Vol. 1 – Arco 2
Capítulo 24: O Mistério das Coordenadas (2)
Construção abandonada, Woodnation - 3:41 da tarde, quinze de Julho.
Assim que Leonard retornou até seus colegas, ele tirou aquele cinto apertado e saltou para fora do carrinho, com os chihuahuas e todos os itens que trouxe do laboratório em seus braços.
Animadíssimo, Einstein quase pulou em cima dele e agarrou aquela espada que parecia ser um híbrido da arma de Conan com o robô T-800. Ergueu ela, animado, mas caiu devido ao peso.
— Essa espada não é digna das patas divinas de um hamster — resmungou orgulhosamente, largando a tecnologia no chão para se levantar.
Além da espada, havia o revólver, o fuzil e o lança-granadas. Todos com aquele visual prateado e cercados por luzinhas.
— Curti essa daqui! — Elin agarrou o lança-granadas, um sorriso pontiagudo e maléfico cresceu no rosto dela.
— Por que não esperei isso de você? — zombou Leonard.
— O que você quer dizer com isso? — falou como se não tivesse explodido duas pessoas há cerca de vinte minutos.
Einstein saltou contra sua irmã, querendo tirar o lança-granadas de suas mãos:
— Poxa, deixa eu ficar! Por favorzinho!
— Não! Peguei primeiro, cai fora!
O detetive arfou, observando a cena com um olhar cinzento e desacreditado:
— Cê também? Deveria ter imaginado…
— Ora bolas, o que quis dizer com isso?! — Einstein esqueceu-se d̶a̶s̶ ̶v̶á̶r̶i̶a̶s̶ ̶v̶e̶z̶e̶s̶ da vez em que tentou explodi-lo.
“Eles definitivamente são irmãos”, concluiu Leonard.
— Acho que o Einstein merece mais. A mana dele acaba rapidinho. Ao contrário de tu, Elin, que tem um poder apelão pra cacete. Inclusive, o que te impede de fazer armas desse tipo usando seu poder?
— Pelo mesmo motivo que não saio por aí criando cryptos a vontade: normalmente, só consigo dar a vida a desenhos realistas. Desenhos fantasiosos, como dragões ou armas superpoderosas, só ganham vida quando os desenho com muita, mas muita inspiração.
— Mas…
— Só consegui fazer três desenhos assim em toda a minha vida. O samurai é um deles, e é o único que tenho agora, já que perdi o meu caderno de desenhos antigo.
“Agora entendo o motivo daquele corno ser tão forte.”
— Ah, me lembro desse caderno — exclamou Einstein. — Lembro de ter roubado algumas figurinhas dele.
— Então foi você?! — Antes de qualquer resposta, a artista entrou em um frenesi de fúria e começou a chutá-lo loucamente.
— Ai! Ai! Ai! — O hamster se jogou no chão, já pronto para chorar.
Enquanto o lixamento corria solto, o investigador arrancou o lança-granadas das mãos deles — por motivos de segurança nacional — e levou todas as armas para fora da construção, assobiando.
Lá fora, largou tudo o que segurava no chão. Ficou apenas com o lança-granadas em mãos, enquanto admirava o belo horizonte.
Só para testar algumas coisinhas, atirou uma granada em direção do céu — a segurança nacional parou de ser uma preocupação muito rapidamente!
A granada voou por muitos metros. Depois, quilômetros. Sem perder a velocidade.
— Ué? — Ficou impressionado ao vê-la atravessar as nuvens. Não escutou nenhum som de explosão desde então. — Os tiros avançam em linha reta para sempre? Isso é muito melhor do que uma sniper!
Também testou as outras armas. A espada era verdadeiramente pesada, e quando se apertava um pequeno botão presente no cabo, era coberta por uma luz fervente de cor laranja flamejante. Quando aniquilou a existência de um tijolo com a espada, percebeu que ela era capaz de desintegrar tudo o que tocasse!
“Descolado demais!”
Quanto ao revólver e o fuzil, ambos eram um tanto quanto parecidos: disparavam tiros de energia com as mesmas características da espada, desintegrando o que acertar. Nenhum colete aprova de balas seria capaz de deter os projéteis.
— Galera, bora ir atrás das outras coordenadas? — questionou o detetive, assim que voltou para dentro da construção. — Eita preula!
— Devolve! — gritou Elin, esganando o seu irmão.
— AJKialjoadjisoywaqsuahaaah!!!
— Cês ainda estão nessa? A arma nem tá mais com ele.
Como não recebeu uma resposta, decidiu ser o sensato do grupo pelo menos uma única vez, separando os dois — com uma voadora.
…
O fusca, dirigido pelo mordomo conjurado por Elin, andava pela cidade calmamente, sem chamar muita atenção. O único rastro que deixava estava nas crianças que passavam perto do veículo.
— Fusca azul! — gritou uma delas, lá da calçada, antes de acertar um soco no ombro do seu amigo.
— Que mané fusca azul, vai se ferrar! — resmungou a outra, pegando uma pedra e a jogando no rosto do moleque.
— Ei, você quase acertou o meu olho! — Atingiu um chute nos testículos dele e o jogou contra o chão, começando a socá-lo várias e várias vezes.
A amizade entre crianças é algo belo; foi isso que Elin concluiu ao ver, pela janela do veículo, a linda cena de confraternização.
Em questão de tempo, o fusca parou na frente de um estabelecimento. Não muito grande, nem muito pequeno. Diferente da outra coordenada, não chegava a ser um lugar abandonado. Muito menos, vazio.
Pois, na realidade, era uma loja.
— É uma loja? Legal! — falou Elin, como uma criança, abrindo a porta e saindo em um salto. Caminhou animadamente até o estabelecimento, quase patinando.
Foi incapaz de fugir do olhar dos civis devido às suas atitudes peculiares — mas sequer tentou.
— Puts, olha esse tanto de gente, não vamos poder tirar as armas do porta-malas — sussurrou Leonard, saindo do veículo.
— Todo esse tempo de introdução para nada? Decepcionante — resmungou o hamster, seguindo os dois.
A entrada dos três na loja atraiu uma série de olhares.
O detetive, a menina e o sujeito fantasiado de hamster atravessaram o lugar como se fosse mais um dia normal.
Porém, para os olhos de todos os outros, aqueles malditos terroristas carregavam os olhos desalmados de monstros e as auras assassinas de pessoas que não se importam com a vida humana!
Caso aquela cena fosse o trecho de um filme, com certeza o trio criminoso estaria andando em câmera lenta — e o filme seria dirigido pelo Zack Snyder, definitivamente.
“Malditos!”, pensou um dos civis. “Acha que não sabemos que vocês explodiram e atiraram em várias pessoas pela cidade? A tia da amiga da minha prima viu um grupo de pessoas com essas mesmas características físicas explodindo um cara e fugindo em um carro! Ninguém foge das fofocas!”
“Esses imundos…!”, pensou outro. “Eles nem se deram o trabalho de se disfarçarem. Mal sabem eles que o primo do avô do meio-irmão do amigo de minha namorada viu eles explodindo um idoso, logo depois de terem atropelado três criancinhas e atirado em um careca bombado só por ele não gostar do Bruce Lee!”
“Bando de arrombados! Por que não morrem logo?!”, pensou uma moça. “Será que ainda não sabem que o filho da madrasta do primo do amigo de faculdade do irmão da namorada do pai do tio da avó do conhecido do colega de quarto do irmão da mãe do tataravô do pai do amigo da irmã da professora do meu irmão mais novo viu eles três atropelarem um macaco depois incendiar uma escola e fazer um ritual satânico para invocar o Anticristo para destruir metade da população da Ásia?! Ouvi até mesmo dizer que eles conseguiram isso e apenas o Egito, lar dos Beatles, restou em todo o continente asiático!”
— Nossa, isso parece tão bom! — exclamou Einstein, pegando um saco de nozes de uma prateleira.
— Onde é que tem algo de interessante aqui pra ser uma coordenada? — sussurrou o detetive, olhando pelos arredores. Sem notar os olhares opressores, apenas se aproximou da garota que o encarava tanto e questionou: — Ai, cê viu algo suspeito?
— Não… — respondeu, já tremendo.
Sequer chegou a entender o olhar amedrontado dela, assim como falhou em sacar o motivo dos amigos dela estarem se afastando. Só que as dúvidas sumiram em questão de segundos, afinal, aquilo só poderia ter um motivo.
“Ela tá gamadinha em mim”, pensou, com um sorriso confiante.
— Ah, fala sério. Sei que tá mentindo. Fale a verdade e eu irei te… — encarnou um tom de voz sexy — recompensar.
Lágrimas começaram a escapar dos olhos da mulher.
“Ela tá chorando de felicidade. Fácil demais.”
Após um berro, ela saiu correndo para fora da loja. Os seus amigos, também já chorando, fugiram juntos.
“Coitadinha, ficou muito nervosa. Ela vai ficar muito triste depois de perceber que perdeu uma oportunidade de ouro. Os amigos até foram consolá-la. Será que vão convencê-la a voltar?”
— Ué? — Ao olhar em volta, percebeu que não havia sido apenas a garota e seus amigos que saíram da loja. Todos sumiram em um instante.
— Não entendi bulhufas — começou Einstein. — A garota foi assediada pelo detetive e fugiu, aí todo mundo saiu correndo junto dela. Por que isso?
— Estavam todos com medo de serem assediados por ele — concluiu Elin.
— É, faz sentido.
— Eu não assediei ninguém! — vociferou Leonard.
Quando a discussão da quinta série estava prestes a explodir, os três perceberam que uma única pessoa — fora eles — permaneceu no ambiente. Ela, a atendente da loja, encarava o trio com um olhar neutro e assustadoramente fixo. Parecia mais uma estátua muito bem feita.
— Opa? Já te vi em algum lugar? — questionou Leonard, até que seus olhos dilataram.
— Querem alguma coisa? — indagou ela, ainda com aqueles olhos estáticos, ignorando completamente a pergunta.
— Como assim já a viu em algum lugar? — perguntou Elin.
Sem respondê-la, ele se aproximou dela e a encarou bem de perto com muita atenção, tanta atenção que seu rosto virou o de um peixe-espada vesgo.
Então, entendeu.
Rapidamente, sacou o cartão do laboratório e apontou para o rosto dela.
Como deduziu, a atendente reagiu de forma incomum. Ela observou o cartão por alguns segundos, como se estivesse o escaneando.
— O rosto dela é idêntico aos rostos de uns robôs que encontrei no laboratório — explicou para os irmãos.
Por fim, ela tirou um cartão de dentro do bolso. Um muito parecido com o cartão de Leonard, só que vermelho.
— Posso? — indagou o detetive, hesitante.
— Afirmativo.
Com um cagaço danado, agarrou o cartão e o guardou no bolso.
— Então… é isso?
— É.
— Belê. Ótimo. Bora pro próximo, galera.
Assim que saíram da loja, os três voltaram para dentro do fusca.
O veículo então iniciou a sua corrida até a última coordenada, que por sua vez, fica a alguns quilômetros além de Woodnation. O fusca rapidamente saiu da cidade, mas após isso, foi quase meia-hora de corrida até o carro chegar na coordenada.
Com o passar dos minutos, finalmente estacionou. Era no meio do enorme deserto, em cima de um portão de aço preso ao chão.
— Macacos me mordam! — gritou Einstein ao sair do carro e olhar para baixo. — Uma entrada subterrânea!
O portão instalado no chão, no meio do vasto deserto, era grosso e metálico. O hamster tentou abri-lo com as mãos, mas se cansou rapidamente, sem resultados.
— Outra entrada subterrânea? — comentou o investigador, saindo do carro junto do colega. — A criatividade tá acabando, em. Calma aí, cadê sua irmã?
A resposta veio quando ele olhou para trás e encontrou a garota em cima do carro, com o lança-granadas já em mãos.
— Cacetadas! Calma, calma aí! — berrou Einstein, já metendo o pé.
A granada atingiu o portão e uma onda de pura destruição varreu parte do ambiente. Felizmente, não havia muito mais o que destruir.
XABLAU! BUUUM! PIRIMRIRIRIMAPAUAUAU!!!
Por fim, adentraram o buraco e desceram as escadas de mão.
— Puts, bem que a gente podia ter tentado abrir o portão antes de jogar uma granada nele, né? — comentou Leonard, após muitos minutos de reflexão. — Pena que não pensamos nisso.
— Eu tinha pensado, mas estava muito ocupada fugindo da sua granada! — gritou Elin. — Fala a verdade, você ainda está chateado por eu tê-lo explodido!
— Sim! Eu tô! Algum problema?!
A potencial discussão da quinta série — que escola é essa? — novamente morreu quando os três desceram as escadas e pisaram sobre o chão do bunker. Era um ambiente verdadeiramente feito para se ficar pelo resto da vida durante um ataque nuclear; aquelas paredes com um amarelo morto, as mesas, os computadores antigos…
— Calma aê, essa merda é um escritório?! — esbravejou Leonard, aterrorizado.
Um escritório extremamente empoeirado. Aparentava ter ficado enclausurado há muito tempo.
Quase como um animal fugindo de seu predador — ou aquela garota de antes fugindo dele —, o investigador se virou e saiu correndo até as escadas. Foi agarrado pelo hamster, que não o permitiu fugir e perguntou:
— O que foi, detetive?
— Tenho fobia de escritórios! Já trabalhei em um por algumas semanas, foi um pesadelo! Ficar clicando, fazendo contas e essas frescurinhas todas. Nossa, como tenho trauma desse lugar. Além de que todo mundo é bem superficial e fica zombando do seu estilo de vida. Mas quando cê quebra a perna dele e dá uma tijolada na cabeça, ai te demitem!
— Você foi demitido assim? — perguntou Elin, perplexa.
— Não, isso aconteceu com outro cara.
— Ata.
— Fui demitido porque mijei no meio da sala.
— Ahn?!
— Totalmente pelado — acrescentou.
— Mas… o quê?!
— Te demitiram só por isso? Que frescura — comentou Einstein.
— Pois é, cara!
Durante a conversa, os três se espalharam pelo escritório e começaram a procurar por alguma coisa interessante. Vasculharam todas as mesas, mas não carregavam nenhum documento importante. Os computadores sequer ligavam, e eram estranhos, pois não pareciam modelos antigos e nem modernos — mas o fato era que estavam parados há anos.
O máximo de emoção que tiveram nessa busca foi quando uma horda de baratas foram atiçadas pelo Einstein e decidiram exterminar qualquer vida humana pela frente (quase conseguiram).
Após bons minutos sem encontrar merda nenhuma, Leonard decidiu usar o método supremo para conseguir qualquer coisa: estendeu o cartão azul.
Nada.
“Puts, me confundi. Agora deve ser esse.” Estendeu o cartão vermelho.
Novamente: câmeras, luzes e um portão enorme se abrindo.
— Previsível — falou Elin.
— A sua fala sobre a previsibilidade também foi previsível — zombou Einstein.
— A sua fala sobre a previsibilidade da minha fala sobre previsibilidade que foi previsível!
Eles não esperaram por mais tempo e adentraram o enorme corredor de escuridão que surgiu quando a parede abriu.
“Por que eles nunca colocam lâmpadas aqui?”
Apressado — e talvez com um medinho do escuro —, Leonard zarpou, ansioso para ver o que encontraria pela frente. “Se for aquele laboratório do Amadeus de novo, vou acabar pistolando de raiva.”
— Não abandone a gente! — gritou Einstein, correndo atrás do detetive. Elin foi montada em suas costas.
A levemente longa caminhada deu resultado quando os três pararam no fim do corredor, frente a uma sala metálica com vários corredores em sua frente. Era impressionante a quantia exorbitante de tralhas envolta dela. Sequer era possível identificar o que aquelas coisas quebradas eram.
As únicas coisas facilmente identificáveis eram as muitas plantas do local. Se cobrisse um pouco mais do ambiente escuro, a sala viraria uma verdadeira selva. Só que, o que realmente chamou a atenção do detetive foi a coloração vermelho-sangue que tingia todas as plantas.
— Isso não faz vocês se lembrarem de algo?
— A árvore que você disse ter encontrado no laboratório? — indagou Elin.
Subitamente, um estrondo acertou os ouvidos dos três.
O chão rangia com os passos brutais da coisa que saía de um dos corredores em frente. Leonard recuou discretamente, enquanto o ser coberto pela escuridão se aproximava mais e mais. Conseguia ver apenas a enorme forma que o corpo dele tinha.