Volume 2
Capítulo 95: Favor
As peças voaram de um lado para o outro como um jogador de alto nível processando milhares de informações ao mesmo tempo.
Um garoto no topo de uma colina coberta por floresta mexia as peças num tabuleiro preto e branco, seus olhos sequer caiam no objeto em seu colo, ao invés disso se concentrava puramente no que assistia.
Aquelas duas pessoas insanas enfrentavam diversas peças ao mesmo tempo, forçando-o a mexer as mãos sem prestar atenção no campo geral.
Os demais peões ainda eram ocasionalmente movidos, mas esse mero ato dava um tempo para que os seus oponentes respirassem.
Joab era um gênio da estratégia, tendo ganhado inúmeros torneios internacionais de xadrez por constantemente usar sua habilidade em cenários diferentes.
A vida dele era o jogo, o dia a dia se baseava nisso, até seus estudos eram resolvidos com numa partida estratégica em que ele precisava resolver o enigma diante de seus olhos.
Mas agora, apareceu um problema que se expandia e mudava sem parar, dificultando o xeque-mate em diversos níveis. O pior disso era eles alvejando o rei, o que só trazia mais problema.
“Eles descobriram o ponto fraco da minha habilidade, no entanto, desde que eu mantenha a rainha perto, nada deve dar errado.”
Um movimento rápido fez com que a rainha aparasse um relâmpago que voou na direção do rei, eletrocutando sua espada de pedra ao invés da outra peça.
A expressão cansada daqueles dois era um bom sinal, mas a sua também estava do mesmo jeito. Sua cabeça se cansava lentamente, usar o cérebro para cálculos e previsões além de manter aquela habilidade ativa era exaustivo.
“O que eu faço? Não tem ninguém pra me ajudar por perto na área que estou, os outros cuidando das suas partes também não viriam mesmo que eu pedisse. A minha força é uma das maiores do nosso grupo, porra! Aff, se eu tivesse aquele Berserker maldito comigo, o arrombado disse que faria as coisas do jeito dele!”
Franzindo as sobrancelhas, ele arrumou o colarinho frouxo e os óculos de nerd super inteligente. O problema foi que nesse movimento, o reflexo da lente apareceu.
Um estrondo soou do meio do campo de batalha, dessa vez o relâmpago vinha na sua direção. Ele se escondeu a tempo na árvore.
Fogo se alastrou pelas folhas, e então Joab começou a correr o mais rápido que podia, desviando por sorte de uma sequência de explosões acima da sua cabeça.
O tabuleiro atualizou, uma fileira de blocos apareceu atrás de suas peças, e ele rapidamente moveu a torre para ajudá-lo.
Terra foi jogada para todo o lado, ao mesmo tempo que protegeu-o de uma descarga elétrica fortíssima. O rapaz se grudou na torre, movendo-a para o outro lado do tabuleiro.
Seu corpo quase voou enquanto se segurava, mas chegou ao outro lado em segurança, então com as mãos no tabuleiro reuniu todas as peças numa poderosa fortaleza ao seu redor.
Ele suspirou de alívio, acreditando que isso seguraria por tempo o bastante, mas quando olhou para cima, encontrou uma garota despencando em sua direção sobrecarregada por eletricidade.
A rainha ao seu lado se moveu, sua espada caiu pesadamente e errou o alvo, mas o ar se moldou de acordo com o movimento, lançando-a em direção ao chão por pura força bruta.
A mulher de pedra apontou a arma na direção da garota, uma troca de olhares definiu o começo de uma boa briga, de um lado uma lâmina se mexendo em alta-velocidade, e de outro um ratinho que soltava choques sem parar.
Joab pensou estar na vantagem, até uma peça desaparecer do seu tabuleiro. Quando olhou para trás, avistou um homem com um sabre de luz de brinquedo fatiando tudo no caminho.
O chão foi cortado por um bispo abrindo o chão, mas Carlos já sabia desse truque, voando por cima da fissura sem dificuldade nenhuma.
Uma torre veio em sua direção, mas as mãos do moreno balançaram em alta velocidade, o sabre combinado com seu braço carregado de plasma explodiram o pedaço de terra.
O mesmo aconteceu com as peças que tentaram impedí-lo. Joab estava sendo pressionado pelos dois lados, sua cabeça e mãos passaram a agir de forma quase independente.
Ele ou escolhia se concentrar na garota pikachu ou no jedai, mas não importando qual se focasse, ainda estaria em desvantagem de um lado.
Um relâmpago irrompeu dos céus, obliterando o pequeno tabuleiro em suas mãos.
“Porra, minha mão!”
Para variar, uma marca de queimadura tomou conta de sua palma, além de uma parte da carga elétrica correr pelo corpo inteiro e estremecê-lo da cabeça aos pés.
“Sem o tabuleiro, eu não posso controlar as peças. Somente a rainha estará em movimento, eu tenho que…”
Antes de conseguir pensar direito, ele olhou para cima, sua rainha foi atravessada por uma grande lança de raios e teve seu peito espatifado em pedacinhos minúsculos.
Cho Pei voava em direção a Joab, seu corpo era impulsionado por uma série de choques no ar. Em questão de segundos, a lança em suas mãos girou e bateu contra toda a força na grama abaixo do nerd do xadrez.
A descarga foi tamanha que diversas correntes de relâmpagos voaram pelo ambiente, incendiado a vegetação ao redor e dissipando a energia de uma vez.
O garoto teve seu cabelo sutilmente arrepiado pela eletricidade, seus óculos também se espatifaram por inteiro, e ele de uma hora para a outra caiu de costas no chão.
A garota chinesa respirou fundo, as estruturas de terra ao redor deles perderam a forma e viraram só uns montinhos de areia.
Ela apertou o cabo da lança, que ainda remexia com uma certa energia, mas em pouco tempo perdeu todo o excesso.
— Finalmente, acabou…
Ela arrumou a franja bagunçada e passou a mão no rosto, o cansaço se apoderou de uma parte de sua cabeça e fez sua respiração acelerar.
Excesso sempre causava isso, não importava o que acontecia. Nos próximos minutos, seria crucial que descansasse enquanto pudesse.
Olhou para o homem jedai, que apoiava um sabre de brinquedo no ombro e analisava o cara caído no chão.
— Vamos nos livrar logo dele e resolver essa bagunça.
*****
A derrota de um arqueiro não significava o fim de uma batalha. A mulher bombada ia desclassificá-lo, assim conseguindo mais pontos com as demais empresas.
O problema, no entanto, foi que ela não conseguiu chegar muito perto. Uma meleca rosada ficou no meio do seu caminho, remexendo-se de maneira hipnótica e a impedindo de passar.
— Perdão, boa moça, mas não posso permitir que faça isso… — disse a massa gelatinosa. — Tenho uma pequena divida a se pagar com esse moço. Se puder seguir o caminho, eu agradeceria…
— Desculpa? Você tá chapado ou coisa do tipo? Isso é uma competição, eu preciso desclassificá-lo.
— Oh, temos um impasse então…
A expressão da mulher se contorceu de raiva, seus músculos se mexeram um pouco e pareceram se esvaziar como uma bexiga.
Após respirar fundo, os músculos se encheram de novo, mas agora precisaria enfrentar outra pessoa extremamente problemática.
Ela levou sua mão na direção da geleca estranha, querendo agarrá-la pelo pescoço, mas sua mão se grudou numa camada de chiclete ao invés de chegar perto.
— Isso é bastante perigoso, moça… — respondeu o chicletinho, sua massa gelatinosa então se enrolou no braço dela e a puxou para o lado, afastando-a do homem caído. — Posso lhe dizer que sou praticamente seu pior inimigo.
— Quieto!
A bombada, por pura força bruta, conseguiu retirar sua mão e levar consigo um pedaço do slime, que teve a parte de si grudada em sua pele transformada numa massa cinza que se desmanchou em pouco tempo.
“Então a habilidade dele só funciona se estiver completamente conectado. Partes separadas se desfazem em pouco tempo… Se eu tivesse alguma forma de queimá-lo ou coisa do tipo, seria mais fácil.”
Uma parte sua estava odiando tê-lo como oponente, pois qualquer golpe seu iria ser inútil contra aquela coisa rosa.
No entanto, ele também não tinha nenhuma forma ofensiva de vencer. Se podia facilmente se livrar do aperto e ainda por cima arrancar uma parte dele, significava que sua capacidade de levantar peso era reduzida de algum jeito.
“Isso facilita minha vida, eu puxei ferro a vida toda e não duvido nem um pouco da minha força!”
Como enfrentar de frente parecia uma péssima ideia, ela escolheu por acertá-lo indiretamente, talvez usar uma árvore inteira serviria para empurrá-lo para fora da ilha.
A mulher pegou um enorme tronco e usou a copa contra o homem Babaloo, pequenos fragmentos de chiclete se grudaram às folhas, lentamente tirando a forma daquela coisa.
Chegou a um ponto que a amoeba se tornou um punhado de gelatina balançante no chão, daquelas que se alguém pisasse ia sujar o sapato inteiro.
A bombada até cogitou fazer isso, mas preferia manter suas botas limpinhas em qualquer ocasião, e por isso achou justo esmagar a coisinha com o tronco.
Depois de vê-la se grudando a madeira, bastou jogar para longe que a luta estaria facilmente vencida, como se sequer exigisse algum esforço.
Ou foi isso que pensou, pois assim que deu as costas, uma coisa esquisita tocou seu ombro. Ela olhou para o lado, e para sua desgraça havia um pedaço de bala mastigado.
— Que negócio é esse?! Sai, sai de mim!
Ela bateu incessantemente naquilo, mas de nenhum jeito saia, como se tivesse grudado na pele. Mesmo que tentasse tirar, aquilo mais espalhava, pois suas palmas ficaram sujas com o chiclete.
— Receio ter havido um engano sobre minha habilidade, madame — disse um amontoado rosa no chão à sua frente. — Aquilo não era meu corpo principal, longe disso.
Do meio da floresta, uma massa amorfa rosada se arrastou para fora, esbanjando o reflexo do sol sobre sua massa chicletosa e um olho humano andando de lá pra cá pelo seu corpo.
— Puta merda… — xingou a bombada, olhando para aquela coisa e tremendo da cabeça aos pés.
— Agora, se me permite…
O homem Babaloo ergueu um pedaço de si mesmo e lançou na direção da moça, que saltou para trás em busca de desviar. Ele podia ser grande, mas era lento.
Com as cartas certas, com certeza ela poderia vencer, precisava somente de atenção e habilidade o bastante.
No entanto, isso não significava conhecer a expansão completa do poderio de seu oponente. Logo no seu calcanhar outra daquela massa grudenta a pegou, enganchando sua perna no chão.
O tanto de força que teve que aplicar para desgrudar seu pé fez com que o chão se despedaçasse e um bloco de terra servisse como sapato para seu pé.
“Eu tô parecendo uma palhaça agora!”
De fato, estava, pois lembrava os comediantes com sapatos comicamente grandes que davam cada show bizarro em palco.
Infelizmente, o conjunto de chiclete mastigado não ligava nem um pouco para isso, ao ponto de chamar seus outros pedaços para alvejá-la.
Cada partícula de seu corpo era lento como uma lesma, mas o efeito se provou extremamente fatal, pois agora suas mãos se grudariam em qualquer coisa que encostasse.
O slime gigante deslizava na velocidade de uma aula chata de português, aumentando a ansiedade da garota, que queria sair correndo o mais rápido possível com seu calçado de raízes e mato.
Uma pena que ela não conseguia, seria muito humilhante para si mesmo e até mesmo aos outros vê-la naquela situação e correr assim.
Mordeu os lábios, seus olhos correram rapidamente ao redor, procurando qualquer solução para o problema.
“Por que eu não peguei nenhum equipamento adicional? Burra, burra! Era pra você ter economizado ao invés de gastar com suplemento!”
Realmente, foi um esforço inútil continuar, pois pouco ao pouco as gosminhas acabaram se agrupando por cima dela, ao ponto de ficar completamente imóvel.
O grande amontoado de amoeba apenas a pegou e empurrou para o oceano abaixo, sem nenhum esforço e muito menos se preocupando com o que aconteceria com os pedaços de seu corpo despencando.
Ele então rumou na direção do homem caído e grudou uma parte sua na manga dele, apenas para dar as costas e seguir sozinho para outro lugar.
— Considere o favor retribuído…