Vol. 1 – Arco 2

Capítulo 20: Teoria da Conspiração

Biblioteca de Woodnation - 1:47 da tarde, quinze de Julho.

Leonard, Einstein e Elin entraram apressadamente na sala enorme e semi-desprovida de vida. 

O lugar era composto apenas por muitas estantes de livros e mesas. Tirando os três, havia apenas quatro pessoas em todo o lugar — número já impressionante, mesmo aquele sendo o horário de pico da biblioteca.

— Já assistiram Scooby-Doo? — perguntou o detetive.

— Não. — Os irmãos responderam imediatamente.

— O quê? Cês nunca tiveram infância? O que assistiam quando crianças? Quer dizer, não faz sentido perguntar isso para pessoas com amnes–

— Popeye, Tom & Jerry, Pica-Pau… — falou Einstein, pensante.

— Sim. Barney, Mickey Mouse… — acrescentou Elin.

“Amnesia seletiva é foda.”

— É um pecado cês desconhecerem Scooby-Doo. De qualquer jeito, vamos fazer que nem no desenho e nos separar pela biblioteca. Procurem livros envolvendo códigos e coisas do tipo. Não manjo dessas coisas. Enquanto isso, vou bater um papo com as poucas “formas de vida” que têm aqui.

— Ora bolas, por que não nos ajuda com os livros?

— Simples. — Entregou a carta de Amadeus ao hamster, olhando nos olhos esbugalhados de sua máscara. — Tenho zero concentração para esse tipo de coisa. Serei mais útil conversando e tirando informações das pessoas que vivem nessa budega.

— Hm, ok. Vai lá — disse Elin.

Antes de se afastar, o detetive acertou um tapinha no ombro de seu cliente e sussurrou em seu ouvido. Se afastou apressadamente e tentou parecer o mais normal possível na hora de abordar aquela senhora que acabara de ler algum livro.

— Opa. Boa tarde, tudo bom? — Sentou ao lado dela.

— Estou sem dinheiro.

“Não sou um mendigo!”

— Está enganada… — Tentou não demonstrar raiva, mas era meio difícil deixar escapar o vermelho de seu rosto. — Só queria saber se esse livro é bom. A capa me atraiu. E esse nome, “A Cor Que Caiu do Espaço”, é bem daora.

— Hah, sim. É do H.P. Lovecraft. Conhece? — Os olhos dela se viraram até ele. Embora já estivesse na metade de sua quarta década, o seu olhar continuava bem jovial.

— Se eu conheço? Adoro esse cara!

“Droga, o que vou falar agora? Nunca li nada desse cara! O máximo que fiz foi ler umas duas páginas de Senhor dos Anéis…” Se concentrou para formular algum comentário, temendo que fosse questionado de alguma forma: 

— Sabe um bagulho que curto nessas histórias dele? Com certeza são as… ambientações. 

— Sim. Também gosto.

— Árvores, florestas…

— Ele costuma descrever bem os lugares.

— Realmente. Quando acontece aquela guerra épica, então? Uma loucura que só.

As expressões da mulher foram tomadas por uma leve confusão.

— No caso, estaria falando da guerra psicológica que abate a mente de todos que se deparam com uma entidade cósmica?

— É…? Sim, claro. É incrível, não é?

— Sim. Esse escritor tem definitivamente um dom quando se trata de explorar o psicológico do ser humano. Toda essa dor, esse medo do desconhecido, essa selvageria reprimida que ressurge durante os momentos de desespero… é tudo tão bem explorado nos contos escritos por ele, sabe?

“Entendi merda nenhuma. Onde que os elfos entram nisso?”

— Concordo completamente, brô. É como se eles fossem reais, não é?

— Sim, sim!

— Tipo, não é tão difícil de se imaginar dentro desses contos, como se fosse um desses personagens que vivem uma épica avent–

— Um terror inimaginável. Sim. Nossa, só de pensar em passar pelas situações dos personagens dessas histórias… fico abismada.

— É, né? Mas parando pra pensar, imagina só. Como seria se, de repente, toda essa cidadezinha se tornasse parte de um livro dele?

“Seria engraçado rever aquele maluco que ferrou a mão por ter chutado o meu saco, só que agora como um Hobbit!”

— Bem… seria aterrorizante, mas sabe o pior disso tudo? É que consigo imaginar isso. Para falar a verdade, nem seria necessário mudar muita coisa dessa cidade.

— É? Por que acha isso?

— Sabe… não sei como explicar isso, mas às vezes, tenho essa sensação de que esse fim de mundo guarda alguns segredos.

— Ahn?

“Eita, agora vem a parte boa.”

— É como se esse lugar fosse apenas o cadáver de algo que já foi importante antes. Não sei te explicar.

Leonard arqueou as sobrancelhas, curioso.

— O que te faz pensar isso?

— Bem… como posso começar? — Ela pensou por meio-minuto. — Assim, embora possa não parecer, mas tenho mais de quarenta anos…

“Parece.”

—  E em toda a minha vida, vivi aqui — explicou. — Durante todos esses anos, a cidade mudou significativamente. Durante a minha infância e adolescência, pode nem soar real, mas haviam flores e árvores por todos os lados. Seja sincero, você já viu alguma árvore em todo o tempo em que esteve aqui?

“Ah não, começou o papinho de ambientalista. Droga! Pensei que estava chegando em algo…”

— Nunquinha — respondeu, já entediado.

— E se eu te dissesse que havia umas três árvores a cada esquina? Aqui era praticamente um oásis no meio do deserto, me entende?! Haviam árvores, plantas, mato… era quase que milagroso.

— Nossa, mas isso é muito estranho. O que cê acha que pode ter feito a cidade ficar como é hoje em dia?

“Vai culpar o aquecimento global, quer ver?”

— Sinceramente? Acho que Deus apenas está tomando o presente que deu.

— O que isso significa? — Voltou a se interessar, por mais que totalmente confuso com a frase.

— É mais fácil te mostrar.

Quando viu ela se levantar, o detetive imediatamente pulou da cadeira e foi atrás dela. Os dois passaram pelas estantes, indo até o fundo do enorme ambiente, até chegarem em um amontoado de jornais largados nas profundezas da biblioteca. A senhora jogou as mãos sobre o amontoado, vasculhando incessantemente a pilha até conseguir encontrar um jornal de época. O colocou na frente do rosto de Leonard, que se surpreendeu ao passar os olhos pela imagem do jornal.

Quando ouvia da boca da mulher, enxergava apenas um discurso sobre clima. Porém, apenas uma imagem de Woodnation em sua glamourosa década de cinquenta foi o suficiente para mudar completamente sua visão sobre o discurso; pois a verdade era que a cidade era quase que uma floresta!

— Tá, como a maravilha estampada nesse jornal virou esse troço de hoje em dia?

— Eu também queria saber! Sério, como ninguém acha isso estranho? Eles apenas comentam, falam que foi azar ou coisa do tipo, mas não pode ser verdade. Tenho certeza de que tem algo a mais nisso tudo!

— Tipo um… um mistério?

— Sim!

— Pô. Vou te falar, tenho algumas teorias!

 

Enquanto isso, no outro lado da biblioteca…

Os minutos passavam e os olhos de Elin devoravam as páginas do livro com uma velocidade monstruosa. Era uma verdadeira máquina, absorvendo o conhecimento como uma esponja. O que seria muito útil caso o livro não fosse Alice no País das Maravilhas.

— Quando é que o herói vai salvar a princesa? — indagou Einstein, deitado sobre o colo de sua irmã, lendo um livro de matemática avançada. — João, por que você precisa comprar trezentas e vinte sete goiabas? No que isso vai te ajudar a vencer o Bháskara?!

Lembrando do seu objetivo, a artista largou o livro e se levantou, indo até as estantes.

— Droga, estamos fugindo do objetivo. Precisamos descobrir como decodificar a mensagem do Amadeus. Não se lembra?

— Eita, verdade. — Saltou da cadeira, desistindo de saber o final da aventura épica de João para ir atrás da sua irmã. — Será que conseguiremos? Esses livros são tão difíceis de ler…

Ela arrancou vários livros da estante. Livros focados em decodificação dos mais variados tipos de código; fosse binário, morse, navajo ou outros.

Os minutos se foram e, junto deles, cada livro foi parcialmente devorado pelos olhos da garota. O suficiente para compreender como a mensagem de Amadeus seria caso fosse um código em cada uma de suas dezenas de versões. O grande problema era que a frase decodificada mais próxima de fazer sentido era “comi o cu de quem tá lendo”.

Foi-se uma hora. Junto dela, toda a paciência dos irmãos.

— Desisto! — resmungou Einstein, deitando na forma de uma bola. — Não quero saber, desisto de viver como vocês humanos, rejeitarei qualquer resquício dessa sociedade e irei hibernar para sempre!

— Vai desistir tão facilmente do Galileu? — indagou, desnorteada e cansada.

— Não… não quero desistir dele, só que isso já está insuportável. Por que temos que passar por tudo isso? Quase morri duas vezes só para encontrar um de vocês. E se, para encontrar mais um, nossas vidas sejam perdidas? E se tudo isso for em vão e ele, Deus me livre, nem mais vivo esteja?

Elin se levantou, sem delicadeza ou velocidade. Apenas levantou-se e se aproximou de seu irmão, encarando a máscara de hamster com aquele olhar perdido e frio que demonstrava nas horas mais quietas. Um sorriso doloroso cresceu em seu rosto, e então, abraçou seu irmão com força:

— Existe algo sobre isso tudo, sabe? É o que eu acredito. Não fomos separados sem um motivo, tenho certeza. Tenho total certeza de que, quando tudo isso acabar, estaremos muito melhor do que antes estávamos. Afinal, é fácil gostar tanto do passado quando não se lembra de qualquer dor. Quem dirá a gente, que temos amnésia! — terminou com uma gargalhada.

— Espero que sim — murmurou Einstein, soltando uma risada boba em seguida. — Você foi muito filosófica agora.

— Sempre quis estudar filosofia. — Largou o seu irmão e se levantou. — Já pensou, ficar só sentada em cima de uma pedra o dia todo, olhando para o céu e pensando sobre a vida?

— Não tenho certeza se é assim que se estuda filosofia.

— Tanto faz. De qualquer forma, desistir nem chega a ser uma opção. Vamos voltar a ler esses livros chatos, que tal?

— Vamos…! — exclamou com a animação de um velho anêmico.

Sentados sobre o chão e cercados de livros, os dois voltaram aos estudos. Mais uma hora se passou. Incontáveis palavras passaram por seus olhos, numerosos códigos alocaram-se em suas mentes. Mesmo assim, era até assustador como a pequena frase escrita por Amadeus não parecia fazer sentido em nenhum tipo de decodificação encontrada em cada um daqueles livros.

— Merda, o que estamos fazendo errado? — resmungou o hamster, magoado.

— Sei lá… — disse Elin, lendo a carta do velho pela centésima vez. — “Parece que não vamos conseguir dançar juntos. Eu até iria ajudá-lo a encontrar a sanfona, mas não vai dar. Boa sorte!”, como isso não faz sentido de jeito nenhum?

— Sei lá! Talvez não seja para fazer. O Amadeus corria um risco alto ao deixar essa carta para a enfermeira. Qualquer um poderia pegá-la. Se os homens de preto a pegassem, por exemplo, não importaria o código. Eles conseguem desvendar isso facilmente, porque têm funcionários e material para isso. A gente não!

— Verdade. Você está certo. Não importa o quão difícil fosse o código, os agentes iriam conseguir decodificar. Só iria atrapalhar a gente — formulou, pensante.

— É. Talvez só seja uma mensagem normal.

— Mas, como uma pessoa que trabalhou no governo, ele deve saber como eles decodificam códigos. Aposto que sabe que isso é um trabalho tão difícil que nem faz sentido começar pelo óbvio. É só perda de energia.

— E?

— É óbvio que eles iriam começar pelos códigos mais usados pelos espiões e os complicados. Qual sentido seria, por exemplo… — Com um sorriso no rosto, apontou para as manchas no canto do papel. — Começar ignorando completamente a frase e lendo esses pontinhos de braille?

— Braille? A língua dos cegos? Como um cego pode ler isso se esse papel não tem elevação? Além disso, isso não são pontos, são manchas.

— Porque é um código, né. Não é para perceberem que está em braille. Mas… — Se levantou animadamente e correu até outra estante.

— Ué.

Voltou instantes depois, em um pulo, quase voando na garganta de seu irmão. Com um livro de braille em mãos, converteu o que estava escrito nos pontos e escreveu sobre o mesmo papel.

— Espera… — Einstein agarrou a carta, perplexo. — São números. Muitos números. Nem consigo pronunciar esse tanto de coisa.

— Coordenadas. — Elin apontou. — Três coordenadas.

— Para onde? — Quando perguntou, a garota já havia sumido do local. — Ahn?!

— Voltei — falou, vindo de outro corredor, com um livro de coordenadas em mãos. — A primeira e segunda coordenadas estão aqui na cidade, já a terceira fica há alguns quilômetros fora de Woodnation, mas nada muito longe.

— Isso é conveniente demais para estar errado. — O hamster correu até a garota e a abraçou com força. — Você decifrou o código, parabéns!

Um sorriso cresceu sobre o rosto da artista, que logo afirmou:

— Temos que contar ao Leonard e irmos o mais rápido possível.

— Vi ele entrando ali atrás. Vou buscá-lo. — Correu como uma lebre para os fundos da biblioteca. — Detetive, o senhor não vai acreditar no que a Elin descobriu!

Ela cruzou os braços, esperando pela volta dos dois. Todavia, recebeu algo diferente, que veio na forma do grito desesperado do seu irmão. Um grito carregado de desespero e horror na sua mais pura forma; a reação de quem viu o próprio demônio.

— Meu Deus… — Einstein voltou correndo, desacreditado. — O detetive está… está…

— O quê?

— …fazendo teorias! Reptilianos! Os sapos alienígenas! Os mórmons elitistas que controlam o mundo pelas sombras! MK Ultra! Pastel radioativo! Sociedade secreta na Amazônia! Pastéis de frango possuem chips de controle mental!

“Qual é a dos pastéis?”, pensou Elin.

— A cada teoria que escuto, mais os meus neurônios morrem, mais o meu cérebro derrete! — Caiu, como um velho tendo uma overdose de vitamina de cenoura. — A mente de um viajante no tempo foi colocada no cérebro de um bebê com hidrocefalia, essa é a origem do criador dos Simpsons

— Ok, ok, chega. Desse jeito, até o meu cérebro vai derreter!

— Eita, ele tá contando as teorias incríveis que acabei de desenvolver? — falou o detetive. — Uma mente já é capaz de milagres, mas com ajuda de outro cérebro inteligente, acho que tive grandes descobertas.

A velha acenou quando saiu dos interiores da biblioteca, indo embora.

— Tchau — disse ele, antes de se virar de volta para os irmãos. — E aê, Einstein, curtiu as teorias?

— Acho que entrarei em estado catatônico…

— Einstein?

— Para de falar disso, pelo bem do meu irmão — disse Elin, ajudando o hamster a se levantar. — Temos novidades. 

 

 

— Interessante pra cacete — comentou o investigador, enquanto saía da biblioteca junto de seus colegas.

No caso, era levado gentilmente para fora pela bibliotecária.

— Bora até a coordenada mais próxima. No caminho, conto o que descobri para os dois!

O trajeto foi conduzido pelas explicações dele, ouvidas pacientemente pelos irmãos. Tentaram formular teorias, mas não sabiam como conectar as revelações com todo o resto que ocorria naquela cidade. Muito menos como juntar isso às coordenadas do Amadeus.

— Sinto como se estivesse jogando aquela quebra-cabeça maldito — resmungou Leonard, cabeça fervendo. — Só que tenho a sensação de que estamos mais perto do que nunca de entender o que tá rolando. Só faltam umas… três peças. É isso o que acho.

— Gente, o que é aquilo? — Elin gritou.

O som do motor veio em seguida. O carro, avançando descontroladamente na direção dos três, não parou.

Assustado, Leonard agarrou os irmãos por suas roupas e saltou junto deles. 

O veículo não parou, atropelando o estabelecimento ao lado.

— Mas o quê…? — O detetive se levantou junto dos irmãos, observando um grupo de homens saírem de dentro do veículo.

Mesmo naquela situação, os agentes Gregory e Ethan não perderam a calma. Apenas sacaram os seus fuzis prateados, notáveis peças de tecnologia avançada, e apontaram para o trio.

Gosling saiu logo em seguida, com uma cólera de raiva por trás de todo o seu profissionalismo. Sacou algo parecido com uma pistola, igualmente prateada, e mirou para o trio juntamente.

Por fim, saiu o motorista. Era uma verdadeira montanha de músculos, careca, com um terno apertado colado em sua pele, que até parecia ser feita de aço.

  — Ferrou — murmurou o detetive.

Isso porque sequer havia chegado na pior parte.

O musculoso não parecia guardar nenhuma arma em seu pequeno terno. Apenas abaixou as calças e deixou que todos vislumbrassem a maior arma que uma pessoa pode ter.

Uma espiga de milho de 47 centímetros alojada em sua pélvis.



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