Pt. 2 – Arco 3

Capítulo 29: A Casa do Sol Nascente

Ravender City - 5:25 da tarde, quinze de Julho.

O enorme hotel na frente de Leonard, Einstein e Elin era tão impressionantemente magnífico que os três quase se esqueceram da notícia que receberam há tão pouco tempo. 

Seus rostos estavam estampados em todas as televisões e jornais dos Estados Unidos, pois agora eram conhecidos por todo o país como terroristas foragidos.

— Merda… — resmungou Leonard Mystery, enquanto os três voltavam para dentro do carro. — Como chegamos neste ponto?

— Era questão de tempo — falou Elin, focada e apreensiva.

— Verdade… mas como entraremos no hotel? Vão nos reconhecer num instante, aí a polícia vai chegar. Depois, os Homens de Preto.

— Verduras, meus caros — assentiu Einstein. — E então?

— Rapaziada, o que menos devemos fazer é chamar atenção. Temos que aproveitar a vantagem de estarmos bem longe de Woodnation. Os Homens de Preto já devem saber que saímos daquela cidade, mas deduzirem que paramos em Ravender City? Nisso, eu duvido. Tipo, Einstein, cê nos teleportou pro outro lado do país!

— Ora bolas, é verdade.

— Tive uma ideia! — exclamou Elin, sacando seu caderno.

 

Hotel Casa do Sol Nascente - 5:30 da tarde.

O hotel era tão grande por dentro quanto por fora. Obviamente. Na verdade, seria muito estranho se ele fosse grande por fora e pequeno por dentro… mas seria muito legal se ele fosse maior por dentro do que por fora — o que nitidamente não é o caso, porém, isso não muda o fato de que o local é muito grande.

O hall de entrada, todo lustrado e estiloso, chegava a ser sete vezes maior que uma casa de classe média e certamente humilhava o apartamento mofado do detetive. Não que isso fosse um desafio.

Diante do cenário totalmente higienizado e repleto de pessoas chiques e bem-vestidas, três pessoas entraram.

O primeiro surgiu com seu terno vintage, óculos escuros, um chapéu de abas e um charuto.

Ao seu lado, uma garota elegante, com um vestido… um vestido meio estranho, com dezenas de dados (aqueles de aposta) colados por todo o vestido. Além disso, a moça estava com o rosto coberto por uma máscara de corvo.

Acompanhando ela, veio um… um… que porra é essa? Um dado gigante com braços e pernas?

“Por que sou o único com um disfarce que faça sentido?”, pensou o detetive, ajustando a gravata. Parou na frente do atendente, dando uma tragada no cachimbo e simulando uma voz rouca e poderosa que em nada parecia com seu modo habitual de falar:

— Gostaria de um quarto para mim, minha amiga e… esse cara fantasiado de dado gigante.

O atendente até tentou ignorar, mas algo naqueles três o incomodava muito.

— Senhor, o seu charuto está ao contrário.

— Ah… valeu, parça. Quis dizer, agradeço, meu caro.

— Nada. Nome?

— Benjamin Arrola — respondeu prontamente, com uma seriedade imutável.

— Uhn…

— O meu é Vivara Grande — falou a garota.

— Tá…?

— E eu sou o Rolando Pinto! — exclamou o dado.

O atendente fechou a cara enquanto o homem do charuto dizia quantas camas desejavam. Falou o preço do quarto e a resposta que recebeu fora uma maleta cheia de notas — bem mais dinheiro que o preço do quarto pedia.

— Pode ficar com a gorjeta — afirmou Benjamin Arrola.

— Aqui a chave, o número do quarto está estampado nela — disse o atendente, agora sorridente.

Os esquisitos pegaram a chave e se mandaram. 

Passando com sucesso para as outras áreas do hotel, eles seguiram em frente até o quarto 264. Nisso, passaram pelas mais variadas áreas do edifício; um deslumbrante restaurante, uma atraente sala de jogos, um belo spa e um magnífico cassino, pelo qual o hotel era muito conhecido.

Foi subindo para o terceiro andar que eles encontraram o corredor onde habitava o quarto 264. Enfim, entraram.

— Uau! — exclamaram simultaneamente.

Como tudo na Casa do Sol Nascente, o quarto parecia parte de um palácio. Três camas de casal enfeitadas, uma televisão que se parecia mais com uma tela de cinema, um sofá gigantesco, fliperamas, mesa de jantar e até mesmo uma sacada com piscina.

— Cacetadas, isso é extraordinário! — exclamou Einstein, saltando para fora da fantasia de dado gigante e ficando apenas com a clássica fantasia de hamster que vestia embaixo. — Estamos no céu?

— Acho que sim… — respondeu o detetive, impressionado. — Eu teria que trabalhar a vida inteira para passar uma noite neste hotel. O seu poder é realmente útil, Elin. Cria roupas, dinheiro… tua vida tá feita depois que a gente derrotar o Panthael. Claro, essa vida vai ter que ser bem longe desse país.

Ela não respondeu, pois já estava ocupada demais rolando como um tamanduá em cima de uma das camas.

Leonard nem se irritou com isso; saltou para cima de um dos jogos de fliperama, pronto para botar a mão na massa.

Já Einstein, se afogava dentro da piscina. Literalmente.

— Haudbahshshahahauahauauzh! —  Felizmente, fora salvo por sua irmã pouco depois. Ele continuou com a fantasia, mesmo tendo ficado encharcado.

A noite se resumiu a muita farra; Leonard e Einstein jogaram por horas, Elin colocou a televisão na velocidade 20x e desse modo assistiu todas as temporadas de Popeye em uma só noite; as fitas até estragaram. Os três também travaram uma disputa para saber quem rolava como uma bola por mais tempo sem cair.

Leonard venceu a disputa, mas acabou caindo da sacada.

Como qualquer pessoa que acabou de cair do terceiro andar de um edifício, ele não perdeu tempo e em seguida foi até o restaurante do hotel junto de seus parças. Afinal, já era hora do rango.

— Isso tá do caralho — comentou Benjamin Arrola, já na mesa junto deles, devorando aquele prato cheio de camarão, linguiça, salsicha frita, ovo cozido e coxas de frango.

— Quanta coisa… — murmurou o garçom.

— Realmente, faz anos que não como algo tão delicioso! — exclamou Vivara Grande, comendo um belo prato com arroz, batatas fritas e frango empanado.

— De fato, meus caros — disse por fim o Rolando Pinto, novamente trajado como um dado gigante, devorando um prato cheio de bananas e nozes.

— Nunca vi um prato desses — comentou novamente o garçom, saindo de perto da mesa antes que acabasse pegando um deles comendo coração de bode.

Os minutos seguintes sequer tiveram algum diálogo, uma vez que as bocas de todos ficaram muito ocupadas.

— Cê louco, acho que nunca vou ter uma janta mais gostosa — assumiu Benjamin Arrola, minutos depois. — Mas tenho que admitir, 60% dessa sensação deliciosa veio dos meus… quantos? Ah, oito dias de jejum.

— O quê? — indagou a artista.

— Caçarolas, detetive! Como assim?

— Me viu comendo em algum momento, desde que me conheceu, Eins– quis dizer, senhor Pinto?

— Nunca parei para refletir, mas não.

— Então.

— Mas, oito dias? Isso nem deve ser possível — questionou a garota. — Ainda mais para o seu caso. Você se envolveu em diversas lutas mortais.

— Será que a minha magia de cura desfez sua fome? Pode ser isso, usei ela no senhor inúmeras vezes — teorizou o hamster.

— Nem — respondeu. — Pelo menos, não no meu caso. Já fiquei um mês inteiro sem comer.

Os irmãos se espantaram com a afirmação do investigador, que prosseguiu:

— Eu tinha ouvido boatos de que ficar um mês sem comer te faz despertar habilidades sobre-humanas. Decidi testar. Só fiquei bebendo água e meditando. Infelizmente, não desenvolvi nenhum super-poder.

— O poder de ficar um mês sem comer já não era o suficiente?! — disse Elin.

— Bem, já falei, nunca refleti muito sobre isso. Sempre me vi como um cara completamente normal.

Com o fim do jantar, os três pagaram a conta e caminharam para fora do restaurante, já trajando o caminho até o cassino pelo qual a Casa do Sol Nascente era tão reconhecida.

— Acho que é bom nos lembrarmos, esse lugar é a quarta coordenada. O que acham que tem aqui? — perguntou o detetive.

— Sei lá — afirmou o feiticeiro.

— Bem… — começou Elin. — A primeira coordenada tinha um túnel que levava até o laboratório subterrâneo do Amadeus, uma rota de fuga. A segunda tinha aquela robô que nos entregou o passaporte para a terceira coordenada, que era aquela prisão subterrânea.

— Verduras. Resumiu bem, mas e então?

— Todas as coordenadas até então tiveram conexão com alguma outra coisa que já vimos. É muito provável que isso também se aplique a esta coordenada. Só precisamos descobrir ao que ela está conectada.

— Carambolas, ótima dedução, irmã!

— Puts, quer o papel de detetive para você? — zombou Leonard. — Olha só, chegamos no cassino.

Roletas, gordinhos suados vestindo ternos, comemorações e lágrimas; essas eram as quatro coisas que mais se via no cassino. Todavia, não era isso o que mais chamava atenção.

— Companheiros! — exclamou um homem, em cima de uma das mesas e envolvido por uma plateia. 

No auge dos trinta anos, o sujeito carregava uma postura conformada e um olhar calmo, que juntos formavam uma aura carismática e sábia. Ele passou a mão por seu bigode afiado e ajustou o terno, dizendo:

— As vezes, vejo tudo isso que está sob meus pés e me pego impressionado. Anos de miséria foram o que me formaram, mas foram os anos de aventura que me trouxeram até aqui — tragou seu cigarro. — Isso tudo nunca existiria senão através de muita luta. Por isso, toda noite, acabo dando início a mais um monólogo entediante para agradecer a tudo que me ocorreu; pois se não fosse pelo sofrimento e pela coragem, eu nunca teria chegado até aqui. Lembrem-se de serem gratos. Obrigado!

Uma onda de aplausos e gritos inundou todo o ambiente do cassino. Nem parecia que 90% dos presentes naquele ambiente odiavam pobres e tinham o passatempo de mijar em mendigos.

— Incrível! — gritou Einstein. — Quero ser que nem o senhor um dia!

— Cê nem conhece ele — falou Leonard.

— Eu te amo, homem do bigode! — ignorou o colega.

“Quanto exagero!”

— Eu também te amo, cidadão anônimo! — gritou o bigodudo, saltando da mesa e desaparecendo no meio da horda de pessoas.

Os três permaneceram afastados da cena. Passaram pelas diversas roletas e jogos de aposta, em busca de alguma coisa suspeita, mas nenhuma olhada rápida fora capaz de encontrar alguma coisa — assim como ocorreu em todos os outros cenários do hotel por qual passaram desde que saíram do quarto para comer.

Então, tomaram a decisão mais sábia de se fazer: se separarem.

— Só avisando, galera. É para investigarmos, ok? Sem ficar só de bobeir–

Quando Leonard se deu conta, os dois já haviam dado no pé.

“Sumiram num instante! Espero que toda essa animação seja para procurar pistas, não para ficar curtindo.”

Sem saber por onde começar, Leonard deu uma segunda passada rápida por todos os ambientes. Novamente, fora incapaz de captar alguma pista. Na realidade, nem conseguiu reencontrar os dois irmãos. Portanto, decidiu voltar até seu quarto para descansar e retomar sua atenção para algo tão importante quanto a investigação.

Lá dentro, sentado sobre uma das camas, estendeu a mão e a cerrou com força. Encarou ela com um olhar tenebroso; sobrancelhas trincadas, concentração total e expressões faciais de alguém com caganeira.

Então, surgiu!

A partir daquela mesma mão, raízes vermelhas começaram a crescer. Pareciam nascer sobre sua pele, mas o processo não era nada doloroso. Pelo contrário, chegava a trazer um estranho conforto.

Puxou uma das raízes, sentindo aquele desconforto que se tem ao puxar com força um fio de cabelo, sequer tendo coragem de arrancar. Mas nem precisou, porque ao fazer um pouco mais de concentração, elas simplesmente foram fisgadas por uma coloração preta e murcharam até caírem de sua pele.

Já sobre a cama, as raízes podres continuaram apodrecendo, até virarem pó. Depois, sumiram completamente. “Mas que bizarrice toda é essa?”, pensou.

Então, se levantou e suspirou, ainda mais concentrado. Novamente, diversas raízes nasceram de sua mão. 

Dessa vez, ao fazer um gesto para frente, uma delas rapidamente começou a se esticar velozmente e avançou como uma teia até o teto — onde se cravou, pois a ponta se tornara afiada o bastante para penetrar a superfície.

Se segurando na “corda”, Leonard colocou os pés na parede e começou a escalar até o teto, igual a um verdadeiro alpinista. 

 — Caramba, eu virei o Homem-Aranha?!

 

 

Sala de Jogos, Casa do Sol Nascente - 9:54 da noite

Fosse hamster ou dado, Einstein Heisenberg Holmes tinha as habilidades de um dançarino profissional. Pelo menos, isso era o que dizia o placar daquele jogo de dança. O maior placar em menos de alguns minutos jogando. Um verdadeiro talento escondido!

Ele achou engraçado quando o detetive passou perto dele e não o viu. Até pensou em chamá-lo, mas estava muito ocupado dançando. 

Após dar mais um show e humilhar um riquinho, se afastou da máquina e foi até o banheiro para fazer suas necessidades — alguns não sabem disso, mas hamsters cagam. “Depois de soltar esse toró, vou começar a procurar pela quarta coordenada”.

Foi no meio da caganeira, que se assustou com um estranho estrondo. “O que é isso?!” Abriu apenas um pouco da porta, ao ponto de criar uma brecha por onde poderia espiar, e então viu o que acontecia na frente dos mictórios.

A parede havia rachado. Uma forma de vida estava saindo de dentro dela. Coberta por um líquido amarelo e gosmento, como se tivesse acabado de sair de um útero, a coisa prosseguiu.

Cambaleou, fraquejou, mas conseguiu dar seu primeiro passo. Com menos esforço, deu o segundo. O terceiro custou menos ainda. Notando que a janta estava próxima, o monstro exibiu um sorriso amarelado e gritou:

MACONHA!!!



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