Volume 1

Capítulo 0: Antes De Uma Estrela Brilhar

— Sabe… e se tudo fosse diferente? E se o mundo que conhecemos escondesse mais segredos do que ousamos imaginar? E se… o impossível fosse real?

Crianças costumam ter uma imaginação fértil. Criam universos fantásticos onde se tornam heróis de histórias em quadrinhos, seres poderosos que desafiam o impossível. Algumas fazem isso apenas por brincadeira; outras, para escapar da realidade.

Anuk Rose era uma dessas crianças. Um garoto de cabelos ruivos e olhos verdes como esmeraldas, dono de uma imaginação sem limites. Vivia em um orfanato e nunca conheceu seus pais. A única lembrança que possuía deles era um colar com uma joia misteriosa — uma pedra vermelha, semelhante a um cristal em forma de prisma, que carregava sempre junto ao peito.

Naquela manhã, Anuk caminhava pelos corredores do orfanato com o olhar cabisbaixo. O som distante das vozes ecoava pelos cômodos, mas ninguém parecia notá-lo. Ele se movia pelas sombras, tentando passar despercebido — não que precisasse de muito esforço. Para os adultos dali, sua presença era invisível. Era como se o garoto simplesmente não existisse. Quando o viam, desviavam os olhos, como se sua simples existência fosse um incômodo.

Nunca lhe deram uma explicação. Mas o que uma criança poderia entender sobre as razões dos adultos? O que Anuk compreendia era apenas que o chamavam de azarado — um presságio de desgraça. Todos pareciam temer sua presença, como se carregasse uma maldição viva. E esse medo não vinha só dos adultos.

— Ora, ora… vejam quem está se esgueirando de novo. O pequeno rato.

A voz zombeteira veio acompanhada de risadas abafadas. Um grupo de crianças se aproximava, cercando-o como predadores farejando a presa. Anuk recuou instintivamente. O estômago vazio doía — ele quase nunca conseguia comer direito, já que os outros o impediam. Frágil e magro, tornara-se o alvo perfeito para as provocações. E ninguém jamais intervinha; afinal, para muitos, seria melhor se ele simplesmente desaparecesse.

— Ei, Rose — disse um dos garotos, com um sorriso cruel. — Por que não nos faz um favor e some de vez? Aposto que seria uma bênção pra esse lugar. Vai ver assim sua vida miserável sirva pra alguma coisa.

Anuk sentiu o peito apertar. Seus dedos agarraram o tecido da própria camisa, tentando conter o tremor.

— Eu… eu queria saber o que fiz de errado — murmurou, a voz embargada.

— Quem se importa? — respondeu outro, com desdém. — Os adultos dizem que você é um mau agouro, e que a gente devia ficar longe. Ninguém gosta de você mesmo, então é até bem simples.

As lágrimas começaram a escorrer, silenciosas.

 — Eu sou humano como vocês — sussurrou Anuk, entre soluços. — Eu não fiz nada… então por que não me deixam em paz?

O grupo de garotos apenas riu de forma debochada. Pareciam se divertir em machucar Anuk, como se a dor dele fosse uma piada. No fundo, acreditavam estar fazendo o certo, como se humilhar aquele garoto fosse uma forma de proteger o orfanato.

Depois de mais uma surra, Anuk correu, tentando segurar o choro, mas as lágrimas escapavam sem permissão. O som dos passos ecoava pelos longos corredores de madeira do velho casarão, que pareciam nunca ter fim. Ele só queria sumir, encontrar um canto onde ninguém pudesse vê-lo — mas era difícil achar um lugar assim. No fim, acabava sempre se encolhendo debaixo de um pequeno banco que sustentava um abajur gasto, o mesmo esconderijo de sempre.

Lá, abraçado às próprias pernas, ele chorava baixinho.

 Um choro preso, abafado, que só ele podia ouvir.

"Todo dia é igual… Eu nem sei como ainda tô vivo. Ninguém liga pra mim. Só me tratam mal… Por que eu ainda existo, se só trago dor pros outros? Talvez eles tenham razão. Talvez fosse melhor se eu sumisse… assim, ninguém mais ia sofrer — nem eu."

O pensamento apertava seu peito. Como ele ainda estava vivo? As pessoas do orfanato mal lhe davam comida, e cuidar dele era algo que ninguém fazia questão. Sempre que pensava nisso, uma imagem vinha à sua mente: uma mulher. O rosto era embaçado, impossível de ver direito, mas a lembrança trazia uma sensação doce — uma voz suave, um calor acolhedor.

"Será que algo ruim aconteceu com ela por minha causa? Será que eu realmente sou um azar ambulante?"

Enquanto se perdia nesses pensamentos, não percebeu que estava sendo observado.

 Um homem idoso, vestido de forma elegante, com um terno impecável e uma cartola alta, o observava em silêncio, apoiado na bengala.

— Hm… já vi esconderijos mais discretos que esse. — disse o velho, arqueando uma sobrancelha.

Anuk levou um susto, batendo a cabeça na parte de baixo da mesa.

 — Ai! — gemeu, segurando o topo da cabeça enquanto o abajur balançava perigosamente.

 — Q-quem é você?! — perguntou, confuso, tentando enxergar o homem à sua frente.

— A pergunta certa é: por que você tá chorando? — respondeu o estranho, a voz grave, mas curiosa.

O garoto desviou o olhar, tentando esconder o rosto molhado de lágrimas.

 — E o que isso importa?

O homem soltou um suspiro e, num gesto brusco, deu um soco de punho fechado no topo da cabeça de Anuk.

 — Idiota. — resmungou. — Importa que eu quero saber o motivo!

Anuk arregalou os olhos, levando a mão ao local do impacto. A dor não era forte, mas o susto fez seu coração acelerar. O velho o encarava com um misto de irritação e interesse, como se tentasse entender algo que nem o próprio garoto sabia explicar.

Anuk começou a esfregar a cabeça com força, sentindo a dor pulsar.

— Aaaai! Pra que isso, seu velho maluco?! — gritou, com os olhos marejados e o rosto franzido de dor.

O homem soltou uma risada curta, cruzando os braços.

 — Ótimo! Agora pelo menos você não tá com aquela cara de peixe morto. — disse com um leve sorriso. — Certo, vamos começar de novo. Meu nome é Sebastian.

— A-Anuk… Anuk Rose. — respondeu o garoto, ainda desconfiado.

— É um prazer te conhecer, Anuk. Agora me diga… por que estava chorando?

— Isso realmente importa? — retrucou, desviando o olhar.

O som seco de outro tapa na cabeça ecoou.

 — Aí! De novo não! — Anuk gritou, esfregando o local. — Por que você me bateu de novo?!

— Porque você tá fugindo da pergunta, e isso tá me irritando. — respondeu Sebastian, sem mudar o tom.

Anuk o encarou, os olhos marejados, com um misto de raiva e tristeza.

 — Eu não sou importante pra ninguém. Não sei nem por que tá perdendo tempo comigo. Dizem que eu trago azar.

— Azar? — Sebastian bufou, ajeitando a cartola. — Como se eu fosse acreditar em superstições. E, pra começo de conversa, ajudar uma criança triste nunca é perda de tempo. Se eu puder salvar uma única vida, já vale a pena.

Anuk piscou, confuso.

 — Salvar… uma vida?

O velho sorriu de leve.

 — Às vezes, só conversar com alguém que tá mal já pode salvar essa pessoa. Uma simples palavra pode mudar tudo. Tem muito valor até nas menores boas ações.

O menino ficou em silêncio, olhando pro chão. As palavras do velho pareciam ecoar dentro dele.

— Mas… de que adianta me salvar? — murmurou, a voz tremendo.

Sebastian franziu o cenho.

 — Como é?

— Eu sou odiado por todo mundo aqui. Eu… eu não mereço ser salvo.

O velho ficou sério. E antes que Anuk pudesse entender o que estava acontecendo, viu o punho de Sebastian vindo em sua direção — rápido demais pra desviar.

O impacto o jogou alguns passos pra trás. Anuk caiu sentado, segurando a bochecha com os olhos arregalados.

— POR QUE VOCÊ FEZ ISSO?! — gritou, chorando, tentando se levantar enquanto a dor latejava no rosto.

O homem se aproximou lentamente, o som firme dos passos ecoando no chão de madeira. Sem aviso, agarrou a camisa de Anuk e o ergueu, aproximando o rosto do garoto do seu. Os olhos do velho estavam sérios, quase ardendo.

— Jamais diga isso de novo. — a voz dele saiu grave, cheia de firmeza. — Não importa o que te digam, toda vida tem valor. Cada pessoa nasce com um propósito, mesmo que leve tempo pra entender qual é. Se você está vivo, há um motivo. Existem coisas que só você pode fazer, entende? Nenhuma vida é descartável. Uma vida… tem um valor inestimável!

Ele o soltou de repente. Anuk caiu sentado, ofegante e assustado, olhando para o velho sem saber o que dizer.

— Me diga, garoto… — Sebastian cruzou os braços — você tem algum sonho?

— S-sonho? — repetiu, confuso. Aquela pergunta parecia vir de outro mundo. — Eu… acho que não. — desviou o olhar. — Se fosse pra ter algum… talvez ser feliz? Ser aceito, talvez…

— Hm. — Sebastian estreitou os olhos. — É um começo, mas ainda não é o bastante.

— Como assim não é o suficiente? — perguntou Anuk, franzindo o cenho.

— São os sonhos que movem as pessoas. — disse o velho, com um brilho intenso no olhar. — É por causa deles que a gente levanta todo dia. São os sonhos que dão força, que nos fazem lutar mesmo quando tudo parece perdido. Quando você tem um sonho, mesmo que o mundo inteiro desabe, ainda há um caminho pra seguir.

Anuk ficou em silêncio. Ele não entendia direito, mas aquelas palavras pareciam atravessar seu peito, aquecendo algo que ele nem sabia que existia.

— Se você ainda não tem um sonho de verdade… — Sebastian abriu um sorriso confiante, apontando o dedo pro próprio peito — então eu vou te contar o meu! Eu quero mudar este mundo!

Anuk arregalou os olhos.

 — Q-quê?! — gaguejou, sem acreditar no que ouvira.

— Isso mesmo. — respondeu o velho com convicção. — Muita gente chamaria de tolice ou fantasia, mas esse é o meu objetivo: criar um mundo seguro, onde as pessoas possam viver felizes, onde ninguém precise sentir medo, onde as lágrimas não sejam desperdiçadas à toa e os sorrisos nunca faltem.

Anuk o observava sem piscar, o coração acelerado.

 — Mas… isso é possível mesmo? — perguntou, com um misto de curiosidade e esperança.

Sebastian riu baixinho.

 — O quê? Mudar o mundo? É claro que é possível. Tudo depende da nossa determinação, da força de vontade… e da esperança.

Anuk hesitou, a voz saindo quase num sussurro:

 — Eu quis dizer… criar um mundo onde as pessoas não precisem ter medo… nem fiquem tristes sem motivo…

O velho ficou em silêncio por um instante, observando o garoto. No olhar de Anuk, havia mais do que simples curiosidade — era um pedido. Ele queria saber se existia mesmo um lugar onde pessoas como ele não precisassem sofrer sem motivo algum.

Sebastian sorriu de leve.

 — Sim… é possível criar um mundo assim.

Anuk franziu o cenho.

 — Mas pra isso você teria que ser alguém muito importante, né? Tipo um rei, um presidente ou algo assim.

O velho soltou uma gargalhada alta, sincera e meio rouca.

 — HAHAHAHA! Garoto, já pensou se o mundo fosse diferente?

— Diferente como? — perguntou Anuk, confuso.

Sebastian se inclinou um pouco, com o olhar curioso e cheio de energia.

 — Já pensou se o impossível fosse possível? E se tudo que a gente conhece fosse só a ponta do que o mundo realmente pode oferecer?

Anuk o encarou com um meio sorriso.

 — Honestamente… tô começando a achar que você é meio louco.

O velho riu, balançando a cabeça.

 — Sim, já me disseram isso muitas vezes. — respondeu, ainda sorrindo. — Mas eu acredito, de verdade, que o impossível não existe. A maior força do ser humano vem da esperança… mas, mais do que isso, vem da vontade de nunca desistir, lá do fundo da alma!

Ele fez uma pausa e olhou firme nos olhos do garoto.

 — Lembre-se disso, garoto. Um dia, essas palavras serão importantes para sua vida.

— Você é completamente maluco! — Anuk retrucou, cruzando os braços.

Sebastian apenas riu e estendeu a mão para ele.

 — Vem, levanta.

Anuk hesitou por um segundo, mas segurou a mão do velho e se pôs de pé.

— Me diga, Anuk… se você pudesse fazer qualquer coisa no mundo, o que faria? — perguntou Sebastian, ainda segurando a mão dele.

O garoto pensou por um momento, encarando o chão.

 — Eu acho… que criaria esse mundo fantástico que você fala tanto. — respondeu com um sorriso tímido.

O velho abriu um sorriso enorme, cheio de orgulho.

 — Hah! Então tá decidido. Eu vou cuidar de você, já que esses incompetentes aqui não sabem fazer isso direito.

— P-pera… o quê?! — Anuk piscou, completamente perdido.

— Foi o que eu disse. — Sebastian afirmou, ajustando a cartola. — Afinal, é você quem vai realizar o meu sonho.

— Q-QUÊ?! Por que eu?! — gritou o garoto, com o rosto em pura confusão.

— Porque as crianças são o futuro da humanidade… — respondeu o velho com um olhar firme e confiante. — E porque eu acredito em você, Anuk Rose.

Anuk ficou paralisado diante das palavras do velho. Aquele sorriso… havia algo diferente nele. Não era apenas alegria — era esperança. A voz de Sebastian carregava uma confiança tão pura que aquecia o peito do garoto, como se, por um instante, o mundo deixasse de ser tão cruel.

 A cada palavra, ele sentia um pouco da própria dor desaparecer, substituída por algo novo — uma vontade de acreditar, de ser forte, de também transmitir aquela mesma luz para os outros.

Depois daquele dia, Sebastian passou a cuidar de Anuk como se fosse seu próprio filho. O velho o treinava, ensinava o que sabia e o preparava para o mundo lá fora.

 Os dias eram duros, cheios de desafios, mas Sebastian nunca deixava de sorrir. Não importava o quanto a vida fosse difícil — o brilho em seus olhos e a fé em seus ideais continuavam firmes.

Para muitos, o que ele falava parecia coisa de criança. Sonhos tolos, impossíveis. Mas Sebastian acreditava com todas as forças. Ele dizia que o mundo precisava de “heróis”. Não de pessoas perfeitas, mas de gente disposta a fazer o certo, mesmo quando ninguém mais o fazia.

 E Anuk… acreditava também. Por mais absurdo que parecesse, ele compreendia o que o velho queria dizer sobre mudar o mundo.

— Proteger as pessoas não porque elas precisam, mas porque é o certo a se fazer. — dizia Sebastian, com a voz firme. — Se você tem o poder de ajudar, então isso se torna o seu dever, sua responsabilidade. É assim que o mundo muda… pouco a pouco.

Essas palavras ficaram gravadas na mente de Anuk.

Anos depois, ele ainda as repetia para si mesmo, sentado no topo de um prédio alto, observando a cidade lá embaixo. O vento frio soprava em seu rosto, bagunçando seus cabelos avermelhados enquanto ele olhava o horizonte, perdido em pensamentos.

"Fazer o certo não porque podemos, mas porque devemos… Que ideia absurda." — pensou, deixando escapar um leve sorriso.

 "Mas será que dá mesmo pra fazer isso? Ajudar as pessoas, mudar elas lá no fundo? Que bobagem… e ainda assim… é tão bonito imaginar um mundo onde todos possam sorrir, viver sem medo… onde ninguém precise chorar de novo."

Anuk costumava a criar cenários onde ele vivia longe do orfanato, onde ele era algum tipo de herói que as pessoas amavam, tudo isso para se sentir melhor, porém esses sonhos e imaginações de crianças se tornaram um objetivo após conhecer Sebastian, virar alguém que as outras pessoas pudessem contar e que fosse capaz de proteger a todos, expulsando a tristeza e insegurança. Isso soava bem para Anuk.

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