Volume 1
Capítulo 1: Para te Proteger
Aos treze anos, o orfanato que abrigava Anuk, finalmente o expulsou.
Anuk não se abalou. Lutar ou implorar para ficar não valia mais o esforço; na verdade, viver longe daquele lugar era o melhor a se fazer. O verdadeiro problema era: para onde ir?
Embora soubesse que um orfanato não tinha o direito de abandonar um menor, ele sentia que todos ali estavam contra si. Qualquer resistência seria inútil. Assim, a decisão mais sensata que tomou foi simplesmente sair andando pela cidade, a passos confiantes, certo de que logo encontraria uma saída.
Essa confiança, porém, evaporou rapidamente.
Em pouco tempo, ele estava encolhido em um banco de praça, faminto, sozinho, e o pior: o frio cortava a pele. Para coroar seu infortúnio, o céu estava um chumbo pesado, prenunciando uma tempestade violenta.
— Sério, se você me odeia tanto, Mundo, não precisa ser tão óbvio, viu? — resmungou, o tom carregado de sarcasmo para o vento que assobiava.
Instantaneamente, como se o próprio universo respondesse ao desafio, a chuva desabou em torrentes, encharcando-o em segundos.
— Ótimo! Valeu, de verdade! — Continuou, irônico, enquanto a água escorria de seus cabelos.
A praça era um lugar comum: grama molhada cobrindo o chão, balanços vazios e gangorras imóveis. Ele era a única figura ali, sem guarda-chuva, sem destino.
— Bom, só se um raio cair na minha cabeça para piorar, né? — Ele soltou a frase, mas no mesmo instante, um estrondo de trovão rasgou o céu. — Olha... Eu estava brincando, hein!
De repente, seus olhos focaram em uma silhueta que se aproximava, quebrando a névoa da chuva. Era um homem mais velho, vestindo um terno impecável, protegido por um guarda-chuva e um chapéu elegante. Seus cabelos eram escuros, mas as têmporas já ostentavam o branco da idade. Transmitia uma aura séria e calma, complementada por um bigode vistoso e uma barba bem aparada.
— O que faz uma criança sozinha aqui? — A voz do homem, grave e controlada, soou ao parar ao lado de Anuk.
— Digamos que sou um viajante.
— Um viajante?
— Isso.
— Para mim, parece perdido ou abandonado. Mas suas roupas estão limpas demais para ser um morador de rua.
— Já expliquei, velhote. Sou um viajante!
Neste exato momento, o estômago de Anuk rugiu. O som era tão alto, tão feral, que parecia a briga de um animal selvagem enjaulado. O velho apenas o encarou, a expressão inalterada.
— Hehe… — Anuk riu, desconsertado, sentindo o rosto esquentar de vergonha. — Tudo bem, relaxa, velhote. Não há com o que se preocupar. Eu me viro!
— Se você diz. — O homem respondeu, retomando a caminhada, o guarda-chuva mal cobrindo sua figura elegante.
O estômago de Anuk continuou protestando, uma série de ruídos famintos que ele tentou silenciar com pequenos socos na barriga.
“Argh, isso não vai dar certo né?” A decepção pesou em seu olhar.
— Ei velhote, será que pode me ajudar? Não queria incomodar, mas é… eu preciso de uma mãozinha.
O homem parou e virou-se para encará-lo, demorando alguns minutos. Por fim, sem dizer uma palavra, indicou com a cabeça que o seguisse.
Pouco depois, ambos se abrigavam da chuva em um estabelecimento vazio. O homem rapidamente jogou uma toalha grossa para Anuk.
— Valeu! — Anuk agradeceu, esfregando a cabeça com vigor.
— Que tipo de atitude foi aquela? Por que só não falou de uma vez?
— Não imaginei que alguém fosse parar para ajudar uma criança perdida. E, além disso, eu já disse: não queria incomodar.
— Você não parece agir como uma criança comum para ser bem honesto.
— Bem… digamos que tive que crescer mais rápido. — Explicou, enquanto examinava o ambiente.
O chão de madeira clara, as paredes brancas e a disposição de mesas e cadeiras espalhadas davam ao lugar a sensação de um antigo café. Havia um balcão longo onde o velho estava agora. O aroma, acolhedor e familiar, lembrava a tranquilidade das manhãs.
— Lugar bonito — comentou Anuk, continuando a absorver a atmosfera.
— Obrigado. É a minha cafeteria.
— Bem que esse lugar me cheira a café da manhã, tem aquela sensaçãozinha de ser tão tranquilo aqui dentro que eu facilmente acho que dormiria nesse chão.
— Não faça isso. Seria ruim para os negócios. Além disso, temos quartos lá em cima.
— Nossa, não precisa levar tudo tão a sério… Espera, você disse quartos? — Anuk questionou, a curiosidade rompendo sua timidez.
— Sim, quartos.
— Por que uma cafeteria teria quartos? Está montando uma taberna medieval e não avisou ninguém?
— Vender bebida alcoólica não seria má ideia, mas atrairia bêbados. E, sinceramente, não tenho paciência para eles — explicou, limpando um copo atrás do balcão. — Você pode usar o que tem lá em cima. É um só, e eu não o uso.
— Mas você disse “quartos”, no plural.
— Vai querer o quarto ou vai ficar fazendo perguntas?
Anuk gesticulou com a mão, como se fechasse um zíper invisível sobre a boca.
— Ótimo.
— Não se preocupe, não pretendo ficar muito tempo para não atrapalhar.
— E para onde irá depois?
— Sei lá. Talvez sair andando de porta em porta, ver se alguém me oferece um pão. Se recusarem, quem sabe eu começo uma guerra.
— Acho que você assiste a filmes demais.
— É, talvez…
— Mais importante que isso: de onde surgiu esse seu “não quero incomodar”? Você não deveria se preocupar com isso, principalmente na sua idade.
— Dizem que sou muito azarado, ou pelo menos é o que eu ouço. Tento evitar ao máximo causar problemas para os outros, e, se possível, ajudar de alguma forma — Anuk se justificou.
— Certo, mas isso não é desculpa. Existem momentos na vida em que você precisará incomodar alguém e pedir ajuda. É inevitável. Tentar fazer tudo pelos outros sem sequer pensar em si mesmo é pura teimosia.
— Olha, eu nunca disse que inteligência era meu forte — retrucou Anuk, dando de ombros.
— Francamente… você ainda tem muito que aprender sobre a vida. Não é errado pedir ajuda, garoto. Guarde isto: nada de valor pode ser alcançado completamente sozinho.
Anuk apenas encarou o velho em silêncio, deixando que as palavras pesadas afundassem em sua mente.
— Deixa de drama, pirralho. Você não vai incomodar. Além disso, eu me sentiria um lixo se deixasse uma criança por aí, desprotegida, sabendo que eu poderia ter ajudado. Você pode morar aqui.
— É sério isso?
— Sim. Mas vai ter que trabalhar para pagar a estadia!
Anuk quase engasgou de indignação.
— Tá zoando, né? Eu vou ter que PAGAR para ficar no lugar onde você me convidou?
— Isso.
— Eu acho que isso aí é ilegal.
— Você também vai receber um salário, para gastar com o que quiser.
O rosto de Anuk se iluminou completamente.
— Hum… Quando eu começo? — A mudança de humor foi instantânea. Ele parou, no entanto, ajeitando a postura. — Mas, espera. Eu não vou atrapalhar? Se você tem um quarto sobrando, deve ser para alguma coisa.
— O quarto era só para hóspedes. Não se preocupe, agora é seu. Eu moro aqui, mas tenho o meu próprio quarto. Se eu tivesse visita, ela usaria o quarto que preparei.
— Por que você mora em uma cafeteria?
— A pergunta é: por que não?
— Ok, você é esquisito.
— Esquisito é um garoto de uns treze anos querendo agir como se fosse um adulto — rebateu o velho.
— E você querendo botar esse mesmo garoto pra trabalhar.
— Touche.
Anuk aceitou a proposta na hora. O lugar era quente e acolhedor, e ele simplesmente não tinha para onde ir. Recusar seria loucura.
P.O.V. Anuk
Os dias voaram. Dava para dizer que eu estava vivendo como um rei. Não precisava mais comer restos, ninguém enchia meu saco, e eu não tinha que aturar olhares de julgamento ou ódio por onde passava.
O Velhote disse que eu teria que trabalhar, mas até agora, nada. Na real, ele só me dava as coisas. Primeiro, um celular. Disse que era para conseguir se "comunicar" comigo. Depois, instalou uma TV no meu quarto, com serviço de streaming e tudo. Eu me perguntava de onde esse velho tirava tanto dinheiro, já que a cafeteria ficava sempre fechada, mas não ia reclamar da sorte.
Nada demais acontecia. A cafeteria continuava fechada. Às vezes, o Velhote me pedia para guardar uns produtos aqui e ali, e me ajudava com a escola. No orfanato, eles se recusaram a me dar aulas, então eu só tinha o básico que aprendi com Sebastian.
A única coisa fora da rotina era uma visitante recorrente.
Era uma garota que parecia ter a minha idade. Eu ficava espiando ela lá de cima, pelo corrimão da escada. Os cabelos dela eram presos em duas maria-chiquinhas. Tinha uns olhos rosas claros, bem bonitos. Aliás, ela era linda, e as roupas, bem cuidadas. Ela exalava uma alegria e uma energia contagiantes. Eu gostava de observá-la, mas morria de medo de tentar falar. Sempre que ela olhava para cima, meus reflexos me faziam sumir.
Depois de alguns meses, uns 3 para ser mais específico, a garota parou de ir visitar a cafeteria com frequência e falar com o velhote, então por curiosidade eu decidi perguntar a ele sobre:
— O velhote, me diz uma coisa.
— Fala, pirralho — respondeu, folheando o jornal. Sério, quem ainda lia jornal, com celular por aí?
— Faz um tempinho que eu não vejo aquela menina que hora ou outra tava aqui toda empolgada e energética, o que aconteceu com ela?
Ele baixou o jornal, os olhos fixos nos meus, a intensidade do olhar era quase um soco.
— Ela é como você. — A voz dele era calma e baixa, mas carregava uma força bruta. Quando ele falava sério, o tom ficava tão grave que parecia capaz de fazer o chão tremer.
— Como assim, “como eu”?
— É órfã. Está sozinha no mundo.
Um silêncio pesado se instalou na cafeteria. Eu não imaginava que aquela garota cheia de energia estava sozinha também. Mas, pelo jeito, ela estava lidando bem.
— Bom… parece que ela está se virando, né?
— Não. — A negação veio seca, repentina, como um tapa. — Ela perdeu os pais há pouco tempo.
A informação me atingiu com força e trouxe uma tristeza inesperada. Eu sabia o que era se sentir sozinho, mas nunca tinha conhecido meus pais. Não conseguia imaginar a dor de perdê-los.
— E… ela está bem? — Tentei ser o mais cuidadoso possível com a pergunta.
— Espero que fique.
— Mas qual a sua relação com ela, Velhote?
Ele voltou a levantar o jornal, escondendo o rosto completamente antes de responder.
— Uma conhecida.
Antes que eu pudesse insistir, o celular dele tocou. O velho atendeu na hora.
— Alô?
— Olá, senhor Edward, é sobre a Max. Ela sumiu. — A voz do outro lado estava embargada, cheia de soluços.
O velho saltou da cadeira, a calma sumiu, e ele se dirigiu à sala dele — o único lugar na cafeteria onde eu não podia entrar.
"Max… deve ser o nome dela. O que será que aconteceu?"
O telefone não estava no viva-voz, mas minha audição era um pouco acima da média. Eu conseguia escutar as conversas se estivesse minimamente perto. Me aproveitando disso, me arrastei até a porta e colei o ouvido.
— Como ela sumiu? — Ele não parecia irritado, e sim calmo, tentando manter o controle.
— S-senhor, sinto muito. Não sei dizer. Nós a deixamos em casa para fazer umas compras, e quando voltamos, a porta estava aberta. Ela não estava mais lá. Ela nunca fez isso antes.
— Tudo bem. Não se preocupe, a culpa não é sua. Faça o seguinte: entre em contato imediatamente com a polícia e liste todos os lugares que ela poderia estar. Eu dou um jeito por aqui.
"Ela fugiu de casa. Isso não é bom, ainda mais para uma criança que acabou de perder os pais." Minha mente começou a correr, buscando uma solução.
Como eu tinha um passatempo meio estranho – que era mapear locais para onde me mudar "misteriosamente" se o orfanato pegasse fogo – eu conhecia a cidade muito bem.
"Se eu não estiver muito enganado..."
Comecei a correr em direção à porta. Ouvi o Velhote me chamando lá de dentro, mas não podia parar. O tempo era curto.
"Só espero que ela esteja bem."
Corri por longos minutos até chegar ao portão, ou melhor, à entrada do cemitério da cidade. Como o bairro não era grande, era o único lugar que me vinha à cabeça.
Aquele lugar era horrível. Cada lápide me trazia uma sensação de aperto, uma dor crua no peito, lembrando-me das lágrimas que derramadas aqui. Algumas lembranças nunca vão se apagar infelizmente. Mas não era hora de revirar o passado. Eu precisava encontrá-la.
— MAX! VOCÊ ESTÁ AQUI? — Gritei, forçando a voz contra uma neblina densa que engolia a visão.
De repente, um grito abafado ecoou ao longe. Parti em disparada na direção do som.
Quando cheguei, tive a visão mais bizarra de toda a minha vida: um homem com um braço inteiramente roxo e disforme, parecendo que estava derretendo. Os olhos não tinham pupila, ele possuia uma aura roxa esquisita ao redor dele e soltava gemidos estranhos, como um zumbi. Com o braço normal, ele segurava a garota pelo pescoço.
"Mas que desgraça é essa…?"
Meu corpo travou. Aquela coisa não era humana, não era nada que eu já tivesse visto. Mesmo querendo ajudar, o medo me fazia tremer da cabeça aos pés.
"Anuk." Uma voz ressoou na minha mente. "Existe a hora de pensar e a hora de agir. Quando a situação for crítica, você tem que decidir rápido. Não deixe tempo para o medo ou pensamentos conflitantes entrarem. Apenas aja."
Era uma lembrança de Sebastian. Uma das lições dele para lidar com o medo era justamente não tentar lidar. Só seguir em frente. Não sei se era o melhor conselho, mas naquele momento, funcionou. Assim que as palavras dele surgiram, meu corpo se moveu sozinho em direção à criatura.
— Ei, bicho feio! Por que você não volta pro filme de terror de onde saiu? — Mesmo morrendo de medo, eu estava fazendo piada.
Ataquei com uma voadora. O homem, que devia ter uns vinte e poucos anos, foi pego de surpresa. O golpe o derrubou. Assim que ele soltou Max, agarrei a mão dela e comecei a correr.
— V-você... — Ela disse, surpresa, e por um instante pareceu me reconhecer.
— Sem tempo! Vamos sair daqui. — Eu a puxava, olhando para trás para ver se a aberração se levantava. — O que você estava fazendo aqui e o que diabos é aquilo?
— E-eu não sei o que é. Ele só apareceu do nada.
— Que bom que eu cheguei antes que ele devorasse seu cérebro ou algo assim.
Ela me encarou com uma expressão de raiva.
— Desculpa, era pra tentar aliviar o clima.
Corremos até conseguir uma boa distância e paramos para recuperar o fôlego. O cara parecia ter sumido. Não era difícil se perder ali; a neblina era densa, e havia lápides por toda parte. O problema era a lama. Se a criatura fosse esperta, seguiria nossas pegadas.
— Vamos descansar um pouco. Assim que a gente se recuperar, corremos para a saída, ok?
Ela assentiu, concordando com o plano.
— Agora, me explica: por que você fugiu de casa? — Eu a encarei, sério.
— Como você sabe que eu fugi?
— Bom… — Não podia entregar que ouvi a conversa do Velhote. Ele me mataria. — Isso não importa. Não tente desviar do assunto.
Ela desviou o olhar, abraçando o próprio braço. Estava hesitante, forçando-se para segurar o choro.
— Ei… tá tudo bem? — Tentei confortá-la. Eu não queria vê-la daquele jeito.
— Não… não está nada bem…
— Se você quiser conversar, eu posso tentar ajud… — Ela me cortou antes que eu terminasse.
— Me ajudar? Todo mundo diz isso… mas ninguém pode trazer eles de volta! Ninguém pode entender o que eu estou sentindo! Eu estou sozinha! Eu, eu, eu só queria meus pais de volta.
Ela desabou em lágrimas na minha frente, ajoelhada com as mãos no rosto. A beleza e a energia que emanava estavam agora manchadas de tristeza e lama.
"Ele estava certo. É horrível ver alguém assim…"
Sebastian me disse há muito tempo que ele me ajudou porque era terrível ver alguém sofrendo e não fazer nada. Mas era pior ainda não poder fazer nada. Há coisas fora do nosso alcance, e não vamos resolver todos os problemas… mas isso não nos impede de tentar.
— Ei… — Segurei a mão dela.
Ela levantou o rosto, me encarando. Eu não sabia o que minha expressão dizia, mas queria que ela sentisse que eu entendia sua dor, que tudo ficaria bem, que eu estava ali, e que ela podia chorar.
— Você pode achar que não, mas eu te entendo. Eu também perdi alguém importante.
Ela me olhou surpresa.
— É-é sério?
— Sim. Um homem que me ensinou a ser melhor. Que me abraçou quando todos queriam que eu sumisse. Tratavam ele como um louco, um velho infantil, mas ele tinha um coração enorme e era um sonhador… com um sonho maior que ele mesmo. Ele morreu, e eu fui ao funeral. Não tinha ninguém lá. — Engoli em seco, forçando para não chorar.
— Ele era como um avô. Ver que ninguém se importou, ver que ele estava sozinho, me destruiu por dentro. Ele sempre me disse que a morte não era o fim, e que eu não devia ficar triste, mas sim honrar a memória daqueles que se foram, dando o meu melhor.
— Eu queria conseguir fazer isso — ela respondeu, soluçando. — Mas eu não sou forte. Sou fraca. Eu sempre precisei dos meus pais para me proteger. Agora que eles se foram, eu não tenho mais ninguém… Eu só queria morrer. Quem sabe assim eu não os encontro…
Olhando para a tristeza daquela menina, se perdendo lentamente na escuridão, eu finalmente entendi o que Sebastian queria dizer. Existem pessoas como eu — não porque nossas histórias são idênticas, mas porque cada um tem o seu próprio sofrimento, e sempre há alguém prestes a se perder numa imensa escuridão.
Ele queria salvar as pessoas dessa escuridão, ser uma luz para os perdidos. Agora, eu via a verdade: é ruim demais ver alguém assim, não poder fazer nada, mas é ainda pior sentir que você é incapaz de salvá-la.
— Você não é fraca! — Falei, roubando toda a atenção dela. Ela estava prestes a desabar em lágrimas, mas começou a me encarar fixamente. — Aguentar essa dor no peito já te torna forte, e tenho certeza que seus pais concordariam. Mas vai além disso: se você ainda está aqui, é porque existem coisas que só você pode fazer. Não se diminua antes de tentar, porque eu aposto que sua força é muito maior do que você imagina.
As lágrimas dela secaram, paralisadas.
— E digo mais: se você acha que não consegue fazer as coisas sozinha, pode contar comigo. Eu vou te ajudar no que for preciso, porque você não está sozinha. Como alguém me disse, nem tudo nessa vida a gente conquista sozinho. Então, se você precisa de alguém para te proteger, eu vou ser essa pessoa. Eu vou te proteger para sempre. — Abri um sorriso grande, injetando confiança, alegria e esperança na promessa.
Naquele momento, eu finalmente entendi o que significava mudar o mundo: salvar o máximo de pessoas possível dessa escuridão. Sebastian queria dar esperança a elas, mostrar que as coisas podiam melhorar e que o mundo podia ser um lugar melhor. É isso que eu quero. Quero trocar aquelas lágrimas por sorrisos, quero um mundo onde todos fossem aceitos e onde o medo não existisse.
— CUIDADO! — Ela gritou de repente, tentando me avisar.
Tive tempo apenas de reagir por puro instinto, empurrando-a para longe. Fui perfurado no ombro e caí logo em seguida.
— Aaaai! — Soltei um grito de dor.
A criatura tinha nos alcançado. O ataque foi uma surpresa total. O braço que antes parecia derreter agora estava sólido, em uma forma de lança meio curvada e ela tinha me atravessado.
— VOCÊ ESTÁ BEM? — Ela se aproximou, desesperada.
— Estou, mas não venha para cá! — Tentei não demonstrar o medo ou a dor, mantendo-a afastada.
— M-mas…
— Sem "mas"! Eu disse que ia te proteger, não disse? Que tipo de homem eu seria se deixasse você se aproximar e botasse sua vida em risco?
Felizmente, ela parou onde estava e ficou me olhando.
"Ótimo. Agora, como é que eu saio dessa?"
— Núcleo puro… — A criatura começou a gemer, com a voz totalmente distorcida.
— É, eu sou puro mesmo. Diferente de você, que parece ter acabado de levantar de uma dessas covas!
Notei que havia uma lápide de pedra logo atrás de mim. Meus braços ainda estavam livres.
"Desculpa aí, defunto, mas vou precisar disso."
Peguei a lápide e a joguei acima da minha cabeça, acertando a criatura, que cambaleou. Aproveitei a chance, puxei o "braço-lança" para fora do meu ombro e o empurrei para longe.
Ao conseguir me levantar, percebi que meu colar tinha pulado para fora da camisa, ficando exposto. Eu não sabia por que andava com ele para todo lado, mas sempre senti que devia mantê-lo perto, por ser a última lembrança da minha mãe.
"Não é hora pra viajar, Anuk!"
Sussurrei para mim mesmo. Voltei a atenção para a criatura, que já estava de pé. O braço lanceiro estava derretendo no chão, virando um líquido nojento, e depois se reconstruiu, dessa vez como uma espada.
"Tá, fodeu de vez."
— CORRE AGORA, SENÃO VOCÊ VAI MORRER! — Max gritou atrás de mim, desesperada e preocupada.
Ela tinha razão. Se eu não fosse embora, eu morreria. Mas se eu corresse, existia uma chance maior daquela coisa nos alcançar e matar nós dois. Eu não podia deixar ele se aproximar dela, nem machucá-la.
— Não! Eu fico. Você corre, vou ganhar tempo pra você. — Falei, sem olhar para ela.
— Mas assim você vai...
— Ei, relaxa. Eu disse que ia te proteger, né? Então eu preciso sobreviver a isso se eu quiser manter minha promessa! — Virei-me para ela, sorrindo.
A lembrança do Velho veio à minha mente. Ele sempre dizia que um sorriso era a melhor forma de demonstrar confiança e esperança, mesmo perto da morte. E que era com sorrisos que se alcançava o coração das pessoas… Mas não era só isso.
"Anuk, um dia você terá que enfrentar inimigos que não poderá vencer", ele explicava.
"Ah, tipo vilões? Acho que você esqueceu de tomar seus remédios, velho!" Eu caçoava, e ele me dava um cascudo.
"Preste atenção, garoto teimoso!"
"Ai, ai, tá bom. Desculpa."
"Quando esses momentos chegarem, lembre-se da maior força que a humanidade possui. Aquilo que nos permite evoluir e ir além de tudo o que qualquer um já imaginou."
"E o que seria essa força mágica?" Perguntei, meio desinteressado, mas com curiosidade nos olhos.
"Jamais, em hipótese alguma, desista!"
"Que inferno de lembranças, seu velho desgraçado! Mas você estava certo, eu já decidi! Não importa o quão difícil seja o caminho, eu vou salvar esse mundo, porque eu prometi para você, para mim e para a Max. Eu vou proteger ela e todos que vivem aqui. E para isso, eu não posso desistir!"
O homem avançou para cima de mim, atacando com a espada. Cruzei os braços instintivamente para me defender. O estranho é que não senti dor. Quando abri os olhos, vi faíscas voando dos meus braços, como se a lâmina dele tivesse atingido metal. Uma luz vermelha forte começou a brilhar. Veio do meu colar.
Eu estava totalmente confuso, mas sentia uma chama fervendo dentro de mim. Era a força que eu buscava para proteger Max e encarar meus medos. Esse era um daqueles momentos em que não se deve pensar, só agir. Comecei a empurrar o homem, pressionando-o de volta.
— AAAAAH! — Gritei de fúria, tentando liberar aquela chama interior.
Meus braços começaram a brilhar. Linhas de luz pareciam surgir sob a pele, e meu casaco rasgava. De repente, senti uma dor lancinante no ombro direito, uma sensação de queimadura. A luz vermelha explodiu, materializando na minha mão uma espada negra de tamanho anormal, maior até que eu. Estranhamente, consegui segurá-la.
Com a espada firme nas mãos, não havia mais dúvida do que fazer. Empurrei a criatura com tudo, deixando a guarda dele aberta. Segurei a espada com as duas mãos, tencionando os músculos, cravando os pés na lama para firmar a postura. Desferi um corte na diagonal, de baixo para cima.
Senti minha espada atravessar o homem.
Após o ataque, vi o corpo dele cair. Eu esperava sangue, mas algo ainda mais bizarro aconteceu: uma esfera, parecendo uma bola de cristal, saiu do corpo do homem e explodiu num brilho cintilante. Imediatamente, o braço e o corpo dele voltaram ao normal.
— Bizarro, mas o que é que eu estou falando, né? — Falei, olhando a espada na minha mão e logo a fincando no chão.
Ao me virar, vi Max se aproximando. Ela me encarava com os olhos cheios de lágrimas, mas não pareciam ser de tristeza.
— Viu só? Eu te disse que ia te proteger! — Repeti, abrindo novamente meu melhor sorriso, aquele que ia de ponta a ponta.
— É, você disse. — Ela respondeu, limpando as lágrimas, e um sorriso, mais suave que o meu, apareceu no rosto dela.
— A propósito, não me apresentei. Eu sou Anuk, muito prazer!
— Eu sou Max.
Trocamos os nomes. Eu ainda tentava pensar em algo para dizer, mas minha visão começou a falhar. Os olhos ficaram pesados, e as imagens iam sendo engolidas por um breu absurdo.
— É… eu acho que vou desmaiar — consegui dizer, sentindo meu corpo ceder.
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