Volume 1
Prólogo: A Canção da Profecia
Data desconhecida - Corte de Glacia, Reino de Bliz, Continente de Cielunia
“Ó, Homem! O que seria do mundo sem teus desejos vis?
Quantas vidas por suas mãos foram ceifadas?
Quantas famílias pelas suas consequências foram quebradas?
Quantos filhos sozinhos hão de seguir?
Homem, como o ódio e a ganância o corromperam!
Seu egoísmo lhe cegou, sua arrogância foi a causa de tanto
[mal!
Mesmo que seu potencial fosse sem igual,
Não há como impedir as chamas que o engolirão!
Ó, Homem! Nem a noite mais escura irá impedir a luz de triu…”
— Vovó, eu já falei que não gosto dessa música! Eu não consigo entender nada!
No quarto de paredes azuis ocupado por amplos armários, uma enorme cama e brinquedos de pelúcia diversos, o grito da menina de cabelos pretos soou mais alto que o normal. A senhora de cabelos brancos, cujo recital fora interrompido, logo assumiu um semblante gentil.
— Querida, não é só uma música! É um poema, e o mais importante de todos para nossa família.
— Como entendem palavras tão difíceis? Mesmo a senhora cantando toda semana, eu ainda não consigo dizer ele inteiro.
— Algum dia entenderá, minha pequena! Foi assim com sua mãe, comigo e até mesmo com a minha avó.
O tom compreensivo e um tanto nostálgico da senhora acalmou um pouco sua neta, que não retrucou de imediato. Com o rosto infantil repleto de dúvidas, a menina recomeçou a tempestade de palavras alguns instantes depois.
— Mas é tão importante assim mesmo? Lendas não são como contos de fadas? — questionou a criança. — Então ele é tipo o conto da menina que entra em um espelho, só uma das suas historinhas, vovó.
— Não, não, querida! Diferente dos contos de fada, essa lenda foi contada há muito, muito tempo, quando as deidades ainda andavam sobre essa mesma terra que nós.
Os olhos esmeraldinos de Tenko emitiam um brilho empolgado. Adorava falar sobre sua “missão de vida”, como costumava definir a tarefa. Sob o olhar curioso da menina, encontrou permissão para continuar sem mais delongas.
— Há 5 mil anos, os Tsukishi carregam entre as gerações o arauto da mudança, mas nenhum de seus herdeiros foi capaz de descobrir a quem as profecias se referem! — continuou a senhora, sem nem parar para respirar — É o maior mistério da história, pequena!
— Mas não era só uma lenda? — Agora, a garotinha havia perdido uma parte do sono que antes a dominava. — Quer dizer que esse “Homem” existiu mesmo?
— Não só existiu, como está vivo até hoje! As pessoas me chamam de doida ou gagá, querida, mas as profecias nunca mentem! Algum dia, pode ser amanhã ou em milhares de anos, ele vai voltar, isso infelizmente eu tenho certeza.
A senhora levantou-se, preparando para se retirar do recinto. Porém, seu movimento foi interrompido pelo leve puxão na manga de seu vestido cheio de babados.
Com os olhos, cujo verde era idêntico aos da senhora, marejados, a garotinha soltou uma última pergunta.
— E o que eu tenho que fazer se o “Homem” voltar, vó Tenko?
A senhora, Tenko, refletiu sobre o que deveria responder. Gostaria de dizer algo motivador para a futura herdeira da profecia.
Era seu dever manter viva a esperança de um destino melhor para a geração que assumiria as rédeas do mundo. Porém, não conseguiu conter a dura realidade de vazar de seus pensamentos através de sua boca.
— Se ele voltar, querida, cairemos lutando… — Tenko sentiu uma gota de suor frio escorrer pelo rosto enquanto o sorriso amarelo preencheu seus lábios. — ou ficaremos de joelhos para ele.
Com um clique no interruptor, as luzes foram apagadas, encobrindo o cômodo na profunda escuridão da noite.