sala de tortura. Lá é tão ruim quanto aqui?
Fui ignorado. Ele estava concentrado demais, segurando um roedor com milhares de cortes em seu corpo e membros substituídos por próteses baratas, em sua maioria, quebradas.
— Devemos soltar eles? — perguntou o Brutamonte.
— Nesse estado, sairiam daqui direto para barriga de algum predador. Não temos tempo para ajudar no longo processo de tratamentos veterinários e reintrodução a natureza — respondi.
— Você não sente nem um pouquinho de pena desses coitadinhos? — perguntou Vibogo.
— Claro que sinto — menti. — Só é irresponsável pensar que vai fazer algum bem, sem pensar nas consequências diretas. Cuidados paliativos existem, porque em certos casos, prolongar a vida significa prolongar o sofrimento. Nem sempre a decisão que parece óbvia e mais fácil, é a melhor.
— Eu posso levar comigo — sugeriu o Brutamonte. — Pelo menos um deles...
— Isso não vai pesar nas suas lutas?
— Deixa ele ser feliz — disse Saturno. — Qualquer coisa, o Poeta fica segurando o bicho enquanto lutamos.
— Farei essa função com todo empenho! — Assim ninguém o julgaria por ficar escondido, só assistindo.
— Se for só um desejo egoísta para se sentir melhor, pode ficar à vontade. Só não quero que ambos sofram mais tarde, por uma decisão impulsiva.
Vendo que todos discordaram do meu pensamento, me dei conta do deslize e belisquei meu braço.
"Foi porque ele me ignorou? Não, já tolerei pessoas insuportáveis com atitudes piores. Será que estar exposto a tanta violência me deixou desleixado?"
O estresse estava se acumulando.
— Então foi decidido — disse Vibogo. — Por voto majoritário, pode levar!
Mas o Brutamonte se virou e seguiu seu caminho.
— O herói tem razão. Ignorem meu desejo egoísta.
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