Vol. 1 – Arco 2

Capítulo 19: O Monstro Inominável

Mansão do Amadeus - 1:40 da tarde, quinze de Julho.

“Será que ela me viu?!”, pensou, ao ter passado pela janela.

Mesmo sendo muito rápido, não poderia perdoar esse risco imprudente. Jurava que havia visto aquele sujeito vestido de hamster passando pelo quintal da casa, junto de duas outras pessoas; entre eles, uma garota, que parecia ter olhado de relance para a janela.

Se esse descuido que tomou realmente resultasse na descoberta de sua localização, seria um desafio fugir ao seu atual estado físico. Já lutar, impossível. 

Afinal, já conhecia a magnitude dos poderes de Einstein e ainda não se recuperou da vez em que foi eletrocutado. 

Laertes manteve-se escondido no canto daquele quarto do segundo andar, tremendo de medo.

Era como se centenas de presilhas da Barbie estivessem perfurando todos os cantos de seu corpo — as presilhas serem da Barbie representam toda a humilhação que sentia por ter perdido quase todas as lutas em que se envolveu desde aquele momento.

Nada se comparava a dor de ter sido eletrocutado. Até mesmo a dor de ter pulado de um camburão em movimento e ter rolado completamete nú por quinze metros de cimento era inferior a isso.

Estava chamuscado, ralado, sangrando e com uma entrada artificial de calvície nascendo em sua enorme cabeleira dourada. O seu corpo, que antes poderia ser confundido com o de um deus grego, agora era comparável ao do espírito de O Exorcista.

Torcia para que nenhum deles o tivesse visto. Porém, caso essa fosse a situação, torcia para que os três homens de preto presentes no andar debaixo não fossem com a cara de Einstein e seus amigos.

O sucesso em se esconder dos agentes plantados na casa já era um verdadeiro golpe de sorte — embora fosse fácil notar a falta de sentido que eles enxergavam em gastar tempo e energia explorando todas as dezenas de cômodos da mansão, uma vez que ela já tenha sido anteriormente explorada pelo grupo de agentes secretos que conseguiram capturar Laertes e que foram assassinados pelo Hamlet.

Ainda assim, se os agentes subissem até o segundo andar, ele precisaria se adiantar. Afinal, carregar aquela estátua de gelo escarlate onde o seu colega estava dentro é um processo demorado e que requer muito esforço.

Só que não é como se tivesse sido tudo culpa daquele pedaço de gelo. Quando chegou na sala de estar, sem mais nada além de pedras de gelo e rastros de sangue, entendeu que uma luta fora travada ali entre o amigo do hamster e por Hamlet. 

Pelo tamanho daquela poça de sangue no chão, deduziu que Einstein deveria ter encontrado seu amigo sozinho e o levado consigo. Nem suspeitou que Hamlet se congelaria sobre a superfície de uma das várias construções de gelo presentes no ambiente, praticamente se tornando uma pedra, tudo para se esconder e retardar a própria morte.  

Quando Laertes chegou na mansão, praticamente todas as construções de gelo haviam derretido, e minutos depois o líquido vermelho da qual elas eram feitas evaporaram. Aquilo era sinal da fraqueza do seu colega, incapaz de manter algo congelado senão o próprio corpo.

Mesmo assim, por estar muito cansado e sabendo que seria incapaz de tirar o bloco de gelo da casa sem levantar suspeitas, ele se escondeu. Apenas quando anoiteceu que conseguiu reunir forças para puxar a “estátua” até o quarto.

Algumas horas depois, escutou os passos e vozes de Leonard e Einstein. Eles começaram a lutar contra alguém que estava escondido na cozinha e os três saíram correndo da mansão.  

No dia seguinte, aquele dia, começou a escutar os passos dos agentes entrando na casa e conversando na sala de estar. 

Os seus ouvidos, que captavam cada som da casa como se a audição lhe fosse um sentido divino, ouviu todas as conversas. Através disse, fora atualizado com informações sobre Einstein e o amigo dele — que pela aparência e a descrição ditas pelos agentes do principal suspeito, era o Homem dos Trapos que o espancou apenas por parecer algo chamado “hippie”.

Em um momento, até precisou se segurar para não gargalhar ao descobrir que Einstein e seus amigos foram culpados por todos os crimes que ele cometeu junto de Hamlet.

O homem nú concentrou-se nos sons da casa. Ouviu cada parte da conversa do grupo de Einstein desde que eles adentraram o quintal, e isso lhe conferiu novas informações; Einstein definitivamente possui amnésia, a garota é sua irmã e sofre do mesmo mal que ele.

Percebeu também que os três logo adentraram a casa e começaram a… tomar um café com os homens de preto?

“Ok, foi apenas um mal-entendido.” Foi questão de segundos para que um tiroteio começasse lá embaixo e o grupo do hamster saísse correndo para fora da mansão, saltando por cima do portão e fugindo. “Deu tudo certo!”

Com um sorriso no rosto, se deitou e finalmente relaxou. Os seus nervos finalmente pararam de ficar à flor da pele. Manteve-se descansado sobre o piso de madeira, enquanto os minutos passavam e os agentes do primeiro andar começavam a relatar sobre o incidente com alguém pelo comunicador.

Só que não por muito tempo.

Tremeu quando os seus ouvidos captaram o som. Aquele rugido, estridente e extravagante, eram como os estrondos de uma tempestade monstruosa e abissal. Aquilo só poderia significar algo.

Estava com a vontade de soltar um puta de um barro.

— O que foi isso? — indagou um dos agentes.

— Tem algo lá em cima. Pelo som, deve ser algo muito perigoso. — Já  subia as escadas.

— Precisamos neutralizar isso imediatamente!

“Foi tão alto assim?!”

Quando foi perceber, já conseguia ouvi-los subindo as escadas. Desesperado, vacilou até a janela para abri-la.

— Por aqui! — gritou um dos agentes, se aproximando da porta do quarto. 

“O fedor foi tanto que eles conseguiram saber exatamente de onde veio!”, pensou, já atravessando a janela. Tentou ir rápido, mas suas dores excruciantes o atrasaram. “Vou ter que te deixar com eles, Hamlet. Se cuida.”

— Por que tem uma fera tão monstruosa dentro do quarto desse senhor? Então os boatos de que ele estava abrigando cryptos vindos da União Soviética em sua casa eram totalmente reais?!

— Pelo visto, sim.

A porta foi escancarada. Neste ponto, Laertes já estava agachado atrás da janela, sobre a sacada — fora de vista.

Em momento algum se ergueu, se assim fizesse, seria pego no flagra. Apenas fechou os olhos e se deixou guiar por uma audição desumanamente precisa. Tinha total compreensão das posições e formas dos agentes, assim como de suas armas.

O primeiro deles carregava um estranho sabre de energia; o outro, uma arma que o hippie tinha certeza de não ser simples como uma pistola; o último, no entanto, carregava um trambolho com o tamanho e forma de um lança-mísseis em seu ombro — foi isso que causou a explosão lá embaixo e fez Einstein e seus amigos correrem tão covardemente?

Manteve-se parado. A primeira coisa que os três fizeram foi parar na frente da estátua vermelha, confusos com o que observavam.

— Não fiquem muito próximos disso — falou o do sabre de energia. — Essa coisa aparentemente está estática, mas devemos de modo algum abaixar a guarda. Caso isso fosse um crypto que simula a forma de algo estático e revela as suas garras sanguinárias apenas quando um humano desavisado se aproxima, estaria longe de ser o primeiro.

— Isso é realmente um crypto?

— Muito provavelmente.

— Então, devemos relatar isso ao senhor Gosling imediatamente.

— Faça isso.

Enquanto o agente com a arma pequena relatava as informações para o superior pelo dispositivo, os outros dois continuavam vasculhando a sala; cama, armário, e…

— Nada — falou o agente do sabre, assim que atravessou o corpo pela janela e analisou cada canto da sacada.

— Isso é tudo o que sabemos. — O agente da pistola finalizou o relato e desligou o dispositivo de comunicação. — Está tudo certo por aqui?

— Sim — falou o do lança-mísseis. — Acho que você é o mais apto a ser guarda desta coisa.

— Concordo plenamente. A minha arma é a melhor para essa situação.

— Então, está decidido — falou o do sabre, saindo da sala junto do agente do lança-mísseis. — Iremos tomar uma coquinha gelada.

“Quanto profissionalismo”, pensou um ofegante Laertes, já embaixo da sacada. Descia a estrutura lentamente, abusando de sua agilidade impressionante, embora afetada por seu infeliz estado físico atual.

“Descerei lentamente, mas desse modo, sairei sem sequer ser percebido. Já estou mais descansado do que quando cheguei aqui. Posso ainda não me encontrar em um bom estado, mas acredito que serei bem-sucedido no ato de me esconder em algum lugar seguro antes de fraquejar.”

O hippie continuou descendo lentamente, com a paciência de uma tartaruga ancestral. Ouvindo cada mínimo som que emitia, conseguia ser tão cauteloso que nem o mais sensível conseguiria escutar os seus movimentos.

Só que, talvez, qualquer um escutasse os movimentos do seu intestino.

— O que é isso? — murmurou o agente da arma, diante o pequeno sinal de flatulência. — Acho que estou ouvindo demais…

O som poderia ser encarado como um pressentimento errôneo, mas o cheiro…

— Monstro! Um monstro com um cheiro horroroso! — gritou o homem de preto, correndo até a janela e caindo na sacada. Fora pego por um desespero tão imenso que sequer hesitou em sair de seu posto.

“Bosta!”, pensou o nudista, já quase chegando ao chão, tremendo.

A sua tremedeira não era de forma alguma relacionada ao medo de acabar sendo pego mesmo estando tão próximo de fugir. A tremedeira era parte das reações naturais de um corpo desestabilizado. Também tinha relação com o que foi pensado por sua mente. Bosta.

O monstro começou a sair.

Era uma verdadeira peça de horror. Enorme, monstruoso, duro e com uma forma em seu topo que parecia mais um rosto horrorizado; com aquela expressão de sofrimento infinito, como se estivesse arrependido de ter nascido.

Quando o sobrinho de Cthulhu desabou sobre o gramado, seu odor de cadáver alastrou-se imediatamente por toda a mansão. O agente da pistola pulou da sacada e pousou na frente da merda, encontrando o hippie.

E com o cachorro dele.

A criatura simplesmente, em uma forma fumegante de energia, surgiu a partir do nada e parou no ombro do hippie. Então, tomou a ameaçadora forma de um chihuahua, carregando um ódio imensurável em seu rosto. 

— Au! Au! — Saltou contra o rosto do agente.

— Boa, Coolio — murmurou Laertes quando o seu animal, antes de qualquer tiro, fez o homem desmaiar com apenas um arranhão. 

Pousando no chão, Laertes apanhou a arma do inimigo inconsciente e começou a mirar na direção da porta, detectando os sons próximos a ela.

Quando a mesma porta foi escancarada pelo homem do sabre, pressionou o gatilho imediatamente. 

O laser da arma derreteu o rosto do homem de preto, que caiu morto.

— Comuna desgraçado! — xingou o agente do lança-mísseis, já mirando na direção do homem pelado. Porém, foi atropelado pelo doguinho demoníaco, que correu até ele e pulou em seu rosto. — Maldito!

O agente foi arranhado no rosto e, em seguida, caiu inconsciente. Mas antes, apertou o gatilho de sua enorme arma.

“Era só o que me faltava!”, pensou Laertes, vendo o míssil voar para fora da arma. O projétil gigantesco felizmente passou apenas ao lado dele, mas atingiu o muro atrás dele. Uma enorme onda de destruição veio em sua direção.

Totalmente desesperado, partiu em maratona.

As chamas foram contra as suas costas. O seu corpo saiu do chão e voou aos ares.

Como a Equipe Rocket, Laertes decolou na velocidade da luz.



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