Volume 1
Capítulo 2: O que devo fazer?
Parte 1
A manhã de Sorata Kanda tinha começado muito cedo. Ainda não eram nem 6h30.
Ele já estava acordado antes mesmo que seu telefone, que ele usava no lugar de um despertador, tocasse. Antes que o traseiro de Hikari, a gata branca, o acordasse, ou um soco direto do Nozomi, o gato preto, ou até mesmo um ataque no estômago por Kodama, o gato listrado. Sorata foi acordado de seus sonhos, e trazido de volta à realidade.
Ele acordou com uma música rápida, uma música de um RPG com tema de guerra, que ele costumava gostar quando estava no ensino médio. Para acordar bem cedo de manhã, ele definiu essa música como o som do alarme, em abril deste ano. Depois de ouvir apenas uma parte da música, ele acordava com disposiçao para fazer qualquer coisa.
Depois de lavar o rosto, ele andou até a cozinha, acompanhado de seus sete gatos, que aguardavam o café da manhã. Depois que Sorata preparou a ração, os gatos o adoraram como se suas vidas dependessem disso. Durante esse tempo, Sorata também mastigava torradas e bebia um pouco de leite.
Isso era algo bem normal para ele.
Mas... A única coisa diferente, era que toda vez que ele abria a geladeira, ele sentia um toque de tristeza. Na portae da geladeira tinha a agenda dos moradores. A agenda estava grudada por vários imãs coloridos, e nela havia uma linha de palavras que Sorata não podia ignorar:
— Encarregado da Mashiro: Sorata Kanda.
Mesmo que ele estivesse emocionalmente danificado, Sorata ligou o computador que ele pegou emprestado de Misaki, e foi até o balcão. Ele ele abriu um site que tinha métodos para fazer um almoço fácil, e começou a preparar os ingredientes.
Os ingredientes de hoje eram: atum frito, espinafre, vegetais crus misturados com presunto e, por último, mas não menos importante, cenouras com molho de soja. Era parecido com o jantar de ontem à noite. Mashiro disse que não tem problemas em comer isso. Por algum motivo, Mashiro parecia não gostar muito de frituras.
Enquanto preparava o almoço rapidamente, Sorata comeu outra torrada.
De vez em quando, ele dava uma olhada rápida na tela do computador, para confirmar as instruções para preparar o almoço. E enquanto esperava, ele também dava uma olhada nos blogs de desenvolvedores de jogos, para passar o tempo.
Claro, ele não se esqueceu de conversar com Ryunosuke, que estava em um bate-papo com ele.
— Sorata, o que você acha do jogo “Depois da morte”?
— Você está falando sobre aquele novo que saiu?
— Isso mesmo. No mundo das fantasias, muitas coisas não fazem sentido. Personagens ganham poderes apenas com a força de vontade, sem nem se esforçar para isso. E mesmo assim, morrem miseravelmente. Eu me pergunto, eles não estão cientes do que acontece depois da morte?
— Não, provavelmente não.
Mesmo que Ryunosuke fosse uma pessoa estranha, ele não era alguém que fazia os outros infelizes. Essa foi a impressão que Sorata teve depois de conversar com ele.
— Quanto mais compararmos uma história fictícia com a sociedade atual, mais seremos capazes de compreender a existência e a força de vontade presente na sociedade.
— Você acabou de descrever completamente o lado problemático do jogo, hein.
— Beleza, vamos falar sobre “O que acontece após a morte?”.
— Então, essa conversa vai demorar? Meu atum está quase queimado.
— Bem, isso não me deixa escolha. Nos falamos outra hora, amigo.
— Ah, sim, é melhor. Aliás, estamos na mesma classe este ano, hein?
— As classes são decididas aleatoriamente, apenas isso.
* Ryunosuke saiu do chat *
Exatamente na mesma hora, o almoço ficou pronto. Sorata rapidamente colocou a comida em duas cestas. Uma para ele, e outra para Mashiro.
— Hmm. Parece delicioso.
Sorata pegou alguns pedaços para provar. Os dois pratos estavam ótimos quando ele provou.
— Se eu realmente quiser, eu consigo fazer algo assim facilmente. Ah, droga, estou ficando feliz com isso.
Sorata estava se gabando de si mesmo, mas ele foi arrastado de volta à realidade, e isso lhe deu uma sensação de vazio.
— Espere, o que estou fazendo...? Eu não sou uma esposa fazendo o almoço do marido!
Até o ano passado, Sorata sempre comprava seu almoço no refeitório ou de vendedores na rua, para poder dormir mais 30 minutos. A única razão pela qual ele estava acordando tão cedo, era por causa de Mashiro.
—
Aconteceu há duas semanas:
Em um piscar de olhos, já era o segundo dia de aula no novo período, e estava na aula da tarde. Durante o intervalo do almoço, Sorata foi ver como Mashiro estava, mas a encontrou sentada sozinha na sala de aula.
Sorata não teve escolha a não ser convidá-la para o refeitório para comer. Mas lá, eles só acabaram chamando ainda mais a atenção da multidão. Mashiro era muito exigente, e colocava toda a comida que ela não gostava no prato de Sorata. Então graças a ela, mais rumores estranhos se espalharam. Foi muito difícil comer em paz.
E teve gente que colocou lenha na fogueira:
— Ei, eles não são do Sakurasou?
— Idiota! Não faça contato visual com eles!
— É realmente a primeira vez que vejo as pessoas de lá. Incrível, cara, eles realmente existem.
— Ah! Merda! Se não nos afastarmos deles, também seremos infectados com o Vírus Sakurasou!
Assim, eles foram tratados como monstros estranhos. Isso deixou Sorata desconfortável.
Mesmo que Sorata pensasse: “Já que é assim, vou almoçar com a Shiina em alguma loja!”, apenas de lembrar dela abrindo a comida da prateleira sem pagar o fez desistir antes mesmo de tentar. Então, para isso não acontecer novamente, Sorata confirmou o que Mashiro queria comer e finalmente cozinhou de manhã. Agora, sempre antes de cozinhar, Sorata pergunta a Mashiro sobre o que ela quer comer.
Sorata não gostava muito de cozinhar, então era óbvio que ele não era bom com isso.
No Sakurasou, Jin era um perfeccionista e Misaki, que era boa em quase tudo, também era bastante habilidosa. Até Chihiro sabia fazer mais pratos do que Sorata.
Se fosse para classificar os moradores do Sakurasou em questão de habilidade culinária, seria mais fácil chegar em Sorata começando de baixo para cima.
—
Inicialmente, Sorata procurou por Misaki, para pedir ajuda, e ela até fez um almoço para ele e Jin, mas...
"— ~Então, junto com a comida do Kouhai-kun, vamos fazer uma roleta russa! Uma pessoa pessoa irá comer só arroz com mostarda! Um almoço arrepiante e assustador irá começar!~"
Ela falou com tanta vontade, que essa ideia horrível nem parecia uma piada. Então Sorata decidiu tratar isso como se nunca tivesse acontecido. Obviamente, a vida nunca foi fácil desde o início. Então Sorata decidiu fazer sozinho.
— Se você está cozinhando, então faça apenas isso. Me enoja que você esteja excitado em um momento como esse.
Chihiro, que apareceu na cozinha sem avisar, levou todos os vegetais que estavam ali.
— Como você pode dizer que seu aluno é nojento?! Se formos ver do começo, isso tudo não é culpa sua?! Sensei, você realmente desistiu de ser uma adulta e empurrou todas as responsabilidades para mim!
— Acho que há uma frase que diz: “Quando você é jovem, deve passar por dificuldades”.
Chihiro pegou um pedaço de atum frito e colocou na boca.
— Ah! Espere!
— Uau, o gosto está muito bom. Kanda, você vai fazer o meu almoço também.
— Você não tem vergonha de ser assim?!
Nesse momento, uma outra pessoa entrou.
— Hm? O que está acontecendo~~ O que está acontecendo~~ Você deveria contar comigo também~~
Misaki cantarolava uma música misteriosa enquanto descia do primeiro andar.
— Atum! Tem cheiro de atum!
Misaki, que estava cheia de energia no início da manhã, correu para a mesa de jantar igual um gato.
Ela se sentou, e com uma velocidade incrível, colocou os três pratos em sua boca.
— Por que todo mundo é tão irritante pela manhã?! Ei!
— ~Que delícia. O meu almoço e o do Jin vão ser esses aqui!~
— Eu não perguntei se você queria!
— Não diga algo tão egoísta.
Chihiro pegou o prato do almoço que estava no balcão, e Sorata apenas aceitou aquilo.
Misaki, por outro lado, estava colocando mais comida em seu almoço com movimentos friamente calculados.
Sorata tinha se preparado para caso ele falhasse, e preparou pratos extras caso fosse necessário. Isso foi o suficiente para cinco pessoas comerem. Isso o deixou um pouco triste.
— O que você está fazendo tão cedo?
Jin, que raramente aparecia no Sakurasou pela manhã, também acordou.
Ele olhou para o balcão, e silenciosamente julgou a situação. Depois disso, ele disse:
— Bem, não é ruim fazer isso às vezes.
— Kouhai-kun, acho que você já pode se casar, né?!
— Sim...
Sorata respondeu triste enquanto embalava o almoço de Chihiro. Ele verificou a hora, mas ainda não eram nem sete.
Já era final de abril. Depois de quatro semanas, talvez por ter se acostumado a cozinhar, ele já conseguia preparar o almoço mais rápido do que imaginava. Ontem, quando terminou de preparar, já passava das 07:30hr, hora de acordar a Mashiro.
Hoje, no entanto, eles tinham mais tempo para se arrumarem.
Sorata pensou em algo de repente, e foi até o computador.
Ele pesquisou “Mashiro Shiina” no navegador.
— Ei! Você tá assistindo algum vídeo pornográfico?
Misaki colocou o rosto mais perto da tela.
— Eu não conseguiria ter tanta vontade assim de manhã...
O navegador exibiu os resultados da pesquisa feita por Sorata.
Tinha algo em torno de cem mil páginas, todas em inglês.
— ~Oh, é a Mashiron. Eu acho que já vi algo assim antes.~
Sorata clicou no primeiro resultado da pesquisa. Ele foi redirecionado para o site oficial de um museu de artes estrangeiro.
Jin ficou curioso, e também se inclinou para mais perto da tela, deixando Chihiro sozinha.
— É inglês, então eu não consigo ler. Hã? O que é isso?
Depois de pesquisar o nome de Mashiro nesse site do museu, a tela ficou brilhante de repente.
A página que abriu tinha um design simples, nele tinha apenas uma tela verde com uma única pintura. A pintura estava na parede do Museu de Artes Mundial.
No momento em que Sorata viu isso, ele ficou todo arrepiado.
Era como se todos os seus nervos quisessem voar para fora de seu corpo.
Misaki fez elogios que não eram palavras nem frases, e Jin apenas observou impressionado.
A consciência de Sorata foi atraída para a pequena tela.
— Por que isso está acontecendo?
Ele disse isso sem nem pensar, apenas saiu.
Sorata não conseguia entender aquilo que estava sentindo.
No entanto, ele ainda estava fortemente encantado pela pintura, que era abstrata e simbólica.
Não havia como descrevê-la com palavras. Era como... se você pudesse ver a luz, ouvir sons e até sentir o vento da pintura. Era isso que ele estava sentindo.
Ao rolar para baixo, dava para ver comentários sobre a pintura.
Felizmente, tinha um tradutor automático para o japonês.
— A percepção e habilidade da Shiina, que lhe permite fazer coisas como luz, som e ar, coisas que não podem ser vistas a olho nu, é verdadeiramente digna de admiração.
— Esta é uma visão única do mundo, é inexplicável.
— Shiina Mashiro é um prodígio. Ela é incrível.
— Nosso nível de talento não se compara com o dela.
Misaki estava admirando profundamente a pintura de Shiina.
Essa foi a primeira vez que Sorata viu elogios assim.
Ele então sentiu que não conseguiria se acalmar, e desligou o computador bem rápido.
— Kanda, eu acho que já tá na hora, né?
Por causa da voz de Chihiro, ele voltou à realidade.
— Ah! Merda!
Ele então deixou Misaki, que estava cantarolando outra música estranha, e caminhou até o segundo andar.
— Ei, Shiina! Já tá de manhã! Eu sei que mesmo dizendo isso, ainda será inútil, mas por favor, se apresse e acorde!
Após alguns segundos, ainda não houve nenhuma resposta.
Sorata abriu a porta e entrou no quarto.
Hoje, Mashiro novamente não estava na cama. Ela estava dormindo debaixo da pilha de roupas e calcinhas debaixo de sua mesa. Dava para ver seu cabelo de fora.
Sorata acordou ela enquanto pressionava o cabelo dela, que parecia desafiar a gravidade. Mas Mashiro ainda não acordou.
Pela sua experiência, ele sabia que provavelmente levaria mais cinco minutos até ela acordar.
O quarto estava terrivelmente bagunçado, apesar de ter sido limpo ontem antes de ela ir para a cama.
O computador estava ligado, obviamente.
Sorata estava no único espaço do quarto que estava arrumado.
Neste momento, Sorata olhou para um pedaço de papel tamanho B4. Era um pedaço de papel que continha um esboço original de um mangá. Olhando melhor, tinha outras folhas desenhadas por todo o quarto.
Até certo tempo atrás, Sorata tinha decidido que seria melhor não mexer nessas folhas, mas hoje sua curiosidade venceu seu auto-controle. Talvez fosse porque ele tinha acabado de ver a pintura de Mashiro no site do Museu de Artes.
Ele pegou a folha que tinha o esboço do mangá, e juntou às outras.
Ele organizou as páginas em ordem. Havia trinta e duas páginas no total, com uma página final.
Ele leu cada uma delas na ordem em que ele organizou.
A arte era incrível, realmente fantástica. Não importava em quais ângulos os personagens fossem desenhados, ainda pareciam incríveis.
Mashiro fez rascunhos muito bonitos, com um estilo de desenho único e impressionante.
Os cenários também eram bonitos.
Os personagens bem desenhados, juntos ao fundo que também era muito bom, geraram um estilo que raramente era visto.
Sorata leu cada página com atenção. Ele chegou à última página e finalmente terminou.
Sorata pegou as folhas e as colocou levemente na mesa.
— ... É entediante.
Foi tão chato que Sorata ficou surpreso.
A história era tão desprovida de conteúdo que poderia fazer as pessoas pensarem que era uma piada.
Era um mangá shoujo.
Uma garota desinteressante se apaixona por um garoto desinteressante. E, sem nenhum enredo, o resultado foi uma história de “vamos sair nesse fim de semana?”.
— Não, talvez isso seja bom pra eles, mas e daí?!
Era o tipo de mangá vazio que faria uma pessoa querer gritar.
— Manhã.
Mashiro lentamente se arrastou para fora de sua mesa.
Na parte superior do corpo, ela usava um vestido de manga curta com uma estampa, e a parte inferior do corpo estava sem nada, como se estivesse tentando dizer aos outros que ela usava calcinhas apenas em seus sonhos.
As pernas de Mashiro eram esbeltas e brancas como a neve, e elas fizeram Sorata começar a perder a compostura.
— Shiina! Use algo na parte de baixo também! Você está tentando me provocar?!
As pontas do vestido mal alcançavam a parte superior das coxas. Toda vez que Mashiro dormia até ficar tonta, ela balançava um pouco ao acordar, e o seu vestido balançava junto. Isso poderia mostrar algo a mais caso continuasse.
Sorata ficou paralisado por que seu coração estava acelerado, e acabou ficando incapaz de desviar o olhar.
Com passos instáveis, Mashiro caminhou até a penteadeira, com os olhos quase fechados pelo sono, e se sentou.
Ela não se incomodou nem um pouco com o que Sorata estava fazendo.
Sorata pensou consigo mesmo:
— Se eu puder suportar isso e passar por minhas preocupações assim, posso me tornar um ser celestial.
Sorata se sentou atrás dela, e pegou o pente.
Enquanto penteava o cabelo de Mashiro, ele ainda pensava:
— Será que eu já posso me tornar um ser celestial agora?
Com um secador de cabelo, Sorata usou força bruta para tentar secar o cabelo de Mashiro.
— A Misaki me disse.
— Não diga algo tão de repente! Vai me assustar!
— Ela disse que se eu não usasse nada em baixo, Sorata iria ficar feliz.
— ...Como eu disse, você não pode acreditar nela! A Senpai fala várias coisas estranhas.
— Misaki é uma pessoa boa.
Mashiro se perdeu olhando para o espelho.
— Se eu fosse um lobo, eu poderia te comer agora mesmo.
Logo após Sorata dizer isso, seus olhos se encontraram com o de Mashiro através do espelho.
— Sabe, ocê sobreviveu pacificamente até agora, mas...
— Porque eu nunca vi um lobo antes.
— Não, “lobo” é uma metáfora. Refere-se à homens, meninos etc.
— Então eu continuo sem ter visto.
— Você estava em uma escola apenas de meninas antes de vir para cá? É sua primeira vez em uma escola mista?
— Sorata é meu primeiro.
— Hum?
— Meu primeiro homem.
— Então você não deveria dizer isso de outro jeito?! Quando você fala assim, parece que eu tentei alguma coisa! Mas na verdade, eu não fiz nada!
— Eu me sinto sortuda pelo meu primeiro ter sido Sorata.
— D-Do que você tá falando?!
— Porque você me ajuda e faz várias coisas para mim.
— P-Pare de dizer coisas assim! Rápido, troque de roupa!
— Onde está a roupa?
Sorata entregou um conjunto de uniforme e roupas íntimas para Mashiro, todas limpas.
Ele não conseguia olhá-la diretamente nos olhos.
Antes de Sorata sair da sala, Mashiro começou a tirar o vestido.
— Espere até eu sair para você poder se trocar!
Sorata fechou a porta. Ele ignorou o que Mashiro ia dizer, e se sentou perto da parede. Ele já estava exausto tão cedo.
— O que vai acontecer no futuro...?
Ninguém respondeu à pergunta. Ninguém sabia. Talvez nem Deus soubesse.
Shiina era realmente talentosa. Foi exatamente a mesma coisa que tinha nos comentários.
"— Nosso nível de talento não se compara com o dela."
Realmente esse foi um comentário de uma pessoa com grande conhecimento. Ele foi capaz de ver através de Mashiro.
— Isso realmente não é uma piada...
Ele suspirou.
Mashiro saiu de seu quarto. Sorata ainda não tinha se acostumado com ela mesma vestindo o próprio uniforme escolar.
— Hm...
Mashiro falou com Sorata, com sua voz baixa, mas ele sempre ia embora sem dizer uma palavra.
— Oi?
— Era muito chato?
— Hein?
— Meu mangá.
Não sabendo a maneira certa de responder, tudo que Sorata fez foi rir amargamente. O mangá realmente tinha sido desenhado por Mashiro.
— Então você estava acordada...
— Então foi chato mesmo, não é?
Mesmo dizendo isso, ela não mostrava nenhuma emoção e nenhuma expressão facial.
— ~Kouhai-kun! A Mashiron já acordou~?
Ele se sentiu muito sortudo por Misaki ter interrompido.
Misaki também já tinha vestido seu uniforme escolar.
— Nós vamos chegar atrasados na escola.
— Sim.
Sentindo uma respiração fraca nas costas, Sorata caminhou até a cozinha. Todo mundo estava esperando lá.
Eles esperaram Mashiro terminar de comer.
Os moradores do Sakurasou, que geralmente iam para a escola separados, saíram juntos.
— Akasaka, a casa é toda sua.
— Como você pode pedir para ele cuidar da casa?! Ele é seu aluno!
Parte 2
Depois de um longo tempo, a aula de Japonês Moderno no terceiro período finalmente acabou.
Antes de a professora, Koharu Shiroyama, sair da sala, ela bateu na cabeça de Sorata com folhas enroladas.
Ele acordou.
— Você está na fila da frente, não durma assim.
Ela, a professora que se formou no mesmo ano que Chihiro, tinha a aparência e os padrões de fala de uma irmã mais velha idiota. Portanto, ela era invejada por algumas das meninas, e era amada por alguns dos meninos.
Ela sempre foi vista com Chihiro na escola, e as duas eram famosas. A não-confiável Koharu, que sempre seguia Chihiro, fez os alunos comentarem que Chihiro era “uma pessoa confiável”, mas Sorata discordava disso fortemente.
— Professora, sua aula é muita chata, eu não resisti e...
— Você é a única pessoa da sala que não entregou a pesquisa de carreiras, e ainda se atreve a dizer algo tão maldoso. Vou contar para a Chihiro.
Koharu parecia raivosa. Ela inchou as bochechas e saiu da sala.
Sorata não teve energia nem para vê-la sair, e simplesmente desabou em sua mesa.
— Eu tô tão cansado...
— Kanda-kun, você está mesmo desanimado. Você poderia não dizer algo tão negativo assim do meu lado? Isso vai me deixar assim também.
Quem falou isso foi a colega de classe de Sorata, Nanami Aoyama, que estava na mesma classe que ele. Assim como seu jeito de falar, ela tinha uma aparência que a fazia se destacar na multidão. Ela tinha a atitude e a postura de uma excelente aluna, e, se fosse um gato, ela seria um gato abissínio.
Sua altura média era de 1,58m. Seu peso: Desconhecido.
De acordo com o relatório de Jin, seus tamanhos eram 81, 58, 83.
Ela sentava na cadeira de número um. E depois dela, a ordem era: Akasaka, Asano, Ikuta, Ogikuba, Kawasaki e, finalmente, o número sete, Kanda Sorata. As cadeiras da classe ficavam em um quadrado de 6x6, e ele acabou sentado na primeira fila, bem ao lado de Nanami. Seus lugares eram os mesmos que os de um ano atrás, quando eles também estudaram juntos.
Nanami olhou para Sorata com os olhos de quem ainda tinha muito mais para que reclamar.
— *Suspiro*
— Suspirar também não pode!
— A sala de aula é o único lugar onde tenho a rara chance de dormir em paz, então, por favor, tenha um pouco de empatia.
— Essa foi a trigésima sexta vez...
— Hã?
— Que você reclama.
— Aoyama, você é algum tipo de stalker?
— Eu vou te bater se disser isso de novo.
Incluindo Aoyama, que veio de Osaka, os dormitórios da Universidade Suimei abrigavam estudantes de todo o país. Quase metade da turma era composta por alunos de outra cidade, que entraram graças às notas das provas.
Se Nanami falasse naturalmente, daria para perceber facilmente o sotaque dela. Isso acontecia desde o ano passado.
Mas ela queria aperfeiçoar sua dicção, então ela teve que ser cautelosa para esconder o sotaque. Seu sonho era se tornar uma dubladora, e a dicção é o básico para isso.
Ao longo do ano, sua dicção não mudou muito, mas ela ainda não estava acostumada a falar frases grandes sem o sotaque. Nos fins de semana ela tinha aulas em um curso de teatro, perto do centro. E parecia que ela estava fazendo curso em vários outros lugares.
— Não fale coisas assim.
— Você não precisa me explicar esse tipo de coisa!
— Isso é algo que os meninos falam, as meninas não ficam legais dizendo coisas desse tipo.
— Você fala demais. Aliás, você não se esqueceu de entregar a pesquisa de carreiras?
— ...
Ela estava encarando ele. Pois sabia que ele não quis entregar.
— Então, vou perguntar novamente. Kanda-kun, até quando vai ficar no Sakurasou?
— Eu também queria saber...
— Se você não se apressar, vai ser tarde demais.
A propósito, já era tarde demais. A memória que ele tinha de ser como um animal de zoológico em uma gaiola, e atrair a atenção de todos no refeitório, ainda era recente.
Aquele dia em que ele estava com Mashiro, confirmou para todos que Sorata estava no Sakurasou, e virou notícia, que se espalhou por toda escola. Não era estranho que Sorata quisesse reclamar.
— Eu já te avisei sobre isso.
A única razão pela qual ele ainda estava intacto na sala de aula, era por causa de pessoas como Nanami, que estavam com Sorata desde o primeiro ano e, pelo menos, ainda conversavam com ele.
Ele queria agradecê-los.
Sorata juntou as palmas das mãos e se curvou diante de Nanami.
— O quê? Isso é algum tipo de brincadeira?
Nanami encarou Sorata com um olhar frio.
— Não, estou apenas tentando mostrar minha gratidão.
— Se você faz essas coisas estranhas sem nenhum motivo, tome cuidado para que as pessoas não digam “não é à toa que ele tá no Sakurasou”.
Seria muito ruim se isso acontecesse, mas Sorata continuou fazendo o gestão de gratidão.
Nanami continuou encarando Sorata, com o mesmo olhar frio.
Sorata a encarou de volta.
— O que você está olhando?
— Nada, eu só acho que eu tinha alguma coisa para te pedir.
— Do que adianta me dizer isso se você não se lembra o que é?
— Só tô brincando. Eu obviamente me lembro do que eu precisava te pedir.
— Você tá se fingindo de idiota, é?!
— Eu me faço de bobo assim, mesmo.
— Quem se importa com isso? Para que você precisa de mim?
— A Misaki-senpai tem um pedido para você.
— Se você está dizendo isso, significa que ela terminou seu novo projeto?
— Só a animação.
— E como estava?
— O cérebro dela realmente é diferente do de uma pessoa normal. Estava ótimo. Tanto que até me deu calafrios.
— ... Entendo. Então, eu realmente gostaria de dublar... Eu realmente gostaria, mas...
Dava para ver que ela queria recusar, só pelo seu tom de voz e jeito de falar.
— Se você não quiser, apenas rejeite e tudo ficará bem.
— Não, eu realmente quero fazer isso. Foi o mesmo da última vez, se não fosse por ela, eu provavelmente não teria outra chance como essa.
Nanami fez parte da equipe creditada no DvD do anime produzido por Misaki, que teve uma mega venda, alcançando cem mil cópias. Claro, ela também pediu ajuda aos veteranos do setor de teatro do Departamento Universitário.
— É que isso...
— Isso o quê?
— Duvido que eu vá fazer um bom trabalho. Esse novo anime não vai ser ainda mais famoso?
— Se a própria Misaki-senpai escolheu você, isso significa que ela confia no seu potencial.
— Na verdade, não tenho ideia de como me comunicar com a Kamiigusa-senpai, e não consigo descobrir o que ela está dizendo. Você traduz para mim?
— Ah, então eu virei um tradutor?
— Você não quer?
— Tudo bem, eu traduzo.
— Então, você será mesmo o tradutor.
— Sim, sim. Você tem toda razão. Vou enviar uma mensagem para ela, ok?
— Ok, obrigada.
— Vou mandar agora.
Sorata pegou seu telefone para enviar a mensagem, e—
— Eu te amo!
Misaki respondeu isso, com uma música de soldado promovido.
E então, Sorata respondeu:
— Vamos terminar.
Depois disso, ele apenas ignorou ela. Ela mandou outra mensagem de soldado promovido. Mas seria apenas um desperdício de tempo e dinheiro enviar uma resposta, então ele simplesmente parou de responder.
Nanami olhou para Sorata como se tivesse algo a dizer.
— Você guarda rancor contra mim?
Sorata perguntou
— Como está a Hikari?
— Bem melhor. Ela cresceu muito.
Ele mostrou a foto de Hikari que tinha em seu telefone.
— Tem razão, ela parece bem maior.
Sorata já havia passado quase um ano com Hikari.
Desde que Sorata a adotou no começo de junho do ano passado, ela se acostumou rápido com a nova casa.
Ela estava perto do portão da escola, junto dela tinha mais alguns outros gatos. Alguns estudantes se juntaram ao redor, dizendo coisas como “é tão fofa!” e “que pena”, mas ninguém tomou a iniciativa de ajudá-los.
Sorata estava passando junto com Nanami bem na hora.
Ele não gostava que todos ficassem apenas olhando para os gatos abandonados. Para se livrar dessa inquietação, ele levou todos para dentro do dormitório.
Naquela época, ele jamais imaginaria que isso seria motivo para a escola expulsá-lo dos dormitórios.
— Eu quero.
Sem pedir antes, ela tirou uma foto da tela de Sorata.
— Ei, essa foto era para ser só minha.
— E então, sobre a...
Nanami desviou o olhar, talvez ela tenha falado sobre os gatos apenas para distrair Sorata.
— Sobre a...?
— A aluna nova.
— Ah.
— Será que ela veio hoje?
— Sim.
— Como sabe?
— ...
— Por que você ficou calado?
— Eu não sei como responder isso.
— Ela é bonita, né?
— Sim.
— Ela é realmente muito bonita. Eu a vi de relance há um tempo atrás.
— Normalmente, ela seria bonita...
— E o que você acha dela?
— Ela é uma pessoa diferente das outras.
— Ah, sim, entendo.
Nanami ficou entediada, e virou a cabeça.
— Estou dizendo que ela é estranha.
— Você não precisava explicar.
Nanami olhou para o corredor. Seus olhos de repente brilharam de surpresa.
Sorata, que estava quase deitado na mesa, levantou a cabeça.
Um menino, cujo nome ele não sabia, chamou Sorata.
— Ei, Kanda, tem alguém te chamando.
Por causa da má fama do Sakurasou, o menino se lembrou do nome de Sorata.
Mashiro andou até a mesa de Sorata, sem que ninguém percebesse.
Sorata gritou “Ah!”, e se sentou direito na cadeira.
Apenas entrando na sala, Mashiro mudou toda a atmosfera do lugar.
Os outros alunos da sala se reuniram, deixando apenas um espaço entre Sorata e Mashiro.
Para aqueles que não sabiam nada sobre Mashiro, eles pensariam que ela é apenas uma linda estudante transferida.
A chegada de Mashiro na escola já havia se tornado a notícia do ano durante esses quatro meses. Ela não era apenas uma jovem artista talentosa, mas também passava uma sensação única para as outras pessoas. Assim, qualquer um ficaria interessado nela.
Mesmo assim, ninguém nunca perguntou nada a Sorata sobre Mashiro. Provavelmente porque Sorata emitia o sentimento de “você não tem permissão para falar com ela”.
Nanami foi a primeira pessoa que falou com Sorata a respeito de Mashiro.
Mashiro olhou para Sorata.
— Sorata, estou com fome.
— Hã? Do que você tá falando?
— Quero comer um baumkuchen.
— Por que você precisa vir me dizer isso?
— Você não tem um?
— Claro que não!
— Mas a Rita sempre me dava um.
— E quem é essa?!
— Que triste.
O estômago de Mashiro roncou, porém, até o barulho era fofo.
Ela estava se preparando para sair da sala.
Ela parou na porta, e, com olhos de negação, ela olhou para Sorata.
— Eu confiei em você.
Os outros estudantes encararam Sorata, e ele sentiu como se fossem agulhas perfurando seu corpo.
Mashiro caminhou lentamente, com os braços abaixados, para mostrar sua tristeza.
Se isso continuasse, Sorata seria visto como um garoto que era frio e impiedoso com as garotas, e seus futuros dois anos de vida no ensino médio, seriam desesperadores. Morar no Sakurasou já era ruim o suficiente.
— Ok! Ok! Eu entendi! A culpa é minha!
Sorata passou por Mashiro, e saiu correndo da sala.
— Espera! Kanda-kun! O quarto período vai começar!
No momento em que Nanami lembrou ele, o sinal da escola tocou. E também, o estômago de Mashiro roncou.
— Eu volto o mais rápido possível, então apenas invente alguma desculpa para a professora do porquê eu saí!
— Não me peça algo assim!
Sorata decidiu pular a aula do quarto período, para levar Mashiro à lanchonete.
Grandes nuvens flutuavam no céu azul.
Sorata e Mashiro eram os únicos que estavam fora de sala.
Sorata se deitou em um banco. Mashiro sentou-se ao lado dele, abrindo o Baumkuchen, e comendo pedaço por pedaço.
O que acabou de acontecer era algo fora do normal.
A princípio, ele pensou que as dificuldades seriam apenas no começo, e que Mashiro começaria a se acostumar com sua nova vida e regras. Sorata é muito ingênuo.
De repente, ele começou a pensar em tudo o que aconteceu nessas duas últimas semanas.
Quando ele a deixou usar a máquina de lavar e desviou o olhar por apenas um momento, Mashiro jogou a caixa inteira de sabão em pó, e todo o lugar acabou em bolhas e espuma. Foi muito difícil limpar isso. Sorata nunca mais vai deixar o sabão nas mãos de Mashiro.
Quando ele lhe pediu para lavar o banheiro, ela acabou completamente encharcada. Ele realmente não conseguia entender se ela estava lavando o banheiro, ou se o banheiro que estava lavando ela.
Sempre que ela sai sozinha, ela se perde em algum canto, como se fosse normal. Por sorte, Chihiro havia lhe dado um celular com GPS. No entanto, mesmo que Sorata ligasse, ela nunca atendia, então Sorata ainda tinha que ir buscá-la no lugar que ela estava.
E haviam muitas outras situações que causavam dores de cabeça assim.
O maior problema de todos era que Mashiro não tinha nem um pouco de senso comum, e não sabia fazer nada sozinha.
Ela achava que não era diferente das pessoas comuns.
E por causa disso, era impossível pedir a ela que se lembrasse de coisas, ou que fizesse algo.
Todos os dias, Sorata descobria novas coisas sobre ela, e os problemas só aumentavam, nunca diminuíam.
— Shiina, qual aula é agora pra você?
— Educação física, iríamos jogar vôlei.
— Está tudo bem em faltar?
— Eu não iria participar de qualquer jeito.
— Por quê? Você tá doente? Ou você tá machucada?
— Não posso machucar os meus dedos.
Embora Sorata não entedesse o motivo disso, de alguma forma parecia muito convincente.
Afinal, os dedos de Mashiro foram os responsáveis por criar todas aquelas pinturas incríveis.
— Eu gosto de volêi.
— Mesmo?
— Sim. Mas meu professor quase nunca passa...
— Isso parece ruim.
— Sim, mas mesmo que eu goste, eu não sou tão bom.
— Entendo.
Sorata não estava mentindo quando disse isso.
— A Rita que você mencionou agora, quem é?
— Uma amiga.
— Uma amiga que você tinha na Inglaterra?
Mashiro gentilmente concordou com a cabeça.
— Ela era uma colega de quarto.
— Você deve ter dado muitos problemas pra ela, hein?
— Eu gosto dela.
— Por que você nunca me responde direito?
Sorata, que ainda estava deitado no banco, disse:
— Shiina, você realmente desenha muito bem.
— Acho que sim.
— Estou falando sério. Você realmente sabe desenhar. Eu vi aquela pintura pela qual você ganhou um prêmio. Mesmo que eu não entenda muito de arte, fiquei realmente impressionado com a beleza que ela tinha.
— ...
— Se você quer aprender arte, não seria melhor se você tivesse ficado no exterior?
— Sim.
— Então por que você voltou para o Japão?
Talvez seja bom ela estudar em uma universidade aqui. Não, se ela realmente quisesse aprender algo, teria sido melhor se ela ficasse no exterior.
Mashiro comeu o último pedaço de Baumkuchen, e bebeu o chá com leite que ela estava tomando com um canudo.
— Parece que a conversa acabou.
Foi isso que Sorata pensou...
— Eu quero ser uma mangaká.
Mashiro disse isso muito diretamente.
Não foi “meu sonho é ser uma mangaká” ou “eu quero seguir como mangaká um dia”. Ela queria ser uma mangaká.
— O QUÊ?!
Sorata gritou tão alto, que até ele se assustou.
Ser uma mangaká. Ele até pensou isso uma vez, depois de ver os esboços no quarto dela. Mas era uma possibilidade com quase zero por cento de chance.
Ele se recusou a acreditar.
Do ponto de vista de Sorata, era realmente inacreditável.
Mashiro tinha a capacidade para atrair muita atenção no mundo da arte, e esse talento superava todos os conceitos de grandeza que Sorata conhecia.
Até o juiz do prêmio comentou que ela era um prodígio.
Isso não foi o suficiente? Mashiro tinha um talento que, não importava o quanto as pessoas normais tentassem, elas nunca conseguiriam alcançar. Ela tinha um talento único que ninguém mais tinha.
Então, qual o motivo para ela querer se tornar uma mangaká?
— Significa que você quer fazer as duas coisas?
Mashiro discordou balançando a cabeça.
— Você quer ser só uma mangaká?
Dessa vez, ela concordou com a cabeça.
— Me desculpe, mas eu não consigo entender.
Depois de dizer isso, Sorata se deitou novamente no banco.
— Vocês dois! Vocês estão realmente matando aula em plena luz do dia!
A pessoa que abriu a porta do telhado com força foi Chihiro.
Ela foi até onde Sorata estava deitado e, com cara de raiva, cruzou os braços.
Ela olhou para ele.
— Calma, Sensei, por favor, não chegue tão perto de mim! Vai dar pra ver!
Chihiro usava uma saia colada, então não seria tão fácil de ver.
— Você fica excitado só de ver uma calcinha? Eu realmente tenho pena de você.
— Eu acho vou ser transformado em pedra se eu ver a sua calcinha, Sensei!
Ele começou a entrar em pânico.
— Pare de dizer essas coisas idiotas. Volte pra sala agora.
Depois de terminar o chá com leite, Mashiro se levantou do banco.
Ela saiu sozinha.
— Kanda, você também!
— Sensei, posso te perguntar uma coisa?
— O quê?
— Que tipo de pessoa é a Shiina?
Eles olharam para a porta, para ter certeza de que Mashiro não estava ouvindo.
Chihiro virou a cabeça para Sorata.
— Ah...
— Eu não faço a mínima ideia sobre as coisas que ela pensa.
— Não é como se desse pra evitar. Porque enquanto você estava aprendendo a rir, chorar e sentir raiva, a Mashiro já tinha começado a pintar.
— A família dela também era assim?
— O pai dela era talentoso o suficiente para ser professor na Universidade de Artes da Inglaterra. É só que, como pintor, ele não era tão famoso. A mãe dela se formou em uma universidade de artes também. Então dá pra dizer que ela veio de uma “família de artistas”. Eles estão todos na Inglaterra agora.
— Mesmo assim, ela não deveria ser tão confusa, né?
— Quem sabe. Se eu tivesse aprendido a usar meus desenhos como uma forma de me expressar, antes de aprender a me expressar por sons ou emoções, eu conseguiria entender ela.
Chihiro disse isso com uma cara feliz, e fez os pensamentos de Sorata pararem.
Em outras palavras: Mashiro Shiina era apenas diferente das outras pessoas. A vida dela era apenas para o mundo da arte.
Muito provavelmente foi isso que fez ela ser assim.
— É por isso que ela não ri?
— Isso também é um tipo de talento.
— Então, usar o talento dela para desenhar mangá é algo bom?
— Isso é problema dela. Eu não penso nada sobre isso.
— Mas...
— Eu sei o que você quer dizer, mas e daí? Se ela conseguir se tornar uma mangaká incrível, também seria bom, né?
— Os pais dela devem ter sido contra essa ideia, certo?
— Por enquanto, não. Porque ela não contou a eles a verdadeira razão pela qual ela veio ao Japão. Vendo de fora, parece que ela mora no exterior, e apenas está no Japão para estudar outros tipos de artes e culturas.
— Uau~. Que adulta irresponsável você é. O que acontece se eles descobrirem?
— Isso não é algo que você deve se meter. É um problema apenas dela com a família. Calma, não. Deve ser problema só da Mashiro. Mesmo que eu a tenha ajudado a vir pro Japão, eu não tenho nada a ver com isso, também não tenho nada a ver se ela pode ou não se tornar uma mangaká.
— Isso é normal vindo de você...
— Pare de se preocupar com os problemas dos outros e entregue sua pesquisa de carreiras.
— Ah, então você ainda se lembra disso...
— Se você continuar demorando pra entregar, o representante de classe vai continuar me enchendo o saco.
Sorata realmente esperava que ela tivesse esquecido simplesmente disso.
Para evitar de olhar para ela, Sorata olhou para o céu. As gigantescas nuvens brancas já haviam se espalhado e desaparecido no céu.
— Eu realmente tenho algo que eu queira fazer?
Chihiro fez “Hm!” e começou a rir.
— A pesquisa é apenas uma norma da escola, mas depois de ver você, sinto que tem um significado.
— Hã? Você quer dizer que antes não tinha?
— Só nos importamos com os alunos que não escreverem “Por enquanto, faculdade”.
— *Suspiro*...
— Você vai entender quando se tornar um adulto.
E então, o sinal tocou, sinalizando o fim do quarto período.
Chihiro parecia querer dizer alguma coisa, mas desistiu e saiu.
—
— “~No futuro, eu...~”
Ele tentou escrever algo, mas ainda estava indeciso.
Hoje também não teve progesso na sua pesquisa de carreiras.
Mesmo assim, Sorata estava colocando todo seu coração para pensar em algo que queria fazer.
— De qualquer forma, vou comer primeiro.
Parte 3
Essa semana as aulas entraram em um pequeno recesso.
Porém, Sorata não foi a lugar nenhum para se divertir, nem voltou para sua casa em Fukuoka.
Em vez disso, ele passou a semana ajudando na gravacão pro anime de Misaki e, também, cuidando de Mashiro.
Os dias passaram rapidamente, e o último dia do recesso havia chegado. Era cinco de maio.
Era dia das crianças. Dez da noite, Sorata tomou um banho, aproveitando que não tinha mais nada para fazer. Quando ele saiu do banheiro, viu um caminho feito com repolhos. Repolhos grandes e verdes alinhados em ambos os lados do corredor, como luzes em uma pista de pouso e decolagem.
— Eu realmente estou exausto.
Sorata, fechou os olhos e balançou a cabeça.
Ele achava que estava alucinando. No entanto, quando ele abriu os olhos, as coisas não aconteceram como ele queria: os repolhos ainda estavam lá.
— Os alienígenas finalmente nos invadiram? A Terra já era.
Esses alienígenas podem ser pessoas de repolho que vieram do planeta do repolho... talvez não. Havia apenas uma pessoa que faria uma coisa tão estúpida assim em todo o universo.
A culpada disso só poderia ser a pessoa mais esquisita do Sakurasou: Misaki Kamiigusa.
Coisas assim já aconteceram várias vezes no ano passado.
No Halloween, o Sakurasou tinha sido decorado com abóboras, sem ninguém saber de onde vieram. E durante isso, Misaki usava várias fantasias estranhas.
Por exemplo, ela se vestia de bruxa na escola, e brigava com o professor quase todos os dias por causa disso.
Quando era Natal, ela colocava uma árvore bem grande no pátio, com várias luzes em volta dela. Os vizinhos vinham reclamar, enquanto as crianças gritavam de alegria quando viam a cena. Ela até usava uma minissaia e vestia uma fantasia de Papai Noel, distribuindo presentes por toda a rua, com entusiasmo, até mesmo para estranhos.
Sorata se lembrou de tudo isso enquanto via os repolhos.
Seja no Ano Novo, nas festas em grupo, nos festivais escolares, ela sempre estaria de bom humor, e faria o que quisesse, sem nem prestar atenção aos problemas que trazia aos outros. Sorata ajudou ela com várias consequências que ela trouxe para si mesma ao longo do ano.
— Mas por que repolhos?
Até onde Sorata sabia, comemorar com repolhos não era um costume no Dia das Crianças.
Os repolhos iam diretamente para o quarto de Jin.
Seguindo os repolhos até o quarto, Sorata parou diante da porta e bateu, porém, não houve resposta.
— Tô entrando.
A porta não estava trancada, e Sorata entrou facilmente
Ele havia entrado no reino do repolho. A sala estava repleta de repolhos, e o cheiro deles estavam acabando com Sorata.
A cama, a mesa e a estante de livros que tinham no quarto de Jin sumiram. O reino dele foi completamente invadido pelos repolhos.
— Que desastre.
Ele não conseguia saber quem era o culpado disso, ele só podia ver uma grande caixa de madeira colocada sobre a cama.
Aproximando-se da caixa, ele podia ouvir sons fracos de sono e respiração. Ele já sabia o que tinha na caixa, não havia nem a necessidade de verificar.
— Misaki-senpai, o que você tá fazendo no quarto de outra pessoa?
— Eu que te pergunto. O que cê tá fazendo no meu quarto?
Quase gritando, Sorata virou a cabeça e viu Jin atrás dele.
— Não tenho nada a ver com isso.
— Eu sei. Foi a Misaki.
Jin deu um suspiro profundo e colocou uma mão no rosto.
— Eu tinha a sensação de que ela faria algo assim esse ano. E eu estava certo.
— Existe um costume no Dia das Crianças de usar repolhos como decoração?
— Nesse nosso universo enorme, deve haver um costume assim, eu acho.
— Alguma coisa assim já aconteceu antes?
— Sim. Quando cheguei na sala, eu vi a Misaki se decorando com creme e me esperando lá dentro.
Jin disse, sem vontade de continuar a história.
— Meu pêsames.
Jin caminhou ao lado de Sorata, olhando para a caixa em sua cama.
— Hoje é seu aniversário, Jin-senpai?
— É, acho que sim...
— Agora eu entendi. Mas por que repolhos?
— Sei lá, talvez o verde seja uma cor bonita? Não da pra pra saber o que se passa na cabeça da Misaki.
— Ué, mas vocês não são amigos de infância?
— Uma pessoa normal nunca entenderia a mente de um gênio.
Jin parecia querer dizer mais alguma coisa, mas então se conteve, dando apenas uma risada no canto da boca. Jin e Sorata então olharam para a caixa juntos.
— Bom, acho que já vou indo então...
Jin colocou a mão no ombro de Sorata.
— Você não quer dar uma mãozinha ao seu senpai que tem cuidado de você por tanto tempo?
— Você não cuidou de mim nem um pouco!
— Não, eu cuidei, sim. Até fiz o almoço pra você.
— Isso foi apenas uma vez! Me solta!
Jin segurou tanto os ombros de Sorata, que começaram a doer.
— Você vai mesmo me deixar sozinho com essa coisa? Você enlouqueceu por acaso?
— Você é o único que enlouqueceu por chamar outra pessoa pra fazer isso. Olha, talvez não exploda! Tá tudo bem!
— Talvez! Você disse “Talvez”!
— Então, tenho certeza que não vai!
— Você não tem vergonha em dizer isso agora?!
Eles podiam imaginar o que tinha na caixa, então nenhum deles queria abri-la.
— Se é um presente de aniversário, então, você tem que aceitar com gratidão! Não, aceite com coragem e determinação!
— Sorata, você é o tipo de pessoa que ajuda gatinhos e até mesmo a Mashiro, mas nunca me ajuda. Que coisa feia. Eu confiei em você todo esse tempo, cê sabe.
— Minha intuição está me dizendo algo! Ela tá me dizendo que, se eu abrir, vou ver coisas que não deveria!
— Esquece. Se é isso que você diz, então vamos fazer de outro jeito.
— No que você tá pensando?
Jin tirou a mão que estava no ombro de Sorata, mas Sorata não se mexeu.
E então, Jin rapidamente abriu a caixa com força.
— Ei! O que você tá fazendo?!
— Haha. Quem mandou ser lerdo?
— Isso é o que uma pessoa ruim diria!
Sorata viu algo que não queria.
Misaki estava dentro da caixa.
Por um instante, sua visão ficou preta. Quando pensou que algo ruim havia acontecido, percebeu que Jin havia coberto sua cabeça com uma toalha, impedindo-o de ver o que estava à sua frente.
— Sorata, você não pode ver.
Mesmo que só tivesse visto de relance, a imagem forte ainda estava gravada em sua mente
Misaki, dormindo confortavelmente, estava segurando um repolho. Havia apenas uma fita vermelha que cobria todo o seu corpo. Seus seios, coxas bem arredondadas, estavam todos à mostra. A coisa mais surpreendente era o tamanho deles, junto com seus lábios cobertos de batom brilhante, acentuando sua sensualidade.
— Ah. Eh? O que aconteceu com a guerra espacial?
Misaki disse isso ainda sonolenta.
Sorata estava vendo por um espaço na toalha. Quando Misaki viu Jin, ela brilhou de um jeito anormal.
— Jin, feliz aniversário!
Como se estivesse pegando sua presa, Misaki voou para fora da caixa.
Em uma fração de segundos, Jin se esquivou de Misaki.
Misaki então colidiu com alguns repolhos, mas ela reviveu imediatamente como uma fênix.
— Jin, feliz aniversário!
Misaki pulou pra ele novamente, mas Jin puxou os lençóis e rapidamente a enrolou.
— Meu olhos! Por favor, pare com isso!
— Nossa, Jin, você não precisa ficar tão envergonhado. Eu me esforcei muito nisso para comemorar seu aniversário. Por que você não pode ficar feliz?
— Por favor, comemore meu aniversário com os costumes da Terra.
— Hm. Então é isso, tchau... haha
Sorata estava tentando encontrar o momento certo para sair do quarto.
Já estava na hora de voltar ao mundo normal. Se ele ficasse no reino dos repolhos por mais tempo, sua mente iria derreter.
— Ei, pera ai. Você quer fugir, Sorata?!
— Tipo isso!
— Esses repolhos vão estragar se ficarem aqui. Você vai ajudar, né?
— Eu não. Tenho que ir agora!
Na mesma hora, Mashiro entrou.
— Sorata
— Oi. Algum problema?
Mashiro tomou seu banho antes de Sorata, mas seu cabelo ainda estava todo encharcado, exalando um cheiro doce.
Quando ela estava de pijama, ela usava corretamente as roupas íntimas. Isso provavelmente pode ser atribuído aos esforços de Sorata em ensiná-la todos os dias.
— Preciso da sua ajuda em algo.
— Ok! Vamos!
Empurrando Jin pro lado, Sorata saiu do quarto rapidamente.
— Vocês dois são amigos de infância, deveriam se dar bem às vezes! Te desejo boa sorte!
— Ei, Misaki, pare de me puxar! Por favor, vista suas roupas agora! Isso pode cair a qualquer momento!
— Eu sou o presente de aniversário. Ficarei triste se você não aceitar!
Antes que Jin pudesse dizer mais alguma coisa, Sorata saiu do quarto e fechou a porta. Ele fez uma pequena oração por Jin depois. Ainda feliz por sair daquele perigo, Sorata pegou Mashiro e rapidamente subiu as escadas.
— Estou salvo
Sorata pensou isso ao entrar no quarto de Mashiro
— Tire a roupa.
Mashiro disse isso com um olhar mortalmente sério.
Sorata estava congelado.
Ele piscou repetidamente.
— Tire a roupa.
Infelizmente, ele não ouviu errado. Para estabilizar suas emoções, Sorata desviou os olhos em todos os lugares ao redor da sala. No chão havia uma pilha de roupas, roupas íntimas e papéis com esboços. Tudo estava bagunçado como sempre.
— Tá, me diz o motivo pra isso.
— Eu quero ver seu corpo.
— Eu tô perguntando o motivo pra você querer isso!
— É uma longa história.
— Não é assim que se pede a ajuda de alguém.
— Espere um momento.
Mashiro pegou uma carta na mesa.
— É um conselho da Ayano.
— Quem é Ayano? Não me diga que você pediu conselhos pra fazer algo comigo!
— Minha editora.
— Ah, então você tem uma.
Mashiro confirmou balançado a cabeça.
— Ano passado eu participei de uma competição amadora de mangá.
— Você ganhou?
— Eu perdi.
Era fácil perceber isso. Afinal, Mashiro ainda não havia publicado nada.
— A Ayano viu meus trabalhos e disse que eram ótimos.
— Entendi... Mas o que isso tem a ver com o que você está me pedindo agora?
— Vou participar da competição novamente esse ano.
— E você ainda pode participar mesmo tendo uma editora?
— Parece que sim.
— Ok...
É mais fácil ficar famosa ganhando um prêmio, do que publicar coisas com um nome que ninguém conhece.
Do ponto de vista da editora, o mais importante era produzir obras populares para aumentar as vendas. Certamente eles gostariam de treinar calouros com potencial pra isso.
— Então, o que sua editora disse?
— Como assim?
— Tô falando do conselho que ela deu!
— Ainda temos que continuar com isso?
— Mas a gente nem começou! Por favor, não esqueça!
Mashiro olhou para a carta.
— Esse foi o conselho que Ayano me deu.
— Então realmente vamos voltar pro começo de tudo?
— “Se desenhos emocianantes...”
— Sim.
— “...são difíceis demais pra você...”
— Sim.
— “...por que não desenha algo mais impactante?”
— Ah...
— Foi isso que ela disse.
— Ah, então é por isso que você quer desenhar um garoto pelado? Mangás para garotas podem ficar bem intensos, né...
— O objetivo é o seu corpo.
— Você fala isso de uma maneira bem pervertida, sabia?
— Tire a roupa.
Mashiro pegou na camisa de Sorata e tentou puxar.
— Eu me recuso!
Sorata tirou a mão dela da camisa.
— Eu já expliquei o motivo.
— É porque eu sei os perigos disso! Você quer que eu seja um modelo?!
— Um modelo nu.
— Você está querendo que eu fique completamente nu? Seria vergonhoso demais!
— Não tem problemas.
— Como uma coisa dessas não tem problema?
— Eu não vou ficar com vergonha.
— Mas eu vou!
— Eu não vou te provocar.
— O que você quer provocar?!
— Você não vai tirar?
— Exato. Nada que você faça vai me convencer.
Depois que Sorata soltou um suspiro, Mashiro colocou as mãos em seu pijama.
— Shiina-san, o que você tá fazendo?
— Vou tirar minha roupa também. Que tal?
— O problema não é esse!
— Não aconteceria se você só tivesse tirado antes.
— Por favor, não tire suas próprias roupas sem nem pensar duas vezes! As meninas não podem mostrar seu corpo nu na frente dos outros facilmente!
— É que você é especial pra mim.
— Não vou perguntar por que sou especial! Você vai dizer algo sem sentido! Eu sou apenas a pessoa que te dá baumkuchen, hein?!
— Isso.
— Eu não queria saber disso! Você me fez repensar sobre meu valor próprio. Além disso, não tire a roupa!
Mashiro parou.
— Você vai tirar a sua?
Provavelmente essa foi a primeira vez que ele teve que escolher uma coisa assim.
— Eu estou sendo forçado a isso... Tudo bem, eu tiro. Mas não vou tirar minha cueca! Essa é a minha única condição!
— Eu tiro ela pra você.
— Qual o problema com a sua cabeça?! Não vai tirar, não!
— ...
— Por que você parece não ter gostado disso?
— Porque o mais importante não vai aparecer.
— Você não vai desenhar isso em um mangá, vai?
— Então você não tem confiança nele.
— Não tenho confiança em quem?!
Sorata, que só queria acabar com isso o mais rápido possível, tirou sua camiseta e calça esporte, ficando apenas com um calção que usava por baixo.
— Você não consegue desenhar o corpo de um homem vendo fotos de referências?
— Não.
— Por que?
— Eu não vou saber a textura.
— ...
— Eu não seria capaz de saber a textura.
— Eu já entendi! E não quero mais fazer isso!
Sorata pegou sua camiseta e a colocou de volta em pânico, mas Mashiro segurou ela pra impedir.
— Conhecer a textura é importante. Isso dá vida ao desenho.
Mashiro olhou séria para Sorata, o que estranhamente acalmou ele. Afinal, era um trabalho em vez de uma brincadeira. Ela estava falando sério aqui, e não o provocando.
— Tá bem, tá bem. Eu vou fazer isso! Como devo fazer?
— Deite.
Mashiro apontou para a cama. Mesmo que Sorata ainda estivesse um pouco relutante, ele sabia que Mashiro ainda não tinha dormido naquela cama, já que ela dormia embaixo da mesa.
Assim, ele foi para a cama, se deitou e esperou novas instruções. E então, sem que ele esperasse, Mashiro dobrou os joelhos e montou no corpo de Sorata.
— O que você tá fazendo?
— Não se mexa.
Os dedos longos e finos de Mashiro começaram a acariciar os músculos do abdômen, dando-lhe um calafrio. Junto com um estranho arrepio que fez os seus músculos ficarem rígidos e tensos.
— Parece duro e rígido.
O corpo de Mashiro era muito macio. Através do pijama excessivamente fino, ele podia sentir suas nádegas e coxas.
Os lugares que o corpo dela tocava ficaram quentes.
Ele começou a suar.
Ele queria ter mais contato com o corpo dela, especialmente com as mãos.
Quando os olhos dele se encontraram com os de Mashiro, ele ficou extremamente envergonhado. Olhando para seu rosto sério, Sorata desistiu de dizer as palavras que queria dizer.
Os dedos de Mashiro cruzaram o pescoço de Sorata até o queixo. Sorata estava completamente sob controle dela. Depois, Mashiro colocou seu corpo ainda mais perto do dele. Ela colocou o ouvido no peito de Sorata, olhando para ele.
— Seu coração está batendo.
— É por que eu estou vivo.
— Está acelerando.
— E de quem você acha que é a culpa?!
— Me abrace.
— Não.
— Você vai.
— Tá, tudo bem...
Sorata colocou as mãos nas costas de Mashiro, tocando ela suavemente.
— Mais forte.
Sorata pressionou um pouco mais forte com os ombros. Seu corpo estava tremendo de nervosismo.
Ele conseguia sentir a cintura de Mashiro. Era muito fina.
Ele começou a se preocupar que, se ele segurasse com mais força, a cintura dela simplesmente quebraria.
— Pronto. Tudo feito agora.
Sorata soltou suas mãos. Mashiro se sentou, olhando diretamente para o rosto de Sorata.
— Você está excitado?
— Como diabos eu estaria?!
Sorata podia ver uma parte dos seios dela através da camisa aberta.
Sorata rapidamente desviou os olhos em pânico.
— O que foi?
— Você deveria ter o mínimo de autoconsciência. Você tá completamente indefesa aqui.
Mashiro olhou para seus seios.
— Você não gosta deles?
— Se eu ficasse excitado com seus seios, eu poderia dormir com uma tábua de passar roupa no lugar.
Mashiro não entendeu o que ele quis dizer.
— Sorata, você já fez sexo?
— ...
— Sora—
— Tá tentando me matar?! Claro que não! Nunca nem beijei. Eu nunca nem andei de mãos dadas com uma garota, embora tenha uma em cima de mim agora!
— Não entendo como não. Seu corpo é tão bonito.
— Que lógica é essa? Isso é só porque eu joguei futebol quando era mais novo.
— Ainda joga?
— Não. Não dá pra ver que não jogo mais?
— Depois que entrei no ensino médio, eu não fazia parte de nenhum clube, então voltava pra casa logo depois da aula.
— Você se machucou?
— Não.
Sorata ficou em silêncio, enquanto Mashiro começou a pensar.
— Então, você pode voltar a jogar.
— Há muitos outros motivos além de se machucar.
— Eu não entendo.
Os olhos puros de Mashiro perturbavam Sorata. Ele desviou a visão, procurando coisas que podia olhar, mas não conseguia encontrar nenhuma.
Mashiro estava olhando para ele, esperando uma resposta. Provavelmente é por ela ser assim que ela fala coisas tão sem sentido em algumas ocasiões. Ela nem conseguia sentir que Sorata queria mudar de assunto.
Desesperado, Sorata teve que falar a verdade.
— Eu nunca tive um objetivo.
Embora ele tenha passado nove anos jogando, ele realmente não tinha um objetivo explícito para perseguir. Quando ele estava no ensino médio, ele se sentia ótimo por participar de competições locais ou torneios da cidade, mas ele não era um jogador muito bom, então ele achava que nunca iria melhorar ou participar de competições ainda maiores.
Quando ele estava na escola primária, ele sonhava em participar de uma competição em um campo de futebol verde, sob as luzes do estádio. Mas desde que se formou, ele já não tinha mais esse sonho.
— Eu cheguei no meu limite. Foi quando perdi o interesse. Quando percebi, eu já havia parado de me esforçar.
Ele ficava triste quando perdia uma partida. Ele não conseguia esquecer a derrota nem ao tentar se distrair com algo. Desde criança, ele sempre chorava ao perder uma partida.
De qualquer forma, o time de futebol ainda desejava ir para os nacionais, e o time de beisebol para o Koushien.
Ele sabia que havia um significado em acreditar em si mesmo e trabalhar duro, mas ele simplesmente não conseguia se esforçar novamente. Até que ele desistiu do futebol.
Ele queria procurar algo novo, algo que ele sentisse vontade de fazer. Todos os dias, ele via os seus colegas suando em campo, treinando sempre após as aulas. Mas Sorata não fazia parte de nenhum clube. E aos poucos, ele perdeu um ano sem fazer nada.
— Esqueça. Eu disse algo estranho de novo...
As palavras que ele disse não tinham sentido para Mashiro.
Mashiro sempre esteve no alto das motanhas da Terra, ela não conseguia entender as pessoas normais que tentavam escalar essas montanhas.
— É mesmo?
Mashiro respondeu. Abrindo o caderno de desenho que ela havia preparado, ela se sentou no corpo de Sorata, abriu em uma página, e começou a desenhar.
— Shiina? Eu tenho que ficar assim?
— ...
— Ei, é feio me ignorar assim. Ei!
— ...
Ela parecia não ouvir mais a voz de Sorata. Ela estava, agora, diferente de pouco tempo atrás, ela estava se concentrando em seu próprio mundo de desenho.
— Shiina, você já teve um namorado?
— ...
— Se bem que isso já é óbvio...
— ...
— ...Ruim, muito ruim. A minha vida é realmente muito trágica e ruim. Que tipo de jogo punitivo é esse? Socorro. Eu quero chorar agora.
Depois de um tempo, Mashiro se levantou, ligou o computador e se sentou em frente a ele. Ela então começou a desenhar com uma mesa digitalizadora.
— Eu fui completamente ignorado. Por que eu nasci?
Quando Sorata soltou um suspiro, ele vestiu suas roupas e olhou o que Mashiro estava desenhando. Toda vez que as mãos de Mashiro se moviam, um personagem masculino era incrivelmente desenhado na tela. Ela não usou rascunho, era como se soubesse onde tudo deveria estar. Para Sorata, a maneira como ela rabiscava era algo incrível, parecia mágica.
De repente, ele sentiu que Mashiro estava se afastando.
Ela estava bem diante dele, a uma distância que dava pra encostar apenas esticando o braço, mas ele sentia que tinha uma distância infinita entre eles. Para esquecer esse sentimento estranho, Sorata pegou os desenhos que estavam no chão.
Os desenhos eram diferente desta vez, mas o sentimento que eles passavam era semelhante. Era sobre uma estudante do ensino médio completamente normal se apaixonando por outro estudante do sexo masculino completamente normal, tendo conversas completamente monótonas, e começando sua história de amor.
— Hm. O que é isso?
Não teve mudança alguma. Os personagens eram muito comuns, o que era fatal para os mangás. Suas expressões tinham que ser mais exageradas e ousadas. A sensação de ser só mais um mangá comum tornava ele muito chato. Se as imagens não tivessem vida, não daria para transmitir nenhum sentimento nelas.
Ninguém leria isso até o fim. Não era nem um mangá, eram só simples desenhos. Os leitores não liam o mangá pelas belas ilustrações, mas, sim, pela história. Pelo menos, era isso o que Sorata pensava.
Então, se a história fosse muito chata, ninguém perderia tempo lendo. Seria difícil ganhar um prêmio ou começar a publicar coisas assim.
Quando Sorata levantou a cabeça, ele viu Mashiro olhando diretamente para ele.
— É chato?
— Pra ser sincero, sim.
Sorata estava quase hesitando, ele se perguntava se deveria realmente falar isso, mas ele decidiu falar com sinceridade. Ele havia dado conselhos à ela sem problemas antes, não fazia sentido mentir agora.
— Ayano também disse isso.
Como Sorata sentiu que não deveria se intrometer nisso, ele silenciosamente devolveu os desenhos.
— Pode ficar pra você.
— Sério? São rascunhos do seu mangá.
— Eu tenho uma cópia deles. Além disso, são só rascunhos.
Rascunhos são a estrutura básica do mangá. Eles são desenhados a lápis, e são usados em discussões com o editor, para decidir o que deve ser mudado ou adicionado.
— Você não pode me dar isso. Ainda tem que terminar, não?
— Eu quero terminar no computador, pois ainda estou me acostumando a desenhar nele.
— Mas por que não termina no papel?
— Ayano disse que, se fizer no papel, ficaria muito rabiscado.
— E isso não é só mais um estilo de desenho?
— Não. É que eu não sou muito boa em desenhar pessoas.
Sorata não conseguia entender o motivo dela achar que não era habilidosa. O estilo de desenho estava ainda melhor do que ele tinha visto antes, era um estilo de mangá muito bem feito.
O estilo de desenho de Mashiro provavelmente está no topo da indústria de mangás. Além disso, havia muitos mangás com desenhos piores por aí. Seja como for, ela ainda achava que não era boa. Ele ficou se perguntando se ela estava maluca por achar isso.
Sorata sentiu a mesma sensação de antes, ele sentiu como se Mashiro estivesse se afastando dele rapidamente. Mesmo estando tão perto, ele não conseguia alcançá-la. Mashiro estava se afastando cada vez mais, para um lugar diferente do dele.
Misaki, Jin e Ryuunosuke também se afastavam, eles também tinham seus próprios lugares. O único que estava parado no mesmo lugar era Sorata.
De repente, ele sentiu uma dor no peito, como se estivesse sendo perfurado. Ele se sentou na cama atrás de Mashiro.
Já faz um tempo que a solidão e o medo causam dor em Sorata.
Perturbado, Sorata perguntou para Mashiro:
— Shiina, por que você quer desenhar mangá?
— ...
Ele não teve nenhuma resposta. Não foi porque ela estava muito concentrada para prestar atenção nele, e sim porque ela tinha esquecido que ele estava lá.
O silêncio tomou conta da sala por um tempo, dava para ouvir apenas os barulhos da caneta que ela usava para desenhar. Ele não conseguia pensar em nada, e ficou olhando para as costas de Mashiro por um tempo.
— Porque é interessante.
— An?
Mashiro olhou pra ele.
— Porque é interessante.
— E por que você não continua com as pinturas?
— Pintar não é interessante.
— Dizer isso não legal.
— Mas é a verdade.
— Hum... Se você não se importa, então, por favor, me dê suas habilidades artísticas.
— Certo.
— E agora? O que faço?
— Você quem deveria saber.
Ele tinha certeza de que o que ela falou é verdade.
— Sorata, você não sabe o que quer.
Isso pegou bem na ferida de Sorata. Ele não tinha ideia do que queria fazer. Mesmo se ele adquirisse uma habilidade, ela seria completamente inútil nas mãos dele.
Mashiro imediatamente virou a cabeça para a tela e continuou seu trabalho. Parecia que eles não tinham conversado pouco tempo atrás. Ele se sentia como se fosse rejeitado por ela. No entanto, esta não era a verdade. Mashiro não tem nenhum sentimento ou pensamento sobre isso.
Sorata apenas se desculpou por ter pedido os talentos dela.
— Sorata.
— Oi?
— Não coloque as roupas ainda.
— Hã?
— Nós vamos continuar.
— Pera aí, o que você quer fazer comigo agora?
— É um pouco...
— Um pouco o que?
— ...Um pouco difícil dizer isso.
— O que mais quer que eu faça?!
— Hoje à noite... não vamos dormir.
— Poderia fazer isso soar menos pervertido?!
— Não deixarei você dormir esta noite.
— Continua a mesma coisa!
Parte 4
Mashiro cumpriu o que disse, ela não deixou Sorata dormir.
Sorata foi instruído a fazer todo tipo de coisa na cama e se tornou seu modelo para várias poses. Isso foi até às cinco da manhã, quando Mashiro foi dormir. Foi graças a isso que Sorata pôde finalmente ter um vislumbre de como Shiina age quando está com sono.
Ele sentiu que era uma maravilha ver ela se rastejando para baixo da mesa.
Pouco antes dela ir dormir, ela ainda estava desenhando mangás. Ela cochilava lentamente e finalmente caía da cadeira. Depois disso, para evitar que a luz da tela incomodasse, ela usava suas últimas forças para rastejar do chão até à pilha de roupas.
Ela realmente não dormia por vontade própria, era mais como um hábito muito parecido com um animal, trabalhando até se esgotar e adormecer. Ela não tinha forças para rastejar para a cama, e usava tudo que tinha para ir para debaixo da mesa. É por isso que ela dorme de forma tão caótica.
Olhando para Mashiro enrolada e dormindo, Sorata ficou preocupado.
— Você não deveria dormir na frente de um menino. Você está indefesa.
Ela parecia estar dormindo tranquila. Ela cobriu a cabeça, mas não as coxas e os pés.
Sorata a cobriu com lençóis e ela fez um barulho, como se tivesse sonhando com algo.
Mesmo que ele quisesse reclamar com ela, seria a mesma coisa que falar sozinho. Sorata só podia sair da sala, ele estava com tanto sono que quase não conseguia andar.
Dava para sentir o ar fresco da manhã pelos corredores do Sakurasou, mas Sorata estava muito cansado para sentir essas coisas. Enquanto descia as escadas, ele sabia que suas férias haviam terminado e ele tinha que voltar pra escola.
No entanto, tudo que Sorata queria era voltar pro seu quarto e dormir. Se alguém ficasse sabendo do que aconteceu agora há pouco, com certeza ficariam zuando ele.
— Desse jeito, vou poder dormir o dia inteiro
Foi o que Sorata pensou, mas logo parou, ao ouvir uma voz.
Seus instintos o avisaram que poderia ser um ladrão, mas ele estava cansado demais para ser cauteloso. Sorata apenas seguiu o som e foi para a sala.
— Não. Eu já disse várias vezes, A Misaki não consegue trabalhar em grupo. Ela é do tipo que tem tudo pronto na cabeça antes de começar a desenhar. E também, eu não sou o empresário dela. Ligue diretamente para ela, não para mim.
A voz era de Jin.
Ele desligou o telefone e o colocou sobre a mesa. Se inclinando na cadeira, Jin olhou para os cantos da sala, até olhar para Sorata.
— Por que tá com essa cara de cansado?
— A Shiina não me deixou dormir.
Sorata e Jin bocejaram ao mesmo tempo.
— Não pensei que teria uma conversa de adulto com você tão cedo.
— Eu não sou um mulherengo igual você. Tô apenas ajudando ela com referências pro mangá.
— Ei, você não se sente mal falando assim? Você ainda tá na escola, tem que aproveitar.
— Não fala isso, eu fico triste.
Dava pra ver no rosto de Jin que ele estava muito cansado.
— E a sua festa de aniversário?
— Obrigado por me abandonar lá. Eu fiz uma festa dos repolhos. Comia o repolho, vomitava depois, e comia de novo. O banheiro agora se tornou minha companheira amorosa. Quando deu 4 da manhã, comecei a sentir que a forma redonda do banheiro era até que atraente.
— Acho que você tá doente.
— Os repolhos que sobraram vão ser comidos amanhã... Ah, já é hoje, na verdade. Eu preciso levar eles para os alunos da escola.
Soltando uma risada seca, Jin estava imaginando como seria levar um grande pacote de repolhos com ele para a escola.
Se Sorata ajudasse, ele também iria ser zuado, então ele não queria ajudar Jin.
— Sobre o que foi o telefonema?
— Foi o dono de um estúdio de animação que pediu para Misaki trabalhar com ele, assim ela teria roteiros melhores. No entanto, é óbvio que ele apenas quer ficar com a fama pra ele.
— Mas por que ele ligou a essa hora?
— Isso é bem normal nesse ramo.
Jin sugeriu com os olhos que Sorata deveria se sentar.
Sorata se sentou a uma cadeira de Jin. Ele queria desesperadamente ir dormir, mas não pôde deixar de falar com Jin.
— E então, o que aconteceu lá?
— Como posso dizer... Mesmo que a Shiina seja desajeitada, ela é realmente muito talentosa.
— Como assim?
— Não me refiro ao talento dela para desenhar, e sim ao modo como ela se concentra no trabalho. Foi esse o sentimento que eu senti.
— Tendi. Você realmente se sente muito estranho ao ver isso acontecer diante dos seus olhos.
— ...
Ele não queria admitir, então permaneceu em silêncio.
— Parece que sou apenas eu do Sakurasou que não tem um objetivo.
Misaki produzia animes. Jin escrevia roteiros. Ryuunosuke trabalhava como programador. Mashiro desenhava mangás. E o Sorata Kanda? Do que ele era capaz? Ele não sabia o que queria ser no futuro, nem tinha algo que gostasse de fazer.
— Você está errado.
— Hein?
— Eu não escrevo roteiros porque acredito ser o trabalho da minha vida.
— Sério?
— Eu só comecei porquê tinha um pouco de interesse. Então, quando eu fiz o primeiro, eu senti que era ainda melhor do que pensava. Aos poucos, eu fui gostando mais e mais, e, do nada, me peguei fazendo roteiros mais sérios. Provavelmente foi esse sentimento que me deu vontade de continuar. Não sou tão bom quanto a Mashiro ou a Misaki, mas, quando uma ideia nova surge em minha mente, eu dou tudo de mim para concluí-la.
— Eu não tenho nem esse interesse em algo.
— É só você mudar um pouco. Assim como as lojas de ramen começam vendendo macarrão instantâneo, você só precisa fazer as coisas que gosta.
— Por favor, peça desculpas a todas as lojas de ramen do país.
— Claro, se você quer começar a fazer algo novo, você deve ser igual a um macarrão instantâneo.
— Isso nem faz sentido!
— Você é mesmo diferente. Eu nem consigo te zoar às vezes.
— Acho que sou bem normal em comparação com todos os outros do Sakurasou.
— Quando é para ajudar outras pessoas, você faz isso rapidamente. Mas quando é para ajudar a si mesmo, você fica inventando desculpas para não tentar.
— Não é bem assim...
— É, sim. As pessoas fingiram não ver nada ao verem gatos abandonados na rua, mas você os ajudou. Além disso, você cuidou da Mashiro durante todo esse tempo, mesmo que estivesse sendo forçado a isso. Você acorda cedo para fazer o almoço para ela, e dá baumkuchen quando ela quer. Você literalmente faria qualquer coisa para ajudar ela. Se eu fosse você, não desperdiçaria meus esforços com outras coisas. Sorata, você é como um herói que vive para ajudar os outros.
— Isso é porque ninguém mais além de mim ajudaria!
— Mas... - o tom de Jin baixou - ...você está procurando algum motivo. Você ajuda os outros para, quando você falhar em algo, poder culpar essas pessoas. Eu sei que se não fizer isso, vai doer mais ainda quando você falhar, mas, o culpado pelos seus erros é, e sempre será, você. Não tem para onde fugir.
— Não foi bem isso que eu disse.
— Se isso não for verdade, então, por favor saia do Sakurasou, Sorata.
As palavras repentinas de Jin fizeram o coração de Sorata bater forte. Provavelmente porquê Jin está certo.
Para se acalmar, Sorata imediatamente encontrou uma desculpa:
— A Shiina e os gatos ainda estão aqui. Eu não posso sair agora.
— Eu vou encontrar pessoas para adotar os gatos, e vou cuidar da Mashiro.
Ele não podia só ignorar falando coisas como: “Você tá brincando, né?”. Os olhos afiados de Jin perfuraram Sorata, e ele não conseguiu desviar o olhar. Aqueles olhos afiados estavam lhe dizendo que ele não poderia escapar.
— Com isso, todos os problemas seriam resolvidos, não é?
— Sim, mas...
— Sabe, eu realmente gosto de você.
— Não acredito que na primeira vez que alguém se confessa pra mim, essa pessoa é um garoto.
— Você se dá bem com a Misaki, mesmo ela sendo problemática. Tem um relacionamento muito bom com o Ryuunosuke, e até mesmo é amigo de pessoas como eu, que são odiadas pelos outros. Você cuida muito bem da Mashiro. Você é muito amigável com todos.
— Beleza, a gente vai formar uma dupla de comediantes.
— Esse vai ser nosso sonho da próxima vida, meu camarada.
Jin sorriu, mas Sorata não conseguiu. Jin não disse tudo que queria, ele estava se preparando para dizer:
— Se você não consegue decidir o que fazer, eu te ajudo com isso. Mas você precisa decidir onde quer ficar! Se quiser voltar para os dormitórios normais, vá em frente.
— ...
— Você entendeu o que eu disse. Eu não estou brincando. Se você for embora, eu cuido da Mashiro e dos gatos.
— Hm...
— Então, você mesmo deve decidir, sair ou ficar. Não coloque a culpa nos outros. Primeiro, você precisa decidir onde quer estar. Se puder fazer isso, poderá decidir o que quer fazer.
Dito isso, Jin se levantou. Sorata não conseguia levantar a cabeça. Ele apenas olhou para a mesa, seu corpo não se moveu nem um centímetro. Dava para ouvir o som dos passos de Jin, porém, Sorata ainda sentia a presença de Jin ali.
Sorata havia perdido a vontade de dormir.
Era certo de que Sorata queria sair do Sakurasou e voltar para os dormitórios normais. Ele ia deixar Jin cuidar da Mashiro e dos gatos. Isso não era algo para se comemorar? Ele conseguiu o que tanto queria.
Não havia motivos para hesitar. Mas por que ele estava com tanto medo agora? Ele sentiu como se estivesse afundando em um pântano. Ele tentava mexer as mãos e os pés, mas eles pareciam pesados. Ele não sabia como se livrar desse sentimento.
Incapaz de aguentar mais, Sorata caiu na mesa, quase desmaiado. Aquilo foi deprimente e doloroso. O tempo passou lentamente.
— Sorata.
De repente, ele ouviu uma voz doce. Tinha um tom fraco, mas claro. Ele percebeu que a voz não era de Jin, e sim de Mashiro.
Incapaz de mover a cabeça, Sorata apenas ficou ali, com os olhos fechados.
— Você vai embora?
— Ir embora sempre foi meu objetivo desde que cheguei.
Mashiro saiu silenciosamente da sala sem falar nada, nem mesmo uma palavra.
— O que foi isso...?
Ele deu um soco na mesa com as mãos trêmulas. Isso causou uma leve dor que se espalhava pelas mãos.
Neste instante, Sorata acordou, mas então, ele caiu novamente em uma tempestade de pensamentos e emoções. Até a dor o havia abandonado. Tudo o que restou foi um sentimento ruim semelhante à culpa, embora ele não conseguisse se lembrar do nome.
— Mas a gente nem começou! Por favor, não esqueça! Mashiro olhou para a carta. — Esse foi o conselho que Ayano me deu. — Então realmente vamos voltar pro começo disso? — “Se desenhos emocianantes...” — Sim. — “...são difíceis demais pra você...” — Sim. — “...por que não desenha algo mais impactante?” — Ah... — Foi isso que ela disse. — Ah, então é por isso que você quer desenhar um garoto pelado? Mangás para garotas podem ficar bem intensos, né... — O objetivo é o seu corpo. — Você fala isso de uma maneira bem pervertida, sabia? — Tire a roupa. Mashiro pegou na camisa de Sorata e tentou puxar. — Eu me recuso! Sorata tirou a mão dela da camisa. — Eu já expliquei o motivo. — É porque eu sei os perigos disso! Você quer que eu seja um modelo?! — Um modelo nu. — Você está querendo que eu fique completamente nu? Seria vergonhoso demais! — Não tem problemas. — Como uma coisa dessas não tem problema? — Eu não vou ficar com vergonha. — Mas eu vou! — Eu não vou te provocar. — O que você quer provocar?! — Você realmente não vai tirar? — Exato. Nada que você faça vai me convencer. Depois que Sorata soltou um suspiro, Mashiro colocou as mãos em seu pijama. — Shiina-san, o que você tá fazendo? — Vou tirar minha roupa também. Que tal? — O problema não é esse! — Não aconteceria se você só tivesse tirado antes. — Por favor, não tire suas próprias roupas sem nem pensar duas vezes! As meninas não podem mostrar seu corpo nu na frente dos outros facilmente! — É que você é especial pra mim. — Não vou perguntar por que sou especial! Você vai dizer algo sem sentido! Eu sou apenas a pessoa que te dá baumkuchen, certo?! — Certo. — Eu disse pra não falar sobre isso! Você me fez repensar sobre meu valor próprio. Além disso, não tire a roupa! Mashiro parou. — Você vai tirar a sua? Provavelmente essa foi a primeira vez que ele teve que escolher uma coisa assim. — Eu estou sendo forçado a isso... Tudo bem, eu tiro. Mas não vou tirar minha cueca! Essa é a minha única condição! — Eu tiro ela pra você. — Qual o problema com a sua cabeça?! Não vai tirar, não! — ... — Por que você parece não ter gostado disso? — Porque o mais importante não vai aparecer. — Você não vai desenhar isso em um mangá, vai? — Então você não tem confiança nisso. — Não tenho confiança aonde?! Sorata, que só queria acabar com isso o mais rápido possível, tirou sua camiseta e calça esporte, ficando apenas com um calção. — Você não consegue desenhar o corpo de um homem vendo fotos de referências? — Não. — Por que? — Eu não vou saber a textura. — ... — Eu não seria capaz de saber a textura. — Eu já entendi! E não quero mais fazer isso! Sorata pegou sua camiseta e a colocou de volta em pânico, mas Mashiro segurou ela pra impedir. — Conhecer a textura é importante. Isso dá vida ao desenho. Mashiro olhou séria para Sorata, o que estranhamente acalmou ele. Afinal, era um trabalho em vez de uma brincadeira. Ela estava falando sério aqui, e não o provocando. — Está bem, está bem. Eu vou fazer isso! Como devo fazer? — Deite. Mashiro apontou para a cama. Mesmo que Sorata ainda estivesse um pouco relutante, ele sabia que Mashiro ainda não tinha dormido naquela cama, já que ela dormia embaixo da mesa. Assim, ele foi para a cama, se deitou e esperou novas instruções. E então, sem que ele esperasse, Mashiro dobrou os joelhos e montou no corpo de Sorata. — O que você tá fazendo? — Não se mexa. Os dedos longos e finos de Mashiro começaram a acariciar os músculos do abdômen, dando-lhe um calafrio. Junto com um estranho arrepio que fez os seus músculos ficarem rígidos e tensos. — Parece duro e rígido. O corpo de Mashiro era muito macio. Através do pijama excessivamente fino, ele podia sentir suas nádegas e coxas. Os lugares que o corpo dela tocava ficaram quentes. Ele começou a suar. Ele queria ter mais contato com o corpo dela, especialmente com as mãos. Quando os olhos dele se encontraram com os de Mashiro, ele ficou extremamente envergonhado. Olhando para seu rosto sério, Sorata desistiu de dizer as palavras que queria dizer. Os dedos de Mashiro cruzaram o pescoço de Sorata até o queixo. Sorata estava completamente sob controle dela. Depois, Mashiro colocou seu corpo ainda mais perto do dele. Ela colocou o ouvido no peito de Sorata, olhando para ele. — Seu coração está batendo. — É por que eu estou vivo. — Está acelerando. — E de quem você acha que é a culpa?! — Me abraça. — Não. — Você vai. — Tá, tudo bem... Sorata colocou as mãos nas costas de Mashiro, tocando ela suavemente. ILUSTRAÇAO — Mais forte. Sorata pressionou um pouco mais forte com os ombros, seu corpo estava tremendo de nervosismo. Ele conseguia sentir a cintura de Mashiro — Era muito fina —. Ele começou a se preocupar que se ele segurasse com mais força, a cintura dela simplesmente quebraria. — Pronto. Tudo feito agora. Sorata soltou suas mãos. Mashiro se sentou, olhando diretamente para o rosto de Sorata. — Você está excitado? — Como diabos eu estaria?! Sorata podia ver uma parte dos seios dela através da camisa aberta. Sorata rapidamente desviou os olhos em pânico. — O que foi? — Você deveria ter o mínimo de autoconsciência. Você está completamente indefesa aqui. Mashiro olhou para seus seios. — Você não gosta deles? — Se eu ficasse excitado com seus seios, eu poderia dormir com uma tábua de lavar no lugar. Mashiro não entendeu o que ele quis dizer. — Sorata, você já fez sexo? — ... — Sora— Tá tentando me matar?! Claro que não! Nem beijei. Eu nunca andei de mãos dadas com uma garota, embora tenha uma em cima de mim! — Não entendo como não. Seu corpo é tão bom. — Que lógica é essa? Isso é só porque eu joguei futebol quando era mais novo. — Ainda joga? — Não. Não dá pra ver que não jogo mais? — Depois que entrei no ensino médio, eu não fazia parte de nenhum clube, então voltava pra casa logo depois da aula. — Você se machucou? — Não. Sorata ficou em silêncio, enquanto Mashiro começou a pensar. — Então, você pode voltar a jogar. — Há muitos outros motivos além de se machucar. — Eu não entendo. Os olhos puros de Mashiro perturbavam Sorata. Ele desviou a visão, procurando coisas que podia olhar, mas não conseguia encontrar nenhuma. Mashiro estava olhando para ele, esperando uma resposta. Provavelmente é por ela ser assim que ela fala coisas tão sem sentido em algumas ocasiões. Ela nem conseguia sentir que Sorata queria mudar de assunto. Desesperado, Sorata teve que falar a verdade. — Eu nunca tive um objetivo. Embora ele tenha passado nove anos jogando, ele realmente não tinha um objetivo explícito para perseguir. Quando ele estava no ensino médio, ele se sentia ótimo por participar de competições locais ou torneios da cidade, mas ele não era um jogador muito bom, então ele achava que nunca iria ficar melhor ou participar de competições ainda maiores. Quando ele estava na escola primária, ele sonhava em participar de uma competição em um campo de futebol verde, sob as luzes do estádio. Mas desde que se formou, ele já não tinha mais esse sonho. — Eu cheguei no meu limite. Foi quando perdi o interesse. E quando percebi, eu já tinha parado de me esforçar. Ele ficava triste quando perdia uma partida. Nem quando se distraía ele conseguia esquecer. Desde criança, ele sempre chorava ao perder uma partida. Os times da Suiko não eram tão fortes. De qualquer forma, o time de futebol ainda desejava ir para os nacionais, e o time de beisebol para o Koushien. Ele sabia que havia um significado em acreditar em si mesmo e trabalhar duro, mas ele simplesmente não conseguia se esforçar novamente. Até que, ele desistiu do futebol. Ele queria procurar algo novo, algo que ele sentisse vontade de fazer. Todos os dias, ele via os seus colegas suando em campo, treinando sempre após as aulas. Mas, Sorata não fazia parte de nenhum clube. E aos poucos, ele perdeu o ano sem fazer nada. — Esqueça. Eu disse algo estranho de novo... As palavras que ele disse não tinham sentido para Mashiro. Mashiro sempre esteve no alto das motanhas da Terra, ela não conseguia entender as pessoas normais que tentavam escalar essas montanhas. — É mesmo? — Mashiro respondeu. Abrindo o caderno de desenho que ela havia preparado, ela se sentou no corpo de Sorata, abriu em uma página, e começou a desenhar. — Shiina? Eu tenho que ficar assim? — ... — Ei, é feio me ignorar assim. Ei! — ... Ela parecia não ouvir mais a voz de Sorata. Ela estava diferente de pouco tempo atrás, ela estava se concentrando em seu próprio mundo de desenho. — Shiina, você já teve um namorado? — ... — Se bem que isso já é óbvio... — ... — ...Ruim, muito ruim. A minha vida é realmente muito trágica e ruim. Que tipo de jogo punitivo é esse? Me ajuda. Eu quero chorar agora. Depois de um tempo, Mashiro se levantou, ligou o computador e se sentou em frente a ele. Ela então começou a desenhar com uma mesa digitalizadora. — Eu fui completamente ignorado. Por que eu nasci? Quando Sorata soltou um suspiro, ele vestiu suas roupas e olhou o que Mashiro estava desenhando. Toda vez que as mãos de Mashiro se moviam, um personagem masculino era incrivelmente desenhado na tela. Ela não usou rascunho, era como se soubesse onde tudo deveria estar. Para Sorata, a maneira como ela rabiscava era algo incrível, parecia mágica. De repente, ele sentiu que Mashiro estava se afastando. Ela estava bem diante dele, à uma distância que dava pra encostar apenas esticando o braço, mas ele sentia que tinha uma distância infinita entre eles. Para esquecer esse sentimento estranho, Sorata pegou os desenhos que estavam no chão. Os desenhos eram diferente desta vez, mas o sentimento que eles passavam era semelhante. Era sobre uma estudante do ensino médio completamente normal se apaixonando por outro estudante do sexo masculino completamente normal, tendo conversas completamente monótonas, e começando sua história de amor. — Hm. O que é isso? Não teve mudança alguma. Os personagens eram muito comuns, o que era fatal para os mangás. Suas expressões tinham que ser mais exageradas e ousadas. A sensação de ser só mais um mangá comum tornava ele muito chato. Se as imagens não tivessem vida, não daria para transmitir nenhum sentimento nelas. Ninguém leria isso até o fim. Não era nem um mangá, eram só simples desenhos. Os leitores não liam o mangá pelas belas ilustrações, mas sim pela história. Pelo menos, era isso o que Sorata pensava. Então, se a história fosse muito chata, ninguém perderia tempo lendo. Seria difícil ganhar um prêmio ou começar a publicar coisas assim. Quando Sorata levantou a cabeça, ele viu Mashiro olhando diretamente para ele. — É chato? — Pra ser sincero, sim. Sorata estava quase hesitando, ele se perguntava se deveria realmente falar isso, mas ele decidiu falar com sinceridade. Ele havia dado conselhos à ela sem problemas antes, não fazia sentido mentir agora. — Ayano também disse isso. Como Sorata sentiu que não deveria se intrometer nisso, ele silenciosamente devolveu os desenhos. — Pode ficar pra você. — Sério? São rascunhos do seu mangá. — Eu tenho uma cópia deles. Além disso, são só rascunhos. Rascunhos são a estrutura básica do mangá. Eles são desenhados a lápis, e são usados em discussões com o editor, para decidir o que deve ser mudado ou adicionado. — Você não pode me dar isso. Ainda tem que terminar, não? — Eu quero terminar no computador, pois ainda estou me acostumando a desenhar nele. — Mas por que não termina no papel? — Ayano disse que se fizer no papel, ficaria muito rabiscado. — E isso não é só um estilo de desenho? — Não. É que eu não sou muito boa em desenhar pessoas. Sorata não conseguia entender o motivo dela achar que não era habilidosa. O estilo de desenho era ainda melhor do que ele tinha visto antes, era um estilo de mangá muito bem feito. O estilo de desenho da Mashiro provavelmente está no topo da indústria de mangás. Além disso, havia muitos mangás com desenhos piores por aí. Seja como for, ela ainda achava que não era boa. Ele ficou se perguntando se ela estava maluca por achar isso. Sorata sentiu a mesma sensação de antes, ele sentiu como se Mashiro estivesse se afastando dele rapidamente. Mesmo estando tão perto, ele não conseguia alcançá-la. Mashiro estava se afastando cada vez mais, para um lugar diferente do dele. Misaki, Jin e Ryuunosuke também se afastavam, eles também tinham seus próprios lugares. O único que estava parado no mesmo lugar, era Sorata. De repente, ele sentiu uma dor no peito, como se estivesse sendo perfurado. Ele se sentou na cama atrás de Mashiro. Já faz um tempo que a solidão e o medo causam dor em Sorata. Perturbado, Sorata perguntou à Mashiro: — Shiina, por que você quer fazer mangá? — [...] Ele não teve nenhuma resposta. Não foi porque ela estava muito concentrada para prestar atenção nele, e sim porque ela tinha esquecido que ele estava lá. O silêncio tomou conta da sala por um tempo, dava para ouvir apenas os barulhos da caneta que ela usava para desenhar. Ele não conseguia pensar em nada, e ficou olhando para as costas de Mashiro por um tempo. — Porque é interessante. — An? Mashiro olhou pra ele. — Porque é interessante. — E porque você não continua com as pinturas? — Pintar não é interessante. — Dizer isso não legal. — Mas é a verdade. — Hum... Se você não se importa, então, por favor, me dê suas habilidades artísticas. — Certo. — E agora? O que faço? — Você quem deveria saber. Ele tinha certeza de que o que ela falou é verdade. — Sorata, você não sabe o que quer. Isso pegou bem na ferida de Sorata. Ele não tinha ideia do que queria fazer. Mesmo se ele adquirisse uma habilidade, ela seria completamente inútil nas mãos dele. Mashiro imediatamente virou a cabeça para a tela e continuou seu trabalho. Parecia que eles não tinham conversado pouco tempo atrás. Ele se sentia como se fosse rejeitado por ela. No entanto, esta não era a verdade. Mashiro não tem nenhum sentimento ou pensamento sobre isso. Foi apenas Sorata que se desculpou sobre pedir para ter o talento dela. — Sorata. — Oi? — Não coloque as roupas ainda. — An? — Nós vamos continuar. — Pera aí, o que você quer fazer comigo agora? — É um pouco... — Um pouco o que? — ...Um pouco difícil dizer isso. — O que mais quer que eu faça?! — Hoje à noite, não vamos dormir. — Poderia fazer isso soar menos pervertido?! — Não deixarei você dormir esta noite. — Continua a mesma coisa! 4 Mashiro cumpriu o que disse, ela não deixou Sorata dormir. Sorata foi instruído a fazer todo tipo de coisa na cama e se tornou seu modelo para várias poses. Isso foi até as cinco da manhã, quando Mashiro foi dormir. Foi graças a isso que Sorata pôde finalmente ter um vislumbre de como Shiina parece quando está com sono. Ele sentiu que era uma maravilha ver ela se rastejando para baixo da mesa. Pouco antes dela ir dormir, ela ainda estava desenhando mangás. Ela cochilava lentamente e finalmente caía da cadeira. Depois disso, para evitar que a luz da tela incomodasse, ela usava suas últimas forças para rastejar do chão até a pilha de roupas. Ela realmente não dormia por vontade própria, era mais como um hábito muito parecido com um animal, trabalhando até se esgotar e adormecer. Ela não tinha forças para rastejar para a cama, e usava tudo que tinha para ir para debaixo da mesa. É por isso que ela dorme de forma tão caótica. Olhando para Mashiro enrolada e dormindo, Sorata ficou preocupado. — Você não deveria dormir na frente de um menino. Você está indefesa. Ela parecia estar dormindo tranquila. Ela cobriu a cabeça, mas não as coxas e os pés. Sorata a cobriu com lençóis, e ela fez um barulho, como se tivesse sonhando com algo. Mesmo que ele quisesse reclamar com ela, seria a mesma coisa que falar sozinho. Sorata só pod ia sair da sala, ele estava com tanto sono que quase não conseguia andar. — Dava para sentir o ar fresco da manhã pelos corredores do Sakurasou. Mas, Sorata estava muito cansado para sentir essas coisas. Enquanto descia as escadas, ele sabia que suas férias haviam terminado e ele tinha que voltar pra escola. No entanto, tudo que Sorata queria era voltar pro seu quarto e dormir. Se alguém ficasse sabendo do que aconteceu agora há pouco, com certeza ficariam zuando ele. — Desse jeito, vou poder dormir o dia inteiro — pensou Sorata, mas logo parou, ao ouvir uma voz. Seus instintos o avisaram que poderia ser um ladrão, mas ele estava cansado demais para ser cauteloso. Sorata apenas seguiu o som e foi para a sala. — Não. Eu já disse várias vezes: A Misaki não consegue trabalhar em grupo. Ela é do tipo que tem tudo pronto na cabeça antes de começar a desenhar. E também, eu não sou o empresário dela. Ligue diretamente pra ela, não pra mim. A voz era de Jin. Desligando o telefone e colocando-o sobre a mesa, e se inclinando na cadeira, Jin olhou para os cantos da sala, até olhar para Sorata. — Por que tá com essa cara de cansado? — A Shiina não me deixou dormir. Sorata e Jin bocejaram ao mesmo tempo. — Não pensei que teria uma conversa de adulto com você tão cedo. — Eu não sou um mulherengo igual você. Tô apenas ajudando ela com referências pro mangá. — Ei, você não se sente mal falando assim? Você ainda está na escola, tem que aproveitar. — Não fala isso, eu fico triste. Dava pra ver no rosto de Jin que ele estava muito cansado. — E a sua festa de aniversário? — Obrigado por me abandonar lá. Eu fiz uma festa dos repolhos: comia o repolho, vomitava depois, e comia de novo. O banheiro agora se tornou minha companheira amorosa. Quando deu 4 da manhã, comecei a sentir que a forma redonda do banheiro era até que atraente. — Acho que você tá doente. — Os repolhos que sobraram vão ser comidos amanhã... Ah, já é hoje. Eu preciso levar eles para os alunos da escola. Soltando uma risada seca, Jin estava imaginando como seria levar um grande pacote de repolhos com ele para a escola. Se Sorata ajudasse, ele também iria ser zuado, então ele não queria ajudar Jin. — Sobre o que foi o telefonema? — Foi o dono de um estúdio de animação que pediu para Misaki trabalhar com ele, assim ela teria roteiros melhores. No entanto, é óbvio que ele apenas quer ficar com a fama pra ele. — Mas por que ele ligou a essa hora? — Isso é bom normal nesse ramo. — Disse Jin, sugerindo com os olhos que Sorata deveria se sentar. Sorata se sentou a uma cadeira de Jin. Ele queria desesperadamente ir dormir, mas não pôde deixar de falar com Jin. — E então, o que aconteceu lá? — Como posso dizer... Mesmo que a Shiina seja desajeitada, ela é realmente muito talentosa. — Como assim? — Não me refiro ao talento dela para desenhar, e sim ao modo como ela se concentra no trabalho. Foi esse o sentimento que eu senti. — Tendi. Você realmente se sente muito estranho ao ver isso acontecer diante dos seus olhos. — [...] Ele não queria admitir, então permaneceu em silêncio. — Parece que sou apenas eu do Sakurasou que não tem um objetivo. Misaki produzia animes. Jin escrevia roteiros. Ryuunosuke trabalhava como programador. Mashiro desenhava mangás. E o Kanda Sorata? Do que ele era capaz? Ele não sabia o que seria no futuro, nem tinha algo que gostasse de fazer. — Você está errado. — Hein? — Eu não escrevo roteiros porque acredito ser o trabalho da minha vida. — Sério? — Eu só comecei porque tinha um pouco de interesse. Então, quando eu fiz o primeiro, eu senti que era ainda melhor do que pensava. Aos poucos, eu gostava mais e mais, e estava fazendo roteiros mais sérios. Provavelmente foi esse sentimento que me deu vontade de continuar. Não sou tão bom quanto a Mashiro ou a Misaki, mas, quando uma ideia nova surge em minha mente, eu dou tudo de mim para concluí-la. — Eu não tenho nem esse interesse em algo. — É só você mudar um pouco. Assim como as lojas de ramen começam vendendo macarrão instantâneo, você só precisa fazer as coisas que gosta. — Por favor, peça desculpas a todas as lojas de ramen do país. — Claro, se você quer começar a fazer algo novo, deve ser igual um macarrão instantâneo. — Isso nem faz sentido! — Você é mesmo diferente. Eu nem consigo te zoar às vezes. — Acho que sou bem normal em comparação com todos os outros do Sakurasou. — Quando é para outras pessoas, você ajuda elas rapidamente. Mas quando é para você, você é devagar, e não faz nada. — Não é bem assim. — É sim. As pessoas fingiram não ver nada ao verem gatos abandonados na rua. Mas você os ajudou. Além disso, você cuidou da Mashiro durante todo esse tempo, mesmo que estivesse sendo forçado à isso. Você acorda cedo para fazer o almoço para ela, e dá baumkuchen quando ela quer. Você literalmente faria qualquer coisa para ajudar ela. Se eu fosse você, não desperdiçaria meus esforços com outras coisas. Sorata, você é como um herói que vive para ajudar os outros. — Isso é porque ninguém mais além de mim ajudaria! — Mas... - o tom de Jin baixou - ...você está procurando algum motivo. Você ajuda os outros, pra quando você falhar em algo, poder culpar essas pessoas. Eu sei que se não fizer isso, vai doer mais ainda quando você falhar, mas, o culpado pelos seus erros é você mesmo. Não tem pra onde fugir. — Não foi bem isso que eu disse. — Se isso não for verdade, então por favor saia do Sakurasou, Sorata. As palavras repentinas de Jin fizeram o coração de Sorata bater forte. Provavelmente porque Jin está certo. Para se acalmar, Sorata imediatamente encontrou uma desculpa: — A Shiina e as gatas ainda estão aqui. Eu não posso sair agora. — Eu vou encontrar pessoas para adotar as gatas, e vou cuidar da Mashiro. Ele não podia só ignorar falando coisas como: “Você está brincando, né?”. Os olhos afiados de Jin perfuraram Sorata, e ele não conseguiu desviar o olhar. Aqueles olhos afiados estavam lhe dizendo que ele não poderia escapar. — Com isso, todos os problemas seriam resolvidos, não é? — Sim, mas... — Sabe, eu realmente gosto de você. — Não acredito que na primeira vez que alguém se confessa pra mim, essa pessoa é um garoto. — Você se dá bem com a Misaki, mesmo ela sendo problemática. Tem um relacionamento muito bom com o Ryuunosuke, e até mesmo é amigo de pessoas como eu, que são odiadas pelos outros. Você cuida muito bem da Mashiro. Você é muito amigável com todos. — Beleza, a gente vai formar uma dupla de comediantes. — Esse vai ser nosso sonho na próxima vida, meu camarada. Jin sorriu, mas Sorata não conseguiu. Jin não disse tudo que queria, ele estava se preparando para dizer: — Se você não consegue decidir o que fazer, eu te ajudo com isso. Mas, você precisa decidir onde quer ficar! Se quiser voltar para os dormitórios normais, vá em frente. — [...] — Você entendeu o que eu disse. Eu não estou brincando. Se você for embora, eu cuido da Mashiro e das gatas. — Hm... — Então, você mesmo deve decidir: sair ou ficar. Não coloque a culpa nos outros. Primeiro você precisa decidir onde que estar. Se puder fazer isso, poderá decidir o que quer fazer. Dito isso, Jin se levantou. Sorata não conseguia levantar a cabeça. Ele apenas olhou para a mesa, seu corpo não se moveu nem um centímetro. Dava para ouvir o som dos passos de Jin, porém, Sorata ainda sentia a presença de Jin ali. Sorata havia perdido a vontade de dormir. Era certo de que Sorata queria sair do Sakurasou e voltar para os dormitórios normais. Ele ia deixar Jin cuidar da Mashiro e das gatas. Isso não era algo para se comemorar? Ele conseguiu o que tanto queria. Não havia motivos para hesitar. Mas por que ele estava com tanto medo agora? Ele sentiu como se estivesse afundando em um pântano. Ele tentava mexer as mãos e os pés, mas eles pareciam pesados. Ele não sabia como se livrar desse sentimento. Incapaz de aguentar mais, Sorata caiu na mesa, quase desmaiado. Foi deprimente e doloroso. O tempo passou lentamente. — Sorata. De repente, ele ouviu uma voz doce. Tinha um tom fraco, mas claro. Ele percebeu que a presença não era de Jin, e sim da Mashiro. Incapaz de mover a cabeça, Sorata apenas ficou ali, com os olhos fechados. — Você vai embora? — Ir embora sempre foi meu objetivo desde que cheguei. Mashiro saiu silenciosamente da sala sem falar nada, nem mesmo uma palavra. — O que foi isso...? Ele deu um soco na mesa com as mãos trêmulas. Isso causou uma leve dor que se espalhava pelas mãos. Neste instante, Sorata acordou, mas então, ele caiu novamente em uma tempestade de pensamentos e emoções. Até a dor o havia abandonado. Tudo o que restou foi um sentimento ruim semelhante à culpa, embora ele não conseguisse se lembrar do nome.