Farme! Brasileira

Autor(a): Zunnichi


Volume 2

Capítulo 98: Sentimentos

Theo estava divagando enquanto segurava um dos competidores derrotados numa das mãos. Ele queria procurar o que faria a seguir, se era melhor esconder ou continuar lutando.

Depois de arremessar o competidor para fora da ilha, sua mente trabalhou com mais clareza, mas ainda assim era difícil decidir o próximo passo e reconhecer a melhor estratégia para o momento.

Certamente a primeira estava mais em conta, pois ele estava lutando fazia tempo e o uso excessivo dos seus poderes causavam um cansaço intenso pelo corpo.

Outras funções que se ramificavam do controle de terra eram um sonar sísmico, que captava oscilações no chão e ar, permitindo ele notar seus oponentes muito antes de chegarem.

Aquele que arremessou, inclusive, era um que procurou o enfrentar, mas que infelizmente caiu na sua armadilha e foi rapidamente neutralizado. Um suspiro fugiu de sua boca.

“Espero que Alice esteja bem. Ela deve estar, levando em conta o quão esperta é…” Ele ergueu um banquinho de pedra e se sentou, apoiando os braços nas coxas. “Estou até tremendo, é difícil manter o ritmo… Será que Lucas se deu bem nessas lutas? Lembro dele ser um cara quieto igual eu…”

Theo deu de ombros, os pensamentos ainda iam e vinham devagar conforme o vento soprava acima de sua cabeça. Ele não estava com nenhum saco para lutar novamente.

Alguns pontos foram detectados pelo seu sonar, mas estavam longe demais para apresentarem ameaça. Ele tirou uma barrinha do bolso e desfez a embalagem igual uma casca de banana.

Era uma barrinha de proteína, perfeita para tirar a fome. Por ser bastante pobre, não tinha como levar nenhum equipamento, então preferiu levar alguma comida que desse nos bolsos antes de participar.

Theo não fazia ideia, mas seu nível estava bem acima da média dos demais competidores, ao ponto de muitas pessoas adquirirem interesse no novo talento e quererem contatá-lo mais tarde.

O motivo disso era simples, a experiência constante contra goblins melhorou muito sua habilidade, assim como aprimorou sua coordenação e sentidos para se adaptar a lutas.

Então, ao por os pés naquele lugar e se deparar com tanta gente, acabou sendo mais fácil do que esperado entrar em combates e vencer.

Depois de terminar de mastigar a barrinha, ele colocou o saco dentro do bolso. Jogaria fora numa lata de lixo reciclável quando estivesse fora do evento. 

Andou entre as árvores mantendo distância dos demais competidores, no entanto, foi inevitável não se encontrar com alguém.

À sua frente, no meio de um bosque completamente congelado, em que até mesmo as folhas das árvores se mantiveram estáticas no ar por tamanho frio, havia uma certa mulher.

Ela era particularmente alta, tinha um longo cabelo prateado e olhos afiados, seu semblante transmitia uma espécie de calma sobrenatural.

Em suas mãos havia um cajado de madeira, enquanto sua roupa era bastante folgada, revelando suor pelos braços e rosto. Ela olhava de um lado para o outro, como se buscasse alguém.

Se não fosse por um boné cômico tapando as orelhas

— Onde aquele pateta se meteu…? Há meio segundo atrás eu vi ele!

— Não chame o meu amor de “pateta”! — disse uma segunda mulher, saindo do meio da vegetação.

Essa segunda pessoa era cheia de curvas, também usando um tipo de boné, mas com uma roupa mais colada, um tipo de traje preto que cobria qualquer coisinha e só permitia que suas curvas ficassem destacadas.

Sua pele era um pouco avermelhada e havia um par de presas bastante afiadas entre seus dentes, além dela exalar uma aura de desastre por onde quer que fosse.

— Eu chamo ele de pateta sim! — repreendeu a moça com cabelo branco. — O senhor Amora pediu para ficarmos de olho nele em segredo, mas aqui estamos, perdida no meio desse caos e ainda tendo que enfrentar uma dúzia de humanos que vem pra cima de nós só porque somos bonitas!

— Oh, seji menas, Solein, você nem deveria reclamar disso. Esses trastes são o de menos, eu odeio ser desejada por cada um deles só porque sou muito bonita! Ah, quem dera ao menos ver a face do meu amado, assim teria alguma paz nesse fim de mundo…

— Seu amado? Olha como fala, eu não quero te dar outra cajadada no meio dessa sua cabeça cheia de maldade! Lilith, já bastou daquela vez que você tentou invadir o quarto dele durante a noite enquanto todo mundo dormia!

— Ah é? Então me diga o porquê você estava lá para impedir. Era para ser um momento íntimo entre eu e ele, mas você ficou ali pertinho, observando tudo e me impedindo de agarrá-lo. Por sua causa, não consegui acordá-lo enquanto usava a minha linda roupinha que fiz especificamente para ele!

— Roupa? Que roupa, sua maluca?! Você tava nua!!!

A discussão continuou, mas Theo olhou apenas para o ambiente ao redor daquelas moças. O ambiente possuía estátuas de gelo por todo canto, sendo os competidores os moldes.

Todos estavam inconscientes, mas piorava quando se observa mais um pouco e encontrava alguns presos em raízes, outros de ponta cabeça nas árvores.

No lado em que Lilith estava, várias pessoas foram presas por uma grande quantia de estacas pretas e tiveram suas bocas tapadas por uma mordaça de couro preto.

Essas duas pareciam bastante perigosas, ainda mais de timinho, o problema era que sua curiosidade continuava grande. 

Ele acabou ganhando por osmose um interesse de ouvir de relance a conversa dos outros, apenas para matar a curiosidade, e isso estava acontecendo agora.

Queria saber quem era a tal pessoa que as duas tanto falavam, mesmo que fosse perigoso estar perto e mesmo com muito cansaço. Então, ele aguçou os ouvidos e sentou longe o bastante para não ser percebido.

— Ceeerto… — falou Lilith, balançando a cabeça de um lado para o outro enquanto usava o chão de gelo como uma pista de patinação. — Sabe, a gente deveria colocar algo nele para encontrá-lo a hora que quisermos. Ele não vive dizendo que existe toda uma tecnologia de rastreio por aí? Então é só pegar um desses negócios e grudar dentro dele… talvez daria certo e o deixaria excitado se colocássemos pelo…

— Corta, corta! Não diz essas imoralidades perto de mim! Urgh, por que o senhor Amora quis que eu fosse com você? Era pra eu ir sozinha!

— Ai ai, Solein, você se faz demais de inocente. Por favor, seja honesta, você não pensou nenhuma vezinha em algo do tipo? 

A elfa soltou um longo suspiro perante aquela acusação. Queria a todo custo enfiar bom-senso na sua cabeça, mas se dissesse isso, com certeza seria levado para o lado malicioso da conversa.

Ela também não desejava confessar tal coisa, porque de fato tinha, um desejo muito pervertido: o de segurar as mãos. Tal ato significava a comunhão suprema entre os elfos, devendo ser feito somente com aqueles que realmente eram amados.

Depois de soltar um “Tch” e andar em linha reta, Lilith a perseguiu logo atrás, querendo chamar sua atenção e novamente inventar essas brincadeiras.

Theo achou a cena inteira muito estranha e ficou decepcionado por não saber quem era a tal pessoa de que tanto falavam. Pelo menos, não precisou entrar em outro conflito desnecessário.

Sendo assim, ele decidiu somente escavar um buraco ali perto e usaria de esconderijo por um tempo, com certeza ninguém seria sábio de passar por uma zona de guerra tão perto.

 

*****

 

Solein e Lilith continuaram caminhando juntas, ocasionalmente derrotando homens sebosos e tarados que queriam pegar nelas. Era um trabalho super fácil, até agora nada se apresentou difícil.

O motivo de estarem ali foi por causa de um pedido de Amora, em que ele exigiu que essas duas o observassem e evitassem dele realizar alguma besteira desnecessária. 

Era estranho tal pedido, no entanto, o motivo era simples: aquelas duas possuíam lealdade máxima a Lucas e nunca lhe causariam mal, então eram as melhores a serem enviadas.

Mesmo que Igibris fosse bastante poderoso e Philomeu pudesse acompanhar Lucas com exímia facilidade, ambos chamariam muita atenção com suas aparências e poderes.

Quanto a Lilith e Solein, bastava um look decente para esconder suas identidades e se misturar ao mundo humano. 

O próprio Amora conversou com Xing Xong para inscrevê-las e completar qualquer documentação necessária. Bastou acompanhá-las mais tarde para que nada saísse dos eixos.

Além disso, ambas estavam só numa missão de proteção e infiltração, preferencialmente não iam dar de cara com Lucas e se jogar em seus braços. Havia até uma certa punição as esperando se fizessem isso.

Por outro lado, aquela era uma ótima forma de praticar e treinar. Solein estava meio emburrada por nunca ir numa aventura maluca com Lucas e utilizar o cajado mágico que recebeu de presente.

Isso lhe causava frustração, porque ela sabia que era forte e tinha mais do que habilidade para lidar com oponentes a sua maneira, até mesmo suas magias naturais de gelo causariam um baita estrago.

A elfa também se sentia meio ignorada, talvez porque Lucas sempre esteve concentrado demais no seu treino para dá-la atenção. A gota d’água veio quando a masmorra surgiu e Lilith apareceu.

Seu ódio pela súcubo crescia a cada dia, pois além de ter uma personalidade maliciosa, ela vivia querendo se aproveitar do seu parceiro de toda forma possível.

Durante a caminhada, Solein se lembrou da cena que as fez pararem ali. Era no meio de um dos treinos de Lucas com Philomeu, o demônio copiador, em que chamou Amora para uma conversa pessoal.

Era bastante anormal chamá-lo, além do mais, ambos nunca tiveram nada que valesse a pena conversar. No entanto, ela estava no limite.

— Senhor Amora, eu queria lhe pedir um favor, posso?

— Se estiver no meu alcance, não vejo problema.

— Eu quero passar um tempo a sós com o Lucas. É um assunto particular de suma importância, senhor, só que ele nunca para e sempre tá fazendo alguma coisa que o impede de falar comigo! Você pode me ajudar? Eu preciso disso!

— Hmm… posso, mas considere uma troca de favores. Me faça um e eu te devolverei outro.

Dali em diante que começaram os preparativos para que ambas acompanhassem o evento de perto. 

Solein até se impressionou quando saíram a primeira vez daquele lugar, e teve suas orelhas quase explodidas pelo tanto de som do lado de fora.

Como elas saíram? Bem, Amora pediu para Lucas abrir um portal, o nocauteou com extrema facilidade e então teve passagem para que as duas saíssem.

Outro suspiro saiu da elfa, que passou a ponta do cajado na testa como forma de se acalmar. 

— Que saco ficar aqui… e ainda vão ter monstros de lá pra cá, só um bando de fracotes pra torrar nossa paciência.

— Olha só, concordamos em algo pela primeira vez — respondeu Lilith, com um sorrisinho na face. — Agora que seria bom ficar perto dele, mas o senhor Amora nos ameaçou, né.

— É… Hah, eu não sei nem porque ainda aceitei… Ei, Lilith.

— Sim?

— Eu sou idiota por ter sentimentos por ele?

Aquela pergunta pegou a súcubo desprevenida. Era a primeira vez que a elfa se abria de tal forma, especialmente quando se falava de sentimentos.

— Se eu fosse falar, acho que não. Todo mundo tem amor platônico cedo ou tarde. — A mulher vermelha deu de ombros e revirou os olhos. — Quer dizer, eu acho que tenho uma chance real porque estou tentando atraí-lo de qualquer forma. Me atrai por ele pela forma como se mostrou a mim e por ser mais cavalheiro que o maldito do Igibriss. Quanto a você, não sei, parece que sempre tem uma distância e uma vergonha para tudo. Se continuar assim, então você é mesmo idiota por nutrir algum sentimento e seu amor é meramente platônico e irrealista.

Pela primeira vez um sermão bom fugiu da boca daquela demônia. Solein acenou com a cabeça, ela estava de fato certa — coisa que preferia não admitir em voz-alta.

Talvez, só talvez, se fosse mais sincera e pedisse diretamente algo a ele, uma coisa mudaria. Era essa sua esperança. 

A elfa continuou a passear pelo bosque e derrotar mais oponentes com a sua colega súcubo, enquanto não parava de pensar em como deveria confessar o maldito sentimento preso no peito.



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