Season 2
Terceiro Conto: A Odisseia de Themira
Por: Themis e Míni
Limpem essas orelhas secas, pois irei contar apenas uma vez e não irei me repetir. Essa é uma história de milênios atrás, uma de muito antes dos humanos brincarem de Deus. Pouco me importa se acredita ou não no que vou contar, mas que cortem minha língua se alguma inverdade pronunciar. Essa é a história do fim do mundo, aquele que nunca aconteceu.
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Há muito tempo, quando a humanidade ainda desconhecia o significado de Filosofia e Matemática, ocorreu um evento raríssimo em toda a extensão da história. Um diamante tão escasso na história que seria possível contar nos dedos de uma única mão quantas vezes ocorreu. Naquela noite, uma reunião ocorreu, uma reunião onde todo o panteão compareceu.
E assim como em nossas reuniões, aquela era uma completa confusão. Dríades choravam por todo lado, heróis trocavam socos a torto e a direito. Já os deuses, esses jogavam a culpa de um lado para o outro. No meio de toda essa confusão estava o senhor do Olimpo, que calou todos ao esbravejar:
— CALEM-SE, CALEM-SE, CALEM-SE!!!! — Com cada urro de raiva, um raio rasgava o céu e um trovão tremia a terra. — O PRÓXIMO QUE GRITAR EM MINHA PRESENÇA SOFRERÁ AS CONSEQUÊNCIAS!
— Querido, acho que já entenderam. Não queremos outra série de tímpanos perfurados.
Era uma deusa de cabelo loiro e sorriso destemido, exibindo uma coroa de ouro e bronze. A rainha do Olimpo segurava a mão direita de Zeus enquanto o aconselhava.
— Certo! Agora que tenho a atenção de todos, podemos enfim dar sequência aos assuntos de hoje. Imagino que todos tenham ouvido algumas notícias infundadas sobre o conflito, portanto, permitam-me esclarecer a situação. — O deus dos trovões começou a caminhar pelo salão enquanto narrava — Temos um sério problema nas mãos, Odin quebrou nosso tratado de paz e está prestes a declarar guerra contra nós. Aquele maldito tamandua do Set entrou na brincadeira e também quer tirar um pedacinho de nós. Além desses idiotas temos aquele índio depenado querendo uma casquinha do Olimpo. Por tal razão, convoquei todos aqui hoje para que possamos discutir o melhor plano de ação para essa situação singular.
Dentre a multidão surgiu uma voz fria como o inverno, vinda de um dos cantos do salão. O dono dessa voz? Hades, o senhor do submundo, que disse:
— Posso me atrever a perguntar o motivo que fez Odin quebrar um acordo tão antigo quanto o próprio tempo?
— Não é óbvio? Aquele velho quer roubar nossa glória, nossas terras, nossos mortais. Além dis…
— Mentiroso! — Uma voz doce e suave ressoou pelas paredes de marfim do salão, interrompendo o rei dos deuses:
Uma pequena deusa pousou como uma pluma no centro do salão. Sua aparência não era muito diferente da de uma jovem qualquer: Cabelos negros como ocre, olhos cor-de-mel e pele levemente reluzente. O único diferencial na jovem e talvez o maior de todos, eram as parcas sardas em suas bochechas e as roupas de mortal que trajava. Poucos deuses reconheceram a figura que interrompia sua reunião. A primeira a reconhecê-la foi a senhora de pele rosada sentada ao lado de Hades, Perséfone. A deusa da primavera prontamente se jogou nos braços da invasora com um sorriso esculpido no rosto.
— Themira! Themis, minha pequena!
— Agora não, mãe! Tenho que desmentir as falácias desse careca de uma figa!
Themis encarava Zeus com determinação, mesmo que olhando para cima e dos braços da mãe.
— Controle sua filha, Perséfone. Esta reunião não é lugar para crianças. Principalmente uma tão indelicada e blasfemadora — esbravejou o monarca sem tirar os olhos da deusa.
— Criança? Já tenho mais de duzentos anos nas costas! E o único blasfemando aqui é você! Hermes me contou tudo, ele viu você criando toda essa confusão!
— CALADA CRIANÇA INSOLENTE! — Raios rasgaram o céu e fizeram o Olimpo tremer. — Como ousas desrespeitar o seu rei? Repita esse crime novamente e sofrerá as consequências!
Dessa vez foi Hades quem se levantou, mas foi interrompido pela filha.
— Rei? Você perdeu esse direito quando Odin te venceu no carteado!
— Como assim minha filha? — Hades caminhou pelo tablado em direção a sua família.
— Isso mesmo pai, Zeus apostou a coroa de louro no carteado e fugiu de Asgard quando perdeu o jogo! Hermes viu tudo! E não foi só isso, pai…
— CALE-SE — Feixes de eletricidade saiam dos olhos do monarca.
— Deixe a criança falar! Caso contrário eu mesmo farei com que você se cale. — O ar da sala esfriou em poucos segundos, trazendo o frio da morte para o lugar. — Ouse relar nela e terá também o Submundo declarando guerra ao Olimpo.
Zeus pareceu engolir uma pedra quando se calou.
— Ótimo. Prossiga, minha filha.
Themis se soltou dos braços da mãe e começou a contar para todo o Olimpo o que havia acontecido.
— Escutem todos! Aquele careca desgraçado condenou a todos nós! Algumas noites atrás, ele saiu de fininho dos nossos domínios para festejar! Fez Hermes o levar para outros reinos em uma corrida de bebedeira e depravação! Primeiro foi Asgard, onde embriagado, apostou a própria coroa de louros contra Hércules num joguinho de pontaria e adivinhem, o senhor das tempestades perdeu uma competição de lançar raios! Não bastasse ter assinado um contrato divino com os nórdicos, ele fugiu de lá e fez Hermes correr para o deserto.
O salão antes silencioso caiu em caos. Um murmurinho passageiro tomou o lugar até que Themira voltasse a falar.
— Mas não acaba por aí. Zeus também perdeu algo no deserto. Ele se divertiu com as sacerdotisas em voto de castidade no templo de Rá. Tocou cada uma delas e deixou um bebê crescendo dentro de cada uma, como presente de despedida. Não bastasse isso, ele se recusou a pagar o preço para Rá e fugiu novamente. Ele só foi terminar a festa noturna dele lá na floresta. Não fosse o suficiente mexer com Odin e Rá, ele achou uma ótima ideia brincar com o arco e flecha de Tupã. Não apenas conseguiu quebrar o arco, como acertou uma flechada na filha dele! Como nosso líder é um exemplo de responsabilidade, o miserável fugiu de lá e esteve escondendo as cartas dos outros reinos até agora. Ah sim, ele ainda forçou Hermes a assinar um contrato para ficar de bico calado. Se eu não tivesse quebrado o contrato, o coitado estaria chorando até agora.
O panteão entrou em caos, deuses corriam de um lado para o outro, ninfas se transformaram em árvores e os heróis discutiam a melhor forma de agir. Quanto a Zeus, o homem não ousava proferir palavra alguma, apenas ódio e vergonha estavam estampados em seu rosto.
Uma voz de sabedoria veio para tranquilizar a multidão:
— Acalmem-se irmãos, ainda há esperança. A guerra ainda não teve início, sangue algum foi derramado. Talvez eu tenha a solução para nossos problemas, mas muitos aqui não gostarão nada disso. — A voz de Themira surgiu dentre a multidão.
Uma gota de esperança caiu sobre as divindades e todos voltaram sua atenção para a deusa de um metro e cinquenta.
— Eu tentarei dialogar com os demais reinos, talvez assim consigamos chegar a um acordo, enquanto isso, vocês protegem nossa casa e se preparam para o pior. Se eu conseguir que cada um dos outros reinos assinem um contrato, teremos paz, mesmo que às custas de uma coroa e alguns outros tesouros…
Os deuses debateram por longas horas até aceitarem que Themira partisse com Hermes para os outros reinos. Aqueles que mais se opuseram à decisão da deusa dos contratos foram seus pais. Hades não queria arriscar a vida da própria filha nas mãos de deuses estranhos, mas teve que ceder quando viu a determinação nos olhos da filha.
Logo, ela partiu, levando consigo apenas as roupas do corpo, alguns pergaminhos e uma coroa laureada. Partiu com Hermes em direção a Asgard.
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A viagem não poderia ser mais tranquila, afinal, a deidade estava sob os cuidados de Hermes e seus serviços de viagens instantânea. Viajou em uma carruagem de guerra, ricamente ornamentada, e tão confortável quanto se pode imaginar. Tudo isso por míseros vinte dracmas de prata e um jarro de ambrosia destilada.
— E-e-e-ei-i-i… — A dona da voz trêmula deu um tapa na nuca de Hermes. — Achei que a gente ia direto pra Asgard.
— Ei, Themis! Claro que temos que passar por aqui antes. É tipo o caminho pro Olimpo, sabe? Tem que ir pra Hélade e depois subir. No caso de Asgard, temos que ir pelo norte.
— Se sabia disso, me trazia um cobertor! — reclamou a deusa.
Fazia pouco tempo desde a saída do Submundo, mas o caminho era árduo, especialmente pelo frio enfrentado antes de chegar no domínio dos nórdicos.
— Quem ousa invadir meu reino? — A dupla de deuses foi surpreendida pelas palavras que soaram próximas aos seus ouvidos. Eles haviam chegado.
— Peço licença. Sou Themis, representante do Olimpo, e vim com Hermes em missão de paz. Com a sua permissão, gostaria de conversar sobre um tratado de paz.
— Entendo. Sigam em frente. Heimdallr irá encaminhá-los.
Themis secou o divino suor que escorria pela sua testa. De repente, não sentia mais o frio, mas um leve medo. Lidar com Hades e Perséfone foi fácil, mas agora começaria a lidar com deuses que não via há tempos.
Hermes foi rápido ao levá-la até a ponte Bifrost. Se havia uma restrição antes, agora parecia haver um ímã os atraindo para lá.
— Themis e Hermes, certo? — O guardião da ponte-arco-íris esperava os dois na entrada, segurando uma prancheta com os nomes escritos — Odin os aguarda. Sigam pela ponte até o terceiro caminho. Ouçam bem. Terceiro caminho. Caso se percam, não serão procurados.
— Se perder? Sabe com quem está falando? — Hermes ergueu o queixo para enfrentar o deus que tinha quase o dobro do seu tamanho.
— Com o deus dos ladrões que há poucos séculos se “perdeu” nos rebanhos de Odin?
— Foi um prazer te conhecer! Obrigado pelas direções. Tenha um ótimo dia! Manda um beijo para a família! o/ — Hermes acelerou o máximo que suas botas aladas o permitiram, deixando o guardião para trás com uma expressão complicada.
— Você é malucoooooo! — gritou Themis enquanto enforcava o sobrinho. — Sabe se é o terceiro da direita ou da esquerda pelo menos?
— HAHAHAHA! Não se preocupe… Opa! Quase perco a saída!
Após algum tempo correndo desenfreadamente pelo arco-íris, a carruagem enfim parou.
— Chegamos. Seja bem-vinda a Asgard! Canecas de hidromel por conta da casa!
— Deixa pra próxima, mas saiba que vou cobrar. Agora vá brincar com Loki, vai. — Themis lançou uma piscadela para Hermes antes de seguir para o palácio de Odin.
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A deusa chegou ao salão onde os locais realizavam reuniões e recebiam convidados. Era um espaço amplo e simples, um tanto diferente do equivalente olimpiano.
Os asgardianos realizavam todas as suas reuniões, debates, brigas e festejos da mesma forma, com muita comida, bebida e gritaria. A curiosidade a levou a mover o olhar de um lado ao outro, como uma criança vendo uma novidade.
— Themira, certo? — A voz de antes veio de um homem velho e com uma longa barba branca, que segurava uma caneca com o que parecia ser Néctar — Sou Odin, pai de todos. A que devo a sua visita?
Themis não respondeu, apenas continuou a olhar para a caneca que ele segurava. Sua garganta estava seca. O serviço de Hermes não dispunha de bebida e comida, então não comia nada desde o Olimpo.
Odin percebeu a reação da deusa e deu um sorriso. Já tinha visto essa cena outras vezes.
— Quer se sentar? Temos hidromel suficiente para um exército e mais mil homens.
A deusa sentiu seu rosto esquentar.
— Perdoe a minha descortesia. Sim, sou Themira. É um prazer ser recebida pelo pai dos deuses asgardianos.
Odin bateu palmas e um corvo apareceu voando. O corvo voou até uma caneca de hidromel e a levou até Themis. Depois de picar um pernil gigante, o pássaro foi para o ombro de Odin, onde se empoleirou.
— Vamos, sente-se. Você disse algo sobre um tratado de paz?
A convidada se sentou e segurou a grande caneca de hidromel com as duas mãos, ponderando como deveria tomá-lo. Um pequeno gole? Poderia ser ofensivo para Odin. Beber de uma vez? Não parecia uma boa ideia também.
— Beba de uma vez! Ou será que os deuses gregos são garotinhas indefesas que não aguentam uma simples caneca?
A multidão que aproveitava do banquete caiu em gargalhada. O palhaço que fez isso? Thor! O deus dos trovões, deus esse que exibia seus dotes alcoólatras bebendo diretamente de dois barris, como se fossem meras canecas.
— hic! MaS eLa é uMa gArotInhA! hic! hAhAHA! hic! O ÁlcoOl tE NuBlou As VistAs? — Era uma voz familiar para Themis.
Quando a deusa olhou para o lado, avistou Hermes abraçado com um homem bem trajado. Ambos carregavam canecas de cerveja e pela cor de suas bochechas, estavam completamente bêbados.
— Como você conseguiu ficar bêbado tão rápido? A gente acabou de chegar!
— hic! NuNca DuVidE dO dEUs dA VelOoOoCiDaDe! hic!
Novamente, o salão caiu em gargalhadas. Themis sem saber o que fazer, virou sua caneca em um único e doloroso gole.
— Aeeeeee! — A comemoração dos asgardianos abalou o salão.
Odin continuou com um sorriso: — A que devemos a sua visita? Veio apenas pela comida ou Zeus se arrependeu de ter nos ofendido?
— Cê acha que Zeus se arrepende de alguma coisa? Hahahahahahahhaha, hic. Por ele, todo mundo andaria por aí com uma máscara dele e um raio preso entre as calças! hic! Vim aqui consertar as merdas que ele fez, isso sim. hic!
— E como planeja fazer isso?
— BOA PERGUNTA! Até pensei em puxar Zeus até aqui e fazer ele dançar de vestido e trancinhas! Mas não ia dar certo… hic! Talvez descer o cacete no Thor! Mas eu iria virar churrasquinho! hic! Ao menos a coroa dele eu consegui trazer!
— Churrasquinho? Carvãozinho, isso sim! — gritou o deus dos trovões.
— Thor, meu filho. Ainda se sente ofendido por aquele deus menor?
— Nem um pouco, mas ainda é uma desonra para o nome dos asgardianos! Quero nossa honra de volta!
— Certo, já me decidi! Themira, lutaremos por nossa honra. Escolha suas armas e o método de combate! Após o confronto, assinarei o tratado. Se ganhar, é claro. Caso contrário, terá você mesma que dançar para todos nós, além de entregar a coroa de Zeus. Acha justo?
— Tão justo quanto as sandálias de Hermes! hic! Mas não sou burra! Minha arma é meu cér… cele… Cérebro! Quero jogar Xadrez! hic!
— Acho justo, mas saiba que o Xadrez nórdico é muito diferente daquilo que você chama de Xadrez. Além disso, espero que não se impo
rte, mas não será Thor a jogar com você. Meu filho não se dá bem com essas coisas.
— Venha quem vieeer! hic! Vou dar um cacete que nuuunca irá esquecer! Nunquinha da Silva! hic!
— Pois bem, Forseti, finalmente alguém para te desafiar. Esse é meu neto, o nosso deus da justiça. Creio ser um desafio a altura para a deusa grega dos contratos. — Odin bateu palmas e, em seguida, todos do salão abriram espaço em uma das grandes mesas de banquete, deixando apenas um pequeno tabuleiro quadriculado no meio.
Todos os deuses se juntaram ao redor da mesa para assistir ao confronto. Forseti parecia confiante atrás de sua barba loira.
— Finalmente alguém que sabe fazer algo além de arremessar machados! Nossa batalha será mais do que lendária! Imagino que saiba jogar morte ao rei, mas, caso não saiba, pense que todas as peças são torres. Captura-se soldados flanqueando-os pelos dois lados, o rei apenas quando preso completamente. — O deus nórdico foi movendo as peças enquanto explicava. — Você ganha se capturar o rei, eu ganho se ele escapar para as quinas do tabuleiro.
— Caaai pro pau, loirinho!
Aquele conflito seria registrado em todas as pedras históricas como a vez em que uma deusa bêbada enfrentou um senhor nórdico. Enquanto Themis via suas peças dobradas e borradas, Forseti tinha sua consciência completa.
Peças eram movidas sem descanso, um movimento genial após o outro. Uma armadilha criada após a outra. Artimanhas complexas demais para qualquer mortal foram criadas naquele tabuleiro.
Themira atacava fortemente o rei defensor, não dando espaço para escapatória, enquanto Forseti defendia ataque após ataque com maestria.
Para cada peça que caia sobre o tabuleiro, uma caneca de hidromel era bebida em homenagem ao soldado perdido. Themis bebeu mais naquele dia do que em toda sua vida imortal.
Dizem que por descuido ou influência do álcool, a deusa moveu uma de suas peças de forma errônea, coisa essa que para os outros deuses, parecia um movimento calculado e profundo. Foi esse peão movido ao acaso, preso bem no meio do tabuleiro, que serviu como pivô para a arrancada da divindade. Cada movimento feito por ela arrancava gritos da plateia, uma peça após a outra sendo removida. Um soldado após o outro caindo em combate. As valquírias que assistiam ao confronto, lutavam entre si para decidirem quem levaria as peças para Valhalla.
No fim, o rei caiu sobre o tabuleiro e Themis saiu vitoriosa mesmo após muitas canecas de hidromel.
A última coisa que a deusa viu após selar o tratado de paz foi o teto ficando cada vez mais escuro e o chão cada vez mais próximo.
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— Minha cabeça… — Themis apertou a testa enquanto se acostumava com a luminosidade. — Onde estamos?
— Finalmente acordou! Você fez a festa em Asgard, em? — riu Hermes.
— Asgard? Estamos chegando lá? — perguntou ela antes de olhar para fora e ver um oceano interminável — Isso… estamos indo para o fim do mundo, Hermes? Achei que Asgard ficasse ao norte.
— Hahahaha! Já fomos e já voltamos de lá. Você é uma celebridade asgardiana, meus parabéns! Deixei um pouco de chá aí do lado, deve ajudar com a ressaca.
Themis resmungou um agradecimento qualquer e começou a bebericar a bebida.
Depois de alguns instantes, percebeu uma coisa:
— Pera, pera, pera. Se já fomos pra Asgard, quer dizer que estamos indo para o Novo Mundo?
— É, e você me mandou ir rápido, porque queria… como era mesmo?... “Quebrar a cara daquele índio cheio de penas”.
A deusa empalideceu:
— Não falei no domínio dele, né?
— Relaaaaxa! Ainda estamos longe. Só mais uns 2 minutos até ele conseguir nos ouvir.
— Você não tá entendendo, Hermes. Eu não conheço o pessoal dessas bandas. Na verdade, eu nunca sai do Olimpo. Zeus… não gostava da ideia de alguém se metendo com os seus brinquedinhos humanos, parar a guerra de troia foi a gota d’água para ele, então fui isolada no nosso domínio. Ao menos podia correr livre entre o Olimpo e o Submundo…
Hermes correu em silêncio, digerindo o que tinha acabado de escutar. Como um deus mais jovem, ele só tinha ouvido o que sua mãe havia contado, e não a história completa. Por isso, a imagem que tinha de Themis era a de uma maluca engraçada, sem grandes responsabilidades.
— Sinto muito por isso…
— Não se preocupe, está tudo bem. É só que… é minha primeira vez fora… é muita responsabilidade para uma pessoa só.
— Ainda mais para uma tão pequena!
— Bobo!
— Já que você nunca saiu do Olimpo, então você não conhece Tupã? — Themis negou, então Hermes disse: — Ele é uma mistura de Apolo com Zeus. Digo isso porque mora no Sol e controla os raios. O líder desse domínio não é ele, mas Nhamandú. Só que o velho não gosta de lidar com visitantes, então deixa essas coisas pra Tupã mesmo.
— Mas não seria melhor falar com Nhamandú então? Digo, é um problema bem grande que temos em mãos…
— E eu lá sei? Só sei dessas coisas pois fiz amizade com uma sereia quando viemos para cá.E pelo que ela disse, Tupã não é muito carinhoso com quem machuca sua família…
Themis ficou em silêncio, absorvendo o que Hermes disse. Não seria fácil. Mas ela teria que tentar.
Pouco depois, chegaram ao domínio dos deuses tupi-guaranis.
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Diante de Tupã, Themis se curvou em saudação.
— Te saúdo, representante de Nhamandú.
Diferente de Odin e Zeus, Tupã não se assentava sobre um trono ou exibia ouro e prata em seu corpo. O homem de pele escura exibia tatuagens na pele e várias cores em seu cabelo. Tupã estava sentado perto de um rio enquanto cozinhava um peixe tão grande quanto Themira em uma fogueira.
— Servida? Acabei de pescar esse pirarucu.
A deusa estranhou a hospitalidade do deus. Ela procurou ajuda em Hermes, porém nem mesmo ele sabia dizer o que o deus Tupi-Guarani planejava. Sem outra opção, Themira aceitou o alimento que foi servido em folhas largas.
— Obrigada…
Comeram em silêncio. Themis hora olhava para seu prato, hora olhava para Tupã.
— Parece inquieta, criança. Não se preocupe, não te farei mal, você não me fez nada… ainda.
— Devo um pedido de desculpas a você… Não acho que possa reparar os crimes de Zeus contra sua família…
— Gostei de você. Você é bem diferente daquele deus vulgar que veio nos visitar, vejo humildade em você. Partilhar a comida com você me parece mais que suficiente para pagar um arco quebrado.
— Mas e sua filha? Feridas de uma arma divina não são fáceis de curar. Tenho certeza que o Olimpo faria de tudo para ajudar sua filha a melhorar!
Tupã riu, e sua risada se espalhou por toda a floresta, como se os trovões estivessem gargalhando junto a ele.
— Criança, você conhece minha filha?
— Não tive essa honra ainda, senhor…
O homem apontou para o céu estrelado e continuou:
— Vê aquela Lua que brilha lá no céu? Essa é minha filha, Jaci. Zeus realmente disparou uma flecha contra ela, mas a flecha não passou nem perto de acertar. Quem levou a flechada fui eu! Hahahaha! Veja, veja.
O deus dos trovões afastou o cabelo que cobria sua nuca, revelando uma cicatriz pálida. Ele disse entre risadas:
— Nunca vi alguém com uma pontaria tão ruim! E olha que já ensinei cegos a usarem o arco!
— Por Gaia! Isso é ainda pior… como podemos pagar por tal ofensa? Nem todo nosso ouro poderia pagar por isso!
— Se acalme, criança. Foi apenas um arranhão. E sinceramente, não me importo com o seu ouro, já tenho muitos problemas com os humanos por causa dele. Mas se é para tranquilizar seu coração, que tal um pequeno jogo? Caso acerte, perdoarei a dívida que você acha que tem comigo.
— Não posso aceitar isso, é muito pouco…
— Vamos, eu insisto! Me diga então, ó pequena deusa, o que é que sobe e desce a montanha o dia todo, mas nunca se move?
— A trilha, não é óbvio?
— Não poderia estar mais certa, mas se acha essa tão óbvia, me conte tu uma boa charada.
— Hum… Qual a pergunta a qual não se pode responder “não”?
Tupã pensou por algum tempo e com um estalar de dedos respondeu:
— Você está viva?
Continuaram assim por muito tempo, soltaram charadas um para o outro até o Sol nascer no horizonte. Foi quando Themis teve que partir, levando consigo um contrato de paz e um estoque de adivinhas na memória, além da promessa de voltar logo para mais um jantar com charadas.
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Eles partiram da floresta e foram em direção às terras onde a areia lustra a espada e o vento seca o mar. Quando lá chegaram, avistaram a última coisa que gostariam de ver. Um gigantesco exército se alinhava próximo ao Nilo, milhões de soldados seguindo um único homem com cabeça de pássaro. Os soldados cantavam canções de guerra e urravam com cada passo de marcha.
Aflição tomou o coração de Themira e mesmo assim, pediu para que Hermes pousasse sua carruagem próximo ao homem.
— Parem por favor! Viemos em paz, trago uma mensagem do Olimpo para Rá!
O rei com cabeça de ave logo respondeu:
— Vieram se render? Ou será que os olimpianos são idiotas ao ponto de nos ofender ainda mais?
— Não viemos nos render, porém trago um pedido de paz! Por favor, pare seu exército, talvez possamos chegar a um acordo pacifico.
— E como poderia o Olimpo nos pagar por tal crime? Seu rei invadiu nossas terras, engravidou nossas sacerdotisas e fugiu com o rabo entre as pernas! Tudo que nos resta é a guerra para recuperar nossa honra perdida! Apenas a cabeça de Zeus pode pagar por esse pegado.
— Sei que há uma forma. não há nada que possa apaziguar sua fúria sem que uma guerra comece? Pense em quanto sangue derramaremos caso isso ocorra.
— Há apenas uma coisa que poderia fazer com que meus homens não destruam o Olimpo.
— E o que seria isso? Estamos dispostos a pagar o preço.
— Eu não quero o ouro impuro de vocês, o que quero é bem simples, traga-me um dos raios de Zeus como pedido de desculpas e faça com que o desgraçado tome responsabilidade pelas vinte crianças que nascerão! Caso contrário, invadiremos o Olimpo em poucos dias.
— Creio que isso não será um grande problema.
— Mas não pense que isso será suficiente, exigimos vinte sacerdotisas gregas por ano até que a dívida de Zeus se pague oito vezes.
Infelizmente Themis teve que ceder aos caprichos do deus Egipcio. Assinou ali mesmo o contrato com Rá.
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E assim nossa heroína voltou para casa, com boas histórias para contar e péssimas novas para Zeus. Dizem que depois de tanto se humilhar diante de outros deuses, o rei do Olimpo nunca mais saiu dos seus domínios.
Quanto a Themis, dizem que se tornou a emissária da paz em muitos outros reinos, além de uma celebridade em vários deles. Até hoje Odin chama a pequena para seus banquetes.
Dizem que até hoje Themira troca adivinhas com Tupã. Cartas vindas dos mais diversos cantos da terra.