Volume 2
Capítulo 53: Reforçando
Lucas se sentia completamente diferente quando era colocado de frente para uma dificuldade de outro mundo.
Aqueles pesos absurdamente densos nos pulsos, nos pés e o colete cheio de peças metálicas sobre o corpo trazia um nível tremendo de dor.
Nos primeiros dias, sem nenhum equipamento, era o equivalente a impossível de levantá-los por vontade própria, mas o pior era realizar os exercícios sem usar mais que 30% da força de seu corpo e o fluxo.
Seus punhos voavam pelo ar, gerando estalos e ondas de vento pelo ambiente. As árvores ao seu redor estavam derrubadas, tudo a base de socos pesados.
Os calos nas mãos eram provas de uma vontade de ferro e um corpo resistente como pedra, mas até Amora, que observava seu pupilo treinar de longe, estava assustado com essa velocidade de evolução.
Só havia passado uma semana desde que inseriram o uso dos pesos, antes disso se resumia a exercícios físicos intensos, mas que não se mostraram efetivos pela facilidade de Lucas em realizá-los.
O mestre pensou que os pesos seriam uma alternativa melhor, mas só se passou uma semana e aquele garoto parecia prestes a despedaçar as peças que Hurrto o entregou.
“Isso… minha nossa, ele tá praticamente fora de controle. Não tenho como fazer nada além de observar por enquanto, mas é um bom sinal, porque assim podemos averiguar seu grau de poder.”
Com um suspiro, sentou-se no galho do pinheiro e se impôs a olhá-lo em silêncio. Algumas bestas eram impossíveis de controlar, e por acaso Lucas se enquadrava nisso.
Um de seus socos derrubou outra árvore, as mãos estavam vermelhas de tanto atingir o tronco.
Já era monstruoso meramente se mexer com tanta carga sobre o corpo, se alguém o visse até o chamaria de ogro. Ao mesmo tempo, esse fator virou um bom sinal.
Para liberar mais força do corpo, era necessário um desenvolvimento muscular gigante, ou seja, reconstruir os músculos e ossos até que eles não se quebrassem com um movimento mais poderoso.
No instante em que eles alcançassem algum tipo de limite, Lucas estaria apto para liberar mais de seu poder interno.
Por agora, o que podiam fazer era meramente intensificar o treino para garantir um grau alto de resiliência.
O atributo Força aumentou.
O atributo Agilidade aumentou.
Por outro lado, Lucas se deliciava com essas telas passando constantemente. Foi uma ótima escolha treinar para acumular frascos de suprimento melhores.
Frasco de Suplemento
Regenera parte da energia de quem consome e inibe a dor muscular. Todos os atributos ganham 60% a mais de experiência pelas próximas 24 horas.
60%, fruto de uma rotina constante de repetir aquela sessão de treino padronizada e guardar o frasco.
Pior que isso era como o efeito tinha se prolongado grandemente, durando 48 horas ao invés de 24, transformando uma dose em dois dias completos.
Lucas parou repentinamente. Seus punhos bateram pesadamente contra o chão e ele se sentou de pernas cruzadas.
— Terminei, Amora — disse, deitando-se na neve para olhar o céu. — Cacete, essa rotina é mesmo uma desgraça.
— Eu lhe avisei, você não escutou. — O gato saltou do galho em direção ao chão e bateu sua patinha na testa do garoto. — Saia daí antes de pegar um resfriado, ainda temos o que fazer, não esqueça.
— É, eu sei… Hah.
Resmungando, Lucas saiu do chão e largou seus braços balançando de um lado para o outro enquanto acompanhava seu mestre em direção às profundezas da floresta.
Uma coisa que aconteceu recentemente era a descoberta de outros monstros no interior da masmorra.
Encontraram um tipo de ser humanóide de orelhas pontudas, pele branca e olhos sem pupilas.
Eles habitavam uma área muito para dentro, então raramente se preocupavam em chegar perto, mas recentemente, tornaram-se ótimos parceiros de treino.
Que Lucas soubesse, a área da masmorra era delimitada por uma parede invisível. Havia mais terreno além da barreira, mas por algum motivo ele não conseguia passar.
Nisso, ocasionalmente entrava na região um ser por meio dessa barreira. Ao menos folhas, neve ou coisas naturais passavam pela parede, no entanto descobriram que esses seres também.
Pela semelhança com uma determinada raça de fantasia, Lucas os apelidou de Elfos de Gelo. Falavam numa língua alienígena, mas eram claramente seres pensantes e inteligentes.
Uma vez, ele até tentou entrar em contato, só para quase levar uma flechada no meio da cabeça e ter que partir para violência.
Ele até lembrava bem da cena quando os encontrou pela primeira vez, foi durante uma de suas maratonas ao redor do lago em que desviou o caminho para mais longe.
Na época, pensou não ser perigoso, até que numa das rotas dentro da floresta ele se deparou com um dos elfos de gelo no mais absoluto nada.
Eles lutaram, e claro, Lucas ganhou, esse era o motivo de estar vivo, mas ainda assim eram ótimos para uma sessão de luta contra inimigos reais.
Amora se assustou quando falou sobre os elfos da primeira vez, mas acabou acatando a ideia de usar como parceiros de treino enquanto estivessem por perto.
Os dois pararam quando no meio do caminho se depararam com uma das criaturas. Lucas não retirou os pesos, fazia parte do procedimento batalhar ainda com eles.
Por outro lado, o mestre tomou a forma de gato monstro bípede, só para garantir que não houvesse nenhuma fatalidade.
Enquanto seu pupilo partia para cima, Amora cruzou os braços e se encostou numa árvore, analisando a movimentação de todos.
Como esperado, uma flecha veio em sua direção, mas bastou um peteleco para arremessá-la de volta com uma força muito mais avassaladora.
A parte de cima de um pinheiro voou quando foi atingida pelo projétil, então nenhuma outra flecha foi disparada para ele.
Enquanto isso, Lucas assumiu a frente com socos pesados que socaram somente o ar, a dificuldade de alcançar o elfo de gelo ligeiro era igual a da primeira vez que tentaram esse tipo de prática.
No entanto, não havia motivo para desistir e nem parar. O movimento de seu corpo se tornou mais curto e eficiente, como forma de economizar energia e trabalhar com sua baixa velocidade.
Se era mais lento que o oponente, não teria como desviar completamente de certos golpes sem o molejo correto, tal como balanços de cabeça, tronco e perna.
Seu corpo precisava agir com o mínimo, precisava focar somente no essencial para não sofrer de ferimentos.
Mesmo que seu moletom ganhasse diversos cortes, não importava, um ferimento a menos era o equivalente a mais energia para vencer.
Os olhos de Lucas mudaram. Amora sabia que quando ele entrava num estado de concentração aquilo acontecia, mas não era o Fluxo agindo.
O Fluxo exigia atividades mais simples, como correr ou saltar, mas quando necessitava de reação rápida e um instinto forte de luta, só essa técnica psicológica não funcionava.
Outra restrição imposta pelo treino era não usá-lo, especialmente para que Lucas acostumasse seus sentidos a sempre serem afiados ao invés de depender da automação do corpo.
“Está funcionando bem, ele não tem usado o fluxo nenhuma vez e ainda consegue manter um ritmo veloz. A pressão de um inimigo mais veloz é inevitável, mas manter a luta equilibrada contra alguém mais rápido não é algo a se subestimar.”
A espada do oponente deslizou na tranversal, Lucas inclinou o corpo para o lado e bateu na lateral exposta do elfo, tirando seu fôlego por um momento.
Aquele momento até assustou Amora, que por um momento achou que seu pupilo tinha sido atingido e precisaria intervir, mas não era o caso.
Conforme a luta se desenrolava, os nervos do gato ficaram progressivamente mais arrepiados.
Uma criança não evoluia nessa frequência, um ser humano comum teria parado de descansar há muito tempo dessa rotina de 10 horas contínuas de treino.
Originalmente, o plano de Amora era impor uma rotina extrema demais para seu pupilo e assim fazê-lo perceber como não pode apressar demais as coisas.
Essa ideia foi por água abaixo quando os três primeiros dias passaram, agora Lucas seguia a rotina em plena normalidade.
Seus punhos se aceleravam a cada dia, os dedos calejados não mostravam sinais de ferida e seus músculos se regeneravam a um ritmo nada correto.
Pior ainda era sua sequência de socos, desvios e chutes, que se assemelhavam mais a de um lutador profissional que um jovem-adulto recém-inserido no mundo das artes marciais.
Era como se Lucas já praticasse tudo isso a anos, sem que ninguém soubesse.
“Pelo seu histórico de rebelde, eu esperava alguma experiência em combate… mas isso não é natural, a habilidade dele é a de um gênio sem precedentes.”
Lucas não era, nem nunca foi, um gênio. Seus joelhos dobraram, a espada passou por cima de sua cabeça cortando fiapos no cabelo desarrumado.
Ele levantou com um novo soco girando o quadril e colocando toda sua força na mão esquerda, batendo no flanco de seu inimigo, onde ficava o fígado.
Uma pena que entender anatomia humana não servia de nada se os elfos sequer possuíam uma estrutura semelhante, então aquele golpe foi menos devastador do que deveria, mas o bastante para causar bastante dano.
A vantagem estava gradativamente virando para o lado de Lucas, os danos desgataram bastante a resistência de seu inimigo.
Quando combinada com sua energia ainda abundante, podia-se acreditar que ele ganharia, mas eram dois contra um, forçando-o a agir mais devagar.
Um disparo passou raspando pela sua bochecha, as palmas do garoto acertaram o elfo da espada para empurrá-lo, dando espaço para esquivar de outro disparo.
O arqueiro estava muito alto, e como deveria lutar sem suas magias, outra limitação imposta por Amora, teria que usar outro método para derrubá-lo.
No meio do chão, onde a neve foi empurrada por causa dos movimentos de pés por parte do elfo de espada e dele, havia uma pedrinha.
Lucas chutou aquela pedra para cima, que voou como uma bala na direção do arqueiro e explodiu o galho em que se apoiava, obrigando-o a sair das alturas.
Aquele era o momento que Lucas desejava, ao invés de focar no da espada, ele correu na direção do elfo arqueiro e aplicou um mata-leão.
A expressão de seu inimigo se tornou desespero, ele se debateu de um lado para o outro como forma de soltar, mas o aperto era forte demais.
Enquanto isso, o segundo oponente ficou estático, sua espada nã era capaz de livrar daquela situação sem machucar o aliado no processo.
Esse tipo de reação foram uma das coisas que criou motivos para Lucas não matá-los nenhuma vez.
Na primeira, não os matou por medo de morrer ao ser cercado por outros da mesma espécie, mas quanto mais lutavam, mais encontrava traços de “humanidade” neles.
Não entendia a língua que falavam, nem seus costumes, aparências ou que fossem, ele só entendia que quebrasse o pescoço de um, seria o equivalente a matar um humano.
“Comparado aos monstros, que lutam e destroem sem pensar, eles são tranquilos.”
Era uma sensação familiar estranha. Depois de apertar por muito tempo, Lucas reparou que o elfo nos seus braços estava quase sufocando e por instinto o largou antes do pior.
Isso serviu para atiçar ainda mais a raiva do seu colega de pele de leite, que largou um grito furioso com a espada levantada para o alto.
Um erro de principiante, já que por levantar a espada, ficava óbvio a trajetória da espada. Após dar um passo para o lado como esquiva, Lucas terminou a luta com um cruzado no rosto.
O cruzado deixou uma marca vermelha na bochecha do elfo de gelo, por sorte não ficaria roxo mais tarde. Ele suspirou, a adrenalina ficou sobre seus ombros.
— Pela forma como age ao redor deles, deve ter reparado que não são monstros normais — comentou Amora, agora retornando a sua forma de gatinho. — Então, pretende ainda repetir isso enquanto eles tem coragem de te enfrentar?
— Sim, por que não? Não acho que estou fazendo mal a ninguém, de qualquer jeito…
— Bater nos outros só por encontrá-los ainda é uma ação muito ruim. Deveria consertar seu pensamento, por garantia. Será que seu cérebro atrofiou de tanto treinar?
— Ei, não atrofiou não, eu tô normal!
Lucas riu da idiotice de seu mestre, e assim os dois juntos retornaram a parte principal do lago, prontos para descansarem e repetirem a rotina no dia seguinte.