Vol. 1 – Arco 1
Capítulo 1: O Detetive Peculiar
Estacionamento, New Krox, Estados Unidos – 6:32 da manhã, sete de Julho de 1980.
Cinco homens extravasam as suas lamentações na forma da mais pura violência.
Um jovem caído, carregando inúmeras feridas em seu corpo, foi castigado com mais um golpe. O chute atingiu seu rosto com o impacto de uma marretada.
— Quando vamos tacar fogo nesse desgraçado? — resmungou um dos agressores. Embriagado, começou a cambalear em direção de seu carro. No percurso, tropeçou em um livro largado no asfalto. — Merda…
Desnorteado, o homem quase não notou o sujeito que passou correndo à sua frente.
— Qual foi? — indagou ao apressado, que parou por uns instantes para ver a situação.
— Por favor, me ajude… — clamou o jovem caído, com uma voz quase inaudível de tão fraca.
Foi completamente ignorado pelo sujeito, que apenas voltou a correr como se não tivesse visto nada.
As esperanças foram se apagando.
Depois de tirar um galão de gasolina de dentro do porta-malas, o bêbado foi em sua direção, balançando o objeto como se fosse um mero brinquedo.
Por mais que tentasse clamar por ajuda, não tinha forças para falar algo além de murmúrios. Tentar fugir também já havia deixado de ser uma opção há tempos, mal sendo capaz de se levantar naquele estado. Quem diria correr.
A única opção que via era esperar. Esperar algo acontecer, ou simplesmente esperar pela própria morte.
Quando o bêbado estava prestes a despejar o líquido inflamável sobre seu corpo, foi interrompido por um dos outros agressores, que o avisou que alguém se aproximava. Todos os cinco se viraram para trás.
— Onde ele foi? — perguntou o recém-chegado.
Era um negão de um metro e oitenta, com a barba mal-feita e vestido com um casaco todo velho e rasgado.
— O que foi, mendigo? — resmungou o bêbado, com uma risada arfante. — Saiu de um tiroteio, é?!
— Quem me dera — respondeu imediatamente. — Mas me diga, vão ou não me dizer onde o Michael está?
Os homens se entreolharam, confusos. O negão repetiu, já impaciente:
— Vão ou não me dizer onde o Michael está?!
— Tá louco? Não tem nenhum Michael aqui, doidão!
— É claro, mas tenho certeza de que ele passou por aqui e seguiu uma direção que cês certamente sabem qual foi. Aquele merda deve ter pago para não me contarem, ou…
O estranho repentinamente aquietou-se, seus olhos pareciam surpresos pela epifania que acabara de ter ao notar o jovem caído no chão. Suspirando forte, flexionou os ombros e estalou o próprio pescoço.
Cerrando os punhos, construiu uma postura firme e afirmou:
— Vocês cinco não foram simplesmente pagos para omitirem a direção que ele tomou. São os capangas dele desde o início!
Pela segunda vez, os cinco homens se entreolharam. O bêbado sussurrou:
— Do que é que esse maluco tá falando…?
— Isso era óbvio, como não pensei nisso antes? É muito nítido, cês todos são capangas que trabalham para a organização secreta do Michael.
— Organização secreta?
— Esconder a verdade agora é inútil. Já descobri tudo. Sei muito bem que a organização é feita para matar pessoas inocentes e transformar toda a nossa sociedade em um exército. Um exército de bêbados viciados em futebol feitos para lutar contra os alienígenas no Dia do Juízo Final!
— Do que você está falando?
— É isso, né? Admitam, seus covardes!
Como resposta, foi recebido com uma série de gargalhadas:
— Pelo amor, esse cara é um completo lunático! — exclamou um deles, quase chorando de tanto rir. — Ai, doidão, qual é seu nome?
— Meu nome é Leonard Mystery e sou um detetive — respondeu com toda a seriedade do mundo.
Um dos homens veio em sua direção, acompanhado com uma risadinha de brocha.
— Mystery? Detetive? Isso é uma piada?
— Não, pô.
— Bem, do jeito que o mundo anda, não duvido que um marginal como tu tenha virado detetive. A gente não tá trabalhando pra ninguém não, seu merda. Só estamos dando uma lição nesse bandidinho escroto. — Apontou para o jovem caído no chão.
Leonard arqueou as sobrancelhas ao olhar para o sujeito, e então, observou os livros espalhados pelo chão. Depois, mirou o olhar até a mochila caída ao lado do jovem. Por fim, perguntou:
— Qual crime esse moleque cometeu? Parece ser um estudante.
Os homens se entreolharam pela terceira vez. Dessa vez, sem saber muito bem o que falar.
— Você acha que vamos esperar ver ele roubar e matar alguém para fazermos algo? — falou um deles, perdendo a hesitação ao ver seus amigos concordarem, já se preparando para iniciar a palestra.
— Ué.
— Acha mesmo que esse cara, andando pela rua nesse horário com esse jeito de maloqueiro e braços cheio de tatuagens, quer alguma coisa da vida? Acha que vou esperar até amanhã pra ele sequestrar a minha filha e aí sim eu poder enchê-lo de porrada?
— Não tô vendo nenhuma tatuagem. Mesmo se tiv–
— Claro que tem!
— Puts, cara — falou o bêbado, observando o braço do jovem. — Acho que é só uma marca de nascença. Acredita?
O sorriso do detetive aumentou. Afundou as mãos nos bolsos, totalmente relaxado:
— Ok — Aproximou-se lentamente do grupo. — Acho que sou obrigado a dar uma surra nos cinco.
— Vai ser assim? Beleza — falou o palestrinha, dando uma investida na direção do detetive, como um leão atacando alguém que feriu o seu orgulho. Cerrou seus punhos para atingi-lo com uma série de socos, mas acabou por errar o alvo.
O que o investigador tinha de esquisito, também tinha de velocidade. Esquivou-se facilmente de todos os golpes.
Até ser pego desprevenido por uma rasteira.
— Droga! — gritou Leonard, perdendo o equilíbrio e caindo.
— Boa! — berraram os outros marmanjos ao ver a queda, mas a comemoração acabou rapidamente.
— O… quê? — indagou o palestrinha, fisgado por uma rápida confusão ao presenciar o que acabara de ocorrer.
Em um instante, o detetive rodopiou no ar e caiu de cabeça para baixo, fazendo uma bananeira extremamente descolada!
— Achei meio exagerado fazer isso só para me derrubar… Então também vou exagerar um pouco.
Sem esperar para ver sua próxima ação, o palestrinha saltou em sua direção para acertá-lo com um chute, mas foi novamente surpreendido por aquela velocidade.
O meliante desabou ao levar um chute no estômago.
Leonard levantou-se desajeitadamente. Os outros quatro marmanjos, furiosos, foram em sua direção.
Não hesitou e passou calmamente por eles; quebrando o pulso do primeiro, socando a garganta do segundo, arremessando o terceiro com um chute e dando uma dedada no furico do último.
Quando o jovem ferido se deu conta, apenas o estranho detetive encontrava-se em pé.
— Se preocupa não, mano — falou Leonard. — Vou chamar uma ambulância.
— Certo, obrigado…
— Quer saber? Vou te levar até lá nas minhas costas, cê tá muito machucad–
— Mas o que acabou de acontecer? — interrompeu ele, se esforçando para falar minimamente alto. — Que história é essa de “Michael” e “organização secreta”?
Embora apressado, o detetive não pôde evitar de se acalmar para explicar:
— Há umas duas semanas, uma mulher me contratou para investigar um cara chamado Michael, o marido dela. Me explicou bem nas entrelinhas o que eu deveria descobrir. Pelo o que entendi, ela acredita que seu marido esteja montando um império secreto de bêbados para derrubar o nosso atual governo.
O jovem se encontrava tão cheio de dor que nem expressou reação em relação a estranheza do que acabara de ser dito para ele, embora entendesse que fosse um absurdo.
— Legal… como você chegou nessa conclusão?
— Olhe essas fotos que tirei dele em um motel esta noite. — Tirou alguns papéis do bolso de sua calça jeans e os entregou para o moleque.
As fotos mostravam Michael, o mesmo que passou correndo por ali instantes antes de Leonard chegar. Nas fotos, o sujeito entrava em um motel junto de uma moça.
— A minha teoria é que o motel serve como sua base secreta, visto que esse cara vai lá toda noite com uma mulher diferente — comentou o investigador.
— Sério?
— Ele leva essas mulheres para lá porque isso é um rito de passagem para que elas entrem na organização.
— Ah.
— O que essas moças nunca sabem é que serão mortas para serem substituídas por… clones malignos! — exclamou com uma animação surpreendente.
O moleque não expressou nenhuma surpresa, aturdido pela dor.
— Acho que entendi.
— Agora, vou te levar para o hospital, sinto que viraremos grandes parceiros. Talvez cê até comece a trabalhar comigo e escreva livros narrando as nossas aventuras. Sei lá, é só intuição.
— É… obrigado pela proposta, mas acho que não estou muito interessado em virar o seu Watson. Foi mal.
— Tá, tanto faz — bufou, decepcionado.
— Vou te falar uma opinião sincera, ok? É o seguinte…
Horas depois…
Sentado na poltrona esfarrapada de sua cliente, Leonard começou:
— Então, senhora…
Com as pálpebras um pouco caídas, se esforçava para ficar atento ao assunto.
— Qual foi a conclusão do caso? — A cliente indagou. — Por que o meu marido está demorando tanto no trabalho?
— Nossa… estou tão frustrado.
— O que foi?
— Quando vim para essa cidade grande, foi em busca de aventuras, sabe? Me tornei um detetive particular para me aventurar em casos de assassinatos, conspirações estranhas e organizações malignas. Só que vocês, clientes, nunca me dão um caso legal. Só tem gente corna querendo descobrir que é corna. Assim como você!
— O que você quer dizer com isso?!
— É! E nem fui eu que descobri, mas sim um moleque todo lascado da vida! — gritou, despejando as fotos na mesa.
Se levantou, furioso.
— Eu tinha tanta fé que esse caso seria diferente, mas a única coisa que encontrei foi mais uma esposa que leva gaia de um fujão que fica com uma mulher diferente a cada noite. Que merda!
— A sua mãe imunda te deu essa educação? Não vou te pagar!
— Nem ligo. Estou cansado de receber pagamento por casos inúteis como esses. Se meu próximo caso envolver traição ou gatos perdidos como todos os últimos CINCO em que participei, fico louco pra dedéu. Tô falando sério!
— Como se eles fossem te contratar, vaza daqui!
— Desculpa, o que disse?
— Sai da minha casa!
— Ou, foi mal, pode repetir?
— Sai!
— Que estranho… por que só ouço “muuuu”?
— Seu bastardo! — gritou a mulher, já quase rouca, logo antes de pegar um vaso e arremessar contra o insolente. — Saia já da minha casa!
Ele esquivou-se com uma facilidade zombante. O objeto se estilhaçou na parede logo atrás dele, que se dirigiu para fora da pequena casa.
Com o rosto vermelho de tanta raiva, abriu a porta com força e atravessou o quintal em poucos instantes. Passou por Michael, que acabara de chegar. Acenou, mas foi completamente ignorado.
— A briga lá vai ser tensa — murmurou, ouvindo de longe os gritos histéricos da mulher.
Depois de atravessar o cercado da casa, caminhou pelos subúrbios da cidade até chegar no edifício de seu apartamento. Lá, destrancou a porta e entrou sem muita espera.
O lugar era formado por um único cômodo, que servia tanto como o seu quarto, quanto escritório e sala de estar. Sua cama era uma bagunça, já o chão, mal-varrido.
Sua mesa estava coberta de papéis, desde aluguéis atrasados à anotações que tratavam das mais diversas e estranhas teorias. No chão, restos de fast foods e comidas enlatadas.
Desmotivado, se jogou em sua cama para então se afundar nos próprios pensamentos. Sabia que sua carreira de detetive particular tendia a não ser nada promissora, mas precisava daquele emprego.
Arranjar um emprego na polícia seria difícil e demoraria muito para que alcançasse um cargo que lhe disponibilizasse casos interessantes — além de que iria ter que seguir as leis ao pé da letra, fazer relatórios e coisas do tipo. Isso se fosse aceito, o que era bem difícil, devido a sua aparência.
Ou seja, era questão de tempo para que virasse um fracasso por completo.
Embora soubesse que, no fundo, já fosse um fracasso. Na verdade, nem no fundo. Isso estava meio que nítido demais — desde o momento em que um rato morreu de intoxicação por dormir debaixo da sua cama.
"Relaxa, cara... cê só tem vinte e dois anos. Ainda tem muita vida em frente. Eu espero."
Era só olhar suas roupas. Fazia um ano que havia saído de seu antigo lar com aquelas mesmas vestimentas que, com o passar dos meses e das brigas em que se meteu, se estragaram ao ponto de fazê-lo parecer um mendigo.
Mesmo assim, não as largava. Afinal, os melhores protagonistas sempre andam com as mesmas roupas. São as suas marcas registradas.
Sem mais norteamento do que fazer, sem saber se procurava por outro caso ou por outro emprego, apenas levantou. Prestes a sentar em sua mesa, parou assim que ouviu um barulho desconfortável sair do outro lado de sua porta.
TUC!!! TUC!!! TUC!!!
— Já vai, cara. Não precisa bater tão fort–
Recuou assim que viu a porta ser escancarada com um chute.
A fina porta de madeira caiu e se dividiu em pedaços. O invasor saltou para dentro do apartamento, cerrando seus punhos e ditando de forma furiosa:
— Seu vagabundo, você matou o meu brother!
Leonard não pôde evitar de ficar desnorteado com a confusa situação. Não é todo dia que se tem a casa invadida por um estranho que, de cara, o acusa de homicídio.
Os dias em que isso acontece são ainda mais raros quando o estranho faz uma acusação tão séria quanto essa enquanto trajado com uma fantasia de hamster.