Volume 1
Capítulo 10: O conto de dois irmãos
2 de Novembro de 4817 - Continente de Origoras, Reino de Yggdrasil, Arredores de Hiekaja
O sol já havia sumido há muito tempo quando Togami chegou ao portão de sua residência. Com muito esforço, havia sido capaz de cruzar algumas dezenas de quilômetros do território de Yggdrasil para voltar para casa — sua capa branca estava imunda com a poeira. Atravessar todo tipo de terreno com roupas claras podia ser meio complicado às vezes.
O cansaço acelerou seus passos pelo piso de madeira meio solto. O cheiro dos campos de cultivo molhados limpava a mente do garoto dos problemas que teria que lidar. Para sua infelicidade, apenas alguns deles.
Mais próxima da fronteira com Harenaris do que da capital, a arquitetura de Hiekaja era notoriamente diferente da típica draconiana. As casas mesclavam as cores pastéis e janelas circulares do reino do deserto com as arestas e laterais retas dos telhados e paredes similares aos encontrados em Dracone. Poderia ser um bom assunto para conversar com moradores de fora de sua vila.
Ainda que não estivessem propriamente dentro do reino do deserto e o clima ameno predominasse, Togami suava naquela noite. Enquanto tirava as botas, escutou o piso ranger na cozinha da residência. Com toda a energia que lhe restou depois daquele longo dia, forçou-se a sorrir. Por ela, tudo valia a pena e nada era difícil demais.
— Irmãozão!
A menininha de cabelos cor de mel curtos abraçou o corpo de Togami com toda a potência infantil que tinha. Assim como o único olho exposto dele, as íris safira brilhavam intensamente, tomadas pela euforia de ter seu querido irmão de volta. Sua mente energética lembrou-se de algo, uma vez que tirou o rosto de perto do corpo dele para encará-lo com granda entusiasmo.
— Eu e a mamãe fizemos bolo! — comunicou inocentemente. — Vem comer, vem!
— Yona, essa era a nossa surpresa pra ele! — repreendeu uma voz feminina um pouco mais distante.
No corredor, Yoime Shinwa apareceu na entrada em um simples avental branco, calça de moletom marrom e camiseta amarela. Mesmo presos em um rabo de cavalo, seus cabelos loiros claros ainda tinham alguns resquícios de massa de bolo, bem como suas roupas. O tom marrom da sujeira destacava-se na pele delas, de um branco meio rosado — se não fossem pelos olhos azul-capri e pelo cabelo rebelde, idênticos aos dele e da irmã, poderia dizer que era adotado.
Amor transbordava pelo rosto dela, que gentilmente encaravam o filho. A aura da mulher, porém, possuía leves oscilações que podiam ser sentidas com facilidade pelos olhos atentos de Togami. Havia algo errado dentro dela.
— Feliz aniversário, querido. Estava preocupada que algo tivesse acontecido com você, chegou tarde.
— Tive alguns problemas na capital, mas tá tudo bem, mãe — comentou o menino, afagando os cachos da irmã. — O pai já chegou? Preciso falar com todos.
A pergunta inicialmente despretensiosa deu a ele a resposta do porquê sentiu algo estranho no ar. A mulher exibiu um semblante compreensivo — era muito boa escondendo emoções, o que ele herdou. Reconhecia bem uma mentira, e melhor ainda uma advinda da frustração.
— Ele ainda está… naquele lugar. — A frase chegou como uma lamúria. — Deve chegar daqui a pouco! Que tal tomar um banho? Estou ansioso pelo que você vai falar com a gente.
— Tudo bem. Acho que preciso me preparar, de qualquer jeito — suspirou, por fim, enquanto observava sua capa. — Mãe, tem como lavar isso aqui? Vou precisar dela depois.
— Agora mesmo!
Togami soltou o fecho na área do pescoço, deixando a capa cair e liberando seus ombros. Antes mesmo da veste atingir o chão, a aura de Yoime brilhou, rosada: uma bolha d’água envolveu o objeto. Yona foi capturada pelo fascínio dos movimentos suaves de sua mãe, que manipulava a água para retirar cada impureza do tecido. Por vezes, o menino esquecia que grande parte do seu “talento” vinha da família.
Pai, mãe, irmão… Todos eles tinham uma capacidade mágica curiosa. Os dois últimos, como ele, também tiveram o privilégio de serem Abençoados.
— Prontinho, filho. — Yoime o retirou de seus pensamentos, arremessando a capa limpa de volta para ele. — Agora vai lá tomar banho.
— Tudo bem. Obrigado, mãe, Aqua.
A menção ao nome da deidade que Yoime era Guardiã fez ela surgir atrás da mulher. Um aceno silencioso da Ninfa nereide, de olhos verde-água, serviu como um acalento ao coração nervoso do garoto, que subiu as escadas em direção ao seu quarto. Sua mãe poderia não ter percebido, mas tinha plena convicção que a Benção teria sentido o temor dentro de si.
O chuveiro embaçava os vidros enquanto Togami ficava nu embaixo da cascata. Diferentemente do harmônico som das gotas batendo no chão ladrilhado e em seu corpo, a mente dele era uma cacofonia de emoções e suposições.
Suas dores físicas diluíram-se na água quente. Sua angústia, por outro lado, não foi pelo mesmo caminho — como iria conversar com seu pai? O que diria para ele sobre os eventos de hoje? Sentiu náuseas atingirem sua garganta e o estômago embrulhar. Lidar com o seu progenitor sempre o deixava à beira de um colapso.
— Ele nem vai me ouvir.
— Está duvidando demais da racionalidade de seu pai, Shinwa — intrometeu-se sua deidade, de súbito.
— Metatron, por favor, eu não estou com o mínimo de paciência para escutar um longo sermão moral — grunhiu em resposta. Seu tom rude apenas tirou um suspiro do ser.
— Eu vejo seu interior. Sei o que pensa lá no fundo — prosseguiu — e sei exatamente o que você não quer perceber.
— Então por que você simplesmente não me dá a resposta que eu preciso? — Pegou uma mecha do longo cabelo para enxaguar. A ideia de cortá-la passou pela sua mente. — Seria bem melhor do que me deixar ansioso atrás das palavras certas!
— O filósofo que entrega seu raciocínio cria alunos sem visão. Este não é meu objetivo aqui.
— Odeio como você consegue ser tão complicado nas horas mais difíceis. Me dá nos nervos.
Como sempre, Metatron era meramente uma voz enigmática no fundo de sua mente. Gostaria, como já leu em um livro sobre deidades, de conversar com sua forma física. Conseguia visualizar o semblante impassível que ele teria, seja lá como fosse seu rosto, e isso o enfureceu um pouco mais.
Togami fechou o registro, ainda de cabeça baixa.
— Não quero que faça a escolha certa, mas que pense sozinho. Somente assim um humano alcança o verdadeiro conhecimento.
— Claro, então a resposta seria deixar eu me ferrar? — debochou Togami, impaciente.
Sua deidade não viu motivos para insistir na conversa.
— Faça como quiser, criança.
A conexão mental foi desfeita, o que significava que Metatron voltara ao estado de hibernação.
— Me impressiona ele ser tão sábio dormindo tanto tempo. Será que isso que chamam de onisciência? — divagou o garoto, terminando de se secar.
Não era de todo ruim ter a companhia de um ser com tamanha sabedoria. Se aumentasse a sincronia com sua deidade, por consequência receberia toda aquela inteligência para si. A parte difícil, claro, era se conectar em algum nível a um ser que nem mesmo conhecia o rosto. Seu nome também não era lá muito útil — as bibliotecas que visitou em seu tempo livre não continham nenhuma citação ao “Metatron” até cerca de 4000 anos depois do fim da guerra entre os deuses, divisor de águas da antiguidade.
Aproveitou o pouco tempo que lhe restava para pensar em seu roteiro. Caminhar de um lado a outro do cômodo geralmente o ajudava. Naquele momento, não tanto quanto gostaria.
Era chocante a velocidade que formulava e destruía seus próprios argumentos. Quando se tratava de seu pai, sua confiança sempre falhava — ele queria lutar contra o medo que sempre o dominou, e ainda assim não encontrava fé para isso. Nem mesmo diante do rei havia tremido como naquele momento.
Pensar, respirar, fazer. Se havia escapado de uma condenação internacional, o que seria encarar o olhar severo de seu pai?
— Tudo bem que tive ajuda da Reiko, mas… — Novamente, achou uma forma de se colocar para baixo.
O barulho da porta da frente abrindo e o escândalo animado de Yona anunciaram que era hora de encarar seus medos. Bateu de leve nos cantos do rosto para espantar a negatividade e, então, desceu as escadas para a sala de estar. Sua capa, novamente acoplada ao pescoço, o protegeria — era seu amuleto da sorte.
Na poltrona mais próxima à estante de livros, um homem de meia-idade desabotoava o terno azul-marinho enquanto ouvia a filha tagarelar, sentada sobre sua perna direita. Concordava com todas as perguntas que lhe eram jogadas, embora suas olheiras aparentes expressassem sua clara fadiga e desejo de apenas ir descansar.
De pele negra como carvão, sua testa era marcada pelas rugas de idade — combinadas com a profundidade de seus olhos castanho-avermelhados, sua aparência era deprimente. Como um harenariano típico, seus cabelos negros estavam bem arrumados apesar da exaustão estar próxima de derrubá-lo.
Togami deveria sentir pena. Deveria.
— Feliz aniversário, Togami — pronunciou, direto como sempre, Raku Shinwa. — Me atrasei pelas pendências do escritório.
A mentira doeu. De coração apertado, Togami esboçou um sorriso amarelo para mascarar a dor de ver que nem naquele dia ele seria prioridade. Sentou-se ao lado da mãe no sofá da casa, tomando fôlego antes de iniciar a parte difícil. "Como se já não estivesse difícil o suficiente", reclamou em sua mente.
— Relaxa, que bom que está em casa, pai. — Suas mãos umedeceram em instantes pelo suor conforme sua ansiedade habitual o consumiu. — Eu tenho algo pra falar com vocês antes de qualquer coisa.
— Antes mesmo de comermos? Yona comentou que você ficou fora a tarde inteira, não está com fome?
De fato, antes sua fome era sem igual. Agora, entretanto, nem mesmo o bolo caseiro, posto delicadamente sobre a mesa de jantar despertava seu estômago embrulhado. A falta de resposta intrigou a mente astuta de Raku.
Sob o brilho do luar entrando pela janela, Togami deu o passo definitivo, embora sua voz trêmula não colaborasse.
— Eu vou para Sophis. A rainha Yumeko me escolheu para isso.
O silêncio absoluto que se seguiu apenas piorou a náusea no fundo da garganta do rapaz. Sem o peso das palavras em suas costas, se permitiu piscar. Encarou cada um dos seus parentes, analisando suas expressões.
— O que? — Foram as palavras que escaparam da boca de seu pai, com quem havia acabado de estabelecer contato visual.
— Vou me tornar um Guardião, melhor do que ele foi!
O choque inicial fez a boca do patriarca abrir e fechar repetidamente, buscando dentro de si a orientação correta. Porém, sua face se transfigurou, movida por sentimentos viscerais de dor e ódio. A esperança de Togami morreu ali, antes mesmo de poder sonhar com um bom resultado.
— Não, você não vai, Togami! — urrou, em total desconexão à sua calma anterior.
— Mas…
— Esse caminho só vai trazer dor e sofrimento pra todos nós! Você lembra muito bem o que aconteceu com seu irmão!
Yoime percebeu o surto de fúria. Como a mediadora natural que era, partiu para o lado do marido para acariciar suas mãos — o que, naquele momento, soou como uma traição para Togami. Seu controle de mana oscilou, tremendo alguns objetos da casa com as ondas emitidas por sua aura.
— Seu pai está certo, filho. Ele… você se lembra bem daquele dia, né? — argumentou a loira, quase que num sussurro. — Seja um advogado como seu pai! Você é observador e atencioso, além de precisarmos lidar com muitos refugia…
— Ele isso, ele aquilo… Quando vocês vão parar com essa merda?
Era a primeira vez que Raku e Yoime viam seu filho do meio xingar. A voz baixa dele carregava uma amargura indescritível, e seus sentimentos estavam tão à flor da pele que não conseguia contê-los.
— Eu não sou o meu irmão! Somos duas pessoas diferentes! Eu admirava tudo que ele fazia, mas isso não me faz ser ele! — A esse ponto, anos de negligência foram desenterrados. Voltar atrás deixou de ser uma opção. — Quando vocês vão parar de projetarem o filho que perderam em mim? Quando?
A aura de Togami, desestabilizada, preenchia o ambiente. Como um sinal de seu óbvio descontrole, o branco de seus cabelos começou a se expandir e contrair indefinidamente. Nem mesmo sua única íris exposta tinha mais uma cor fixa: por vezes, um prateado reluzente preenchia toda a área da íris, ritmado pelas batidas cada vez mais rápidas de seu coração ferido.
— Togami, não é isso.. Você é nosso filho também! — Raku tentou segurar o ombro do filho, sendo repelido por um tapa veloz em sua mão. — Nós amávamos seu irmão, mas ele se foi por seguir esse caminho. Não queremos que aconteça com você.
— Ele não é o tópico! Tsuyoshi Shinwa não é importante agora! — berrou Togami, ainda mais irado. — Eu cansei de ser a sombra de alguém que não tá mais aqui. Eu vou viver a minha vida sendo eu mesmo.
— Enquanto eu for seu pai, eu não vou deixar você fazer isso! Você vai apenas destruir tudo que tentamos reconstruir nos últimos cinco anos!
A gritaria se tornou generalizada. Inusitadamente, Raku também liberou sua aura marrom, algo que nenhum dos filhos jamais havia visto. Para a surpresa de Togami, ela era muito maior do que esperava, apesar de não surpreendê-lo após ter contato com pessoas tão mais fortes como Taeka Haruki ou Koushi Fuyusen.
— Seu avô e seu irmão, aqueles Guardiões malditos tiraram os dois de mim! — A menção súbita ao antigo patriarca dos Shinwa fez Yoime engolir em seco. A situação fugira de seu controle. — Seus sonhos infantis não vão ficar acima da minha autoridade!
Num movimento rápido e silencioso, o filho do meio apareceu ao lado das escadas. Não havia mais o que conversar, não para ele.
— Se é assim, então muito bem. Me dê vinte minutos e eu vou embora.
— Deixe de ser teimoso, Togami! Eu só quero seu bem!
Raku nunca fora contrariado daquela maneira, ainda mais por seu filho mais obediente. Olhando agora com mais atenção, percebeu que não notou por todos aqueles anos o quanto ele havia mudado.
A aura de Togami era imensamente maior que a dele. Selvagem e indomável, era poderosa o suficiente para balançar o ar e afetar os objetos ao redor ao redor dele. O homem não se atentou ao detalhe mais importante. Uma lágrima solitária escorria lentamente pela face, em meio ao mar de mana — uma única gota, que carregava tudo que não poderia ser dito pelo garoto.
— Eu não tinha respeito por você, pai. Eu tinha medo — confessou Togami, apertando seu peito. — Espero que um dia você perceba que seus filhos não são suas marionetes.
Ao som dos vários insultos de Raku e das súplicas de Yoime, o rapaz sumiu para o segundo andar. Dentro de seu abrigo, um grito visceral de dor e angústia foi ouvido — uma liberação de absolutamente tudo que não foi capaz de expressar em anos e anos de desamor.
Metatron pensou no que dizer. Talvez devesse, como conselheiro, mostrar para ele o caminho a seguir. Contudo, ver Togami debulhar-se em lágrimas o fez acreditar que, naquele momento, a única pessoa que poderia ajudar seu Guardião era ele mesmo.
Em meio às suas lamúrias, o garoto notou o brilho tímido da tesoura afiada em sua cabeceira.
Exatos vinte minutos se passaram até o rapaz descer com duas mochilas e uma pasta. Dentro delas, carregava seus cadernos, estojos e a maleta da câmera fotográfica, bem como algumas mudas de roupa. O que mais chamou a atenção dos parentes, entretanto, foi seu cabelo.
Não havia mais a longa franja sobre seu olho direito, embora ela, agora uniforme, mantivesse o rosto do rapaz sombreado. Exposta, sua íris prateada era nitidamente mais amedrontadora do que Raku Shinwa se lembrava — cruzar olhares com seu filho nunca foi tão intimidante. O degradê também pareceu acompanhar a mudança, com a parte escura tendo diminuído para se adequar ao novo espaço.
Sem direcionar nem mesmo uma única palavra aos pais, sentados à mesa de jantar, ele caminhou até a porta de madeira. O bolo para comemorar seu tão especial aniversário de 15 anos estava intocado sobre a toalha branca. Em seu âmago, sentia uma sensação extremamente desagradável ao observar a massa colorida que tanto ansiou para comer antes do conflito.
Yona correu em sua direção apenas para abraçá-lo. Sua confiança na decisão que tomou, por um instante, vacilou em seu interior.
— Mano, você vai voltar um dia, né? — soluçou a garotinha, desolada. — Se você não vai voltar, então fica! Por favor, Toga!
Togami largou suas bolsas para abraçá-la e confortar a dor da despedida. A única pessoa que poderia culpar pela situação tão horrível que sua irmã passava era ele próprio, o que corroborou para sentir-se ainda mais sujo.
— Eu prometo que você vai continuar falando comigo, Yona — prometeu ele. — É só pedir que a mamãe e o papai vão enviar as cartas pra mim.
— Jura juradinho?
— Juro juradinho.
Os mindinhos se uniram, como símbolo da tradição infantil que sempre tiveram. Se antes Togami pedia isso ao irmão mais velho, agora era dever dele se adequar ao seu novo papel. Raku e Yoime tiveram um momento de esperança que seu filho tivesse abandonado a ideia imprudente. O garoto apertou o rosto de Yona contra seu peito, e o sorriso doce ofercido à garotinha deu lugar a um semblante gélido, que só eles puderam ver.
Seus olhos brilhantes encontraram com os de seu pai. Mesmo não trocando uma única palavra desde a discussão, a mensagem de Togami passou para ele de maneira bem clara. “Não ouse fazer a Yona chorar”, era o que diziam sua íris bicolores.
— Tenho que ir, maninha. Você vai ficar bem, viu? — As mãos dele acariciaram os fios loiros de Yona. — Eu vou voltar e você nem vai perceber.
— M-Mas quanto tempo vai demorar? — implorou a menina, abalada.
— Eu queria te dizer, Yona, mas não sei. — confessou Togami — Por isso, se cuida até eu voltar, tudo bem?
Passou pelo batente da porta, não dando qualquer espaço para olhar para trás. Respirou fundo e tratou de caminhar com o máximo de firmeza possível. Deveria manter a pose, ou certamente iria desmontar.
— Adeus, pai. Adeus, mãe — Foi tudo que conseguiu dizer sem chorar de novo.
Mais tarde, a pequena Yona encarava o céu noturno da janela de seu quarto. As paredes cor-de-rosa pareciam menos adoráveis do que o costume. Os campos de cultivo não eram mais tão bonitos ou cheirosos. As estrelas brilhavam menos. Perguntava-se quando seria capaz de ver o sorriso sincero de seu amado irmão uma vez mais, mas fora interrompida pela mãe dizendo para ir dormir.
Tristonha, deitou-se na cama e aguardou o sono envolvê-la. Nos sonhos, ele voltaria pela mesma porta pela qual saiu, fazendo o chão ranger com seus passos desajeitados, e a envolveria com um abraço amável. Depois, beijaria sua testa e iriam os dois às plantações para brincar de esconde-esconde — ao final de tudo, adormeceria nos braços não tão grandes dele, preenchida pelo carinho.
Infelizmente, tudo que imaginou era mera ilusão. Togami não retornaria para casa tão cedo, e ela teria que aprender a conviver com sua ausência.
O rapaz caminhava — ou melhor, corria — pelas estradas, enxugando vez ou outra uma lágrima solitária que insistisse em vazar de seus olhos. Dentro de uma de suas bolsas, um retrato de família, cuidadosamente embalado por várias roupas, carregava a última lembrança que teve em seu convívio familiar.
Repetiu para si mesmo que todos ficariam bem. Pelo bem de sua amada Yona, ele estava disposto a qualquer sacrifício.
“Tudo pelo sorriso dela.”