Farme! Brasileira

Autor(a): Zunnichi


Volume 2

Capítulo 81: Calor

Uma sala inteira estava com um calor em temperaturas absurdas. Se uma garrafa cheia d’água caísse no chão, ela imediatamente viraria vapor antes de se abrir a tampa.

Isso porque uma raider especialista em fogo se concentrava firmemente em aumentar as labaredas ao seu redor, por consequência transformando o lugar num inferno.

Ela era Bianca, ex-CEO da Scarlet Witch Bazar, atualmente uma raider freelancer que se concentrava em portais de Rank C. Sua carreira foi bastante pavimentada pelo seu processo de evolução.

Nos últimos meses, após ter se encontrado com aquele estranho garoto no portal de Rank F, suas concepções mudaram drasticamente.

Bianca no início se sentiu um absoluto lixo, humilhada por um garoto anos mais novo que ela e com um talento latente, enquanto aquela mulher permanecia estagnada nos portais mais fraquinhos.

Isso nunca aconteceu antes, ela até imaginou que não havia como se tornar forte o suficiente com puro esforço, mas numa questão de meses e com um investimento altíssimo ela foi além das expectativas.

Vender a sua empresa foi uma ótima ideia, com aquele dinheiro arrecadado ela virou acionista e se concentrou em adquirir dinheiro somente para si mesma, ao invés de controlar um grupo inteiro de raiders e financiar diversas despesas.

Os únicos que continuaram ao seu lado foram Arthur, seu amigo de infância, e Angeline, a fiel secretária a qual contratou anos atrás.

Vivendo numa casa simples, a maior parte de seu dinheiro recaiu no porão, onde havia aquela sala fechada e ultra resistente à pressão, calor e impacto, além de muitas outras coisas.

Bianca respirou fundo, o calor perdeu parte de sua temperatura, até que por força de vontade puxou todas as labaredas espalhadas e uniu numa única esfera brilhante.

A esfera diminuiu de tamanho até ficar no tamanho de uma agulha, ganhando a coloração branca e irradiando calor ao ponto das pontas do cabelo de Bianca pegarem fogo.

Ela apagou a esfera, temendo que queimasse o cabelo e o tornasse preto, ou pior, acabar se tornando careca.

“Ao menos esse resultado é muito satisfatório. Se eu conseguisse reproduzí-lo com mais frequência e mais rápido, teria como criar um espaço com calor extremo e queimar monstros na hora…”

Seu treino não consistia só na melhoria do próprio poder, mas também na criação e aperfeiçoamento de novas técnicas que pudessem favorecê-la no campo de batalha.

Mesmo sendo um tópico obscuro, Raiders criavam sim técnicas e métodos para as próprias habilidades, alguns até davam nomes, mas ninguém falava em voz alta. Era muita vergonha alheia.

O uso específico da manipulação de fogo em condensar as chamas agora pouco era uma das coisas que pretendia aperfeiçoar.

A porta na lateral da sala se abriu, mas a pessoa em questão usava uma roupa branca grossa para se proteger do possível calor que o atacaria.

Por sorte, não estava tão ruim quanto das outras vezes, era mais tolerável do que antes.

— Cheguei na hora certa, pelo visto — disse Arthur, com a voz abafada pelo capacete de visor laranja. — O que você prefere saber primeiro? As raids agendadas, o mercado de ações hoje, o contato com as equipes promissoras da qual você se interessou…?

— Me diga se achou alguma informação sobre os participantes daquele torneio aberto de antes.

— Ora, pensei que não tinha interesse nisso… mas tudo bem, eu pesquisei por pura curiosidade.

Ele tirou um pequeno tablet preto com resistência ao calor — além do mais, se prevenir contra uma manipuladora de fogo nunca era demais. — e deslizou o dedo enluvado pela tela.

Arthur mostrou a tela do tablet, havia diversos rostos, alguns mais desconhecidos e outros mais famosos.

O suposto torneio, chamado de “Jogos dos Rankers”, era uma competição aberta para qualquer raider ou civil participar independente de seu rank e habilidade.

Por conta disso, muitos sujeitos proeminentes apareciam por lá, ainda mais na primeira fase, que era um Battle Royale num campo aberto comprado pelas empresas que patrocinavam o evento.

Era bastante óbvio que essa competição viraria uma guerra, mas não entre os raiders, e sim entre as empresas que desejavam tê-los na sua associação.

Nos anos que administrou a Scarlet Witch Bazar, Bianca muitas vezes assistiu ao evento e até recrutou um número grande de pessoas que achou interessante.

Os rostos passaram, mas vê-los só provocou uma crise de risos por parte da mulher, que não sabia se decidir entre rir mais e sentir dor no abdômen ou ficar de boca fechada.

— Miojoman?! Que merda de nome é esse?! Ha… hah ha! Essa competição tá uma bagunça, meu Deus! O outro… “Homem CLT”?! Quem foi o gênio por trás desses nomes?!

A leva de risadas a fez deitar de bruços, principalmente porque não dava para mexer direito enquanto aquela dor maldita continuasse.

Demorou um tempo para a risada parar, exatamente no momento que os indivíduos mais promissores apareceram.

— Talvez você ache essa garota interessante — alertou Arthur, abrindo o arquivo da garota. — Yasmin Thornes, ela é capaz de usar uma habilidade que chamou de “Sugestão”, em que afeta os pensamentos e correntes de raciocínio dos outros a partir do toque. Dizem funcionar até em monstros…

— Interessante, mas ela vai ser desclassificada rápido se não conseguir algum peão do seu lado, né? Com certeza as empresas vão ficar de olho nela, ou ao menos quem tiver seu arquivo em mãos vai querer essa garota nas suas fileiras. Pelo amor, ela pode até fazer os outros se desclassificarem só de usar isso.

— Correto. Não se tem um conhecimento exato dos limites da habilidade, também. — O homem fechou o documento na tela e então encarou Bianca deitada. — Se ainda estivesse com sua companhia, com certeza você teria gasto uma fortuna nessa menina.

— Talvez, mas já não tenho mais, então pra que me importar? — Ela apoiou as mãos no chão e se levantou, tomando o tablet das mãos de Arthur. — Quem mais temos aqui? Hum, um monte de gente que nunca ouvi falar…

Como de se esperar, muitas das inscrições eram também feitas por pessoas que nunca apareceram no público, a maioria gananciosa por causa do prêmio em dinheiro.

Os mais riquinhos participavam para ter popularidade, outros usavam como forma de se autopromover, e alguns em situações pior gostavam de ir para arranjar um emprego.

No entanto, em meio as pessoas, sempre haviam os mais “excepcionais”. Certos arquivos do torneio não eram possíveis de acessar, justamente porque os patrocinadores não queriam.

Supostamente, os gênios e aqueles que possuíam maior probabilidade de vencer estavam entre os de arquivos indisponíveis, mas havia exceções das quais eles não estavam cientes.

— Oh, esse garoto é interessante — comentou Arthur, reparando num garoto de cabelo branco em meio às fotos dos participantes. — Zhang Zhao, a estrela entre os integrantes da Seita do Sol Nascente. A habilidade dele é completamente desconhecida, mas supostamente tem alguma conexão com a filosofia de meditação e cultivação da seita.

— Por que ele se inscreveu? Aquela seita não costuma permanecer quieta e sem sair da zona de conforto? Bom, mesmo sendo muito famosos por apresentarem alguns dos melhores médicos do país, ainda é estranho levarem o prodígio de todos os outros…

— Ninguém sabe o motivo, por isso muitos estão observando os movimentos da seita para saber o que pretendem fazer de verdade.

— Muito suspeito… — Seu dedo arrastou pelas imagens dos candidatos, até parar em um em específico. — Ah, eu deveria saber que o garoto também estaria lá.

— Hum? Ah, é ele quem você estava reclamando tanto, não é?

— Sim… é o moleque monstro que matou os monstros de classe C sem dificuldade.

— Qual nível você acha que ele está agora?

— Hum… deve fazer cerca de dois meses desde o evento na praça, não acho que evoluiu muito. Se por um acaso houve uma mudança, não podemos chamar ele de outra coisa a não ser “aberração”. — Ela largou um longo suspiro e arrumou as mechas suadas que tapavam a vista. — Quer saber de uma coisa? Me inscreva também.

Ela empurrou o tablet de volta no peito de Arthur e fechou o rosto. Era um sinal de raiva, bastante conhecido por seu melhor amigo.

Ele não entendeu direito o porquê de tanta insistência no garoto, pelo menos possuía a certeza de que não era nada amoroso ou sexual.

Se fosse, Arthur a encararia com pleno desprezo pelo resto da vida, porém, por conhecê-la bastante, acreditava realmente que não tinha nada disso.

— Certo, vou achar e te enviar depois em documento… aliás, posso te perguntar uma coisa?

— Se não for uma pergunta idiota, absurda ou burra, sim.

— Por que você parece prestar tanta atenção nesse Lucas? É ainda o trauma?

Bianca não respondeu, mordendo a ponta da língua suavemente para não xingá-lo assim que abriu a boca, porque a pergunta foi muito idiota.

— É… — admitiu com a voz meio embargada. — Eu sinto que fui feita de boba por causa dele, como se ele tivesse alugado um prédio na minha cabeça. Às vezes acordo com uma raiva tão explosiva que só venho aqui e passo horas praticando… porra, ele me faz lembrar que eu perdi muito tempo da minha juventude falando sobre sonhos e não trabalhei nada para alcançá-los… Aí, quando descubro o quão forte aquele pivete ficou de uma hora para a outra, me dá uma coisa ruim, como a garganta fechando e minha cabeça projetando um monte de cenários hipotéticos do que aconteceria se eu fosse melhor, entende?

Arthur acenou com a cabeça. Ele queria muito dar um abraço nela, mas talvez seu traje contra calor não suportaria e ele seria churrascado vivo.

Ao invés disso, pegou nas mãos da mulher ruiva, apertando-a e acariciando o lado oposto da palma. Esse gesto dava nostalgia, pois muitas vezes aquele tipo de comentário passou por seus ouvidos.

Ser insuficiente, não adquirir o que todos esperavam, estar abaixo ou atrás dos demais, tais pensamentos pessimistas eram muito comuns de serem ouvidos por parte de Arthur. Ele sempre escutou isso dela, desde que eram pequenos.

— Bianca, o que passou, passou. Você não tem como voltar no tempo e mudar alguma coisa, e francamente falando, eu preferiria que você não mudasse nada. Você conseguiu abrir uma empresa, obteve diversos itens raros, administrou um intenso comércio no Brasil, de todos os lugares, e agora está trabalhando para se tornar uma raider melhor porque sentiu que era errado continuar naquele ramo.

Bianca suspirou, abaixando um pouco o rosto ao escutar aquilo. Ela queria muito chorar, mas suas lágrimas sumiriam antes de escorrer pelo rosto, então não adiantava.

— Não que se julgando ou pensando muito nisso, nada mudará se você zer — continuou Arthur, suspirando por achar que talvez machucasse pela forma como falava. — Existem coisas que simplesmente estão fora do nosso controle, não podemos mudar a forma como nascemos ou tentar ir contra a nossa natureza e virar algo que não somos. Não se culpe demais por achar que poderia ser melhor, apenas… apenas peço para que você continue seguindo o caminho que deseja e quem sabe um dia alcançar felicidade, já que todos nós fazemos o que fazemos pra chegar lá, não é?

Outro instante de silêncio. Bianca respirou fundo, seu punho atingiu Arthur no meio do estômago, forçando-o a recuar alguns passos para trás.

— Que merda você tá falando? Eu tenho cara de mocinha de porcelana pra dizer essas coisas pra mim? — Ela franziu o cenho e os dentes cerrados apareceram num sorriso extremamente estranho em seu rosto. — De todas as coisas, você deveria economizar essas palavras para convencer mais empreendedores a liberarem raids em portais pra mim, seria um uso centenas de vezes melhor.

Depois de colocar as mãos na nuca, a mulher andou na direção da saída, mais que satisfeita em seu treinamento.

Arthur caracteristicamente suspirou, ele era desses que ficaria chateado por ter recebido uma patada forte de outra pessoa que estava ajudando.

No entanto, Bianca não desconsiderava aquelas palavras. Seu sorriso continuou brilhante e intenso, mais do que qualquer dia anterior.

O pensamento de auto-rebaixamento desapareceu de sua cabeça, junto da ansiedade de estar sendo deixada para trás.

O torneio seria a prova suprema de que ainda estava na ativa e podia ser a maioral. Ela só queria esse apoio, as palavras de ajuda de uma pessoa que amava.

 

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