Season 1
Primeiro Conto: O Lendário Pintor Solar
Por: Eduardo Goétia
Um Conto sobre o Medo de não Ser Reconhecido
“Eu coloquei meu coração e minha alma no meu trabalho, e a minha mente se perdeu no processo.”
— Vicent Van Gogh.
☼
Todo final de semana, Tommen passeava pelo grande parque do distrito central acompanhado pela mãe. Era um lugar calmo, divertido e revigorante, com grama verde-esmeralda que se prendia aos fios dourados do cabelo do menino.
O gramado se agarrava no cabelo encaracolado, como de um anjo, e brilhava como pedras preciosas. A mãe lhe contava nas poucas noites que passavam juntos sobre essas pedras, que eram bens raros dos contos de fadas dos antigos reinos de metal e ferro.
O garoto soltou da mão da mãe, desesperado para brincar, e correu descalço pela grama esmeralda. A pele escura do menino brilhava na luz do entardecer, e ele rolava pelas depressões, e ele pulava no laguinho, e ele molhava-se dos pés a cabeça; e ele sorria, e como sorria com seus certinhos dentes brancos para o Sol no horizonte.
O menino logo percebeu que se afastara demais da mãe. Não conseguia mais vê-la. Estava calmo entretanto; não precisava temer mal algum. Simplesmente começou a andar procurando por ela.
Passou por algumas moitas e viu um homem. Uma coisa no sujeito atraia sua atenção. O cabelo dourado e a pele morena não lhe atraiam os olhos, porém não conseguia tirá-los de lá. Poderia afirmar categoricamente — “o homem era perfeito”.
A maneira com que estava sentado era ideal. Pernas e braços assimétricos, cabelo penteado para trás e cortado quase a perfeição. Um par de óculos quadrados e mecânicos que se encaixavam perfeitamente no seu rosto. A postura era firme, sólida.
Ele usava uma camisa social branca no estilo mântua, com mangas largas e compridas que se ajustavam na altura do pulso, possuindo bordados por toda a cobertura que pareciam escamas de um peixe num tom cinza brilhante.
Por cima dela, ele vestia um colete verde escuro com uma lapela e botões decorados com as mesmas escamas da camisa em relevo, e também havia um par de bolsos na altura do estômago; entre os botões. A peça também tinha um decote alto, era de algum material aveludado e tinha alguns detalhes em bronze.
Se contassem ao garoto que aquele homem era na verdade uma estátua, ele acreditaria fielmente.
Como a mãe dele ainda não estava por perto, decidiu se aproximar para ver melhor, mais de perto. Logo tomou um susto quando viu-o de pé num instante, pulando e gritando de alegria. E, subitamente, toda aquela energia morria junto da alegria.
O garoto achou graça. Ria e até chorava histericamente; isto chamou a atenção do homem-perfeito.
— Do que ri, menino?
— Desculpe, senhor. — O garoto segurou o riso e limpou as lágrimas. — Achei engraçado como você pulou e depois voltou ao normal. Pareceu uma apresentação. O que o senhor estava fazendo?
Tommen viu os olhos de cor castanho-claro do homem lhe observando por trás dos óculos simétricos e notou a assimetria de suas sobrancelhas. Nem tudo poderia ser perfeito.
— Estava buscando inspiração e pensei ter encontrado. Tive um súbito lampejo de alegria, mas logo percebi que era como qualquer outra ideia... Idiota — O homem se encolheu no chão, ainda mais quadrado do que antes.
— Minha mãe diz que não existem ideias idiotas. — Tommen sorriu. — Toda ideia é uma boa ideia, e eu acredito nela.
— Sua mãe é esperta — comentou ele —, mas a ideia de que preciso não pode ser somente boa. Precisa ser brilhante. Ideal. Perfeita. Entende? Sem falhas.
O menino fez um olhar confuso. Suas sobrancelhas enrugaram e ele pensou por um momento.
— Senhor, minha mãe também diz que não existe nada perfeito. Eu não sei dizer o motivo. Para mim muitas coisas são perfeitas. Até pouco atrás eu achava o senhor perfeito.
— Coisas perfeitas são únicas. Sem falhas. Não são coisas que você vê todo dia. Na verdade nunca verá algo perfeito em toda a vida. E é isso que eu quero alcançar: a perfeição.
Tommen ainda não conseguia compreender bem o que o homem queria. Ele apenas coçou a cabeça e logo escutou lhe chamarem: — Tommen, filho! — Era a voz da mãe.
A moça se aproximou do pequeno bosque, saindo entre algumas árvores e moitas.
— Desculpe, senhor — disse ela. — Meu filho pode ser um pouco animado demais às vezes.
A moça era bem diferente do rapaz. Seu cabelo era liso e longo, seus olhos eram castanho escuro, e sua pele eram um tom mais claro que a dele. Assim que apareceu, o menino se agarrou ao vestido dela e deu um abraço carinhoso.
— Ele parece bem apegado a senhora — comentou o homem, com um sorriso, mas logo percebeu a expressão da mulher entristecer um pouco.
— Temos apenas algumas poucas horas por semana para nos vermos, então cada momento é especial. Você já deve ter notado nossas diferenças — sorriu ela, acariciando a cabeça do menino. — Não irei perturbar o senhor com meus problemas. Vamos, filho.
— Obrigado pela conversa, garoto.
— Bem, senhor, boa sorte! Espero que você consiga ter essa sua ideia perfeita. Espero que todas as suas ideias sejam perfeitas. — O garoto acenou com uma mão e andou para fora do pequeno bosque.
Por entre as árvores, o homem dos óculos os viu partir. A mãe segurava-o por uma das mãos, balançando-a e os dois partiam com o Sol no horizonte e a grama esmeralda esvoaçante.
Isso daria um belo quadro, pensou ele. Mas não seria o quadro perfeito. Eu não quero uma ideia perfeita. Quero criar algo perfeito, garoto...
Aurélio se levantou, limpou suas roupas, retirou a grama esmeralda do cabelo dourado e foi embora do parque também.
Lembrou-se da mãe e do filho durante o caminho à casa. Os dois viviam em lugares diferentes por circunstâncias que ele desconhecia. As possibilidades, porém, eram bem desagradáveis. Mas ele conseguia enxergar o amor entre os dois e o desejo da mãe de tê-lo por perto.
Acabou lembrando do seu objeto de desejo, algo que não o deixava dormir à noite. Viu-o pela primeira ainda criança, não muito mais velho que Tommen.
Estava pendurado no peito do maior artista que já conheceu. Um pequeno medalhão de ouro, gravado com linhas douradas, e esculpido com o rosto do Deus Sol — um símbolo da alvorada de uma nova era para o mundo das artes.
A medalha do Deus Sol era dada apenas para os artistas que alcançavam o auge. E era isso que Aurélio era — um verdadeiro artista — ou assim se considerava.
— Este trabalho está péssimo — Lembrava-se das dolorosas palavras que escutou cinco dias antes. — Se você deseja ter a chance de entrar para a Sociedade do Deus Sol, precisa me apresentar algo minimamente decente, rapaz. Acha que eu tenho tempo para ficar perdendo atoa?
O homem que lhe dizia palavras cruéis era incomum. Seu cabelo era preto, e os olhos também. Tinha pele clara e pálida — uma raridade que mostrava ele vinha de uma família “puro-sangue”, assim se proclamam.
Desde a era dos reinos de metal e ferro, a população foi se adaptando para viver conforme o Sol permitia. Cabelos dourados, pele escura e olhos castanhos claros.
Religiosos diziam ser apenas a forma como o Deus Sol era e que os humanos apenas tornavam-se semelhantes ao seu criador. Baboseira, na opinião dele.
O cabelo dourado foi pelos séculos que tiveram de passar se banhando em águas cheias de produtos químicos, e a pele morena era apenas uma evolução natural para suportar melhor o calor vindo do Grande Sol.
Pessoas que não tinham tais características descendiam dos covardes. Aqueles que se esconderam em buracos, achando que o mundo havia acabado. Mas, nos tempos modernos, onde a paz estava instaurada e a comunhão com a natureza estava no ápice, eles voltavam a se aproveitar dos outros, crescendo nas margens da sociedade como uma infecção generalizada.
Em suma, Aurélio odiava aquele homem, apesar de ver nele muito do que gostaria de se tornar. O Crítico, ele o chamava.
— Aurélio, você não é um péssimo pintor. Pode ser medíocre, mas não péssimo — disse O Crítico. — Alguns dos seus quadros são relativamente “bons”, mas ainda não é o bastante. Se um dia quiser a Medalha do Deus Sol, precisará me mostrar algo único. As inscrições para o evento fecharão ainda na próxima semana, daqui exatos sete dias, e só voltarão a se abrir daqui quatro verões, então se apresse se quiser ter uma chance.
Aurélio viu o homem se levantar e partir do seu ateliê sem dar a ele outra palavra. Apenas saiu batendo a porta no seu rosto. E, durante os últimos cinco dias, o homem buscou incansavelmente por inspiração.
Andou pelos parques, visitou os antigos prédios das cidades de metal e ferro. Viu, contemplou, meditou, caçou vorazmente uma solução, uma epifania, e falhou como um miserável.
O que poderia ser perfeito? Tão belo quanto a natureza das coisas. Tão sutil quanto o brilho do Sol ao entardecer? Tão doce quanto o ar que respirava? E ao mesmo tempo tão salgado como o calor que acoberta minha pele?
Ser um artista, buscando a beleza de algo novo em um ambiente em que tudo era tão belo, parecia para Aurélio uma tarefa irrelevante, inútil e impossível. Faltavam apenas mais dois dias para as inscrições abrirem.
Logo ele chegou em casa. Um distrito de apartamentos modesto construído dentro de uma Árvore-Mãe. Os seres humanos viviam como cupins, sobrevivendo dentro destas árvores que tinham milhares de metros e os protegiam durante os perigosos períodos das Chuvas Solares.
Aurélio seguiu para a maravilha e a própria contemplação do que era viver em sua sociedade. A mistura entre o que de melhor tinha no natural e no tecnológico. Engenharia biológica permitia que a árvore tivesse elevadores naturais.
Ainda do lado de fora, galhos se amontoaram com cipós e formaram uma cabine segura. Aurélio entrou, e logo os galhos subiram, carregando-o até o seu andar. Como mágica, o tronco da árvore se abriu, dando direto num corredor como o de um prédio qualquer, mas com chão e paredes de cor carvalho.
Ele deu duas batidinhas no cipó, como um agradecimento, não que esperasse realmente que a Árvore-Mãe pudesse entender, e andou para o corredor. A passagem atrás dele se fechou e luzes naturais acenderam no corredor.
Aurélio foi cuidadoso com seus passos. Tentou fazer o mínimo de barulho possível, olhando para o fim do corredor onde ficava sua casa e também ateliê.
O motivo do seu silêncio eram os vizinhos. Seu apartamento era o de número 19 e havia outros quatro naquele andar.
A moça do número 15 acabara de perder o pai infelizmente. Ainda era recente o caso, e Aurélio queria evitar o drama. As pessoas eram próximas demais uma das outras naquele lugar, algo que não combinava com ele.
Mesmo que encontrasse a moça, não saberia o que dizer. Acabaria falando besteira, assim como fez com a senhora do número 16.
Uma senhorinha já idosa, de ralos cabelos brancos, e ainda sofria de uma caso pesado de vitiligo. Às vezes, assustava-se com a própria imagem e Aurélio escutava seus gritos no fim do corredor.
Os dois filhos dela não gostavam de Aurélio, por conta da besteira que disse a mãe deles, e também por outras razões. Trabalhavam até tarde numa das profissões mais perigosas, Construtores Solares. Eles substituíam, construíam, e reconstruíam as redomas que os protegiam dos raios vermelhos do Sol, e que também alimentavam toda a energia dos distritos.
Para isso, precisavam ir ao lado de fora; à noite, ainda por cima. Além das ruínas das cidades de metal e ferro, pouco se sabia dos perigos que havia do lado de fora. Muitos casos de desaparecimento eram conhecidos.
Um dia, um dos irmãos não retornou e, numa tentativa de aliviar a dor da idosa, Aurélio disse que ao menos ela tinha o outro. Ainda não havia passado pela mente da senhora que ela poderia ter perdido o filho, e Aurélio não notou sua nada boa sutileza humana.
Claro, o filho dela estava bem. Apenas havia ficado preso durante uma das incursões para fora daquele distrito.
O outro motivo para desgostarem dele morava no apartamento ao lado do da senhora: o número 17. Ele gostava de chamá-la de A Vizinha, pois negava a chamar pelo nome e era com ela que mais interagia — negativamente.
Namorava o irmão mais velho filho da idosa, e ela e Aurélio sempre arrumavam desculpas para discutir um com o outro. A Vizinha também recusava chamá-lo pelo nome, mostrando todo o descontentamento com o famoso “fracassado que mora no fim do corredor”.
Inventou um apelido carinhoso para ele.
— Esquisitão, está fazendo o que parado aí sozinho — disse, quando abriu a porta.
— Estou apenas tomando um ar.
— Hm. — Sorriu. — Cuidado para não se engasgar com ele. Ah! Droga, esqueci meu violão. — Ela reabriu a porta e entrou de volta no apartamento.
Aurélio suspirou quando escutou ela falar do violão. Aquele era o problema e a razão principal das discussões. A Vizinha também era artista, como ele, e também como o último vizinho do número 18, mas um tipo diferente.
Ela era uma musicista, ou auto intitulava-se uma, como Aurélio gostava de pensar. Para ele, o som dela era só barulho, que não deixava ele brilhar com sua verdadeira forma de arte.
Apressou o passo para não ter que se reencontrar quando ela saísse outra vez. Passou pelas portas, e ouviu gritos soarem do número 18.
— Merda! Merda! Merda! Um lixo, uma droga, uma merda completa! — exclamava o último vizinho.
Este, Aurélio considerava um artista de verdade, mas que já se foi os dias de glória, e agora era somente uma casca vazia do que já foi, um cineasta de sucesso. Hoje era apenas um homem falido e sem inspiração, algo que ele temia se tornar.
Abriu a porta e entrou no apartamento. Era um simples quarto, sala, cozinha e banheiro bem organizado. O lugar apenas se diferenciava pela quantidade absurda de materiais para a pintura e as centenas de quadros.
Havia naturezas-mortas empilhadas, como uma grande montanha de frutas, animais e objetos inanimados. Perto da cozinha ficavam os retratos; as pessoas estavam jogadas num canto atrás dos armários, e também presas debaixo da pia. As paisagens nem eram vistas da sala, já que ficavam guardadas dentro do quarto; os cenários eram usados basicamente para segurar sua cama no lugar.
Aurélio já temia abrir sua geladeira e encontrar por lá uma fruta que pintou dias antes, ou talvez dar de cara com o padeiro lhe encarando atrás de um vidro de vinagre, ou ainda pior; encarando atrás de uma pintura de um vidro de vinagre.
O ambiente ao menos estava bem iluminado, por conta dos painéis solares receptores de luz, que funcionavam como um grande teto solar.
— Não posso esquecer de fechá-los — comentou, sentando-se numa cadeira ali perto.
Era durante o amanhecer que ocorriam as Chuvas Solares, e ninguém gostaria de ser derretido, muitos menos Aurélio quando estava tão perto da inspiração, ou assim ele pensava.
Ele logo se cansou de ficar parado. Levantou e foi atrás dos seus matérias. Pegou tintas, pincéis e um dos vários quadros brancos. No final, buscou por um pequeno prisma incolor que cabia na palma da sua mão.
Pendurou o objeto no teto numa posição que captasse a luz, iluminando o quarto com um arco-íris de cores. Sentou de frente para o quadro, com uma expressão forte no rosto, e um entusiasmo motivante.
E assim ele permaneceu um longo tempo. Seus dedos tocavam o pincel e o pincel tocava as tintas coloridas que aguardavam ansiosas por serem escolhidas. Entretanto, pela cabeça dela passava apenas o quadro branco. Nem mesmo o prisma foi capaz de lhe trazer inspiração.
Seu entusiasmo contagiante logo se tornou uma frustração viral.
Dedilhava o pincel sem sequer dar uma pincelada. Olhava para as cores refletidas no prisma e os velhos pensamentos escorriam como um rio pela sua cabeça.
Perfeição, perfeição, perfeição.
Como criar algo perfeito, num mundo tão perfeito? Como se sobressair e não ser esquecido nos anais da história? Aurélio queria ser reconhecido por sua arte ainda em vida.
— Depois da morte, levamos conosco apenas nossas mágoas e as roupas do corpo. Jogados no Rio do Sol e carregados pela chama do Deus e seus ventos solares, enquanto a poeira que um dia foi nossos corpos pairam no infinito. Do pó viemos e ao pó voltaremos — recitava uma breve oração.
Sabia por histórias que muitos dos maiores artistas dos reinos de metal e ferro eram abandonados em vida. Seus trabalhos desvalorizados e morriam sem nunca serem reconhecidos. Tudo isto para anos depois serem enfim apreciados.
Aurélio poderia vomitar todo o sistema digestivo se soubesse que esse seria seu destino.
O sol partia e a lua subia ao céu. Aurélio suspirou, retirando o prisma de cima da sua cabeça e colocando na mesa ao lado do pincel. Ainda na cadeira, encarava sob a luz da Lua o quadro em branco, e lentamente seus olhos pesavam.
Chutou sua cadeira um pouco para trás, para tocar preguiçosamente a manivela que fechava o teto solar e, enquanto via ele se encobrir, seus olhos também fechavam devagar.
No entanto, não notara que ainda havia um pequena fresta entreaberta, onde a luz da Lua iluminava o pincel e o prisma sobre a mesa.
A grande Lua no céu descia conforme as horas se passavam e logo os primeiros raios do Sol atravessam a fresta, junto da primeira camada de Chuva Solar. Os raios atravessaram como laser, queimando o chão em um feixe e lentamente seguindo na direção do pincel e do prisma.
Tocava-os, revestia-os, derretia-os, remontava-os, até que um brilho explodiu da luz, feito uma onda de arco-íris, que queimava a pele ao toque.
Aurélio sentiu sua pele arder e abriu seus olhos, sendo atacado pela quantidade absurda de luz que vinha do objeto na mesa. Rapidamente buscou a manivela e conseguiu fechar a fresta no teto.
— O que aconteceu? — perguntou-se e levantou.
Chegando próximo da mesa, tentou tocar o objeto ainda incandescente; apenas para queimar a ponta dos dedos e deixá-lo cair no chão. Olhou para ele por longos minutos até que finalmente esfriou.
Sem o brilho incandescente, viu um novo objeto. Não era mais um pincel, porém mais parecido com uma caneta.
Era revestida pelo material do pincel do lado de fora, mas ambas as pontas eram feitas do prisma que usava para ter inspiração. De um lado, estava a ponta afiada da caneta, sem cores, e, do outro, como se absorvesse a luz ao redor, estava uma pequena esfera, como um cristal de luz.
Ela brilhava, incandescente, com todas as cores que já vira na vida, e até aquelas que nunca vira, e sequer poderia imaginar.
Seus olhos permaneciam fixados no objeto enquanto seus dedos involuntariamente buscavam por ele. Tocou sua superfície e ainda era quente. No entanto não mais um ardor terrível que feria a pele, e sim um agradável calor do toque aconchegante. Encaixava-se perfeitamente entre seus dedos, como nunca antes.
Ainda com a cabeça enevoada, como por um reflexo, ou como um artista com um instinto primitivo, puxou o tripé que estava com o quadro branco.
Sua mão correu por hábito na direção das tintas, mas ele tremeu antes de tocá-los. O brilho hipnotizante da ponta de cristal não permitia que continuasse. Abandonou as tintas e apenas se concentrou na caneta.
Seus dedos segurando o objeto correram na direção do papel limpo, vazio, pronto para ser preenchido de cores e de formas, mas ainda não o tocaram. A ponta afiada do prisma crepitava silenciosamente a poucos centímetros.
Mesmo com aquele objeto mágico, o artista ainda era o problema.
Perfeição, perfeição, perfeição, cantou na sua mente.
Nada surgia. Buscava, buscava, buscava. Caçava incessante, assim como um felino faminto perseguia sua presa, porém ela escapava por entre suas garras, como uma névoa fria de uma ilusão do inverno.
Inverno este que também não poderia desenhar, já que nunca havia visto.
Porém ainda havia uma imagem na mente. Ainda não era o que desejava. Muito longe disso. No entanto era o que tinha no momento.
— A mãe e o filho que partiam sob o entardecer e temiam a separação.
A ponta de cristal tocou o branco.
Seus dedos correram perfeitamente, enquanto vislumbrava a vívida imagem na cabeça. Linhas e formas passavam pela mente, como um processo inverso da imagem.
Formava-se primeiro a base, as formas geométricas, os finos traços, o toque suave e, às vezes, pesado para dar profundidade e delimitar áreas.
Relembrava da luz e das técnicas de desenho, enquanto o cristal do outro lado absorvia as luzes e as transformavam em cor.
A perspectiva da luz, a maestria das sombras e toda a composição do seu linear ponto de vista, enquanto adicionava traços da sua própria imaginação para completar o que não conseguia ver, mas ainda poderia sentir
A anatomia do toque suave da mãe na mão do menino, e até o som da sua inocente risada o encobria de inspiração para ocultar seus rostos, que poderiam ser imaginados tão felizes, alegres e sorridentes.
As cores invadiam pela caneta controlada por sua vontade. Tons tão ínfimos que usava antes não poderiam se comparar aos tão infinitos que usava agora.
Tantos raios dourados, tantas folhas verdes, tantos azuis e rosas, tantos vermelhos e pretos. Cores imperceptíveis e indescritíveis de tais formas que apenas os sentimentos poderiam retratar.
Um tom de alegria da mãe, felicidade do filho, amor do sol e a perspectiva dele, melancólica e dramática.
Seus dedos apenas pararam de trabalhar quando percebeu que, afinal, havia terminado.
A imagem que criou na cabeça ainda era forte, e aparecia como uma ilusão na frente dos seus olhos, mas ainda assim se desvaneceu como fumaça quando viu o quadro ainda em branco.
Estava vazio, limpo, como se nunca tivesse sido tocado.
Estou ficando louco?, interrogou-se, incrédulo.
Onde estavam as formas? As cores? Os traços? Desaparecidos do papel. Sumiram, fugiram. Nunca existiram?
Aurélio olhou a caneta que estava na mão, enfurecido. Apertou-a com força, prestes a jogá-la contra a parede por enganá-lo. Por mostrar-lhe algo que nunca alcançaria.
Talvez por mostrar-lhe a verdade. Mesmo que ainda não considerasse aquele o desenho perfeito, era ainda o mais brilhante dos seus trabalhos, e havia sido apenas uma ilusão. Uma peça pregada nele por sua própria mente.
Prestes a quebrar o objeto, escutou baterem na porta. Expirou o ar pesado, colocou a caneta sobre uma mesa e foi até a porta. Abriu-a e foi logo jogado para trás com alguém invadindo o lugar.
— Esquisitão, perdi minha chave. Me dê uma ajuda, e também estou com fome. — Era a Vizinha vindo perturbá-lo outra vez.
— Espera. Você não pode sair entrando assim na casa dos outros — reclamou ele.
E logo eles tiveram a mesma discussão. De que ele era esquisito e tinha algo a esconder. Ele respondia que não e ela dizia que estava ótimo então. Políticas sociais incomuns de um mundo em que as pessoas eram tão próximas. Para Aurélio, um introvertido natural, aquele ambiente que era o estranho.
A Vizinha logo correu para observar todo o apartamento, buscando por algo para comer. Aurélio apenas se preocupou em esconder a caneta misteriosa de possíveis olhos curiosos, colocando-a no bolso.
Enquanto isso, ela investigou todo o ambiente, notando rapidamente os vários quadros. Pegou uma natureza-morta e achou brega, mas via o talento e o esforço natural.
— Até que você desenha bem, esquisitão — disse, enquanto abria a geladeira e se deparava com um retrato do padeiro. — O padeiro sabe que você desenhou ele?
— Não, e não é para você contar — respondeu Aurélio, inconformado com ela mexendo em tudo e bagunçando o lugar.
A Vizinha logo encontrou algo para comer e ficou de pé no meio do apartamento. Viu os vários e vários quadros, os materiais em cima de mesas e cadeiras, e sentiu-se impressionada.
— Você já terminou o que queria. Pode sair agora? — pediu ele, num tom de ordem.
— Já vou, já vou... Já passou do horário de perigo há muito tempo. Por que você não abre o teto solar? — Ela andou até a manivela que abria o teto e o abriu, deixando a luz do Sol cobrir todo o apartamento. — Viu, não é... O que é isso?
Aurélio ficou olhando o rosto dela e notou a surpresa e o brilho do seu olhar, porém logo entendeu que não era na direção dele. Havia algo atrás dele que a deixou sem palavras. Devagar, quase que como para não assustá-lo, ele olhou para o quadro que deveria estar vazio.
E ele não estava mais vazio. O brilho do Sol acobertava todo o desenho e a imagem desaparecida retornou ao papel. Lá estava a arte que passou a noite inteira construindo.
Cada esforço, cada toque, cada cor e cada gota de suor impressos no papel. Um quadro primoroso de tão belo e contava ainda uma história mais bela.
A mãe segurando a mão do filho sob o entardecer.
Aurélio então viu o rosto da Vizinha. Seus lábios entreabertos, os cabelos dourados caindo entre o rosto, e o piscar lento dos olhos claros, apreciando cada detalhe daquela pintura.
Ele sempre tão singelo, ele sempre tão sem expressões, às vezes descrito como mecânico demais, não conseguiu se conter e abriu um pequeno sorriso.
— Esse quadro, Aurélio, ele é seu? — perguntou, chamando-o pelo nome pela primeira vez desde que se conheceram.
Aurélio tinha um misto de emoções. Nunca viu um olhar tão resplandecente de alguém, ainda mais para com sua arte. Ela olhava para ele, como ele queria que todos o olhassem. Sempre imaginou este momento, o momento que mostraria toda sua genialidade, que diria tudo o que sempre quis dizer, porém ele agiu diferente.
— Sim, Musiké. Este é meu quadro. — Palavras simples.
— Eu não tenho nem palavras. Acho que nunca vi uma pintura tão bonita na minha vida. Você tem muito talen... você se esforçou muito.
— Eu te agradeço.
Musiké contemplou a arte por mais algum tempo, enquanto Aurélio se mantinha em silêncio ao seu lado, apenas apreciando a reação. Ela se despediu depois e ele logo se sentou, encarando a pintura que fez. Sua majestosa obra-prima.
— Uma obra de arte que pode ser vista apenas sob a luz do Sol. — Parecia até ironia para ele.
Tocou a caneta no bolso. O calor suave percorreu seus dedos e junto de uma inspiração sem igual. Cuidadosamente, andou até o quadro da mãe e do filho e o guardou.
Ele pegou outro quadro em branco, viu o cristal na ponta brilhar, absorvendo as luzes e seus dedos percorreram a superfície branca. Ele só tinha mais aquele dia e o próximo para poder se inscrever.
— Eu tenho tempo.
Durante os finais de tarde, Musiké se sentava no sofá de casa e tocava seu violão, praticando. Também aproveitava para afiná-lo. Na manhã seguinte, correria pela cidade atrás de audições e também tocando em praças.
Ela tocava uma melodia calma, enquanto olhava para o vazio. Seus olhos foram de encontro com uma parede branca onde a luz do Sol tocava e sua mente logo viajou para o dia anterior.
Havia feito uma rápida visita ao esquisito do seu vizinho. O apartamento dele era recheado de quadros e matérias até o teto.
Ao lembrar daquilo, seu coração bateu forte e um sentimento de apreensão brotou nele.
— Ele se esforça tanto pelo próprio sonho... — Ela agarrou o violão com firmeza e observou o objeto. — Será que tenho que me esforçar aquele tanto para poder ter sucesso...?
Ela escutou tocarem a porta de repente e correu para abrir, achando ser o seu namorado. Às vezes, ele saia mais cedo do trabalho, porém ela deu de cara com o tal esquisito.
Óculos irritantemente corretos, cabelo irritantemente bem penteado, postura irritantemente boa, roupas irritantemente bem passadas.
— O que foi, esquisitão? — brincou ela, sorrindo. — Você não veio me cobrar pelas coisas que peguei no seu apartamento, não, né?
— Não. Eu quero que você venha na minha apresentação — respondeu rapidamente.
Ela chegou a ficar surpresa com o entusiasmo e a pressa dele. O esquisito sempre era tão calmo e cabisbaixo.
— Apresentação...? — questionou, desconfiada.
— Sim. Vai ser no térreo da Árvore-Mãe. Arrume-se rápido, pois vai ser daqui a pouco. Chamei quase todos. — Ele entregou um papel para ela, com a hora e o lugar. Enquanto o lia, o esquisito já havia saído correndo para outro lugar.
— Apresentação? O que ele está pensando?
Sem entender bem, ela deu de ombros e aceitou. Como estava quase no horário, arrumou-se rapidamente e saiu. Pediu para a Árvore-Mãe carregá-la até o térreo e se dirigiu ao lugar específico no papel.
Era um depósito coletivo enorme e pouco usado, que servia mais como casa para baratas e ratos. Assim que chegou, viu que estava mal iluminado, entretanto ainda enxergava algumas sombras e figuras.
Os primeiros que conseguiu distinguir foram sua sogra, seu namorado e o cunhado que estavam juntos num pequeno grupo.
A sogra já era uma senhora idosa que tinha dificuldade até para andar. Ela sentiu-se realmente surpresa ao vê-la fora de casa, ainda mais pela sua condição rara. A senhora se virou para a nora e abriu um sorriso, mostrando seu rosto bicolor.
— Querida, venha cá! — Ela acenou para Musiké. — Diga ao seu namorado para não ser tão apressado.
Musiké chegou mais perto e olhou para o namorado. Ele era um sujeito imponente, de pele chocolate, grandes músculos tonificados, repleto de grandes veias saltadas. Usava uma regata branca, suja pelo trabalho manual, provavelmente, havia saído há pouco do trabalho, e usava um short preto curto.
Seu cunhado era igualmente imponente. Apenas um pouco mais baixo e mais alegre. Ambos tinham carecas brilhantes, já que os pelos do corpo acabavam queimando pela exposição sem proteção ao Grande Sol.
— Não é essa questão, mamãe — falou o irmão mais velho. — Esse sujeito não é flor que se cheire. Lembra da última vez? Eu só não quebrei a cara dele por respeito a senhora.
Apesar do enorme tamanho, ele era cuidadoso e educado com a mãe.
— Deixe disso. Já o perdoei, e ele parecia tão animado. E, vamos lá, quase não consigo passar tempo com vocês dois — A senhora bateu nos ombros de ambos os filhos.
— Então todos vocês também foram chamados aqui por ele? — interrogou, e todos acenaram em confirmação.
Aurélio havia feito do mesmo jeito com eles. Apareceu eufórico na porta, convidou-os e foi embora mais rápido do que surgiu.
— Espero que aquele cara não esteja bolando alguma idiotice, senão eu vou quebrar alguns dentes dele — disse o irmão mais novo e o mais velho concordou.
Musiké logo reconheceu as outras silhuetas no ambiente. Havia também a menina que perdeu o pai e o cineasta resmungão.
A jovem parecia mais angustiada do que o seu namorado. Estava impaciente, de braços cruzados e olhava de um lado ao outro, nervosa, e até parecia um tanto assustada.
O cineasta também batia com o pé, batia com o braço, batia com o dentes. Estava com mais pressa do que qualquer outro naquele lugar.
— Será que ainda vai demorar muito. Espero que ele não esteja arrumando alguma ideia errada, aquele lá — disse a jovem.
Musiké parou para pensar um pouco na situação e logo o memorável quadro passou pela sua cabeça e a palavra apresentação.
— Está tudo bem. Acho que vamos ver algo legal — comentou ela.
Poucos segundos depois, escutaram passos se aproximarem e um homem apareceu, como um fantasma.
Olhar afiado de um pássaro por trás de óculos negros. Uma postura dura, enrijecida, péssima e corcunda. Andava inquieto e respirava pesado, com discórdia e tinha tiques estranhos com as mãos. Tinha um largo narigão que se estendia como um gancho. E uma pele pálida, muito pálida.
Assim que entrou, passou os olhos de cima a baixo em todos, avaliando-os como gado, ou como produtos a venda.
— Não gostei desse cara — disse o namorado dela.
— Nem eu
O misterioso homem se aproximou deles, ainda mantendo certa distância de cada um e disse em alto e bom som.
— Onde está Aurélio? Pediu para que eu viesse e cá estou, perdendo meu precioso tempo. Vamos lá, apresente-me o que tanto deseja.
Todos olharam para ele e ele também revirou a cabeça, esperando uma resposta que não vinha.
No entanto escutou-se passos de novo. Desta vez mais de um. Uma mulher seguia um pequeno menino brincalhão enquanto ele pulava de um lado ao outro. Ela tinha um sorriso alegre no rosto.
Sentindo algo nostálgico, ela lembrou do glorioso quadro no centro do apartamento. Tinha quase certeza de que era os dois que foram retratados nele. Queria se aproximar para ter certeza, entretanto...
— Obrigado a todos por estarem aqui hoje — O anfitrião apareceu. — Convidei a todos para minha primeira exposição!
— Exposição? — riu o homem magricelo. — Aurélio, espero que não tenha me chamado até aqui para gastar ainda mais do meu tempo.
— Não, senhor. — Ele sorriu com seus certíssimos dentes brancos — Você e nem ninguém irá se arrepender de estar aqui hoje.
Assim que terminou de falar, ele bateu palmas três vezes em um instante. Luz começou a invadir o ambiente quando os galhos da Árvore-Mãe se moveram por conta própria, iluminando o ambiente.
Musiké olhou para cima e ficou cega por um momento e fechou os olhos. Quando os reabriu, maravilhou-se por um mar de cor infinito. Seus ainda doloridos olhos perseguiam a auréola boreal minimalista diretamente para os vários quadros no local e também flertaram com as expressões dos presentes
Viu primeiro o namorada, o cunhado e a sogra vidrados com um retrato deles. Um de cada lado; ambos abraçavam a mãe no centro, que tinha um sorriso aliviado no rosto. A mãe tinha os olhos cheios de lágrimas e os filhos sorrisos no rosto.
A moça que perdeu o pai ficou encarando um quadro singelo. Era um homem, assombreado, apenas sua forma estava presente. Ele estava parado, num canto de uma sala, sentado numa cadeira e recostado numa mesa. Tomava um copo de café, como se nunca tivesse partido.
A jovem mordeu o lábio inferior e seus olhos ficaram molhados, ainda assim era diferente de antes. Seu choro não provinha de dores e saudades, e sim um reconforto do fundo do coração.
Por último, ela viu o cineasta encarar uma natureza-morta. O objeto não era nada mais e nada menos que uma câmera de filmagem de detalhes nítidos. Tão real que ele estendia a mão inconscientemente e segurava-se para não tentar pegá-la.
Seu rosto não era mais de raiva e nem de alegria. Seus olhos cegos pareciam agora ver uma luz sob suas sobrancelhas franzidas. Seriedade e calmaria apenas eram transmitidas pelo homem e pela arte. Apenas a aceitação do seu fracasso.
E enfim, olhou para o quadro mais próximo dela. Parecia-se quase uma aquarela de cores sem uma forma linear. No entanto sua mente buscava o sentido, conectando as várias formas e cores, e formando aos olhos dela a nítida de um violão multicolorido dentro de um quarto vazio e escuro.
Uma engrenagem rodou na sua mente, quando recebeu a mensagem enviada. Aquele violão era difícil de ver e estava trancado num quarto escuro. Presa dentro de um quadro negro disforme, era como ela se sentia e apenas com esforço poderia se desvencilhar daquilo e ter uma imagem nítida do seu sonho.
Boquiaberta, Musiké olhou com outros olhos para Aurélio. Ele tinha um leve sorriso no rosto, porém um rosto apreensivo. Queria ir agradecê-lo por mostrar a ela o que precisava fazer e lhe dizer um grandíssimo: bom trabalho! Entretanto outro alguém intercedeu o caminho.
— O que é isto, Aurélio? — O Crítico se colocou na frente dele. — Acha que acreditarei que você fosse capaz de melhorar tanto em tão poucos dias? O que foi que você fez? Acha que sou um tolo!?
Um escândalo começou.
— Eu não fiz nada — disse Aurélio, olhando-o olho no olho.
— Um pintor como você... medíocre e fracassado, nem em mil anos conseguiria criar esses quadros. Não espere minha recomendação para a sua inscrição e, se depender de mim, nunca receberá a Medalha do Deus Sol!
— Já terminou, senhor? — falou seco.
O Crítico franziu as sobrancelhas e bateu os pé, tirando os óculos do rosto.
— Acha que deixarei... — Ele de repente parou quando uma sombra encobriu seu corpo inteiro e sentiu uma respiração quente tocar o cangote. Olhando para trás, viu os dois irmãos gigantesco e cheios de músculo olhando para ele, apaziguando sua fúria insensata. — Nunca será reconhecido, Aurélio. Guarde minhas palavras.
Ele recolocou o óculos, estalou a língua em escárnio e desviou, indo embora sem dizer mais nada. Aurélio agradeceu a ajuda dos dois irmãos e os recebeu de volta, junto de sorrisos e abraços, que obviamente não estava acostumado, além de também algumas lágrima.
Quando terminaram os agradecimentos, deu a todos de presente seus respectivos quadros e eles receberam de bom grado. Restaram no depósito apenas Musiké, Aurélio e a mãe junto do filho. Os dois últimos nem se incomodaram com o Crítico. Estavam vidrados com seu retratos.
— Fico mal por você, mas não deixe as palavras te afetarem — Musiké se aproximou, dando um soquinho no ombro dele. — Mas será que ele realmente tem poder para não deixá-lo ter... Qual era o nome mesmo?
— A Medalha do Deus Sol, meu sonho de infância — respondeu Aurélio, calmamente —, mas não se preocupe. Ainda não desisti dele e, na verdade, eu queria apenas uma coisa. — Ele viu o rosto alegre da mãe e do filho. — Além do mais, ele estava certo em parte.
— Hm. Como assim?
— Aquele quadro. Eu usei algo para fazer ele. Não sei dizer se foi realmente mérito meu ou da ferramenta, mas ainda assim dependi dele.
— Então você fez todas as artes dessa forma...?
Aurélio virou-se para ela e sorriu com olhos brilhosos.
— Quando você saiu do apartamento, eu me sentei para pintar. Meus dedos passaram pelo quadro e minhas mãos quase viajaram, eu quase me perdi. No entanto, antes de tocar o papel, achei aquilo errado. Fiz todos os outros apenas com minhas capacidades.
— Não entendi direito do que se trata — Ela colocou a mão sobre o ombro dele —, mas você não deveria estar orgulhoso de você? Todos foram feitos com seus esforços e não importa o que aquele sujeito estranho acha.
— Obrigado, mas está tudo bem. Irei ainda hoje me inscrever para ter a chance de ganhar a Medalha. — Seus olhos desviaram para os dois que ainda olhavam com hipnose para o retrato criado por ele. — Como disse a você, tudo o que eu sempre quis de verdade era uma única coisa: reconhecimento. Achava que a Medalha me traria isso; ainda a quero, mas não mais por essa razão. Até porque... eu acho que consegui todo o reconhecimento do qual precisava.
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PARA OS ARTISTAS
Poderia dedicar este conto para todos os artistas, mas não o farei. Dedico esta história aos verdadeiros artistas; aqueles que não criam somente para si, mas também para os outros. Aqueles que se dedicam, estudam e praticam para apresentar o seu melhor. Aqueles que não dão desculpas, que não culpam outros e que não se martirizam. Aqueles que sabem seus objetivos e os buscam incessantemente. Para aqueles que conquistam o que desejam e demonstram seus esforços. Para aqueles que criam boas artes, mas não temem os seus erros.
PARA OS VERDADEIROS ARTISTAS.