Volume 2
Capítulo 54: Beijo
Uma das formas de melhorar o estado mental ao ser imposto numa circunstância complicada era meditar.
Sessões de meditação era uma nova prática de Lucas adquirida por recomendação de seu mestre. Ele nunca fez isso e sinceramente não tinha ideia de como fazer.
Amora explicou uma vez que deveria controlar a respiração e afastar os pensamentos negativos, guiando seus desejos e vontades para os lugares certos.
Na cabeça hiperativa do rapaz, que se acostumou a horas excessivas de videogame, manipular a própria cabeça era difícil.
O Fluxo também não facilitava a tarefa, pois ele precisava ativamente pensar ao invés de ser levado pelos instintos do seu corpo.
Até estranhou que a meditação não era semelhante aos filmes.
Ficar na posição de pernas cruzadas, com os dedos juntos em ambas as mãos e as costas eretas era uma pose bastante desagradável para ele.
Doía as costas e permanecer com as pernas naquela posição dava a impressão que seu sangue não fluía direito pelo corpo.
Deitar-se numa árvore era melhor, podia ser comparado a um travesseiro fofinho de penas quando comparado a ficar estático por um longo tempo.
Outra coisa comum eram as frequentes saídas de Amora. Ele precisava ir para arranjar comida do mundo real ou para conversar com a mãe do garoto para confortá-la.
Algumas vezes, de acordo com ele, havia uma visita indesejada por parte de Xing Xong ou Viviane.
Recentemente os se tornaram bastante conversativos e amigáveis com a dona da casa, tendo apreço o bastante para entregarem presentes e lembrancinhas quando passavam.
Xing Xong era o que mais visitava, sempre com um olhar cansado no rosto e desabafando sobre seus mil e um problemas em um tal templo.
A mãe de Lucas se identificou, pois sempre teve que lidar com duas crianças muito hiperativas desde a gestação, chutes e dores eram mais comuns do que deveriam.
Outra visita comum era por parte de Levi e Natália, mas esses dois eram toleráveis, a dona da casa não acharia ruim ver um casal jovem e bonitinho aparecer na porta da casa.
O problema era o guarda-costas bombado, que fez os óculos da dona da casa explodirem e quase a matou de sangramento nasal.
O motivo disso? Ninguém sabia. Drak não fez nada e não tinha nenhum problema na comida ou na saúde dela, só aconteceu esporadicamente quando os quatro se encontraram uma vez.
“De qualquer jeito, está tudo bem lá, foque apenas no seu treino, ainda temos 20 dias até o fim”, relembrou-se do comentário de horas atrás.
As coisas estavam bastante divertidas do lado de fora, mas Lucas não podia sair de sua rotina de treino.
Era uma punição por ter feito tal pedido ao seu mestre, que ficou gravado na sua memória como um gato impiedoso e cheio de desejo sádico.
Ao menos, não faria mal um acampamento de inverno se ocorresse uma vez. Como vivia no Brasil, um acampamento de inverno era impossível de participar.
A possibilidade de um acampamento de verão seria descartada no instante em que se lembrasse do calor gigante comum no país infernal que vivia.
"Seria melhor se eu pudesse farmar e ficar mais forte muito mais rápido... mas não há monstros nessa região, só os elfos, e eu não me sinto bem matando eles. Hah, ainda assim, aqueles caras são monstros, não são? Então por que... por que eu sinto que é errado ainda assim?"
Lucas de fato matou muitos monstros. Os goblins deveriam estar na casa de centenas de milhares, se duvidasse podia ter exterminado a espécie de uma floresta inteira a esse ponto.
Por outro lado, aqueles elfos eram diferentes, algo incomodava sua cabeça quando os via.
Eles eram mais emotivos que os outros monstros, demonstravam um tipo de reação uns aos outros e pelo visto possuíam algum tipo de intenção.
Não era artificial como os homenzinhos verdes, que meramente lambuzavam os beiços se viessem um petisco interessante demais.
Anteriormente, Lucas quis testar os goblins para ver como reagiriam a um item poderoso, usando sua katana velha como exemplo.
Independente se muitos dos seus semelhantes tivessem morressem para alcançar a arma, os malditos ainda se empilhariam um sobre os outros só para pegar uma lasquinha dela.
Lucas perdeu o foco da meditação de novo.
— Porra, como que algo assim é tão difícil?! Na moral, se não fosse o Amora me treinando, eu já teria ido pra porrada contra os elfos de novo para desestressar!
Ele teve que cruzar os braços, franzir o cenho e exprimir a careta mais feia da sua vida só para ter um momento de paz na sua cabeça turbulenta.
Havia uma certa dúvida se deveria odiar o exercício, pois não via uma utilidade prática para acalmar seus nervos.
Lucas era muito ansioso, claro, naquele exato momento queria bater em alguma coisa ou puxar ferro, mas não podia.
De acordo com um cronômetro colocado no seu relógio digital, precisava de ainda mais uma hora de meditação até que pudesse fazer outra coisa.
Esse metódo de tortura antiquado era o pior para sua mente teimosa, porém o motivo real consistia em criar resistência mental e acalmar Lucas nas situações de desespero.
Quando se punha uma pessoa numa região ou problema perigoso, seria plausível que ela entrasse em desespero e agisse como seus instintos mandassem.
O grande contra disso era que se a circunstância fosse complexa, agir instintivamente pioraria.
Se uma pessoa aponta uma arma na testa de um inocente e alguém fosse ajudar, o tiro atingiria a cabeça da pessoa antes de dar tempo de haver alguma contramedida.
O propósito de seu treino se assemelhava a isso, ter um método na manga para estar no controle e não depender do Fluxo para realizar atos imprudentes.
Como Lucas não sabia, ele só ficou muito inquieto durante o momento todo. Sua meditação durou mais meia-hora, até que ele escutou uma coisa se mexendo.
Ao ficar parado por uma grande quantia de tempo, concentrando-se em se acalmar, os sentidos se afiavam suavemente.
No caso, a audição captou o som das folhas se mexendo de forma estranha. Com um salto, rodopiou o corpo em direção a árvore, além de recuar a uma distância suficiente.
Seus nervos pareciam ter ganhado um tipo de impulso com a rajada de adrenalina repentina, nada quebraria sua atenção agora, exceto pela figura em cima da árvore.
Era um elfo de gelo, a pele branca e as orelhas pontudas entregavam, mas a aparência se encaixava numa coisa completamente diferente.
Uma mulher, com longo cabelo prateado e mechas azuladas, estava sentada numa das folhas cobertas por neve do pinheiro.
“Há quanto tempo ela tá ali?” Enquanto isso, sua mão tirou a katana da bainha, mas sua arma não estava lá, e sim guardada na cabana de Hurrto. “Eu esqueci, merda! Seria só para intimidar… eu não quero ter que bater numa mulher bonita, a mãe me mataria!”
“Luquinhas, se um dia você bater numa mulher linda, eu pessoalmente te mato!”, esse tipo de comentário era comum para uma defensora dos direitos das senhoritas esbeltas.
Lucas levantou a guarda, de repente a moça em cima da árvore desapareceu como partículas de gelo ao ar.
Espantado, ele começou a olhar em todas as direções, não a encontrando em canto nenhum, até ela se materializar em bloquinhos de gelo a sua frente.
O rapaz queria reagir, mas o susto e o frio sobre seu corpo tornou qualquer movimento impossível. A mulher agarrou seu rosto, puxou e o beijou.
Lucas perdeu seu BV.
Foi com uma garota que nem mesmo conhecia, do mais absoluto nada, que nem tinha algum sentimento ou coisa do tipo. Seu sonho de beijar uma pessoa que amava caiu pelo ralo.
As coisas ficaram ainda piores quando uma coisa gosmenta encostou na sua língua. O nojo foi tanto que ele a empurrou para longe e encostou a boca de lado.
— Que nojento, meu Deus! Sua maluca, você meteu a língua na minha boca, tá pensando que é quem?! Meu… ai, caralho, que vontade de vomitar. — Ele se dobrou e colocou as mãos na boca, um restinho de saliva que não era sua permaneceu sobre a língua.
Ele passou as mãos múltiplas vezes na boca para tentar tirar o gosto, mas continuou enojado e com uma ânsia de vômito por aquela coisa repentina.
A elfa parecia do mesmo jeito, tentando a todo custo tirar o sabor da boca.
Lucas até se perguntou o porquê ela estava fazendo isso se o beijou para começo de conversa.
Era pra ela pelo menos gostar… ou seu bafo estava tão ruim que causou um efeito desse calibre?
— Nunca farei isso de novo! — disse a elfa, chutando a neve em desgosto. — Por que o ancião teve uma ideia tão brilhante assim?! Eca, usar de uma dama pura como eu…!
— Desde quando eu entendo você falando?! — A voz de Lucas não podia estar mais alta, ele entendia plenamente o que aquela elfa dizia.
Os dois se encararam, a mulher endireitou a postura e a emoção em seus olhos mudou. Era gélido, não, pior que isso, possuía um desprezo e puro desgosto.
— Você é o humano que tem enfrentado os nossos irmãos elfos, seu legado em pisar no orgulho da nossa raça tem marcado muitos da nossa tribo…
O rapaz não gostava nem do tom e muito menos da forma como era olhado.
Se pudesse, gostaria de dar meia-volta e retornar a cabana, mas sentia que estaria perdendo uma conversa interessante.
Além disso, acreditava que o beijo — ou assédio — tinha como propósito fazê-lo aprender instantaneamente a língua dos elfos. Funcionou, mas de uma maneira odiosa.
— Nós viemos pedir… pedir… — Ela travou em falar, mordendo os lábios.
— Pedir? Desembucha, eu ainda tenho umas coisas para terminar e não posso perder tempo com ladainha.
— Pedir… apoio. — A expressão dela piorava a cada palavra, seus dedos até tremiam. — Queremos apoio para lidar com um elfo que enlouqueceu e se tornou um espécime sombrio e corrupto.
— Só isso? Poderia ter só dito mais cedo… Espera, por que vocês só não atraíram o elfo corrompido na minha direção e esperaram eu enfrentá-lo? Até eu, que fui a vítima aqui, acho isso mais razoável do que um beijo forçado e horroroso!
A elfa entrou em completo silêncio. Aquela ideia bateu em sua cabeça como um caminhão, e agora ela sentia plena vontade de morrer por não ter pensado nisso antes.
Na verdade, agora tinha a impressão que recebeu uma humilhação que carregaria durante sua vida inteira, um tipo de retribuição divina por seus pecados na vida anterior.
— Não importa mais, já aconteceu. Venha comigo imediatamente, humano!
— Por que eu deveria?
Essa resposta quebrou o plano de ação. Por ter entregado o seu beijo, era pelo menos plausível que um homem se encantasse por ela.
Bonita, charmosa e exalando uma feminidade sem fim, faria qualquer marmanjo babar se estivesse por perto da moça.
Mas isso não aconteceu a Lucas. Sua tática de controle mental se provou inefetiva, na verdade, o garoto parecia completamente averso a segui-la.
— Ora, eu acabei de dizer que precisamos de apoio para lidar com um elfo enlouquecido!
— Sim, eu sei que você disse isso, mas não tenho motivo pra te ajudar. Lembro que quem atacou primeiro foram vocês, eu só tava de passagem e BAM, quase me atingiram na testa com uma flecha.
— Urgh… Certo, ofereceremos uma recompensa, se é isso que quer.
As orelhas de Lucas se levantaram com a palavra “recompensa”, igual as orelhas pontiagudas de um elfo, e ele sem medo nenhum pegou na mão da mulher e abriu um sorriso.
— Ajudo com todo prazer, por que não vamos lá agora para resolver esse problema?
“Maldito materialista!”, a mulher pensou, enquanto veias pulsavam pelo seu rosto.
Não fazia mais diferença, a cansada e sobrecarregada elfa o levou para uma trilha no meio dos pinheiros, distanciando-se da parte mais aberta próxima ao lago.
Lucas ficou atento a todo momento. Em sua cabeça passava a possibilidade de ser uma armadilha, por isso não podia ainda baixar a guarda.
No entanto, minutos após seguirem o caminho, o rapaz ficou de queixo caído perante a uma grande vila construída de cristais transparentes, flocos de neve e pinheiros — a vila dos elfos de gelo.