Farme! Brasileira

Autor(a): Zunnichi


Volume 2

Capítulo 36: Prática

As coisas ficavam mais fáceis com Amora do seu lado. Lucas não era especialista em artes marciais, anatomia ou educação física, diferente do gato, que aparentava ter muita experiência na área.

Os dois tiveram uma sessão produtiva de treino, gerando até alguns aumentos de atributo, o que somado às poções de suplemento, melhorava ainda mais a quantia de experiência recebida.

Ao final, o rapaz recebeu a velha aula de golpes e movimentos de boxe, coisa que já sabia e que facilmente melhorou com a ajuda de seu treinador roxo.

Na hora de experimentarem as sequências, Lucas acertou cada uma numa velocidade assombrosa. Amora imaginou até mesmo o que ele estava fazendo para tão rapidamente aprender isso.

— Como ainda temos tempo, vou te ensinar mais algumas coisas — disse o gato, tomando sua forma humanoide. — Preste atenção: quando você está frente a frente com um inimigo, não use técnicas ou coisas muito “espetaculares”.

Ele sequer levantou os punhos, olhando mais para o nada que qualquer outra coisa, mas quando Lucas seguiu sua linha de visão, ele avistou um conjunto de pneus empilhados.

— Imagine que aquela coisa fosse um inimigo. Você acha que ele tem honra e dignidade numa briga? Ele com certeza não terá, sua vontade será de ganhar a qualquer custo. Por isso…

Amora chutou o chão, levantando uma névoa de poeira que voou em direção aos pneus, e no interim que levou para a poeira abaixar, um chute atingiu a lateral daquele boneco improvisado.

O golpe foi muito forte, deformando a borracha preta para dentro de forma que ela se recusava a voltar ao lugar. 

— … não se pode ter misericórdia. O primeiro a acertar vencer, e sempre miramos no ponto fraco, não importa onde seja. 

Lucas memorizou essas palavras, e assim os dois partiram para a próxima parte do treino: chutes. A primeira coisa importante era que chutes só funcionavam com espaço.

Se não houvesse espaço, só teria como realizar os frontais, e eles davam bastante janela para que a perna fosse pega. O maior perigo era justamente esse, pois ser segurado podia tirar o equilíbrio e abrir janela para danos fatais. 

— Cada movimento deve ser cauteloso. Um chute é uma arma poderosa, mas também um grande risco! Você precisa usar quando sabe que seu oponente não tem como revidar, assim batendo com toda sua força para causar o máximo de dano possível. 

Numa simples demonstração, Amora se colocou na posição do boxe, então rotacionou seu tronco em conjunto com a perna, levantando-a o mais alto que pôde num movimento de aro limpo no ar.

— Você deve virar e chutar, então voltar a perna antes de perder o equilíbrio.

Amora pôs Lucas para praticar depois de fazer algumas demonstrações, mas foi claro como o dia que ele mal conseguia realizar o movimento direito.

Sua distribuição de peso e equilíbrio estavam ruins, demoraria semanas para construir algo decente, mas ao menos havia uma base nas suas tentativas contínuas em chutar o vento.

Lucas perdeu as contas do número de repetições, o tempo se desacelerava conforme praticava continuamente, ao ponto de sua mente se afundar naquela tarefa interminável.

Seus olhos ficaram vazios, o corpo agiu por conta própria e a mente desligou. Nada além de seus próprios movimentos existia, os sons também sumiram como resultado de sua concentração. 

O Fluxo havia entrado em ação. Ele só parou quando não conseguia levantar as duas pernas mais, caindo de joelhos no chão com o ar sumindo de seus pulmões.

Amora estava perplexo diante da cena. Ficou hipnotizado com a tamanha força de vontade de Lucas, nem sei pai se empenhava tanto no treino. 

Ele pulou de cima da carcaça do carro e suas patinhas tocaram na cabeça do garoto, que só faltava morrer de um ataque do coração aquela altura.

— Pronto, já está bom. Vá para casa comer alguma coisa e descansar, você precisa.

Lucas acatou o pedido igual um robô. Seus pés exaustos subiram a escadaria como se estivesse com pedras nos ombros, enquanto seus braços de macarrão mexeram nos talheres de cozinha prestes a derrubá-los no chão.

No final das contas, Amora se encarregou como cozinheiro, já que a dona de casa não estava em nenhum cômodo da casa. Havia saído para trabalhar, com certeza.

Após jogar o pão com ovo para dentro da boca junto de uma xícara de café, Lucas se despediu e foi ao trabalho, queixando-se o tempo inteiro de dores. 

“Eu peguei pesado demais hoje, tenho que pegar mais leve amanhã pra não quebrar meu corpo em dois”

A rotina terminou normal, exceto por uma parte que passou um tempo brincando com o esfregão igual uma espada. Bem, ele usava mesmo espadas, logo seria o ideal utilizar algo mais seguro para praticar e não se machucar.

Uma sessão de treinos num canto calorento depois e estava tudo terminado. Lucas se sentiu um pouco numa cadeira dentro do estabelecimento, vendo os garçons indo de um lado ao outro com rapidez.

Theo estava entre eles, o rapaz até pensou em puxar conversa, mas achou melhor manter quieto por agora. Esperou o expediente acabar por completo, assim saiu de dentro do restaurante sem peso na consciência.

“Agora vamos vender essas coisas… Eu já tô doido pra voltar a pedir Uber, não aguento mais ônibus!”

Lucas se encaminhou a Scarlet Witch Bazar, chegando lá ele parou na frente do prédio. Estava escuro, o grande letreiro brilhante apagado e o perímetro abandonado. 

Ele subiu as escadarias e a porta automática jamais abriu. 

“Estranho… por que fechou? Eu não fiz nada impactante demais pra isso acontecer. Será que as coisas agem que nem um efeito borboleta?”

Enquanto se perdia em pensamentos, uma pessoa apareceu abrindo a entrada com uma chave. Era a chance de entender o que havia acontecido.

Lucas se aproximou da moça, seu blazer preto e aparência meio genérica o fez lembrar um rosto semelhante: a secretária da recepção da empresa.

— Com licença, eu vim vender e comprar umas coisas aqui. Não era pra tá aberto hoje?

— Oh, peço perdão. Nossa empresa foi vendida há pouco tempo, estamos fazendo algumas mudanças no interior… Acho que só abre daqui poucas semanas.

— Vendido? Tá de brincadeira… — Ele mordiscou o dedo, agora todo o seu plano de ganhar uma baita grana foi pro saco. 

Lucas agradeceu a moça e decidiu voltar para casa mais cedo do que devia. Depois de assistir um pouco de tv, recolheu-se no quarto para saber o que diabos faria. 

Existiam sites de leilão em que podia tentar vender, mas não daria certo desde que não comprovasse a veracidade das ervas. Resumindo: ser um zé ninguém contribuía muito para sua falta de oportunidade de ganhar dinheiro.

Bom, tinha outra opção que não botava tanta fé ainda: vender ao governo. Sua descrença se concentrava especialmente por todas as vezes que tentou fazer qualquer coisa relacionada ao estado.

Filas intermináveis para tirar um benefício, sites de 10 anos atrás que funcionavam movidos a mandioca, falta de informação absurda e mais uma pancada de outros problemas com isso. 

No entanto, naquela dimensão, o governo parecia mais competente, a julgar que a maioria dos sites tinham layouts e funções mais modernas do que imaginava. 

Ele saiu pelo Doogle pesquisando se alguma associação interna desejava comprar itens e objetos, e felizmente tinha. 

Havia uma sede no centro da cidade com um catálogo de compras bem aberto, incluindo as ervas da manhã no meio. 

Lucas anotou o endereço num papel e olhou para o relógio. Se fosse rápido, daria tempo. Pegou sua mochila no canto e foi em direção a porta, porém uma dona de casa ameaçadora o chamou na hora.

— Luquinhas, vai pá onde? — Ela apoiou uma mão no balcão e outra na cintura, como se soubesse que ele ia sair para fazer algo de errado. — O que você tá indo aprontar? 

— Vou numa sede do governo bem rápido deixar umas coisas lá, mãe. 

— Oxi, desde quando você faz concurso pra cargo público? 

— Não é isso, mãe. — Ele soltou um longo suspiro. — Eu só vou conferir umas coisas do meu documento pra ver se consigo um trabalho novo. 

A mãe, com seus bons sentidos, desconfiou daquilo. Seu filho saindo tarde de casa para bater num lugar controlado pelo estado, vulgo o pior canto que o cidadão comum poderia desejar? Só acreditaria se estivesse louca. 

— Tá certo, filho. Toma cuidado no caminho… Ah, aproveita e passa num lugar pra comprar leite? Acabou hoje. 

Lucas acenou com a cabeça e saiu, fechando a porta atrás de si antes de descer as escadarias. Além disso, ele desativou as zonas por um tempo, ciente que se passasse pela entrada do condomínio, entraria nela. 

Ele tomou um metrô para chegar mais rápido, descendo debaixo de um viaduto bem estranho. Seus passos foram tão rápidos que só faltava correr. O medo de ser assaltado não podia ser maior. 

Parou na frente do tal lugar, a entrada estava meio corroída por musgo, vento e sabe-se-lá mais o que afetou o prédio velho diante de seus olhos. 

A maioria dos outros prédios tinha uma aparência semelhante, aquele distrito da cidade possuía essa aparência velha e decadente. 

“Por que eles não colocam alguns trocados em restaurar esses lugares? Poxa, uma pessoa ficaria é doente se passasse muito tempo por aqui… Eu que espero não passar mais que uma hora aí.”

Empurrou a porta, o cheiro de livro velho atingiu seu nariz, e ele seguiu até um balcão onde havia um senhor na recepção.

— Boa noite. Eu soube que o estado tá comprando coisas, pode me dizer onde eu deixo o que vou vender?

O velho entregou um folheto na mão de Lucas e indicou o caminho por meio do mapinha incluso nele. Por conta da simpatia, nem reclamou, já que o velho era muito gente fina.

Seguiu o caminho por aqueles corredores claustrofóbicos e escorregadios, até enfim se ver de cara com a tal sala de venda. Descobriu ao ver um pedaço de papel colado com fita crepe na porta.

Lá dentro não tinha mais ninguém, então ele só entregou um conjunto pequeno de ervas e fez a passagem básica do CPF, RG, Comprovante de Residência, Foto de Nascimento, digital da cabeça e assim por diante.

Nunca deixava de ser complicado resolver qualquer coisa do governo. Feito isso, a mulher que recebeu seus documentos disse que nos próximos dias ele receberia um e-mail informando sobre a verificação dos produtos.

Lucas ficou mais leve com isso, agora era hora de voltar. No caminho, ele se encontrou com um homem estranho. Era bem alto, de cabelo longo ao estilo metaleiro, mas amarrado em um rabo de cavalo. 

Não só isso, como com certeza o tal homem não era brasileiro, a julgar pelos olhos puxados e maquiagem nada sutil que usava. Sem ser preconceituoso, mas era raro encontrar um homem brasileiro que usasse, ainda assim.

Os dois se encararam, e naquela hora houve uma troca curta e sutil de intenções. Lucas pôde sentir o ar se afinar, como se fugisse dos pulmões, no entanto jamais se rendeu à pressão.

Provavelmente por culpa de diversas experiências de quase morte, ele criou resistência natural a essa aura de predador que os outros criavam. 

Um saiu da vista do outro, cada um seguiu seu caminho, porém o homem oriental parou no instante que Lucas saiu de cena. 

“Quem é ele? Expus minha aura só para dar um susto… mas ele nem se mexeu direito.”

Com uma mão no queixo, seu pensamento foi em parte ocupado pelo garoto, que parecia uma figura em destaque em sua mente. 

Ignorou por um tempo o pensamento, até entrar na sala de itens para averiguar a qualidade das coisas. A maioria era lixo descartável… exceto uma única coisa, uma planta estranha e radiante.

— O que… quem trouxe isso?!? Como algo desse nível pode existir?! Isso… minha nossa… essa coisa vai revolucionar tudo o que aqueles malditos cultivadores já viram!

Xing Xong dizia isso enquanto segurava uma erva da manhã, a mais pura que já viu em sua vida, e também o principal item usado para cultivação, a força motriz dos raiders chineses.



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